index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600952-52.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Horário Eleitoral Gratuito/Inserções de Propaganda, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Televisão]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0600952-52.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL

Advogados do(a) REPRESENTANTE: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - SP256786-A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A
REPRESENTADA: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA
 

 

 

DECISÃO

 

Vistos etc.

Trata-se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil em desfavor da Coligação Brasil da Esperança, por meio da qual impugna a suposta prática de desinformação na propaganda eleitoral gratuita veiculada na televisão, ao argumento de que as inserções de responsabilidade da representada transmitem ao público fatos inverídicos e gravemente descontextualizados de que Jair Messias Bolsonaro, candidato à presidência da República, e sua família estariam envolvidos em escândalo na compra de diversos imóveis com dinheiro em espécie.

A representante argumenta, em síntese, que (ID 158015131):

a) o conteúdo impugnado trata de inserção veiculada na propaganda eleitoral gratuita da Coligação Brasil da Esperança, nos dias 4 e 5 de setembro de 2022, na qual teria sido reproduzido “fato fortemente descontextualizado, o que reforça a ilegalidade dos atos praticados e o reprovável desrespeito do cidadão quanto ao cumprimento das normas eleitorais” (fl. 2), em ofensa à honra e à imagem do candidato à reeleição, assim como à de sua família;

b) em trecho do programa, o locutor narra a seguinte mensagem (p. 2):

Mansão de 20 mil metros quadrados no interior de São Paulo; mansão no Rio de Janeiro; mansão de 6 milhões em Brasília. Esses são apenas 3 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro desde sua entrada na política. A investigação da imprensa revelou outro escândalo: 51 desses imóveis foram pagos em dinheiro vivo, no valor atualizado de 25 milhões. De onde vem tanto dinheiro vivo da família Bolsonaro? É um escândalo tamanho família. 

c) a referida inserção, “produzida mediante mecanismos sofisticados de indução de pensamentos negativos sobre candidato adversário, degrada a boa imagem do representado, ambicionando imputar, no seio do eleitorado, de forma absolutamente descontextualizada e vil, a (falsa) sensação de que ele e seus filhos são agentes políticos desonestos, porquanto possuem mais de uma centena de imóveis adquiridos no exercício de mandatos eletivos, sendo a maioria comprada por meio de ‘dinheiro em espécie’, de origem supostamente ilícita” (fl. 2);

d) é vedada a utilização de informações falsas ou descontextualizadas com o fito de prejudicar candidato, razão pela qual a divulgação da referida propaganda eleitoral afronta o disposto nos arts. 51, IV, e 53, § 1º, da Lei das Eleições; 9º e 9º-A, da Res.-TSE nº 23.610/2019;

e) de acordo com a compreensão doutrinária quanto ao assunto e também em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal, “a garantia da livre manifestação de pensamento não possui caráter absoluto, afigurando–se possível a condenação por propaganda eleitoral negativa, no caso de a mensagem divulgada ofender a honra ou a imagem do candidato, dos partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos (AgR-REspe nº 060027662, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 10.5.2022)” (fl. 5);

f) a propaganda negativa em questão parte de argumento falacioso, por meio do qual se tenta “incutir, na mente dos eleitores, a figura de um Presidente da República desonesto, mediante a utilização de informação falsa, gravemente descontextualizada, o que transborda (e muito!) do campo do debate político aberto, da crítica ácida ou dos exageros de retórica” (fl. 6);

g) a narrativa de que a compra dos imóveis teria se dado por meio de “dinheiro vivo” seria imprópria por dois motivos: primeiro porque não haveria ilicitude na compra de imóveis em espécie e, em segundo lugar, porque no corpo da matéria da UOL que serviu de base à veiculação se diz que os negócios foram realizados “em moeda corrente” – ou seja, pagamento em reais – o que, todavia, é diferente de “dinheiro vivo”, que significa papel moeda ou cédulas;

h) a inserção impugnada, ao acusar o candidato de desonestidade e de corrupção passiva por meio da utilização de informação descontextualizada, revela a prática de discurso de ódio, que é vedada pela legislação de regência e pelo entendimento jurisprudencial desta Corte;

Defende a presença dos elementos autorizadores da concessão da tutela de urgência, alegando o perigo da demora “no fato de que a inserção continua a ser veiculada, podendo produzir nefasto efeito multiplicador [na] rede mundial de computadores contra o Presidente Jair Bolsonaro” (fl. 16), e que a probabilidade do direito se extrai da manifesta violação às normas e aos princípios que regem a matéria, sobretudo as contidas na Lei nº 9.504/1997 e na Res.-TSE nº 23.610/2019.

