index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600797-49.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Extemporânea/Antecipada]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600797-49.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO
REPRESENTANTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) - NACIONAL
Advogados do(a) REPRESENTANTE: WALBER DE MOURA AGRA E OUTROS
REPRESENTADO: EDUARDO NANTES BOLSONARO
Trata-se de representação, com pedido de tutela de urgência, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT) em desfavor de Eduardo Nantes Bolsonaro, por suposta prática de propaganda eleitoral negativa.
Na petição inicial, o representante alega em síntese (ID 157931655):
a) desde 15.8.2022, Eduardo Nantes Bolsonaro, a partir do link https://www.instagram.com/reel/ChR7Fx5gtC6/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D, referente à sua conta no Instagram, estaria difundindo desinformação sobre a palestra proferida, em 14.5.2017, no Brazil Fórum UK (Oxford) pelo candidato à presidência da República Ciro Gomes;
b) o conteúdo impugnado já conta, até o momento da propositura da ação, com 91.200 likes, 4.821 comentários e 1,1 milhão de visualizações;
c) embora o candidato do partido representante tenha proferido palestra reverberando questões econômicas e sociais sem qualquer vinculação com a religião, conforme se verifica da URL https://www.youtube.com/watch?v=GaCmhZT6Cvk, o representado, ardilosamente, usou técnicas de montagem para pinçar trechos que descontextualizam o teor desse discurso e de outros discursos outrora proferidos pelo candidato do PDT, a fim de estorvar-lhe a imagem;
d) com o intuito de acentuar, de modo maniqueísta, que o candidato prega a desarmonia entre as religiões, o representado incluiu, ao final, a seguinte fala proferida por um padre: “eu sou da posição firme e determinada que não é possível para nós contribuirmos para o bem de nosso país sem uma aliança sólida, forte, entre os católicos e evangélicos, no campo político”(p. 3);
e) o candidato Ciro Gomes, em recente entrevista à Globo News, reforçou sua pauta de tolerância e respeito a todas as religiões, bem como criticou a manipulação da fé por parte de Bolsonaro, além de já ter totalmente rechaçado o teor desse tipo de fake news, conforme o vídeo de esclarecimento “Respeitem a minha fé”, de 30.8.2021, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=kOlxuMeEsLg&t=8s;
f) “o representado [...] se utilizou de propaganda eleitoral negativa na internet, com artifício de montagem, trucagem e grave descontextualização para disseminar conteúdo difamatório; meio e forma proscritos durante o período eleitoral [...]”(p.8-9), em afronta aos arts. 9º, 9º-A, 22, inciso X, da Res.-TSE nº 23.610/2019; 45, inciso II, da Lei nº 9.504/1997 e 242 e 243, IX, do Código Eleitoral;
g) “ao veicular postagem dando conta de que o Senhor Ciro Gomes odeia os cristãos, em contexto indissociável da disputa ao pleito vindouro, o Representado transcendeu os limites das liberdades públicas e ofendeu sobremodo a imagem do candidato” do PDT (p.11-12);
h) “não se pode permitir que, sob as vestes da liberdade de manifestação, se promovam acintes à honra e à dignidade das pessoas, com a veiculação de vídeos manipulados através de trucagens e montagens e de fatos sabidamente inverídicos, com potencial lesivo para degradar a imagem de um candidato e ensejar quebra de isonomia no contexto do pleito eleitoral que se avizinha, razão pela qual vale-se desta Representação Eleitoral para que este Tribunal Superior Eleitoral resguarde a higidez das regras do jogo e os direitos de personalidade dos players”(p. 9);
i) “apesar da mídia ter sido difundida em período anterior ao da propaganda legal, a manutenção do vídeo em apreço, por incidir em diversos proibitivos do art. 22 da Res.-TSE nº 23.610/2019, causará vários danos ao candidato do Representante, bem como também à higidez do pleito, que deve ser resguardado da veiculação criminosa de fake news” (p. 15).
Requer a concessão de medida liminar para que o provedor de aplicação Instagram exclua a postagem impugnada, nos termos dos arts. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019 e 38, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.
Ao final, postula a procedência da ação, com remoção definitiva do conteúdo propagandístico eleitoral ilícito, abstenção de veiculá-lo e aplicação da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.
