MCM 2/16

 

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626) Nº 0600001-53.2021.6.05.0065 (PJe) – MACAÚBAS – BAHIA

 

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Agravante: Jonathan Alves Borges

Advogados: Tâmara Costa Medina da Silva – OAB/BA 15776 e outros

Agravados: Ricardo Azevedo Longa e outros

Advogados: David Roldan Vilaboas Lama – OAB/BA 32811 e outro

 

 

DECISÃO

 

 

Eleições 2020. Agravo interno em agravo em recurso especial. Reconsideração. AIME. Fraude à cota de gênero. Sentença condenatória reformada pelo TRE/BA. Revaloração da prova. Possibilidade. Circunstâncias incontroversas. Configuração do ilícito. Reconsiderada a decisão agravada e dado provimento ao agravo e ao recurso especial, para julgar procedentes os pedidos formulados na AIME, de modo a (a) declarar a nulidade dos votos recebidos por todos os candidatos ao cargo de vereador pelo DEM em Macaúbas/BA nas Eleições 2020; (b) desconstituir os diplomas dos candidatos eleitos pela grei para o referido cargo; (c) cassar o DRAP da legenda, determinando-se o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

 

 

Trata-se de agravo interno interposto por Jonathan Alves Borges, vereador pelo Município de Macaúbas/BA, de decisão que negou seguimento a agravo em recurso especial. O decisum foi assim ementado:

Eleições 2020. Agravo em recurso especial. AIME. Vereador. Improcedência na Corte regional. 1. Nulidade do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional e por deficiência de fundamentação. Ofensa aos arts. 489, § 1º, III, IV e VI, e 1.022 do CPC e 275 do CE. Inexistência. As questões necessárias para o deslinde da controvérsia foram adequadamente apreciadas pelo TRE/BA e a solução contrária ao interesse da parte não configura omissão. 2. Suposta fraude à cota de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 e art. 14, § 10, da CF. Ausência de provas robustas. Conclusão em sentido contrário. Reexame de fatos e provas. Incidência dos Enunciados nºs 24 e 30 da Súmula do TSE. 3. Negado seguimento ao agravo em recurso especial.

Nas razões do agravo interno (ID 157650900), em síntese, o agravante sustenta:

a) que “[...] houve usurpação da competência da Corte Superior Eleitoral para processar e julgar o RESPE, haja vista ter sido a sua subida inadmitida em razão da indevida análise do mérito do recurso e não diante do desatendimento de quaisquer dos requisitos de admissibilidade” (ID 157650900, fl. 8);

b) que demonstrou “[...] diversos fatos e provas que per se, e sobretudo em conjunto analisados, têm o condão de alterar o resultado da decisão recorrida deixaram de ser enfrentados pelas vv. decisões recorridas”, de modo que ficou evidenciada negativa de prestação jurisdicional (ID 157650900, fl. 9); 

c) não haver necessidade do reexame fático-probatório dos autos, mas, tão somente, da correta subsunção dos fatos à norma legal; 

d) ter sido corretamente demonstrado o dissídio jurisprudencial; 

e) não se aplicar ao caso o Enunciado Sumular nº 30 do Tribunal Superior Eleitoral;

f) ser a hipótese dos autos semelhante ao caso decidido por esta Corte no julgamento do AgR-REspEl nº 0600651-94/BA (rel. designado Min. Alexandre de Moraes), quando ficou reconhecido “[...] que a soma das circunstâncias fáticas configuradoras de fraude à cota de gênero seria suficiente para revelar a intenção de burlar a norma do art. 10, § 3º, da Lei nº. 9.504/97” (ID 157650900, fl. 20).

Ao final, pugna pela reconsideração do decisum questionado ou pela submissão do presente agravo interno a julgamento pelo Colegiado desta Corte, a fim de que seja provido para reformar a decisão hostilizada.

Foram apresentadas contrarrazões ao agravo interno (ID 157681404).

É o relatório. Passo a decidir.

O agravo interno é tempestivo. A decisão agravada foi publicada no DJe em 15.6.2022, quarta-feira, e o presente recurso foi interposto no dia 20.6.2022, segunda-feira (ID 157650900), em petição subscrita por advogado devidamente constituído nos autos digitais (IDs 157152089, 157152090, 157152195 e 157152278).