Requer a concessão de tutela de urgência para que seja determinada a sua “imediata concessão, inaudita altera pars, a fim de que se determine a imediata retirada e se proíba a retransmissão, por quaisquer meios de propaganda, sob pena de crime de responsabilidade, da inserção apontada” (fl. 17).

No mérito, postula pela procedência da representação com fundamento nos arts. 51, inc. IV; 53, § 1º, da Lei das Eleições; 9º e 9º-A, da Resolução nº 23.610/2019, a fim de que seja definitivamente proibida a retransmissão da inserção ora impugnada por qualquer meio de propaganda eleitoral (fl. 17).

É o relatório.

Passo a decidir.

A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, suspender a transmissão de inserção, veiculada nos dias 4 e 5 de setembro, da propaganda eleitoral gratuita da Coligação Brasil da Esperança, na qual, segundo alega, teria sido divulgado fato inverídico, gravemente descontextualizado e ofensivo a Jair Messias Bolsonaro, ao candidato ao cargo de Presidente da República, e sua família.

Aprecio o pedido de tutela provisória de urgência, para indeferi-lo.

Para a concessão de tutelas provisórias de urgência, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora).

Quanto à plausibilidade do direito pleiteado na espécie, a tutela repressiva da Justiça Eleitoral sobre a prática de propaganda eleitoral irregular deve necessariamente observar – sob o manto da ordem constitucional vigente – as liberdades de expressão e de manifestação de pensamento.

Nesse sentido, a orientação jurisdicional deste Tribunal é no sentido de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão” (AgR-REspe 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21/03/2022, g.n.).

Assim, em respeito aos princípios da intervenção mínima e da preponderância da liberdade de expressão, o entendimento do TSE reconhece que “as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato” (REspe nº 0600057–54/MA, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 22.6.2022).

Por sua vez, no que diz respeito à desinformação, esta Corte Especializada teve a oportunidade de conceituá-la como a divulgação de informações manifestamente falsas, deliberadamente criadas para enganar e prejudicar terceiros.

Acrescentou-se, quanto ao tema, o seguinte:

[...] para que a liberdade de expressão seja devidamente assegurada, em princípio, não devem ser caracterizados como "fake news": os juízos de valor e opiniões; as informações falsas que resultam de meros equívocos honestos ou incorreções imateriais; as sátiras e paródias; e as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista. Deve-se usar o conceito de "fake news" para o conteúdo manifestamente falso que é intencionalmente criado e divulgado para o fim de enganar e prejudicar terceiros, causar dano, ou para lucro.

(RESPE nº 972-29/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26/08/2019)

 

Com efeito, conforme o conceito da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) da União Europeia, a desinformação se caracteriza por um acréscimo intencional de elementos falsos, imprecisos ou enganadores aos fatos, capazes de criar uma narrativa destinada a corromper uma dada realidade. A propósito, esclarece que:

Uma notícia, por definição, não é falsa. Falsas são as narrativas que, embora anunciadas como notícias e contendo partes de textos copiados de jornais ou de sites do mesmo género, integram conteúdos ou informações falsas, imprecisas, enganadoras, concebidas, apresentadas e promovidas para intencionalmente causar dano público ou obter lucro. [...]

[...]

Para melhor delimitação do universo em causa, foi adotado como conceito operacional de desinformação toda a informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é susceptível de causar um prejuízo público. [...]

A desinformação não abrange erros na comunicação de informações, sátiras, paródias ou notícias e comentários claramente identificados como partidários e, como já referido, não estão em causa conteúdos ilegais.