É o relatório. Decido.
O representante pretende – em sede de tutela provisória de urgência – a remoção de vídeo divulgado na data de 15.8.2022 pelo representado Eduardo Nantes Bolsonaro, em seu perfil na rede social Instagram, haja vista que o conteúdo compreende grave descontextualização e desinformação em relação a trechos de entrevistas do candidato à Presidência da República Ciro Gomes, de modo a caracterizar, em tese, o ilícito de propaganda eleitoral antecipada negativa.
A postagem impugnada é apresentada aos seguidores do perfil "@bolsonarosp” com a seguinte legenda: “Entenda uma coisa, a esquerda odeia os cristãos. Para eles os sacerdotes são concorrentes e a moral judaico cristã incompatível com o socialismo/comunismo /bolivarianismo” (p. 6).
Verifica-se que o vídeo, de fato, apresenta conteúdo produzido para desinformar, pois a mensagem transmitida com a publicação está totalmente desconectada dos contextos fáticos em que se apresentava o candidato do PDT, Ciro Gomes. Os recortes são manipulados com o objetivo de prejudicar a imagem do candidato, emprestando o sentido de que ele seria contrário à fé católica e odioso aos cristãos. Além disso, contém trecho no qual afirma que o candidato “comparou igrejas com o narcotráfico” e “que ambos trabalham com dinheiro em espécie e poderiam fraudar eleições”.
Nesse contexto, em juízo de cognição sumária sobre a pretensão articulada na petição inicial, parece que a postagem impugnada induz à desinformação, por meio da descontextualização de falas, objetivando construir posicionamentos contraditórios do candidato do PDT em relação à religião, e, além disso, o explícito sugestionamento de conclusões inverídicas a serem extraídas das imagens e textos divulgados no vídeo.
Na doutrina de Diogo Rais, a definição de fake news abrange o falso com estética de verdadeiro, compreendendo-se esse falso como o conteúdo falso em um contexto verdadeiro, ou um conteúdo verdadeiro em um contexto falso (RAIS, Diogo. Fake News. In Dicionário das eleições. Curitiba: Editora Juruá, 2020. p. 319-320 – destaquei).
A edição toda descontextualizada do vídeo impugnado, com referência direta e expressa a determinado candidato, resulta, em alguma medida, repercussão ou interferência negativa no pleito, o que é objeto de preocupação da Justiça Eleitoral. Não obstante o princípio da interferência mínima desta Justiça Especializada, a proteção ao direito da veracidade da informação e da honra dos atores do processo eleitoral é uma diretriz para que a Justiça Eleitoral exerça seu papel de reguladora pontual do certame.
Com efeito, o preceito normativo previsto no art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 é categórico ao dispor que a manifestação do pensamento deve ser limitada no caso de ofensa à honra de terceiros ou de divulgação de fatos sabidamente inverídicos. A norma busca evitar a proliferação de notícias falsas ou desinformação que, de algum modo, possam afetar a higidez do processo eleitoral.
Consoante entendimento deste Tribunal Superior, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).
Destaca-se, ainda, que a jurisprudência desta Corte Superior já firmou entendimento de que “as ordens de remoção de propaganda irregular, como restrições ao direito à liberdade de expressão, somente se legitimam quando visem à preservação da higidez do processo eleitoral, à igualdade de chances entre candidatos e à proteção da honra e da imagem dos envolvidos na disputa” (REspe nº 52956, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 20.3.2018 – destaquei).
Assim, é plausível a tese do representante de que o vídeo editado divulga fato sabidamente inverídico em que o conteúdo da publicação acaba por gerar desinformação. Portanto, preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência.
Diante do exposto, nos termos do art. 38, § 4º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, concedo a tutela provisória de urgência para que seja removida a publicação indicada no seguinte endereço eletrônico: https://www.instagram.com/p/ChR7Fx5gtC6/.
Oficie-se ao provedor de aplicação Instagram para cumprimento desta determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019.
Proceda-se à citação do representado para que apresente defesa, no prazo de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.
Após, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste na forma do art. 19 da referida resolução.
Publique-se.
Brasília, 19 de agosto de 2022.