De início, assento que é hipótese de reconsideração da decisão hostilizada, nos termos do art. 36, § 9º, do Regimento Interno do TSE, haja vista que, da leitura dos argumentos nele deduzidos, verifico que houve enfrentamento suficiente dos fundamentos da decisão questionada, necessário ao deslinde da controvérsia, que versa sobre a configuração de fraude à cota de gênero.

Passo, assim, à análise das razões do recurso especial.

Cinge-se a controvérsia a saber se ficou configurada fraude devido ao emprego de candidatura fictícia de Atalita Silva Sutério, Margarida dos Santos Nogueira e Maria Alves de Oliveira para atender à lista de candidatos ao cargo de vereador pelo Democratas (DEM) de Macaúbas/BA no pleito de 2020 (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997).

É preciso rememorar que a fraude em debate ocorre quando se verifica, indene de dúvidas, que as candidaturas femininas “[...] visavam apenas o preenchimento formal de cotas de gênero”, mediante “[...] esquema para simular a efetividade da candidatura [...]” (REspEl nº 764-55/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6.5.2021, DJe de 18.5.2021).

Nas razões do recurso especial, o ora agravante alegou a ocorrência de violação aos arts. 489, § 1º, III, IV e VI, e 1.022 do Código de Processo Civil; 275 do Código Eleitoral, 5º e 14 da Constituição Federal; 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997; e 1.013 e 373, II, do Código de Processo Civil, além de dissídio pretoriano.

Afirmou que o acórdão recorrido é nulo, porquanto, apesar de opostos embargos de declaração, o Tribunal de origem não esclareceu os questionamentos neles suscitados, a saber:

a) a circunstância de que ao menos duas candidatas já eram reincidentes na apresentação de candidaturas sem lograr votação minimamente expressiva;

b) que três candidatas mulheres não realizaram nenhum ato de campanha e ainda pediram votos para outros candidatos, homens, com os quais guardam relação de parentesco;

c) que houve comunicação de desistência de candidatura feminina antes do registro de candidatura, diretamente ao presidente do partido;

d) a existência de provas nos autos de que uma das candidatas manteve sua rotina social e de trabalho inalterada com a pandemia de Covid-19, desmantelando o argumento de que teria desistido de sua candidatura para ficar reclusa;

e) a ausência de intimação pessoal de candidatas para fazer prova de alfabetização – em contraponto ao fundamento que consta do acórdão, de que a realização de tal prova decorria de uma intimação pessoal;

f) a ausência de identificação do grau de parentesco das candidatas fictícias com homens candidatos pelo mesmo partido;

g) a ausência de identificação, no acórdão, do número de votos obtido por cada uma das candidatas apontadas como fraudadoras; e

h) o fato de uma das candidatas ter registrado nome de urna que não a identifica socialmente.

Sustentou, ainda, que, independentemente das omissões apontadas, existem elementos nos autos que, analisados em conjunto, permitem a configuração de fraude à cota de gênero, mesmo se consideradas apenas as circunstâncias reconhecidas pelo acórdão, a saber:

a) a reincidência de candidaturas femininas inexpressivas – com as mesmas candidatas ora apresentadas;

b) a ausência da prática de qualquer ato de campanha pelas candidatas apontadas como fictícias e os pedidos de votos em candidatos homens, com os quais possuem parentesco;

c) a ausência de gastos de campanha pelas três candidatas;

d) que, apesar de terem supostamente desistido da candidatura, as candidatas compareceram, sem terem sido intimadas, para se submeter à prova de alfabetização perante o cartório eleitoral;

e) que duas candidatas tinham parentes próximos – marido e genro – que eram candidatos ao mesmo cargo pela mesma agremiação;

f) número de votos zero ou próximo de zero; e

g) a ausência de intenção de promover as candidaturas.

Defendeu que, apesar de ser nítida a intenção das candidatas – em conluio entre si, com os demais candidatos e com o partido – de fraudar a lei, a classificação dada pela Corte regional aos supramencionados elementos foi de que são meros indícios de fraude, o que, conforme argumentou, não está de acordo com o entendimento desta Corte Superior, segundo o qual esses mesmos elementos comprovariam a prática de fraude em relação à cota de gênero.

