index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600891-94.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO Nº 0600891-94.2022.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Representante: Simone Nassar Tebet

Advogado: Ricardo Vita Porto

Representado: Partido da Causa Operária (PCO) – Nacional

Representado: Magno de Souza

 

 

 

 

DECISÃO

 

 

 

Trata-se de representação, com pedido de liminar, fundada no art. 96 da Lei nº 9.504/1997, ajuizada por SIMONE NASSAR TEBET, candidata ao cargo de Presidente da República nas eleições de 2022, em desfavor do PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA (PCO) – ESTADUAL e de MAGNO DE SOUZA, candidato ao cargo de Governador do Estado de Mato Grosso do Sul no referido pleito, por meio da qual impugna a divulgação, na Internet, de propaganda eleitoral negativa e de desinformação, consistente na associação da representante à morte de indígenas e de crianças.

A representante alega que o candidato a governador Magno de Souza, indígena Guarani Kaiowá, teria divulgado falas caluniosas no 11º Congresso Nacional do PCO, as quais foram disponibilizadas no canal da agremiação no YouTube, em 13.8.2022, com o seguinte teor (ID 157980971, p. 1 – grifo no original):

 

Em vez de ajudar nós, eles não ajudam. Em vez de ajudar, eles vai lá e mete bala, queima casa, atropela nós de camioneta. E tudo isso, vários meus patrícios que morreram no Amambai, foi tudo pelo mando da Simone Tebet. Então ela é uma verdadeira inimiga nossa. Do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

Aduz que também houve divulgação de ofensa na publicação de um vídeo na conta do partido representado no Twitter, no dia 29.8.2022, com imagens de um sepultamento de um indígena, que contaria com a seguinte legenda (p. 2):

 

Simone Tebet é uma das representantes dos latifundiários do Mato Grosso do Sul, os maiores assassinos de indígenas do Brasil. Em Dourados os Guarani Caiouá são todos os dias massacrados pelos pistoleiros, este é um enterro de um dos índios assassinados pelos amigos de Tebet.

 

Afirma, ainda, que a mesma ordem de insultos teria sido veiculada no site da referida agremiação, com os títulos “Tebet foi responsável por massacre contra índios em Dourados” e “Tebet quer reviver os assassinatos de crianças da Era FHC” (p. 3).

Argumenta que “o conteúdo veiculado por meio do vídeo no YouTube, da publicação no Twitter e da ‘reportagem’ no site do PCO não podem ser tolerados, pois, por meio do crime de calúnia e de fato sabidamente inverídico, faz-se propaganda eleitoral negativa do Requerente” (p. 4).

Assevera que tal comportamento dos representados afronta os arts. 22, inciso X, e 27, § 1º, ambos da Res.-TSE nº 23.610/2019 e cita, também, entendimento jurisprudencial deste Tribunal no sentido de que:

 

[...] a liberdade de manifestação do pensamento não constitui direito de caráter absoluto no ordenamento jurídico pátrio, pois encontra limites na própria Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X, da CF/88). Outrossim, o Código Eleitoral, no art. 243, IX, dispõe que "não será tolerada propaganda que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública".

(AgR-REspEl nº 0600100-88/MA, rel. Min. Jorge Mussi, publicado em 26.8.2019)

 

Destaca ainda decisão proferida sob a relatoria do Min. Edson Fachin no AgR-AREspEl nº 0600228-53/GO, DJe de 16.9.2021, na qual ficou assentado que “a livre manifestação do pensamento não encerra um direito de caráter absoluto, de forma que ofensas pessoais direcionadas a atingir a imagem dos candidatos e a comprometer a disputa eleitoral devem ser coibidas, cabendo à Justiça Eleitoral intervir para o restabelecimento da igualdade e normalidade do pleito ou, ainda, para a correção de eventuais condutas que ofendam a legislação eleitoral” (p. 5).

Acrescenta tratar-se, na espécie, de conteúdo nitidamente político-eleitoral, pois as manifestações lhe imputam falsamente a prática de crimes durante o processo eleitoral, em que figura como candidata.

