index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600931-76.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0600931-76.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATORA: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA
Advogados do(a) REPRESENTANTE: VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - SP153720, ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE - DF59906, MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - DF57469-A, MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA - DF70190, MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - DF48704, MARIA DE LOURDES LOPES - SP77513, MARCELO WINCH SCHMIDT - DF53599-A, GUILHERME QUEIROZ GONCALVES - DF37961, GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR - DF61174-A, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - DF4935-A, EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - SP464676, CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730, ANGELO LONGO FERRARO - DF37922-S, VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - SP448673
REPRESENTADO: OSCAR ANIBAL CHIAPPANO, RESPONSÁVEL PELO CANAL "VALDIR GOMES, O BARBA RUIVA", NO YOUTUBE
 

DECISÃO

 

REPRESENTAÇÃO. PRETENSÃO DE RETIRADA DE VÍDEO DESINFORMATIVO DO YOUTUBE E DO FACEBOOK. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS

Relatório

 

1. Representação, com requerimento de medida liminar, proposta pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Oscar Anibal Chiappano e do responsável pelo canal “Valdir Gomes, O BARBA RUIVA”, no YouTube, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular negativa e veiculação de desinformação na internet, relacionada a pretensa inelegibilidade do candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva.  

Alega que os representados teriam divulgado, em suas redes sociais Facebook e YouTube, em 1º.9.2022, desinformação no sentido de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva estaria fora da disputa das eleições deste ano devido a decisão recente proferida pelo Colegiado do Tribunal Superior Eleitoral. 

Afirma que a divulgação da informação inverídica e descontextualizada, desmentida por diversos veículos de comunicação e agências de checagem, tem o condão de atingir a integridade do processo eleitoral e de induzir a opinião pública a falsa conclusão, com o intuito de macular a imagem do candidato representante e de prejudicá-lo nas eleições vindouras. 

Assevera que a desinformação em comento surgiu de entrevista concedida pelo representado Oscar Anibal Chiappano na qual, por mais de 20 minutos, narrou-se suposta decisão judicial que teria cassado a candidatura do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para as eleições de 2022. Essa fala foi reproduzida integralmente pelo responsável pelo canal no YouTube “Valdir Gomes, O BARBA RUIVA” e anunciada como se fosse notícia recente, seguida de vídeo do plantão da TV Globo, que informava o indeferimento do registro do candidato Lula. O vídeo era relativo ao pleito de 2018. 

Ressalta ter havido, assim, divulgação de fato sabidamente inverídico, pois propagada notícia antiga, com evidente distorção temporal, objetivando causar a impressão de que se tratava de informação contemporânea e de “induzir a opinião pública a uma conclusão inverídica e absurda, de modo sorrateiro e desonesto, na tentativa ilícita de interferir no processo eleitoral, ao atingir milhares de pessoas com a desinformação” (ID 158003955, p. 7). 

Assevera que a notícia falsa teria tido, até o momento da interposição da ação, mais de 16.845 visualizações e 163 comentários no canal “Valdir Gomes, O BARBA RUIVA”, que tem mais de 485 mil inscritos. Já o representado Oscar Anibal Chiappano, seguido por mais de 37.575 usuários, publicou trecho do vídeo descontextualizado do plantão da TV Globo em seu perfil da rede social Facebook e, além do vídeo (que tem mais de 6,2 mil visualizações e 108 comentários), escreveu a frase “glória glória aleluias”, com o intuito de exaltar a suposta, e já desmentida, notícia de inelegibilidade do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. 

Sustenta ser inegável a estratégia de desinformação e de propagação de fake news empregada pelos representados, sendo que a afirmação não tem qualquer respaldo fático. Colaciona reportagem jornalística publicada pelo jornal Estadão com a manchete “Vídeo de plantão da TV Globo sobre rejeição de candidatura de Lula é de 2018, não de 2022” (ID 158003955, p. 8) e ressalta que “mensagens no WhatsApp resgatam vídeo em que Renata Lo Prete anuncia decisão do TSE de barrar registro do petista com base na Lei da Ficha Limpa” (ID 158003955, p. 8), além de afirmar que diversas outras agências de checagem, como a www.boatos.org, também já ratificaram a inveracidade da notícia.  

Argumenta que a veiculação das informações falsas pelos representados constitui prática antijurídica, que afeta a liberdade de conhecimento dos cidadãos, em desacordo com o estabelecido no art. 9º-A e no § 1º do art. 27 da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior.  

Defende estarem presentes os elementos autorizadores do deferimento do pedido liminar, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, estando o perigo da demora na continuidade das desinformações veiculadas na internet, que, quando compartilhadas e espalhadas em velocidade exponencial, maculam a lisura do processo eleitoral pelo alcance de seu impacto negativo, e a plausibilidade jurídica na manifesta afronta às normas e aos princípios que regem a propaganda eleitoral, sobretudo à Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior. 

Requer tutela de urgência para que sejam determinadas diligências, nos termos dos §§ 1º e 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, para a identificação do responsável pelo canal “Valdir Gomes, O BARBA RUIVA”, no YouTube (https://www.youtube.com/c/ValdirGomesRECEITASCULIN%C3%81RIASEDIAAS).  

Requer, ainda, a remoção das publicações localizadas nas URLs indicadas na inicial e a abstenção dos representados de veicular outras publicações com o mesmo conteúdo, sob pena de multa (ID 158003955, p. 18) e a expedição de ofício às empresas Facebook e YouTube, determinando a imediata retirada das publicações objeto desta ação.  

Pede a confirmação da medida liminar, com a condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/1997, a cada um dos representados. 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

2. Para efeito de liminar - e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa -, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, conforme previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. 

O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil. 

3. A solução desta controvérsia jurídica, em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República. 

No voto que proferi na Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal – STF, realcei que (p. 293 do acórdão): 

A Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (inc. IV, IX e XIV do art. 5º e art. 220 da Constituição da República).  

A liberdade de expressão no direito eleitoral, instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas. 

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam-se da instabilidade das fake news (p. 294 e 297 do acórdão): 

Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). 

(...) 

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. 

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news

Não se cogita, assim, do uso irrestrito e absoluto do direito fundamental à livre manifestação do pensamento. Por isso, é juridicamente possível a restrição desse direito fundamental quando constatada eventual ilicitude no seu exercício. 

4. No caso em exame, a representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de publicações divulgadas na internet, por configurarem propaganda eleitoral irregular negativa e veicularem desinformação relacionada a pretensa inelegibilidade do candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva para as eleições de 2022.  

O exame dos dados constantes dos autos conduz à conclusão de assistir razão à representante.  

5. As postagens nas redes sociais dos representados apresentam conteúdo produzido para desinformar. A mensagem transmitida, como exposto e demonstrado na inicial e confirmado pelas agências de checagem e de imprensa, não tem respaldo nos dados fáticos. 

Na espécie, o youtuber Valmir Gomes, “o barba ruiva”, divulga, em formato de live, que foi ao ar dia 1º.9.2022, falso vídeo de 27 minutos, no qual afirma conter “revelações bombásticas” e estar disponível “no canal do Pastor Edinaldo”, seguido da legenda: “Urgente: Lula fora das eleições – Juiz Oscar Anibal Chiappano trás ao vivo a pior notícia para PT hoje” (ID 158003955, p. 5).  

O mencionado juiz profere falas desconexas sobre a notícia urgente de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva estaria impossibilitado de disputar as próximas eleições, pela “cassação da sua chapa”, por ausência de “averbação jurídica de que ele nada deve”, e afirma que quatro ministros deste Tribunal Superior já teriam votado em favor de sua cassação, faltando apenas dois. Além disso, o vídeo também vincula o candidato petista e ministros de Tribunais Superiores à prática de crimes, fraude nas urnas eletrônicas, desvio de verbas, organizações criminosas, comunismo, terrorismo e narcotráfico, entre outras ilegalidades.  

Na mesma data, o representado Oscar Anibal Chiappano publicou, em sua rede social Facebook, trecho do vídeo do plantão da TV Globo em que a apresentadora Renata Lo Prete divulga notícia de rejeição do registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, esta notícia se refere a julgamento, por este Tribunal Superior, ocorrido em 2018. A checagem foi feita pelo jornal Estadão (“Vídeo de plantão da TV Globo sobre rejeição de candidatura de Lula é de 2018, não de 2022” – estadao.com.br) (ID 158003955, p. 7). 

6. É inegável que a publicação de vídeo com notícia pretensamente urgente quanto a decisão judicial proferida por este Tribunal Superior que tornaria o candidato Lula inelegível para o próximo pleito apresenta descontextualização grave, transmitindo mensagem mentirosa à sociedade, por se tratar, como visto, de notícia originariamente divulgada pela imprensa brasileira há quatro anos, referente ao pleito passado. 

7. Pela jurisprudência deste Tribunal, “a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa pressupõe pedido explícito de não voto ou, ainda, ato que macule a honra ou a imagem de pré-candidato ou divulgue fato sabidamente inverídico em seu desfavor” (AgR-REspEl n. 0600018-36/SP, Relator o Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 25.5.2022; AgR-REspEl n. 0600016-43/MA, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 13.12.2021). 

Ademais, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspEl n. 0600396-74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022, grifos no original). 

8. Na espécie em análise, as publicidades não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de mensagem totalmente mentirosa, ofensiva à honra e à imagem de pré-candidato à Presidência da República, o que leva à repercussão ou interferência negativa no pleito e evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação. 

9. O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso às postagens por número cada vez maior de pessoas, acarretando propagação de ofensa à honra e à imagem do pré-candidato. 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil). 

10. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que sejam removidos, no prazo de 24 horas, os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos: 

https://www.youtube.com/watch?v=6RH0ve2ujk8;  

https://www.facebook.com/oscaranibal.chiappano.9/videos/47 4628760925687. 

Oficiem-se os provedores de aplicação YouTube e Facebook para a identificação do responsável pelo canal “Valdir Gomes, O BARBA RUIVA”, no YouTube (https://www.youtube.com/c/ValdirGomesRECEITASCULIN%C3%81RIASEDIAAS), conforme previsto no art. 40 da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior.  

As demais diligências requeridas na petição inicial serão apreciadas no momento oportuno. 

Proceda-se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior

Na sequência, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral – MPE para que se manifeste no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução

Publique-se e intime-se.

 
 
Brasília, 16 de setembro de 2022.
 
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora