index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600826-02.2022.6.00.0000-[Cargo - Deputado Federal, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600826-02.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Representantes: Coligação Brasil da Esperança – Nacional e outro
Advogados(as): Cristiano Zanin Martins e outros(as)
Representado: Eduardo Nantes Bolsonaro
DECISÃO
REPRESENTAÇÃO. PRETENSÃO DE RETIRADA DE VÍDEOS
DE REDES SOCIAIS. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO.
LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.
Relatório
1. Representação, com requerimento de tutela de urgência, proposta pela Coligação Brasil da Esperança (FE Brasil/Federação PSOL – REDE/PSB/SOLIDARIEDADE/AVANTE/AGIR/PROS) e Luiz Inácio Lula da Silva contra Eduardo Nantes Bolsonaro, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular negativa e veiculação de desinformação na internet.
Afirmam que “o ajuizamento da presente Representação Eleitoral surge diante da veiculação de desinformação pelo Representado, em suas diversas redes sociais (Twitter1 , Instagram2 e Facebook3 ), no sentido de que o candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores “apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos”. Como será melhor demonstrado na sequência, o Representado publicou um material contendo fatos inverídicos e descontextualizados — já desmentidos por veículos de comunicação e agência de checagem —, os quais possuem o condão de atingir a integridade do processo eleitoral” (ID 157945140, p.2 e 3).
Assinalam que, “em 19 de agosto de 2022, o Representado publicou em seu Twitter informação notadamente inverídica de que “Lula e PT apoiam invasões de igreja e perseguição de cristãos”. Na mesma imagem estavam, ainda, recortes descontextualizados de reportagens jornalísticas que versavam sobre assuntos totalmente desconexos com a frase em comento”.
Constam das referidas publicações as seguintes frases, representando recortes de manchetes jornalísticas publicadas em épocas distintas (ID 157945140, p.3):
“PT celebra vitória de ditador Ortega em eleição de fachada na Nicarágua” (9.nov.2021)
“Em entrevista, Lula minimiza ditadura de Ortega na Nicarágua” (23/11/2021)
“Após expulsar freiras, ditadura de Ortega invade igrejas e fecha rádios católicas na Nicarágua” (08/08/2022)
“Polícia da Nicarágua proíbe procissão católica em repressão à igreja no país” (12.8.2022)
E a seguinte legenda, em destaque:
“LULA E PT APOIAM INVASÕES DE IGREJAS E PERSEGUIÇÃO DE CRISTÃOS”
E conntraponto, foto conjunta dos candidatos: “astronauta” Marcos Pontes; Senador Eduardo Bolsonaro, deputado federal; Jair Bolsonaro, presidente; Gil Diniz, deputado estadual; e Tarcísio de reitas, governador, tendo a postagem sido feita com a seguinte frase do representado Eduardo Bolsonaro: “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és” (ID 157945140, p.3).
Aduzem ser nítida a estratégia de desinformação e de "propagação de fake news" pelo representado, pois a publicação “deturpou e descontextualizou quatro notícias a fim de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores apoiam invasão de igrejas e a perseguição de cristãos” (ID 157945140 p. 9-10).
Colacionam reportagem jornalística publicada pela Folha de São Paulo com a manchete: “Lula jamais deu indicação de que iria fechar igrejas evangélicas, ao contrário do que repete Marco Feliciano” (p.5), tendo sido destacado na reportagem que “esta não é a primeira vez que o ex-presidente é alvo de desinformação religiosa” (p. 6), além de afirmarem que agências de checagem, como a Aos Fatos e a Lupa já ratificaram a inveracidade de falas sobre família e igreja atribuídas ao representante (ID 157945140, p.6).
Asseveram que “Lula nunca fechou igrejas nem vai fechar igrejas, tampouco apoiou a perseguição de cristão ao redor do mundo. O ex- presidente sempre respeitou todas as religiões e acredita que a liberdade religiosa é fundamental para a democracia, assim como sabe — e respeita — que a liberdade de crença e culto é um direito assegurado a todos os brasileiros. Qualquer afirmação diversa configura fake news, que visa influenciar negativamente o eleitorado a não votar no ex-presidente” (ID 157945140, p. 8).
Alegam que “as reportagens da Nicarágua, expostas na publicação, de forma alguma afastam esse entendimento, inclusive porque a Direção do Partido dos Trabalhadores desautorizou a suposta nota veiculada sobre o tema – negando apoio a qualquer manifestação ditatorial ou autoritária –, enquanto o ex-presidente Lula foi firme ao defender a manutenção do regime democrático naquele país” (ID 157945140, p. 8-9).
Argumentam que “o Representado, além de compartilhar montagem sem qualquer verossimilhança, ofendeu diametralmente a honra objetiva do ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores, ao passo que tentou vinculá-los, falsamente, com atos tirânicos promovidos em um país distante — sob o qual nenhum dos dois têm qualquer tipo de ingerência. Não há que se falar, portanto, de mera manifestação do pensamento” (ID 157945140, p. 11).
Sustentam estarem presentes os elementos autorizadores do deferimento da liminar requerida.
2. Para comprovação do fumus boni iuris, apontam a “manifesta violação às normas que regem a propaganda eleitoral, prevista na Lei das Eleições e na Resolução n. 23.610/2019 deste c. TSE, de modo a ferir a lisura no processo eleitoral, conforme demonstrado nos tópicos anteriores” (ID 157945140, p. 14 e 15).
Quanto ao periculum in mora, assinalam “a perpetuação de desinformações que maculam a lisura do processo eleitoral, configurando propaganda eleitoral, configurando propaganda eleitoral negativa contra o ex-presidente Lula, por meio de publicações veiculadas na internet” (ID 157945140, p.15).
3. Requerem, liminarmente:
“a. Seja determinado ao Representado que remova os conteúdos desinformadores objeto desta ação, sob pena de multa a ser arbitrada por esta c. Corte, encontrados nas URLs a seguir: https://www.instagram.com/p/ChctxAerE_x/?igshid=MDJm NzVkMjY=; https://twitter.com/bolsonarosp/status/1560675245996257282?s=21&t=qpdLYVt7wyDuDCjlYqoXww;https://www.facebook.com/photo?fbid=624606012357149&s et=a.532082061609545;
b. Seja expedido ofício às empresas Twitter, Facebook e Instagram, determinando a imediata retirada das publicações objeto desta ação;
c. Seja determinado ao Representado que se abstenha de veicular outras publicações que contenham o mesmo teor, sob pena de multa, a ser arbitrada por esta c. Corte” (ID 157945140, p.19).
4. Pedem: “a. A confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as publicações sejam removidas e que o Representado se abstenha de veicular outras com o mesmo teor” (ID 157945140, p. 20).
Examinados os elementos constantes nos autos, DECIDO.
5. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, tal como se dispõe no art. 300, § 3º do Código de Processo Civil.
6. A solução da presente controvérsia jurídica, ainda que em sede liminar, exige uma breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República.
Quando do voto que proferi na Ação Direita de Inconstitucionalidade 6281, no Supremo Tribunal Federal, realcei que “a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (inc. IV, IX e XIV do art. 5º e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral, instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas” (pág. 293 do acórdão).
Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, se alimentam da instabilidade das fake news:
"Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...).
(...)
As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.
A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news (págs. 294 e 297 do acórdão)
Não se cogita, assim, do uso irrestrito e absoluto do direito fundamental à livre manifestação do pensamento. Por isso, é juridicamente possível a restrição desse direito fundamental quando constatada eventual ilicitude no seu exercício.
8. No caso em exame, os representantes pretendem, em tutela provisória de urgência, a remoção de publicações veiculadas nos perfis de rede social pertencentes ao representado (Twitter, Facebook e Instagram), haja vista os conteúdos inverídicos nelas publicados que resultam em desinformação, a configurar propaganda eleitoral negativa e ofensa à honra do candidato representante e do partido ao qual é filiado.
Como relatado, constam das referidas publicações as seguintes frases, representando recortes de manchetes jornalísticas publicadas em épocas distintas (ID 157945140, p.3):
“PT celebra vitória de ditador Ortega em eleição de fachada na Nicarágua” (9.nov.201)
“Em entrevista, Lula minimiza ditadura de Ortega na Nicarágua” (23/11/2021)
“Após expulsar freiras, ditadura de Ortega invade igrejas e fecha rádios católicas na Nicarágua” (08/08/2022)
“Polícia da Nicarágua proíbe procissão católica em repressão à igreja no país” (12.8.2022)
E a seguinte legenda, em destaque: “LULA E PT APOIAM INVASÕES DE IGREJAS E PERSEGUIÇÃO DE CRISTÃOS”
9. Pela jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, “a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa pressupõe pedido explícito de não voto ou, ainda, ato que macule a honra ou a imagem de pré-candidato ou divulgue fato sabidamente inverídico em seu desfavor” (AgR-REspe nº 0600018-36/SP, relator o Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 25.5.2022; AgR-REspe nº 0600016-43/MA, relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 13.12.2021; grifos nossos).
Ademais “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).
10. Na espécie em análise, não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é mensagem ofensiva à honra e imagem de pré-candidato à presidência da República, com divulgação de informação sabidamente inverídica.
A mensagem ofensiva à honra e à imagem do pré-candidato à presidência da República pela coligação representante, imputando-lhe falsamente o apoio “a invasão de igrejas e perseguição de cristãos”, evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação.
11. O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso à postagem por um número cada vez maior de pessoas, o que implica propagação da ofensa à honra e à imagem do pré-candidato.
Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).
12. Pelo exposto, postergando o exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos de periculum in mora e fumus boni iuris, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º - B do art. 17 da Resolução TSE 23608/2019, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que sejam removidos os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos:
1) https://www.instagram.com/p/ChctxAerE_x/?igshid=MDJm NzVkMjY=;
2) https://twitter.com/bolsonarosp/status/156067524599625728 2?s=21&t=qpdLYVt7wyDuDCjlYqoXww; e
3) https://www.facebook.com/photo?fbid=624606012357149&s et=a.532082061609545.
Defiro, ainda, o requerimento de tutela de urgência inibitória e determino que o representado se abstenha de repetir publicações com mesmo o conteúdo das mensagens ora impugnadas e fixo multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para o caso de descumprimento, conforme art. 497, parágrafo único do Código de Processo Civil.
Oficiem-se os provedores de aplicação Twitter, Facebook e Instagram para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019, devendo-se informar a este Tribunal Superior Eleitoral sobre as providências tomadas, no prazo de 48 horas, sob pena de fixação de multa e outras medidas para efetivo cumprimento da presente decisão.
Proceda-se à citação do representado para que apresente defesa, no prazo dois dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.
Na sequência, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para que se manifeste, no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da referida resolução.
Publique-se e intime-se.
Brasília, 1º de setembro de 2022.
Ministra Cármen Lúcia
Relatora