Defende a presença dos elementos autorizadores da concessão da tutela de urgência, estando evidenciada a probabilidade do direito na “patente ilegalidade das falas, dos vídeos e das mensagens veiculadas pelos Representados, em que a candidata é associada a bárbaros crimes” (p. 6). O perigo da demora, por sua vez, residiria no fato de estar disponível na Internet o material impugnado, uma vez que “a manutenção do vídeo até o julgamento definitivo da representação irá, com toda certeza, prejudicar sobremaneira o bom desenvolvimento da campanha da Representante, em especial se se considerar que faltam 30 dias para o pleito” (p. 6).

Requer, assim:

a) a notificação dos representados para apresentarem defesa;

b) a inclusão da Twitter Brasil Rede de Informação Ltda. e da Google Brasil Internet Ltda. como terceiras interessadas;

c) o deferimento da tutela provisória para que seja determinado que os representados, sob pena de multa, se abstenham “de propalar a falsa informação de que a Representante é responsável pelo assassinato (ou quaisquer expressões assemelhadas) de indígenas ou de crianças, bem como que retire imediatamente o conteúdo veiculado nas seguintes URL:

 

https://www.causaoperaria.org.br/rede/dco/moradia-e-terra/indigenas-e-quilombolas/tebet-foi-responsavel-por-massacre-contra-indios-em-dourados/

 

https://www.causaoperaria.org.br/rede/dco/economia/tebet-quer-reviver-os-assassinatos-de-crianca-da-era-fhc/” (p. 7);

 

d) “que a GOOGLE BRASIL, dona da plataforma Youtube, seja comunicada, no e-mail juridicobrasil@google.com para retirar o vídeo identificado na seguinte URL: https://www.youtube.com/watch?v=TW8vtwQzKpU&t=84s” (p. 7);

e) “que o TWITTER BRASIL seja devidamente comunicado no e-mail juridicoeleicoes2022@twitter.com para, em caráter liminar, RETIRAR a postagem: https://twitter.com/mpco29/status/1564270397985398784” (p. 7-8); e

f) seja, ao final, julgada procedente a representação, “com a confirmação das liminares acima pleiteadas e com a extração de cópias e envio ao d. Ministério Público Eleitoral para apurar os crimes contra a honra de que tratam os artigos 324, 325, 326 do Código Eleitoral” (p. 8).

É o relatório.

Decido.

 

Conforme relatado, esta representação foi proposta por candidata ao cargo de Presidente da República nas eleições de 2022 sob a alegação de que estaria ocorrendo a divulgação, na Internet, de propaganda eleitoral negativa e de desinformação que lhe seria prejudicial, pois seu conteúdo a associaria a atos criminosos, como o assassinato de indígenas e de crianças.

Cumpre, inicialmente, verificar a competência desta Corte para o processamento e julgamento da representação.

Nos termos do art. 96, III, da Lei nº 9.504/97 e do art. 3º, I, da Res.-TSE nº 23.608/19, nas eleições presidenciais, as representações relativas ao descumprimento das normas da Lei das Eleições devem dirigir-se ao Tribunal Superior Eleitoral.

Ao interpretar essas disposições, a jurisprudência desta Corte entendeu que a competência do TSE estará configurada mesmo que candidato à Presidência da República figure na ação na condição de representante, pois, “à falta de disciplina legal expressa, a regra estabelecida no inciso III do art. 96 da Lei nº 9.504/97 assegura aos candidatos a presidente da República, na condição de autor ou réu, foro especial” (Rp nº 434/DF, Rel. Min. Caputo Bastos, PSESS de 10/09/2002).

Orientação semelhante foi adotada em decisão unipessoal proferida por juiz auxiliar com atuação nesta Corte, na qual, no exame de hipótese em que a manifestação impugnada foi divulgada em propaganda referente a cargo de senador, se acrescentou que:

 

“Não obstante tratar-se de propaganda em horário destinado a candidatos ao Senado Federal, houve indicação de apoio à candidatura [...], à Presidência da República. Desse modo, aplica-se o disposto no art. 96, III, da Lei nº 9.504/97, segundo o qual compete ao Tribunal Superior Eleitoral julgar representações com repercussão na eleição presidencial.”

