index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600927-39.2022.6.00.0000-[Cargo - Deputado Federal, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0600927-39.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATORA: MINISTRA MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA
Advogados do(a) REPRESENTANTE: CRISTIANO ZANIN MARTINS E OUTROS
REPRESENTADOS: JOSE SALIM MATTAR JUNIOR E OUTROS 
 

 

DECISÃO
 

Trata-se de representação, com pedido liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança, em desfavor de Eduardo Nantes Bolsonaro e outros, sob o argumento da ocorrência de desinformação e de propaganda eleitoral negativa com o objetivo de induzir o eleitorado em erro, tendo em vista suposta descontextualização da fala proferida pelo candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista concedida ao Jornal Nacional, em especial no ponto em que teria afirmado que o agronegócio seria direitista e fascista.

 

A coligação representante alega, em síntese, que (ID 158003224):

 

a) os representados veicularam desinformação por meio de publicações em suas redes sociais, de modo a manipular a opinião pública no sentido “fazer crer que o candidato à Presidência pela Coligação Brasil da Esperança, Luiz Inácio Lula da Silva, teria afirmado que todos os empresários do agronegócio seriam ‘fascistas” (p. 5 – destaquei);

 

b) “a agência de checagem ‘Aos Fatos’ analisou a situação e concluiu que as publicações ora denunciadas distorceram [...] uma declaração por ele proferida durante entrevista concedida ao Jornal Nacional” (p. 5);

 

c) o candidato Luiz Inácio Lula da Silva não chamou todos os empresários do agronegócio de fascistas. Em verdade, o que se constata, a partir da simples visualização da íntegra da resposta oferecida, é que o ex-presidente Lula teria se referido apenas a uma parcela dos empresários do agronegócio, notadamente aquela descompromissada com a preservação do meio ambiente;

 

d) a veiculação de desinformação pelos representados constitui verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos que atingem a integridade do processo eleitoral, nos termos do art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019.

 

Defende a presença dos elementos autorizadores da concessão do pedido liminar, para que sejam determinadas diligências para a identificação dos responsáveis pelas postagens impugnadas, bem assim para que sejam removidas as publicações localizadas nas URLs indicadas no ID 158003226 (Documento de comprovação/publicações denunciadas), anexado à inicial.

 

Ao final, postula a condenação dos representados por propaganda eleitoral irregular e a consequente aplicação de multa.

É o relatório.

 

Passo a decidir.

E, ao fazê-lo, registro que, consoante já tive a oportunidade de enfatizar em decisões anteriores (Rp nº 0600229-33/DF), tenho para mim que a intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso  capazes de  vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.

 

O caso em exame envolve suposta propagação de desinformação, comportamento que vulnera a “higidez e a integridade do ambiente informativo”, valores que justificam e legitimam a intervenção corretiva da Justiça Eleitoral.

 

Isso porque, muito embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré-campanha e também no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem-se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e que estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configuram prática desviante, que gera verdadeira “falha no livre mercado de ideias políticas”, deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha.

 

Daí as preciosas observações de Elder Maia Goltzman, na preciosa obra Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais (Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2022, p. 54), para quem “é preciso empoderar o cidadão para que possa tomar suas decisões relativas à esfera pública de maneira consciente e ancorado em informação de qualidade, não em narrativas fabricadas ou versões construídas e distribuídas para ludibriá-lo”.

 

Em resumo: não há a menor dúvida de que a desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem, como dito, verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã.

 

A identificação, no entanto, daquilo que possa ser enquadrado como conteúdo desinformativo traz significativos desafios.

 

Reconheço que a desinformação não se limita à difusão de mentiras propriamente ditas, compreendendo, por igual, o compartilhamento de conteúdos com elementos verdadeiros, porém gravemente descontextualizados, editados ou manipulados, com o especial intento de desvirtuamento da mensagem difundida, com a indução dos seus destinatários em erro.

 

É o que se extrai da mesma obra doutrinária de Elder Goltzman acima mencionada:

“A falsidade, no contexto da desinformação, não se refere apenas a informações mentirosas ou irreais. Pode ser que o agente se valha de manipulações, contextos falsos, conteúdo fabricado ou outras estratégias (WARDLE; DERAKSHAN, 2017) para chegar ao fim de causar dano.

