REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0600847-75.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugenio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representado: Roger Rocha Moreira 

Representada: M&T Comunicação Digital Ltda.

Representado: Responsável pelo perfil “Direita Brasil Avante BR” @direita_brasil_avante no Instagram

Representado: Responsável pelo sítio https://horabrasilia.com.br

Representado: Responsável pelo sítio https://jornalcaminhoneiro.com

Representado: Responsável pelo perfil “Flogão Elite @feng153”

 

  DECISÃO

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESINFORMAÇÃO. INDUÇÃO A ERRO. PLAUSIBILIDADE E RELEVÂNCIA DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório

1. Representação, com requerimento liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Roger Rocha Moreira, M&T Comunicação Digital Ltda., responsável pelo perfil @direita_brasil_avante no Instagram, pelo sítio https://horabrasilia.com.br, pelo sítio https://jornalcaminhoneiro.com e pelo perfil @feng153, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na internet.

A representante alega que os representados propagaram desinformação em seus perfis nas redes sociais com o intuito de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva iria eliminar o agronegócio no Brasil.

 

Afirma que o representado Roger Rocha Moreira “realizou 2 (duas) postagens em seu perfil da rede social Twitter, nas quais afirma que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, se eleito, eliminaria o Agronegócio em atuação conjunta com o Movimento Sem Terra (MST)” (ID. 157955404, p. 3), bem como publicou a seguinte afirmação: “agronegócio deve ser eliminado da terra, diz Lula e MST- Compre Rural” (p. 4).

 

Ressalta que o representado @BrazilFight – FamíliaDireitaBrasil publicou imagem onde há a mesma desinformação de que o ex-presidente teria afirmado que acabaria com o agronegócio: ‘Agronegócio deve ser eliminado da terra, diz Lula e MST’” (p. 6), os representados Hora Brasília, Flogão Elite e Jornal do Caminhoneiro publicaram o idêntico texto, na mesma data de 4.8.2022.

 

Aduz cuidar-se de “uma ação coordenada entre os Representados, com postagens que comportam os mesmos comandos e publicadas dentro do mesmo interstício de tempo (entre os dias 3, 4 e 5 de agosto de 2022), em verdade, é que se trata de conteúdos de desinformação e que têm como objetivo distorcer a percepção e opinião do eleitor quanto ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva” (p. 8).

 

Sustenta que as agências de checagem comprovaram “a natureza inverídica da informação (...) que o Ex-presidente Lula nunca prometeu eliminar o agronegócio brasileiro” (p. 10).

 

Informa que “o candidato, em seu governo, promoveu inúmeras medidas de incentivo e subsídio ao agronegócio brasileiro (...) para instituir medidas de estímulo à liquidação ou regularização de dívidas originárias de operações de crédito rural e de crédito fundiário, exonerando o passivo dos produtores do agronegócio” (p. 13).

 

Assevera “que as publicações objeto desta ação contrariam o art. 9º-A e o art. 27 da Resolução nº 23.610/2019” (p. 17) e ainda que “o art. 22, inciso X da Resolução-TSE n. 23.610/2019, diz que não será tolerada propaganda que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa” (p. 18).

 

Defende estarem presentes os elementos autorizadores da concessão do pedido liminar.

 

Para comprovação da plausibilidade do direito, aponta a “violação às normas e aos princípios que regem a propaganda eleitoral, sobretudo a Res.TSE-nº 23.610/2019 deste c. TSE, de modo a ferir a lisura do processo eleitoral” (p. 19).

 

Para a comprovação do perigo da demora, assinala a “perpetuação de desinformações que maculam a lisura do processo eleitoral, configurando propaganda eleitoral negativa contra o ex-presidente Lula, por meio de publicações veiculadas na internet” (p.19).

 

Requer tutela de urgência para que sejam determinadas diligências para: a) a identificação dos seguintes responsáveis, nos termos do art. 17, §§ 1º e 1º-B, da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior: perfis @BrazilFight no Twitter, @feng153 no Facebook, sítio horabrasilia.com.br e sítio jornalcaminhoneiro.com; b) a remoção das publicações impugnadas, encontradas nas URLs indicadas; c) a abstenção dos representados de veicular notícias com o mesmo teor; (iv) bem como a notificação das empresas Facebook e Google.