(Rp nº 1145-97/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, publicada no mural em 24/09/2014, g.n.)

 

Assim, como a representante é candidata ao cargo de Presidente da República e como, na forma alegada na inicial, a propaganda objurgada tem a possibilidade de repercutir no pleito relativo ao referido cargo, verifica-se que, na espécie, o TSE é competente para o processamento e julgamento da representação.

Superada essa questão, aprecio o pedido de tutela provisória de urgência, para deferi-lo parcialmente.

Para a concessão de tutelas provisórias de urgência, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora).

No que diz respeito à plausibilidade do direito, os art. 243, IX, o Código Eleitoral, e 22, X, da Res.-TSE nº 22.610/19, dispõem que não pode ser tolerada a propaganda eleitoral que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como a que atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.

Caracterizada essa modalidade de propaganda eleitoral irregular, a Justiça Eleitoral poderá determinar a retirada de publicações em sítios da internet, na forma dos arts. 30, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/19 e 57-D, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Contudo, a tutela jurisdicional sobre a prática de propaganda irregular deve necessariamente observar que, sob o manto da ordem constitucional vigente, a liberdades de expressão e de manifestação de pensamento devem ser asseguradas, inexistindo, por esse motivo, a possibilidade de concessão de liminar que implique a censura prévia.

Com efeito, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e de garantir a menor intervenção possível no debate democrático, o art. 38, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/19 prevê que as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que forem constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Por sua vez, o § 2º do art. 41 da Lei nº 9.504/97 e o § 2º do art. 6º da Res.-TSE nº 23.610/19 vedam o exercício do poder de polícia da Justiça Eleitoral que configure censura prévia sobre o teor de manifestações.

Na presente hipótese, em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observo que a representante logrou demonstrar de forma suficientemente satisfatória que as manifestações impugnadas são, em tese, capazes de conspurcar sua honra, porquanto a responsabilizam ou a associam a assassinatos de índios e crianças, o que contraria os art. 243, IX, o Código Eleitoral, e 22, X, da Res.-TSE nº 22.610/19.

Evidenciou a representante, ainda, o perigo na demora da prestação jurisdicional, tendo indicado que a manutenção da divulgação das declarações atacadas durante o período eleitoral pode, teoricamente, ter repercussão na sua imagem de candidata, porquanto, em ao menos uma das publicações capazes de enodoá-la, há expressa referência à sua candidatura, apresentada como “da Terceira Via” (fl. 3).

Nessas circunstâncias, nesse juízo perfunctório, o pedido de retirada do conteúdo da Internet encontra amparo nos dos arts. 30, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/19 e 57-D, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Todavia, o pedido de tutela de urgência deve ser deferido apenas parcialmente, uma vez que a imposição aos representados de obrigação de se absterem de divulgar novas informações como as questionadas na presente representação, sob pena de multa, configuraria indevida censura prévia, proibida pelo § 2º do art. 41 da Lei nº 9.504/97 e o § 2º do art. 6º da Res.-TSE nº 23.610/19.

 

Ante o exposto, com fundamento no art. 38, § 4º, da Res.TSE nº 23.610/19, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de tutela de urgência para determinar A NOTIFICAÇÃO do GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, do TWITTER BRASIL e do PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA – PCO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL para que, no prazo de 24 horas, suspendam a divulgação do conteúdo divulgado nas URL’s mencionadas à fl. 6 da petição inicial até o julgamento final da presente representação por este Tribunal Superior, sob pena de multa diária e com a advertência da possibilidade de incidência das consequências previstas no art. 57-F da Lei nº 9.504/97.

Determino a CITAÇÃO DOS REPRESENTADOS, para que, querendo, apresentem sua manifestação no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE no 23.608/2019.

Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, INTIME-SE o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação no mesmo prazo de 2 (dois) dias, com posterior e imediata nova conclusão a esta relatoria.

Publique-se.

Intimem-se.

 

Brasília, 2 de setembro de 2022.

 

Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Relator