Sob a ótica do dissídio jurisprudencial, asseverou que o acórdão recorrido, diante da mesma situação fática, adotou entendimento diferente da jurisprudência deste Tribunal Superior. Citou, para tanto, o REspEl nº 193-92/PI, no qual esta Corte reconheceu a existência de fraude.

O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, no acórdão recorrido e no aresto integrativo, deu provimento ao recurso eleitoral interposto pelos ora agravados para julgar conjuntamente, por conexão, improcedentes os pedidos formulados na AIME e na AIJE nºs 0600605-48.2020.6.05.0065, afastando, por consequência, as sanções impostas pelo Juízo a quo, bem como a multa aplicada com base no art. 275, § 6º, do CE.

Observo que, no presente caso, é possível a revaloração da prova ou dos fatos explicitamente reconhecidos no acórdão recorrido para concluir pela comprovação da fraude à cota de gênero.

Este Tribunal já assentou que o reenquadramento jurídico dos fatos pelo TSE é admissível desde que a análise se restrinja às premissas fáticas consignadas pela Corte local. Nesse sentido: AgR-AI nº 93-39/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20.8.2009, publicado no DJe 18.9.2009.

Na espécie, a partir dos elementos reconhecidos pela Corte regional, verifica-se a existência de votação zerada ou inexpressiva das candidatas; prestação de contas sem movimentação financeira; ausência de exibição do material de propaganda eleitoral e de comprovação dos atos de campanha realizados por uma delas em benefício de outro candidato do mesmo partido. É o que se extrai das seguintes passagens do aresto regional (ID 157152295):

O ponto central da controvérsia judicial são as candidaturas femininas, supostamente fraudulentas, de Atalita Silva Sutério, Margarida dos Santos Nogueira e Maria Alves de Oliveira, nas Eleições de 2020, no município de Macaúbas, para o cargo de vereador, inseridas na chapa do Partido Democratas – DEM, imputadas pelos acionantes como exclusivamente vertidas para o preenchimento da cota de gênero elencada no art. 10, § 3º, da Lei Federal nº 9.504/97, em simulacro à observância da legislação de regência.

[...]

Com efeito, entrementes vislumbre uma plausibilidade jurídica no convencimento exarado pelo Magistrado primevo, repiso que, da acurada análise dos elementos fático-jurídicos presentes nos fólios não deparei-me com arcabouço probatório suficiente à comprovação irrefutável do animus fraudandi dos investigados/impugnados.

Como restou acertadamente arrazoado pelo Ministério Público Zonal, tanto nos autos da presente AIJE, quanto na AIME já referida, a inexpressiva votação, a ausência de movimentação financeira durante a campanha, tal qual, a quase inexistente campanha eleitoral, não são provas contundentes a corroborar a existência de fraude.

A abertura de conta bancária pelas acionadas, ora insurretas, cujas candidaturas são discutidas, também no entender deste Relator, não contribuem eficazmente para deixar indene de dúvidas a ocorrência da simulação aventada. Isto porque, em que pese a desistência das respectivas candidaturas, continuam obrigadas a realizar a prestação de contas, nos moldes do art. 45, § 6º, da Resolução TSE.

“Art. 45. Devem prestar contas à Justiça Eleitoral:

(...)

§ 6º O candidato que renunciar à candidatura, dela desistir, for substituído ou tiver o registro indeferido pela Justiça Eleitoral deve prestar contas em relação ao período em que participou do processo eleitoral, mesmo que não tenha realizado campanha.

(...)”

Com efeito, ainda que se entenda a desistência das candidaturas em período inicial da campanha, dentro do lapso de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos moldes do art. 8º, § 1º, inc I, da Resolução Nº 23.607/2019; ainda assim, não existem elementos hábeis a caracterizar subterfúgio irregular, em decorrência das respectivas aberturas de conta-corrente de campanha, eis que, ainda que esta não figure como obrigatória, também não figura como vedação legal; configurando-se perfeitamente plausível, no entender deste Relator, a referida existência, para fins de conferir maior transparência e credibilidade à futura e compulsória demonstração de movimentação financeira ou mesmo da sua ausência à Justiça Eleitoral.

Na mesma linha de raciocínio, não obstante o respeitável entendimento do Juízo a quo, não vejo a presença das recorrentes Maria Alves dos Santos e Margarida dos Santos Nogueira, em 17/10/2020, no Cartório Eleitoral Zonal, para assinatura de Declaração de Alfabetização, como prova segura de atividades artificiais para dissimular práticas eleitorais, com intento de fraudar à cota de gêneros legalmente estipulada.

Isto porque, as preditas recorrentes foram notificadas pela Justiça Eleitoral e, malgrado não mais tivessem a intenção de candidatura, existia um Processo de Registro de Candidatura, para o qual existia uma determinação judicial para atendimento a uma exigência legal.

Ao meu sentir, a desistência tácita de candidatura não implica necessariamente no abandono do Processo de Registro de Candidatura, para culminar com o respectivo indeferimento. Ressalto, contudo, que existem os procedimentos legalmente previstos para a regular desistência de candidatura, entrementes, a respectiva inobservância procedimental não resvala inexoravelmente em ardil vertido à defraudação do pleito. Senão vejamos:

[...]

A prestação de contas zerada também não deixa indene de dúvidas a irregularidade das preditas candidaturas, notadamente quando é cediço que em municípios de pequeno porte não são raras prestações de contas apresentadas sem quaisquer movimentações financeiras, sem que isso importe em configuração de ilícitos eleitorais. Não raro, candidatos sequer efetuam a referida prestação.

No que tange à baixa expressividade de votos obtidos pelas candidatas também não é determinante à certificação do embuste, sobretudo quando são confessadas [sic] nos autos a precoce desistência de candidatura.

[...]

Destaco, ainda, que o grau de parentesco com outro candidato da chapa in casu não sustenta a consubstanciação da ilicitude sub examine, notadamente porque penso que tal entendimento tende a limitar a atividade política das mulheres, indo de contramão ao escopo legal de fomentar a participação das mulheres na política, sobretudo quando se considera [sic] as dificuldades ainda enfrentadas pelas mulheres para encontrarem espaço em grupos políticos, sabidamente com proeminência masculina; de maneira que não deixo de considerar mais provável que tais candidatas tenham mais facilidade de acesso em agremiações onde estejam presentes parentes homens com alguma influência decisória.

Frise-se que as inelegibilidades por grau de parentesco já são legalmente previstas, dentre as quais não se enquadram as candidaturas inspecionadas no caso em lume.

Noutro vértice é imprescindível discorrer que não há vedação legal ou mesmo qualquer mácula à lisura do processo eleitoral decorrente do apoio de um candidato ao outro, ainda que externada através de propaganda eleitoral, notadamente quando o apoiador desistiu de candidatura própria, por motivos lícitos, e encontra naquele a defesa dos seus ideais e propósitos. (grifos acrescidos)

Entretanto, esta Corte decidiu que os fatos reconhecidos no acórdão recorrido – a saber: (a) a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas; (b) a prestação de contas com idêntica movimentação financeira; e (c) a ausência de atos efetivos de campanha e a prática de campanha eleitoral, por uma delas, em benefício de outro candidato do mesmo partido – são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição (AgR-AREspE nº 0600549-92/BA, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 17.6.2022, DJe de 29.6.2022). O acórdão desse julgamento ficou assim ementado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). ART. 14, § 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. VEREADOR. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. REVALORAÇÃO DA PROVA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS INCONTROVERSAS QUE DENOTAM A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. PROVIMENTO.

1. À luz do julgamento do AgR-REspe nº 0600651-94/BA, redator para o acórdão o Min. Alexandre de Moraes, em sessão de 10.5.2022, a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, quando ausentes elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição.

2. A partir dos elementos colacionados na instância ordinária, é plenamente possível o reenquadramento jurídico dos fatos, mediante revaloração da prova apreciada e emoldurada no acórdão recorrido. Evidenciadas a obtenção de votação zerada pelas candidatas, a prestação de contas sem movimentação financeira, a ausência de atos efetivos de campanha e a prática de campanha eleitoral, por uma delas, em benefício de outro candidato do mesmo partido, circunstâncias corroboradas pela prova oral produzida, é seguro concluir-se pela comprovação da fraude à cota de gênero, nos termos do art. 14, § 10, da CF.

3. Agravo provido para dar provimento ao recurso especial, julgando procedente o pedido formulado na AIME, para: decretar a nulidade dos votos recebidos pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) nas eleições proporcionais de 2020 do Município de Caatiba/BA; cassar o respectivo DRAP e, por consequência, o diploma dos candidatos a ele vinculados; determinar o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário; bem como declarar a inelegibilidade das candidatas Maria das Graças Silva dos Santos Batista e Vanessa de Oliveira Santos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, com a respectiva anotação nos cadastros eleitorais.

Transcrevo, para enfatizar, o trecho do voto condutor do referido precedente, em que se reconheceu, com base nessas três circunstâncias, que o registro de candidatura teve como único propósito contornar os ditames do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997:

Registre-se, ainda, que a diretriz jurisprudencial desta Corte havia se consolidado no sentido de que “a prova de fraude na cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97” (RO-El nº 0601693-22/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 22.4.2021).

Mais recentemente, no julgamento do AgR-REspe nº 0600651-94/BA, Rel. Min. Sérgio Banhos, em sessão de 10.5.2022, este Tribunal, revisitando o tema, deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença, por maioria de votos, e entendeu suficiente a moldura fática descrita no acórdão regional para a demonstração da fraude à cota de gênero, a partir da divergência inaugurada pelo Min. Alexandre de Moraes, considerada a presença de 3 (três) circunstâncias incontroversas: (i) obtenção de votação zerada das candidatas; (ii) prestação de contas com idêntica movimentação financeira; e (iii) ausência de atos efetivos de campanha.

Ressaltou-se indisfarçável o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero a partir da conjunção dos fatos indicados na instância regional, ante a inexpressividade eleitoral das candidatas, as quais não receberam sequer um único voto, nem mesmo de si próprias, ausentes, ainda, indícios de eventual desistência tácita da competição.

À semelhança do caso referido, na hipótese dos autos, extraem-se da moldura fática do aresto regional, para além de elementos meramente indiciários, circunstâncias incontroversas que conduzem à conclusão segura da prática de fraude à cota de gênero no DRAP do PSB das eleições proporcionais de 2020 do Município de Caatiba/BA, nas candidaturas de Maria das Graças Silva dos Santos Batista e Vanessa de Oliveira Santos.

Na espécie, as circunstâncias reconhecidas no acórdão recorrido, consoante sinalizado por esta Corte, são suficientes para a configuração da fraude à cota de gênero, de modo que o recurso especial deve ser provido.

Quanto à desistência precoce da candidatura em período inicial da campanha, as justificativas da Corte regional não se prestam a afastar a ocorrência de fraude.

Isso porque houve efetiva não postulação a cargo eletivo, evidenciada pela ausência da prática de qualquer ato de campanha pelas candidatas apontadas, como fictícias, para elas mesmas, chamando atenção o fato de terem pedido votos para candidatos homens, com os quais possuem parentesco.

Presente esse contexto, esta Corte tem assentado que, caracterizada a fraude à cota de gênero, a consequência jurídica é:

(i) a cassação dos candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência; (ii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação/Partido, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral.

 

Nesse sentido, o seguinte precedente desta Corte:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS EM RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. I. PRELIMINARES. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DOS CANDIDATOS ELEITOS EM AIME QUE APURA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. POSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO DE TODA A COLIGAÇÃO COM QUEDA DO DRAP. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE CANDIDATOS NÃO ELEITOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE NOMEAÇÃO DE ADVOGADO DATIVO NA DESCONSTITUIÇÃO OU RENÚNCIA DE ANTIGO PROCURADOR OU NA DECRETAÇÃO DE REVELIA. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 76 DO CPC DIANTE DA REGRA ESPECÍFICA DO ART. 112 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO DO PARTIDO POLÍTICO EM SEDE DE AIME. ANÁLISE DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO EM AIME. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. II. MÉRITO. COTAS DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. COMPROVADA FRAUDE À LEI ELEITORAL. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DE ATOS DE CAMPANHA. CONJUNTO PROBATÓRIO ANALISADO PELO TRIBUNAL REGIONAL. SÚMULA Nº 24/TSE. CASSAÇÃO DOS MANDATOS ELETIVOS DOS VEREADORES ELEITOS. NULIDADE DOS VOTOS DA COLIGAÇÃO. REDISTRIBUIÇÃO DOS MANDATOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. SÚMULA Nº 27/TSE. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.

1. Preliminares.

1.1. Diferentemente da AIJE, em que é possível a aplicação da sanção da inelegibilidade além da cassação do registro ou diploma, em sede de AIME, a verificação da fraude à cota de gênero tem como consequência apenas a desconstituição dos mandatos dos candidatos eleitos e de seus suplentes, de modo que nesta ação é desnecessária a diferenciação entre o candidato que tem ciência ou participa da fraude e aquele simplesmente favorecido pelo abuso.

1.2. Com a verificação da fraude à quota de gênero, é possível determinar a cassação de toda a coligação. Da forma em que apresentado, aliás, nem sequer o DRAP seria deferido porque a observância da cota de gênero é condição para a participação da coligação na disputa eleitoral.

1.3. A legitimidade passiva ad causam em AIME limita-se aos candidatos eleitos ou diplomados, máxime porque o resultado da procedência do pedido deduzido restringe-se à desconstituição do mandato. Não obstante, verifica-se a ausência de interesse recursal para impugnar a existência de candidatos não eleitos no polo passivo diante da não ocorrência de prejuízo no caso concreto.

1.4. A renúncia de mandato regularmente comunicada pelo patrono ao seu constituinte, na forma do art. 112 do NCPC, dispensa a determinação judicial para intimação da parte, objetivando a regularização da representação processual nos autos, sendo seu ônus a constituição de novo advogado. Precedentes do STJ.

1.5. Na AIME, em que se discute a higidez do diploma ou do mandato, o partido não é litisconsorte passivo necessário.

1.6. É cabível o ajuizamento da AIME para apurar fraude à cota de gênero. Entendimento contrário acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição. Precedentes do TSE.

1.7. É inviável o agravo regimental que consiste, essencialmente, na reiteração literal das teses já enfrentadas de forma pormenorizada, sem impugnar, de forma específica, os fundamentos que sustentam a decisão agravada, o que atrai a incidência da Súmula nº 26/TSE. Precedentes.

2. Mérito.

2.1. Ocorrência de fraude às cotas de gênero verificada na espécie a partir de candidaturas femininas fictícias, como denotam a ausência de movimentação financeira na prestação de contas da pretensa candidata, a votação zerada, a realização de campanha para o marido com postagens em redes sociais sem menção à própria candidatura, a insubsistência lógica das teses defensivas etc.

2.2. O reexame do conjunto fático-probatório delineado no acórdão regional encontra óbice na Súmula nº 24/TSE.

2.3. Há a necessidade de cassação da inteireza da chapa, ainda que a fraude tenha se limitado a algumas candidatas, uma vez que a glosa parcial acabaria por tornar o risco consistente no lançamento de candidaturas laranjas rentável sob o ponto de vista objetivo, pois não haveria prejuízo para partidos, coligações e candidatos que viessem a ser eleitos e posteriormente descobertos pelo ato.

2.4. Com a ressalva à compreensão que tenho em casos nos quais inválida mais da metade dos votos de determinada eleição, a constatação de fraude à cota de gênero, com a cassação da inteireza da coligação, encontra consequência afeta ao descarte dos votos entregues à grei, de modo que é imperiosa a necessidade de retotalização dos quocientes eleitoral e partidário, como feito na espécie.

2.5. Negativa de provimento aos agravos internos.

(AgR-REspEl nº 1-62/RS, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 11.2.2020, DJe de 29.6.2020, grifos acrescidos)

Ante o exposto, reconsidero a decisão agravada, com base no § 9º do art. 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, bem como dou provimento ao agravo e ao recurso especial, para julgar procedentes os pedidos formulados na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), de modo a (a) declarar a nulidade dos votos recebidos por todos os candidatos ao cargo de vereador pelo Democratas (DEM) em Macaúbas/BA nas Eleições 2020; (b) desconstituir os diplomas dos candidatos eleitos pela grei para o referido cargo; e (c) cassar o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da legenda, determinando-se o  recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 19 de agosto de 2022.

 


 

Ministro Mauro Campbell Marques

Relator