Por isso, deve-se ter em mente que a desinformação também se vale de elementos reais.

Quando alguém utiliza uma notícia verdadeira, mas antiga, como se fosse atual, para manipular quem a lê, pode-se dizer que está fazendo uso da desinformação. Há elementos verdadeiros envolvidos e pode ser que o autor da reportagem original nem mesmo saiba que ela circula como se fosse atual. Todavia, havendo intenção de prejudicar pessoas ou instituições, há desinformação.

Quando uma autoridade pública concede uma entrevista e alguém, com o dolo de prejudicar, faz cortes que tiram a mensagem do contexto inicial dando uma outra ideia do discurso, há desinformação”.

A despeito da complexidade do fenômeno, a atuação desta Justiça Eleitoral, no combate à desinformação na propaganda eleitoral – atuação a envolver, sempre, uma delicada ponderação concreta entre a preservação da liberdade qualificada de expressão no ambiente político eleitoral e a proteção da liberdade de escolha material do eleitor, sem artificiais induções em erro – deve se pautar objetivamente em um parâmetro: a vedação ao “compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” (art. 9-A da Resolução 23.610 e art. 58 da Lei nº 9.504/97).

É dizer: para que o conteúdo possa ser qualificado como propaganda eleitoral desinformativa, imprescindível a demonstração de que envolve fato sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”, ônus que compete ao autor representante, por ser verdadeiro elemento constitutivo do direito de excepcional restrição discursiva por si buscado.

 

No caso concreto, deu-se o seguinte:

 

Por volta do minuto 34 de sua entrevista ao Jornal Nacional, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva foi indagado sobre a que “ele atribuía” o fato de “grande parte” do setor do agronegócio não o estar apoiando, e, então, foi dada por ele a seguinte explicação:

“A questão da nossa política em defesa da Amazônia;

A nossa política em defesa do Pantanal.

A nossa política em defesa da Mata Atlântica

Ou seja, a nossa luta contra o desmatamento faz com que eles sejam contra nós.

Sabe? É isso!

Considerada tal resposta, a entrevistadora faz a seguinte observação:

“Mas o agronegócio e meio ambiente caminham juntos!”.

A que o candidato oferece a seguinte resposta:

“Mas eles são contra.....”.

Veja-se, de saída, que a resposta inicial do candidato, certa ou errada, bem ou mal, é de conteúdo genérico, comportando a interpretação, certa ou errada, de que se estava a imputar a todo o setor o comportamento de descaso em relação ao meio ambiente.

 

Tanto a resposta apresentada pelo candidato foi ambígua, também comportando o entendimento de que a crítica era dirigida a todo o setor, que a própria entrevistadora, logo em seguida, corrige a generalização constante da fala do candidato e, ela própria, registra o seguinte, dando nova oportunidade para que o candidato adequasse sua fala:

“Agora antes de a gente abordar um pouquinho mais sobre os “sem-terra”, é preciso fazer esse esclarecimento, porque como o Senhor colocou, parece que o setor do agronegócio não tem a ver, é contrário, faz oposição ao meio ambiente, ao meio ambiente sustentável, o que não é verdade”.

Só então, corrigido pela própria apresentadora e, possivelmente, dando-se conta de que sua resposta anterior deu ensejo a múltiplos entendimentos, o candidato responde o seguinte:

“Faz não. Você acabou de ver.

Veja: O agronegócio fascista, sabe, que é fascista e direitista. Porque os empresários sérios, que trabalham no agronegócio, que têm comércio com o exterior, que exportam para a Europa, para a China, esses não querem desmatar”.

Nesse cenário, com todo o respeito devido, não encontro, nas publicações impugnadas, grave descontextualização que tenha alterado substancialmente a fala do candidato, subvertendo-a por completo para que tivesse significação completamente distinta, a ponto de induzir o eleitor em erro.