 

No mérito, pede a confirmação da medida liminar e a aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), prevista no art. 36 da Lei n. 9.504/1997, a cada um dos representados.

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO

 

2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

 

O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, tal como se dispõe no art. 300, § 3º, do Código de Processo Civil.

 

A solução desta controvérsia jurídica, ainda que em sede liminar, exige uma breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República.

 

Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281, no Supremo Tribunal Federal, realcei que [...] a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas (p. 293 do acórdão).

 

Naquele voto, também observei  a gravidade da ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, se alimentam da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news:

Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas [...].

[...]

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news (p. 294 e 297 do acórdão).

Não se cogita do exercício absoluto do direito fundamental à livre manifestação do pensamento em detrimento de pessoa ou instituição. Por isso, é juridicamente possível a restrição desse direito fundamental quando constatada eventual ilicitude no seu exercício.

 

3. No caso em análise, a representante pretende, em tutela provisória de urgência, a remoção de publicações em redes sociais expondo informações inverídicas, para induzir o eleitor a crer que Lula iria eliminar o agronegócio no Brasil.

 

Aduz tratar-se de estratégia de desinformação, com evidente distorção dos fatos, para que o cidadão conclua que a fala “agronegócio deve ser eliminado da Terra” (p. 5) seja atribuída ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

 

As postagens nas redes sociais dos representados apresentam conteúdo produzido para desinformar, pois a mensagem transmitida, como atestado pelas agências de checagem de informação e de imprensa, não se respaldo nos dados de fato (p. 10-12).

 

Não se cuidam de críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é divulgação de mensagem sabidamente inverídica em ofensa à imagem do candidato com inegável desinformação do eleitor.

 

A jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral firmou-se no sentido de que: “A livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe n. 0600396-74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).

 

Também da orientação jurisprudencial deste deste Tribunal Superior que ”as ordens de remoção de propaganda irregular, como restrições ao direito à liberdade de expressão, somente se legitimam quando visem à preservação da higidez do processo eleitoral, à igualdade de chances entre candidatos e à proteção da honra e da imagem dos envolvidos na disputa” (REspEl n. 529-56/RJ, Relator o Ministro Admar Gonzaga, DJe de 20.3.2018).

 

A veiculação de mensagem comprovadamente inverídica, no caso analisado, evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação.

 

O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso à postagem por número cada vez maior de pessoas, o que importa propagação da ofensa à honra e à imagem do candidato e desinformação eleitoral inválida.

 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).

 

4. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da comprovação da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Res.-TSE da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que sejam removidos os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos:

 

https://twitter.com/roxmo/status/1554844372512002049  

https://twitter.com/roxmo/status/1554948107128946692  

https://twitter.com/BrazilFight/status/1554892341248499720  

https://www.comprerural.com/agronegocio-deve-ser-eliminado-daterra-diz-lula-e-mst/  

https://web.archive.org/web/20220804195252/https://horabrasilia.com.br/agronegocio-deve-ser-eliminado-da-terra-afirma-lula-e-mst/  

https://web.archive.org/web/20220804195206/https://jornalcaminhoneiro.com/agronegocio-deve-ser-eliminado-da-terra-diz-lula-e-mst/  

https://jornalcaminhoneiro.com/agronegocio-deve-ser-eliminado-daterra-diz-lula-e-mst/   

https://www.comprerural.com/agronegocio-deve-ser-eliminado-daterra-diz-lula-e-m

 

Quanto ao perfil https://www.facebook.com/591126577645632/posts/5365733893518186, conclui-se, nesta data, que a informação não está mais disponível. 

 

Oficiem-se os provedores de aplicação Twitter, Facebook e Google, para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24 horas, conforme o § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, devendo este ser informado sobre as providências tomadas, no prazo de 48 horas, sob pena de fixação de multa e outras medidas para efetivo cumprimento desta decisão.

 

Defiro, ainda, a expedição de comunicação para que a empresa controladora e provedora do Twitter, Facebook e Google informe, no prazo máximo de cinco dias, todos os dados que possibilitem a identificação dos administradores dos seguintes perfis (com registros de conexão e acesso): @BrazilFight, @feng153, sítio https://horabrasilia.com.br e https://jornalcaminhoneiro.com .

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, de 5 de setembro de 2022.

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora