index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601022-69.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Impulsionamento]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601022-69.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representados(as): Jair Messias Bolsonaro e outra

Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as)

 

 

DECISÃO

 

Trata-se de representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil e de Jair Messias Bolsonaro, por suposta prática de impulsionamento ilícito de propaganda eleitoral e criação de estados emocionais e passionais.

Na petição inicial, a representante alega, em síntese, que (ID 158054034):

a) o vídeo de mais de 4 minutos, hospedado no canal do YouTube do Partido Liberal (PL), integrante da coligação representada, teria sido impulsionado na forma de anúncio na Internet;

b) os representados teriam violado o art. 57, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 e o art. 29, § 3º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 ao impulsionarem vídeo com inquestionável propaganda negativa contra o candidato da representante, mediante associação de sua imagem ao suposto sistema inimigo do povo, às palavras “espertalhões, ladrões, presidiários e assaltantes do dinheiro público” (p. 4) e ao “mensalão e petrolão” (p. 11);

c) a peça publicitária ofenderia, ainda, os arts. 10 e 29, § 5º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 e contrariaria o entendimento prolatado no âmbito do AREspEl nº 0600161-80/CE (rel. designado Min. Alexandre de Moraes, DJe de 2.8.2022), porquanto, em nenhum momento do vídeo, se identificariam a expressão “propaganda eleitoral” e as legendas que compõem a coligação representada.

 d) o vídeo seria composto de dois momentos. No primeiro momento (00min00 a 01min57),  criar-se-ia uma ambiência dramática de medo, pavor, insegurança e indignação em quem assiste, por meio do uso de narração em tom misterioso e efeitos visuais e sonoros; veicular-se-iam ataques a opositores políticos, dentre os quais está o candidato à presidência da República pela coligação representante, Luiz Inácio Lula da Silva, sem qualquer mínima indicação de que se trataria de propaganda eleitoral;

e) o segundo momento do vídeo (a partir de 01min58) seria destinado a transmitir uma sensação emocional de alívio visual, quando o candidato representado passaria a ser mencionado e o conteúdo, enfim, identificado como propaganda eleitoral por meio da logomarca de campanha dos representados; e

f) os representados teriam despendido de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para impulsionamento do vídeo em questão, de acordo com dados oficiais de transparência em impulsionamento da plataforma, e o conteúdo teria sido exibido quase 3 (três) milhões de vezes em apenas 3 (três) dias, conforme se observa do print de tela e do link constantes da página 9.

Requer, em liminar, seja determinada a imediata remoção do conteúdo impugnado (link na inicial), mediante ofício expedido à empresa YouTube ou, subsidiariamente, aos próprios representados, com a consequente interrupção do impulsionamento; e seja determinada aos representados a abstenção de promover novos impulsionamentos do vídeo impugnado ou de propaganda eleitoral com o mesmo teor.

É o relatório. Passo a apreciar o pedido de medida liminar veiculado pela representante.

A pretensão da representante, em sede de tutela de urgência, consiste na remoção de vídeo publicitário divulgado no canal do PL no YouTube – agremiação integrante da coligação representada –, sob a alegação de prática de impulsionamento irregular de propaganda eleitoral negativa na Internet, com ausência da expressão “propaganda eleitoral” e das legendas que compõem a coligação representada, além da suposta utilização de meios publicitários destinados a criar artificialmente estados emocionais e passionais na opinião pública, em afronta ao art. 242 do Código Eleitoral, ao art. 57-C, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 e aos arts. 10 e 29, §§ 3º e 5º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.

Para melhor exame da matéria, transcrevo trecho do conteúdo do vídeo impugnado (p. 7-9):

O sistema é um inimigo invisível. O sistema tem braços onde o povo não enxerga. O sistema tira o dinheiro de quem é trabalhador. O sistema prejudica quem quer oferecer emprego. O sistema é feito por políticos corruptos, de espertalhões, ladrões, presidiários e assaltantes do dinheiro público. O sistema quer corromper a família. O sistema diminuiu o Brasil para o resto do mundo. O sistema te fez acreditar que esse país não tem jeito.

O sistema te fez viver com medo todos os dias. Medo de ser assaltado, medo de não pagar suas contas no fim do mês, medo de deixar seus filhos saírem de casa.

O sistema que convenceu que lutar é trabalhar e pagar mais e mais impostos. O sistema tirou a segurança da sua casa e do seu comércio. O sistema tirou o seu direito de ir e vir. O sistema tenta todos os dias tirar a capacidade de crescer profissionalmente. O sistema criou o petrolão e o mensalão. O sistema quer tirar sua liberdade de expressão. O sistema conta mentiras todos os dias para te convencer de que o nosso governo não faz nada. O sistema cria uma mídia corrupta. O sistema te enganou por muitos anos até que milhares de vozes caladas que gritaram “basta” e foram para as ruas.

Chega! O Brasil não é o país do sistema. O brasileiro é vencedor e ninguém pode te dizer o contrário. Nós nos dobramos a Deus e nenhum sistema pode contra ele. Somos uma nação que pela primeira vez a nossa história governa combatendo a corrupção. Somos uma nação que resgatou a dignidade e a honestidade e pode oferecer mais emprego, mais educação e mais saúde para todos os cidadãos.

Nós somos uma nação que agora produz e usa a terra para levar trabalho comida para o povo. Somos o maior polo agricultor e hoje alimentamos mais de um bilhão de pessoas no mundo. Somos os verdadeiros donos e guardiões da maior área verde do planeta. Sistema nenhum consegue queimar essa verdade, somos a nação que zerou a corrupção nas estatais, saqueadas por anos pelos integrantes do sistema e que agora são lucrativas.

Somos a nação que parou de jogar o seu dinheiro em propaganda e que passou a usá-lo para levar água para quem tem sede, comida para quem tem fome e renda para quem vivia na pobreza.

Somos a nação que muda o curso de um rio, sem jogar dinheiro fora. Com trabalho honesto, estamos mostrando que dá para cuidar de todos os brasileiros, das mulheres, dos jovens e dos homens de bem desse país.

Somos donos da mais promissora estrutura logística em curso do planeta. Somos uma nação que agora escuta as reformas capazes de alavancar a indústria e o comércio. Somos guerreiros, estamos do lado da verdade e nosso futuro será ainda melhor. Temos Deus no coração e aqui o sistema não terá mais vez. Aqui é o Brasil de verde amarelo, aqui a nação do futuro do trabalho honesto, da família que louva a Deus e que ama seus filhos e para eles vamos manter a dignidade que resgatamos para o nosso Brasil. Deus, pátria, família e liberdade.

 

Com efeito, o filmete é veiculado no canal do PL no YouTube, sem indicação, em sua íntegra,  de que se trataria de “propaganda eleitoral”, com referência aos partidos integrantes da Coligação respectiva, e conta com impulsionamento pago no montante de R$ 60 mil a R$ 70 mil, segundo atesta a página de transparência para publicidade política da empresa Google (https://adstransparency.google.com/advertiser/AR00160648613142200321/creative/CR12015859510997417985?political=&region=BR).

 

Em juízo de cognição sumária, tenho para mim que o conteúdo em si do vídeo é regular e não viola a parte final do art. 242 do Código Eleitoral, assim redigido:

Art. 242. A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.

Consoante enfatizei na decisão proferida na Rp no 0600896-19/DF, nos termos do art. 10, § 1º da Res.-TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão”. 

Nessa mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático (Rp nº 1201-33/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014).

Aliás, “sendo objetivo da propaganda – ou pelo menos da boa propaganda – exatamente gerar nos seus destinatários os mais variados estados mentais, emocionais ou passionais, impõe-se ao intérprete especiais cautelas na exegese do art. 242 do Código Eleitoral de 1965, sob pena de ser inviabilizada a publicidade das candidaturas” (R-Rp no 0601044-69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 20.9.2018).

Sempre pertinentes, sob tal aspecto, as lições do saudoso Ministro Gerardo Grossi, expendidas no julgamento de caso histórico (Rp nº 587/DF, PSESS de 21.10.2002), em que conhecida atriz de televisão, em determinada propaganda eleitoral, fazia forte depoimento reconhecendo “ter medo” da vitória da candidatura opositora, o que ensejou interessante debate, nesta Corte, sobre o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 242 do CE (p. 3-4):

[...]

Ao que disse, acrescento que me parece lícito uma pessoa - artista ou não - dizer, publicamente, que tem medo das próprias previsões e análises que faz em torno da vitória de um ou outro candidato à Presidência da República.

3. Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria substância do processo democrático representativo.

[...]

Há, é força confessar, uma certa semelhança entre o dispositivo da Lei de Segurança Nacional e o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 6º da Resolução nº 20.988. A introdução, nestes, do advérbio "artificialmente" não os melhora. Enfim, na propaganda eleitoral, como distinguir, com alguma clareza, o que é ou não artificial?

 

Nesse mesmo julgamento (Rp no 587/DF, p. 5), igualmente preciosas as observações do Ministro Sepúlveda Pertence, a reforçarem a premissa de aplicação apenas em hipóteses excepcionalíssimas da norma proibitiva do art. 242 do CE, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral:

 

Preocupou-me, na representação que trouxe aqui, a invocação do art. 242 do Código Eleitoral, que é, sim, da redação original do Código. O que introduziu a lei posterior foi apenas a exigência da menção à legenda partidária, e não poderia ser de outra forma.

A frase, esta, sim, nos causa medo. Ela é a recordação inevitável, para mim como para o Ministro Gerardo Grossi, de quantas vezes a ouvimos repetida nas auditorias militares, fruto da doutrina da segurança nacional então imposta como artigo de fé aos países periféricos caídos sob o autoritarismo.

A transposição da Lei de Segurança Nacional para o Código Eleitoral desta vedação de criar pela palavra estados mentais, emocionais ou passionais, vale, na verdade, pela proibição de qualquer propaganda eleitoral verdadeira, e antecipa de certo modo, no Código Eleitoral, aquele ideal a que então não se ousou chegar, o modelo da Lei Falcão, em que só se criava tédio.

De fato, Sr. Presidente, assim como a prognose do paraíso como resultante da eleição de certo candidato, a prognose do inferno como resultado da eleição do adversário, é, sim, mantidos os limites do Direito Penal de certas vedações higiênicas da Lei Eleitoral, o sentido de toda propaganda eleitoral. É, sim, se não criar estados passionais, pelo menos estados mentais e emocionais favoráveis ao candidato que se promove, desfavoráveis ao candidato que se critica.

 

Nesse contexto, então, e tendo em vista que, nos termos do art. 38 da Res.-TSE nº 23.610/2019, “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático” (Rp nº 0600912-70/DF, de minha relatoria, Mural eletrônico de 13.9.2022; e Rp nº 0600854-67/DF, rel. Min. Raul Araújo, Mural eletrônico de 27.8.2022), entendo inexistir plausibilidade jurídica na alegação de que o conteúdo do referido vídeo seria ilegal, de sorte a ensejar a proibição tout court de sua veiculação.

Vislumbro, no entanto, nesse juízo cautelar, problemas formais no procedimento de amplificação de alcance e de apresentação do referido conteúdo, que autorizam o deferimento do pedido de medida liminar formulado pela representante.

Pois bem, o art. 57-C da Lei nº 9.504/1997 estabelece que é “vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”.

Já o art. 29, § 5º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 é claro ao prever que “todo impulsionamento deverá conter, de forma clara e legível, o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da pessoa responsável, além da expressão ‘Propaganda Eleitoral’".

Ademais, nos termos do § 3º do art. 57-C da Lei nº 9.504/1997, o impulsionamento apenas poderá ter “o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações”, sem a possibilidade de amplificação de propaganda negativa contra adversários, portanto.

No caso concreto, ressalvando minha posição pessoal sobre a própria inconstitucionalidade do §3º do art. 57-C da Lei nº 9.504/97, há um debate interessante, que apreciarei quando do julgamento do mérito desta representação, e que deriva do fato de a plataforma YouTube não trabalhar com impulsionamentos, mas, apenas, com anúncios publicitários, tal como ocorreu no caso concreto.

Impulsionar significa ampliar destaque e conferir priorização a determinado conteúdo. Os anúncios publicitários veiculados no YouTube, de seu turno, têm formato específico e compreendem a obrigatoriedade de usuários da comunidade assistirem necessariamente alguns segundos do conteúdo anunciado, sem chance de recusa, antes de acessarem qualquer outro vídeo que eventualmente tenham buscado. Em algumas situações, o usuário é compelido a assistir a íntegra da mídia anunciada, antes que possa ter acesso ao conteúdo efetivamente buscado.

Essa diferença de modelagens pode suscitar o interessante debate sobre se esses anúncios publicitários se enquadrariam, ou não, no conceito de impulsionamento, para fins de incidência da cláusula permissiva constante do art. 57-C da Lei nº 9.504/1997, matéria a ser enfrentada quando do julgamento de mérito desta representação, após o contraditório.

Independentemente de tal debate, constato que, no caso concreto, o anúncio publicitário contratado, mesmo que enquadrado no conceito de impulsionamento, foi feito de forma irregular.

Isso porque não constam do vídeo o número da inscrição do CNPJ contratante e nem mesmo o alerta de se tratar de propaganda eleitoral, o que desatende, por completo, as exigências constantes do art. 29, § 5º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, para fins de impulsionamento. Nesse sentido, é a jurisprudência desta Casa:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. IMPULSIONAMENTO. PRELIMINAR DE IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO DA COLIGAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONTEXTO FÁTICO–PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR Nº 24 DO TSE. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 29, § 5º, DA RES.–TSE Nº 23.610/2019. PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL. POSSIBILIDADE DE EXPEDIR RESOLUÇÕES COM DIRETRIZES AO IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO NA INTERNET. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 28 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

[...]

2. O art. 29, § 5º, da Res.–TSE nº 23.610/2019, ao regulamentar o art. 57–C da Lei nº 9.504/1997, exige que o impulsionamento contenha, "[...] de forma clara e legível, o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do responsável, além da expressão "Propaganda Eleitoral'". Essa previsão não extrapola o poder regulamentar da Justiça Eleitoral, pois somente especifica de que modo deve ser feita a identificação inequívoca a que se refere o caput do art. 57–C da Lei das Eleições.

[...]

(AgR-AREspEl nº 0600263-17/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 23.11.2021)

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO SEM INDICAÇÃO DO CPF/CNPJ. ARTS. 57-C DA LEI 9.504/1997 E 29, § 5º, DA RES.-TSE 23.610/2019. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA. MENSAGEM DIVULGADA COM TEOR NEGATIVO EM RELAÇÃO A CANDIDATOS ADVERSÁRIOS. DESCONFORMIDADE COM O ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997. ILÍCITO CONFIGURADO. MULTA. VALOR. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 

1. Recorrente que realizou impulsionamento de 3 (três) postagens na rede social facebook, entendendo a Corte Regional configurada propaganda eleitoral irregular, com a consequente imposição de multa, em razão i) da ausência de indicação, de forma clara, do CNPJ do contratante e ii) do conteúdo negativo das publicações em relação a outros candidatos. 

2. A Res.-TSE 23.610/2019, que regulamenta o art. 57-C da Lei 9.504/97, exige que o impulsionamento contenha a indicação do CPF ou do CNPJ, bem como a identificação inequívoca de que se trata de propaganda eleitoral, requisitos estes não preenchidos no caso, conforme assentado pela Corte Regional. 

3. As exigências previstas na Resolução editada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL no exercício de sua competência regulamentar não representam inovação na ordem jurídica nem violam o princípio da legalidade, tendo em vista que a imposição de multa pelo descumprimento do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019 decorre do próprio art. 57-C, § 2º, da Lei 9.504/97. Precedentes. 

4. O contexto fático delimitado nos pronunciamentos das instâncias ordinárias demonstra que as postagens impulsionadas veiculam conteúdo negativo em relação a outros candidatos. A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou-se no sentido de que "o art. 57- C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de ‘promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações'" (Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021). 

5. Conduta praticada pelo Recorrente que não se insere na autorização legal para a realização do impulsionamento e, dessa forma, caracteriza propaganda eleitoral irregular, ensejando a aplicação de multa, nos termos do § 2º do art. 57-C da Lei 9.504/1997. 

6. O valor da multa foi estabelecido de forma fundamentada, a partir das circunstâncias concretas do caso, revelando-se inviável sua redução. 

7. Recurso Especial desprovido.

(AgR-REspEl nº 0600161-80/CE, rel. designado Min. Alexandre de Moraes, DJe de 2.8.2022)

 

Na mesma linha, confiram-se: AgR-AREspEl nº 0600662-56/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 11.5.2022; e AgR-AREspEl nº 0600127-20/CE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 22.11.2021.

Para além disso, a parte inicial do vídeo, em que as imagens de outros candidatos são adjetivadas de forma crítica, consubstancia propaganda eleitoral negativa, o que não torna o conteúdo ilícito, mas impede seja ele objeto de impulsionamento, nos termos do § 3º do art. 57-C da Lei nº 9.504/1997, dispositivo a apenas autorizar impulsionamentos que tenham “o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações”.

Sobre o dispositivo, a jurisprudência desta Corte alerta:

O art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de ‘promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações’. Interpretando esse dispositivo, a jurisprudência desta Corte Superior entende vedada a conduta de contratar o “impulsionamento de conteúdo com a finalidade de criticar os candidatos da coligação opositora”.

(R-Rp nº 0601861-36/DF, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 16.11.2021 – grifos no original)

 

No mesmo sentido, confiram-se: AgR-AREspE nº 0600384-93/PR, rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 11.5.2022; AgR-AREspEl nº 0600317-13/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 20.4.2022; AgR-AREspEl nº 0608698-84/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 11.5.2022; AgR-AREspEl nº 0600062-25/PR, rel. Min. Sérgio Banhos, DJe de 23.8.2021.

O impulsionamento, portanto, do referido conteúdo foi feito de forma irregular.

Por fim, o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 10 da Res.-TSE nº 23.610/2019, é claro ao estabelecer que “a propaganda, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária”.

No entanto, não consta da íntegra do vídeo ora questionado a indicação da legenda do candidato ou das legendas que compõem a respectiva coligação, o que revela nova irregularidade formal, agora na mídia em si.

Nesse contexto, revela-se plausível a alegação de irregularidade no impulsionamento do material publicitário impugnado, bem assim de ilegalidade em sua apresentação, por ausência de indicação das legendas partidárias integrantes da coligação respectiva, em clara afronta às normas contidas no art. 242 do Código Eleitoral, no art. 57-C, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 e nos arts. 10 e 29, §§ 3º e 5º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.

Ante todo o exposto, defiro o pedido de tutela provisória de urgência, o que faço para determinar a remoção imediata da publicação localizada no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=EhSTrHKe6XY, sob pena de multa de R$ 10 mil, por ausência de indicação expressa, na íntegra do vídeo, das legendas integrantes da respectiva coligação partidária.

No entanto, nos termos do art. 38 da Res.-TSE nº 23.610/2019 e considerada a intervenção minimalista em tema de conteúdos de Internet, desde já faculto aos representados a possibilidade de repostagem da referida mídia, contanto que superado o óbice formal aqui apontado, com a indicação, ao longo de todo o vídeo, dos partidos políticos que compõem a respectiva coligação,tal como exige o art. 242 do Código Eleitoral, parte inicial.

Sem prejuízo de eventual republicação do conteúdo, uma vez corrigida a ausência de indicação da legenda ou coligação partidária (CE, art. 242), tal como acima facultado, determino que o conteúdo ora questionado não seja objeto de novos impulsionamentos, por veicular propaganda eleitoral negativa, nos termos do § 3º do art. 57-C da Lei nº 9.504/1997.

Oficie-se o provedor do YouTube para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Determino que o referido provedor de aplicação preserve o conteúdo impugnado nesta representação, cuja remoção ora se ordena, até o trânsito em julgado desta ação.

Nos termos do art. 2º da Portaria-TSE nº 791/2022, submeto esta decisão ao referendo do E. Plenário desta Corte.

Proceda-se à citação dos representados para que apresentem resposta, no prazo de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Após, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para que se manifeste na forma do art. 19 da referida resolução. 

Publique-se. 

Brasília, 15 de setembro de 2022.

 

Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Relatora