index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601143-97.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601143-97.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Representante: Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Nacional
Advogados(as): Walber de Moura Agra e outros(as)
Representado: Augusto de Arruda Botelho Neto – Deputado Federal
Representado: Responsável pela página “@jairmearrependi"
Representado: Storm Ideas Sugar Bond House
DECISÃO
Trata-se de representação, com pedido de tutela de urgência, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista em desfavor de Augusto de Arruda Botelho Neto (candidato ao cargo de deputado federal), do responsável pela página “@jairmearrependi" e de Storm Ideas Sugar Bond House, por veiculação da identidade visual da campanha de Ciro Gomes, mas com o nome e número do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em “filtro” que se acha disponível pela ferramenta Twibbon, a configurar, nos termos da inicial, ofensa ao art. 242 do Código Eleitoral e ao art. 9-A da Res.-TSE nº 23.610/2019, com risco de indução do eleitor em erro e com a criação de narrativa falsa no sentido de que Ciro Gomes estaria a apoiar Luiz Inácio Lula da Silva.
Argumenta, o representante, em síntese, que (ID 158081541):
a) os representados, por meio de veiculação de propaganda na Internet, se apropriam ilegalmente das cores, identidade gráfica e slogan da campanha de Ciro Gomes, “Prefiro Ciro”, para criar artificialmente “estados mentais” capazes de confundir o eleitorado brasileiro, notadamente por percepção mnemônica de identidade visual, conforme verificado nos seguintes links:
“Prefiro Lula13 Presidente Vice Geraldo Alckmin”;
https://twibbon.com/Support/prefiro-lula@jairmearrependi https://mobile.twitter.com/jairmearrependi/status/1569105390205534209
”Prefiro Augusto de Arruda Botelho4004 Deputado Federal”
https://www.instagram.com/p/CilvmYRtszF/?igshid=YzA2ZDJiZGQ=
b) denota-se similitude com a campanha de Lula passando a falsa mensagem ao eleitor de que Ciro Gomes agora estaria apoiando esse candidato;
c) “a criação da identidade visual ‘Prefiro Ciro’ foi realizada precipuamente para fugir da falsa dicotomia de que as preferências eleitorais se resumem a Bolsonaro e a Lula”. Então, ao descontextualizar “esse standard de propaganda, tenta-se utilizar o dístico simbólico da campanha” de Ciro Gomes para fraudulentamente angariar votos para o candidato do PT (p. 6);
d) os representados teriam violado o art. 242 do Código Eleitoral e o art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019 em decorrência de propagação de desinformação, apta a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais confusos.
Requer a concessão de tutela provisória de urgência para que se determine:
i) a suspensão/retirada da Internet de postagens com identidade gráfica e de slogan com a campanha do candidato Ciro Gomes – sob pena de fixação de astreintes – verificada nos seguintes links:
https://twibbon.com/Support/prefiro-lula#
https://www.instagram.com/p/CilvmYRtszF/?igshid=YzA2ZDJiZGQ=
https://mobile.twitter.com/jairmearrependi/status/1569105390205534209
ii) à empresa Storm Ideas Sugar Bond House a entrega em juízo de todos os dados que possibilitem a identificação do administrador do link “https://twibbon.com/Support/prefiro-lula#”; bem como à empresa Twitter para que entregue em juízo todos os dados que possibilitem a identificação do administrador do perfil “@jairmearrependi”, como registros de conexão e de acesso (IPs), nos termos dos arts. 39 e 40 da Res.-TSE nº 23.610/2019, sob pena de multa por eventual descumprimento.
No mérito, postula pelo reconhecimento do ilícito eleitoral e pela remoção definitiva do conteúdo propagandístico impugnado, nos termos do art. 242 do Código Eleitoral e do art. 9°-A da Res.-TSE nº 23.610/2019.
O representado Augusto de Arruda Botelho Neto ofereceu contestação independentemente de citação (IDs 158081820 e 158084158).
É o relatório. Passo a apreciar o pedido de medida liminar veiculado pelo representante.
Para melhor exame da matéria, copio, nesta decisão, a identidade visual da campanha de Ciro Gomes, bem assim o filtro temático da plataforma Twibbon ora questionado, que revelaria, no entender do representante, associação dos símbolos de uma candidatura, com potencial indução do eleitorado em erro e com a construção de narrativa fraudulenta (ID 158081541, p. 5):
De saída, julgo desde logo improcedente esta representação, no que concerne ao candidato a Deputado Federal por São Paulo Augusto de Arruda Botelho Neto, o que faço nos termos do art. 38 da Res.-TSE nº 23.610/2019, porquanto “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático” (Rp nº 0600912-70/DF, de minha relatoria, Mural eletrônico de 13.9.2022; e Rp nº 0600854-67/DF, rel. Min. Raul Araújo, Mural eletrônico de 27.8.2022).
Isso porque o referido candidato sequer fez uso do filtro temático ora questionado e, muito embora tenha feito postagem com o slogan “Prefiro Augusto de Arruda Botelho – 4004 – Deputado Federal”, não se trata da mesma identidade visual, sendo de fácil detecção que os designs de apresentação e disposição da mensagem, a despeito de assemelhados, NÃO SÃO OS MESMOS.
Por outro lado, os riscos invocados pelo representante para justificar a excepcional intervenção da Justiça Eleitoral – indução do eleitor em erro e criação de narrativa fraudulenta de um apoiamento entre candidaturas presidenciais – perdem relevância e sentido na perspectiva de uma candidatura a deputado federal.
Nesse cenário, julgo improcedente esta ação em relação ao candidato a Deputado Federal Augusto de Arruda Botelho Neto.
Por outro lado, em sede de cognição sumária, afasto a plausibilidade jurídica da alegada ofensa ao art. 242 do Código Eleitoral.
Consoante enfatizei na decisão proferida na Rp no 0600896-19/DF, nos termos do art. 10, § 1º, da Res.-TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão”.
Nessa mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático (Rp nº 1201-33/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014).
Aliás, “sendo objetivo da propaganda – ou pelo menos da boa propaganda – exatamente gerar nos seus destinatários os mais variados estados mentais, emocionais ou passionais, impõe-se ao intérprete especiais cautelas na exegese do art. 242 do Código Eleitoral de 1965, sob pena de ser inviabilizada a publicidade das candidaturas” (Rp no 0601044-69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 20.9.2018).
Sempre pertinentes, sob tal aspecto, as lições do saudoso Ministro Gerardo Grossi, expendidas no julgamento de caso histórico (Rp nº 587/DF, PSESS de 21.10.2002), em que conhecida atriz de televisão, em determinada propaganda eleitoral, fazia forte depoimento reconhecendo “ter medo” da vitória da candidatura opositora, o que ensejou interessante debate, nesta Corte, sobre o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 242 do CE (p. 3-4):
[...]
Ao que disse, acrescento que me parece lícito uma pessoa - artista ou não - dizer, publicamente, que tem medo das próprias previsões e análises que faz em torno da vitória de um ou outro candidato à Presidência da República.
3. Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria substância do processo democrático representativo.
[...]
Há, é força confessar, uma certa semelhança entre o dispositivo da Lei de Segurança Nacional e o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 6º da Resolução nº 20.988. A introdução, nestes, do advérbio "artificialmente" não os melhora. Enfim, na propaganda eleitoral, como distinguir, com alguma clareza, o que é ou não artificial?
Nesse mesmo julgamento (Rp no 587/DF, p. 5), igualmente preciosas as observações do Ministro Sepúlveda Pertence a reforçarem a premissa de aplicação apenas em hipóteses excepcionalíssimas da norma proibitiva do art. 242 do CE, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral:
Preocupou-me, na representação que trouxe aqui, a invocação do art. 242 do Código Eleitoral, que é, sim, da redação original do Código. O que introduziu a lei posterior foi apenas a exigência da menção à legenda partidária, e não poderia ser de outra forma.
A frase, esta, sim, nos causa medo. Ela é a recordação inevitável, para mim como para o Ministro Gerardo Grossi, de quantas vezes a ouvimos repetida nas auditorias militares, fruto da doutrina da segurança nacional então imposta como artigo de fé aos países periféricos caídos sob o autoritarismo.
A transposição da Lei de Segurança Nacional para o Código Eleitoral desta vedação de criar pela palavra estados mentais, emocionais ou passionais, vale, na verdade, pela proibição de qualquer propaganda eleitoral verdadeira, e antecipa de certo modo, no Código Eleitoral, aquele ideal a que então não se ousou chegar, o modelo da Lei Falcão, em que só se criava tédio.
De fato, Sr. Presidente, assim como a prognose do paraíso como resultante da eleição de certo candidato, a prognose do inferno como resultado da eleição do adversário, é, sim, mantidos os limites do Direito Penal de certas vedações higiênicas da Lei Eleitoral, o sentido de toda propaganda eleitoral. É, sim, se não criar estados passionais, pelo menos estados mentais e emocionais favoráveis ao candidato que se promove, desfavoráveis ao candidato que se critica.
Passo, agora, a analisar a alegação de que a utilização de toda a identidade visual de uma determinada candidatura, em favor de candidatura distinta, revelaria situação de ilegalidade, em especial por estar inserida no contexto de construção de falsa narrativa, no sentido de que Ciro Gomes estaria a apoiar, agora, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em ofensa ao art. 27, § 1º, c.c. o art. 9º-A da Res.-TSE no 23.610/2019.
Consoante tenho pontuado em diversas decisões, o meu entendimento pessoal é no sentido do minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas, de sorte a conferir tratamento preferencial à liberdade de expressão e ao direito subjetivo do eleitor e da eleitora de obter o maior número de informações possíveis para formação de sua escolha eleitoral, inclusive para aquilatar eventuais comportamentos supostamente desleais ou inapropriados.
No entanto, o Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo (Rp no 0600557-60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022). Também assim, o recentíssimo julgamento da Rp no 0600851-15, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022, ocasião em que esta Casa voltou a destacar o direito do eleitorado não apenas de ter acesso a mais ampla informação, mas, também e sobretudo, à informação “verdadeira” e “não fraudulenta”, com o que se conferiu a esta Casa um “dever de filtragem” mais fino.
Sendo essa, portanto, a métrica fixada pelo Plenário da Casa, verifico, nesse juízo sumário, que o caso em análise pode envolver peculiar situação de “desinformação visual”, derivada da indevida utilização da “logomarca” de campanha de Ciro Gomes, com o nome e o número de urna de candidatura diversa.
Registro, antes de tudo o mais, que a temática não será analisada na perspectiva do Direito Marcário, mas, exclusivamente, sob o enfoque da possível construção de narrativa sabidamente inverídica, em prejuízo de uma das candidaturas em disputa.
A apropriação e reprodução da identidade visual desenvolvida por uma campanha, em favor de outra, pode gerar dúvidas no eleitorado e servir como mais um elemento na construção de narrativa inverídica de apoiamento de um candidato ao outro, em ofensa ao art. 27, § 1º, c.c. o art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019.
Muito embora a legislação eleitoral propriamente dita não contenha dispositivo específico que tutele a simbologia das campanhas eleitorais, o tema não é estranho a esta Corte, tendo em vista que a Lei nº 9.096/1995, no § 3º do seu art. 7º, é clara ao estabelecer que “o registro do estatuto do partido no Tribunal Superior Eleitoral assegura a exclusividade da sua denominação, sigla e símbolos, vedada a utilização, por outros partidos, de variações que venham a induzir a erro ou confusão”.
A ratio subjacente ao referido dispositivo, segundo entendo, aplica-se com inteireza ao caso ora em exame, pois até mesmo as “variações” na simbologia de determinado partido político, capazes de gerar confusão nos cidadãos e nas cidadãs, foram proibidas pela norma.
Tudo a revelar, neste juízo sumário, a existência de espécie de “tutela eleitoral” da identidade visual das agremiações partidárias, em tudo aplicável às campanhas eleitorais, o que se faz não em proteção aos direitos de propriedade intelectual (matéria própria do direito privado), mas, isso sim, considerada a imperiosidade de proteção do eleitorado contra indevidas induções em erro capazes de interferirem no momento de exercício da liberdade informada de escolha.
Nesse cenário, tenho para mim, em juízo precário, que a disponibilização, no sítio do Twibbon, de filtro temático em que a identidade visual de campanha de Ciro Gomes é utilizada com o nome e o número de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva pode configurar “desinformação visual”, com aptidão para induzir o eleitor em erro e com potencialidade para alimentar narrativa inverídica de que uma candidatura estaria a apoiar a outra, em ofensa ao art. 27, § 1º, c.c. o art. 9º-A da Res.-TSE no 23.610/2019.
Uma observação final se faz necessária: não há, nestes autos, NENHUM INDICATIVO de que a iniciativa de desenvolvimento e propagação do referido filtro tenha sido patrocinada ou estimulada pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, que sequer foi indicada para compor o polo passivo desta representação. Tudo leva a crer, ao que parece, que se tratou de movimento espontâneo e orgânico, próprio das redes sociais, mas, ainda assim, capaz de fomentar e alimentar uma narrativa desinformativa, a atrair a profilática atuação desta Corte, nos termos da métrica de intervenção judicial fixada pelo Plenário deste E. Tribunal.
Ademais, como se sabe, o art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 é claro ao estabelecer que a “livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando [...] divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”, o que parece ser a hipótese dos autos.
Nesse contexto, parece-me suficiente, em sede cautelar, para fazer cessar a situação de risco desinformativo suscitado pelo autor, a suspensão da URL “https://twibbon.com/Support/prefiro-lula#”, com o que restará sustado o uso do mencionado filtro.
Ante todo o exposto, julgo improcedente esta ação em relação a Augusto de Arruda Botelho Neto (art. 36, § 6º, do RITSE), e defiro em parte o pedido de medida liminar, o que faço para suspender a URL “https://twibbon.com/Support/prefiro-lula#”.
Oficie-se o provedor de serviço Storm Ideas Sugar Bond House, por meio do e-mail fornecido com a inicial (hello@StormIdeas.com), bem como todos os provedores de conexão cadastrados no TSE, para cumprimento da determinação judicial de suspensão, no prazo de 48h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019, sob pena de aplicação de multa, em caso de descumprimento.
Notifique-se, ainda, a Anatel para a efetividade do cumprimento desta determinação judicial.
Para além disso, a própria URL ora suspensa indica como responsável pelo desenvolvimento do filtro ora tido como irregular e pelo lançamento da campanha pelo seu uso o perfil no Twitter “@jairmearrependi”, razão pela qual, com fundamento no art. 17, § 1º, da Res.-TSE nº 23.608/2019 e na jurisprudência desta Casa (Rp no 06008445-08/DF e Rp no 0600850-30/DF, ambas de minha relatoria, PSESS de 1º.9 e 13.9.2022, respectivamente), determino à referida plataforma que informe, no prazo de 24 horas, os dados de acesso e registro, bem como o endereço de IP, a fim de se identificar o responsável pelo perfil “@jairmearrependi”, sob pena de multa diária, ora fixada no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Nos termos do art. 2º da Portaria-TSE nº 791/2022, submeto a decisão ao referendo do Plenário.
Intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para que se manifeste na forma do art. 19 da Res.-TSE no 23.608/2019.
Publique-se.
Brasília, 23 de setembro de 2022.
Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Relatora