(Disponível em: https://www.parlamento.pt/Documents/2019/abril/desinformacao_contextoeuroeunacional-ERC-abril2019.pdf)

 

Na hipótese dos autos, a propaganda impugnada apresenta imagens do candidato e de seus filhos com o seguinte conteúdo em áudio e legenda (ID 158015131, p. 2):

Mansão de 20 mil metros quadrados no interior de São Paulo; mansão no Rio de Janeiro; mansão de 6 milhões em Brasília. Esses são apenas 3 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro desde sua entrada na política. A investigação da imprensa revelou outro escândalo: 51 desses imóveis foram pagos em dinheiro vivo, no valor atualizado de 25 milhões. De onde vem tanto dinheiro vivo da família Bolsonaro? É um escândalo tamanho família.

 

Em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observa-se que a publicidade questionada se baseia, conforme reconhece a própria representante (ID 158015131, fl. 7), em matéria jornalística divulgada na imprensa pelo Portal UOL, na data de 30.8.2022, de modo que a veiculação impugnada não transmite, como alegado, informação gravemente descontextualizada ou suportada por fatos sabidamente inverídicos.

Sobre este último aspecto, o entendimento desta Corte é de que fatos sabidamente inverídicos a ensejar a ação repressiva da Justiça Eleitoral são aqueles verificáveis de plano” (R–Rp nº 0600894–88/DF, Rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 30.8.2018, g.n.), o que não é o caso dos autos, pois a veracidade dos fatos mencionados na propaganda impugnada não foi submetida a apuração das esferas públicas competentes.

Dessa forma, a referência ao termo “dinheiro em espécie” se mostra, à primeira vista, adequado à submissão ao debate público.

Com efeito, no processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos, são essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente (AgR-REspe nº 060045-34/SE, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022)..

Por sua vez, no que diz respeito ao uso das expressões “a imprensa revelou outro escândalo” (ID 158015131, fl. 6) e “de onde vem tanto dinheiro vivo da família Bolsonaro? “É um escândalo tamanho família” (ID 158015131, fl. 7), o alegado caráter irônico e retórico não aparenta ser, à primeira vista, suficiente para caracterizar a propaganda como inverídica ou gravemente descontextualizada, pois, nos termos da jurisprudência desta Corte, “não devem ser caracterizados como ‘fake news’ [...] as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista” (RESPE nº 972-29/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26/08/2019, g.n.).

No texto da propaganda, não se verifica, tampouco, em juízo preliminar, a existência de imputação de crime, ofensa pessoal, ou atribuição de qualificação capaz de atrair o ódio ao candidato, pois sua mensagem não busca atribuir-lhe “características como a de rejeição a determinados extratos sociais, de adoção de pontos de vista ideologicamente extremados e antidemocráticos” (REspEl nº 0600072-23/MA, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Rel. designado(a) Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 10/09/2021).

Ademais, consoante entendimento desta Corte Superior “não se podem considerar referências interpretativas como degradante e infamante. Não ultrapassado o limite de preservação da dignidade da pessoa, é de se ter essa margem de liberdade como atitude normal na campanha” (Rp 2409-91/DF, Rel. designada Min. Cármen Lúcia, PSESS de 25.8.2010).

Assim, ao menos nesse juízo sumário, ausente a plausibilidade das alegações de prática de discurso de ódio ou da presença de fatos sabidamente inverídicos ou de grave descontextualização, não se entrevê a possibilidade da atuação repressora da Justiça Eleitoral, o que, por sua vez, é suficiente para o indeferimento da medida cautelar pleiteada.

Ante o exposto, indefiro o pedido de tutela provisória de urgência.

Determino, por fim, a citação da representada Coligação Brasil da Esperança para que, querendo, apresente sua manifestação no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime-se o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação no mesmo prazo de 2 (dois) dias, com posterior e imediata nova conclusão a esta relatoria.

Publique-se.

Brasília, 8 de setembro de 2022.
 
Ministro PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
Relator