 

Na verdade, tenho para mim que as falas do candidato, porque ambíguas e genéricas, comportaram inúmeras interpretações, a ponto de ensejarem uma correção ao vivo, pela própria apresentadora, e, após isso, uma nova explicação, agora feita pelo candidato.

 

Tanto é assim, ou seja, tanto a fala do candidato comportava inúmeras leituras, que muitas entidades do setor do agronegócio foram a público externar seu inconformismo, o que foi objeto de matérias jornalísticas por parte de inúmeros veículos credenciados de imprensa:

  1. Valor Econômico: “Agronegócio reage à fala de Lula que chamou parcela do setor de fascista”;

  2. Poder 360: “Parte do agronegócio é fascista e direitista”, diz Lula;

  3. Canal Rural: “Entidades repudiam Lula por fala que associa o agro ao fascismo – Frase foi dita pelo candidato a presidente da República durante entrevista concedida na última semana”.

Interessante observar, neste ponto, recente matéria da Folha de São Paulo, com a seguinte chamada: “Aliado de Lula no agro diz que petista errou e precisa se desculpar por fala sobre fascismo” (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/08/aliado-de-lula-no-agro-diz-que-petista-errou-e-precisa-se-desculpar-por-fala-sobre-fascismo.shtml).

 

Consta da referida matéria jornalística a seguinte passagem:

“O empresário Carlos Ernesto Augustin, umas das principais pontes da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o agronegócio, afirmou à Folha que o petista errou ao se referir a parte do setor como "fascista" em entrevista ao Jornal Nacional, na semana passada.

"Lula não precisava se referir ao agronegócio dessa maneira. Ele generalizou. Eu vou sugerir que ele peça desculpas, não devia ter feito isso. Não é a realidade geral", disse Augustin.

Nesse contexto, portanto, não encontro presentes os pressupostos autorizadores da sempre excepcional intervenção desta Casa no livre mercado de ideias políticas (fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado), especialmente porque, ao que tudo indica, o caso é de emissão de falas que, bem ou mal, deram ensejo a múltiplas interpretações, a ponto de terem merecido correção ao vivo pela própria entrevistadora e a ponto de despertarem, segundo noticia a grande imprensa, debate sobre a necessidade de um pedido de desculpas pelo próprio candidato.

 

            Assim, as postagens questionadas, segundo entendo, navegam com comentários, críticas, sátiras ou análises dentro do espectro possível de significação das falas feitas pelo candidato, sem qualquer grave descontextualização capaz de alterar seu conteúdo sensivelmente, a ponto de induzir o eleitor em erro.

 

De mais a mais, a via da representação não se presta para desfazer mal entendidos, para adequar eventuais afirmações mal colocadas ou para conferir amplitude e visibilidade a eventual corrigenda feita pelo candidato, a quem competirá neutralizar as críticas que sofreu ou vem sofrendo no campo do próprio discurso político.

 

Em caso assemelhado, relativo ao pleito eleitoral de 2018, em que uma específica manifestação de campanha foi feita de modo infeliz, a ponto de ensejar uma correção superveniente, esta Corte asseverou inexistir qualquer fato sabidamente inverídico a legitimar intervenção judicial, cabendo referir, neste ponto, trecho do voto do Ilustre Ministro Alexandre de Moraes (Rp nº 0601494-12):

“[...] Mas o fato existiu, foi desmentido e a interpretação dada pela campanha que vimos não foi única, foi uma interpretação dada por inúmeros meios de comunicação, inclusive fazendo com que fosse necessário um desmentir oficial [...].

[...] este caso não trata de uma informação sabidamente inverídica, até porque nem inverídica é. Do contrário, não haveria necessidade de desmenti-la”.

Como se sabe, este Tribunal Superior já firmou o entendimento de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspEl nº 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).

 

De igual modo, é assente na Suprema Corte que “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional” (ADI no 4451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6.3.2019 – destaquei).

 

Ante todo o exposto, e por entender ser manifestamente infundada a pretensão autoral, nego seguimento à representação, ficando prejudicado o pedido de medida liminar (art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral).

 

Publique-se.

 

Brasília, 5 de setembro de 2022.

 
Ministra MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI
Relatora