index: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626)-0000185-90.2016.6.06.0102-[Cargo - Prefeito, Abuso - De Poder Econômico, Abuso - De Poder Político/Autoridade, Recurso Contra Expedição de Diploma]-CEARÁ-PENAFORTE

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626)  Nº 0000185-90.2016.6.06.0102 (PJe) - PENAFORTE - CEARÁ

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
AGRAVANTE: FRANCISCO AGABIO SAMPAIO GONDIM

Advogados do(a) AGRAVANTE: GUILHERME CAMARAO PORTO - CE27489-A, JOSE ISAIAS RODRIGUES TOMAZ - CE1721000-A, ANGELA CASTELO VIEIRA - CE2855900-A, CASSIO FELIPE GOES PACHECO - CE17410-A
AGRAVADO: RAFAEL FERREIRA ANGELO, MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Advogados do(a) AGRAVADO: SERGIO GURGEL CARLOS DA SILVA - CE2799-A, JOSE PINTO QUEZADO NETO - CE5993-A, JOSE GURGEL CARLOS DA SILVA - CE7115-A, SOLANGE MARIA QUEZADO SANTOS GURGEL - CE16033-A, PAOLO GIORGIO QUEZADO GURGEL E SILVA - CE16629-A, YANNA PAULA LUNA ESMERALDO - CE16696-A, MARCELA LEOPOLDINA QUEZADO GURGEL E SILVA - CE18971-A, MARIANA GOMES PEDROSA BEZERRA - CE19348-A, PATRICIA LUCAS MAIA - CE32012-A, SAMARA DA PAZ OLIVEIRA - CE24482-A, AMANDA PERES DA SILVEIRA - CE24573-A, SERGIO QUEZADO GURGEL E SILVA - CE28561-A, MAURO JUNIOR RIOS - CE5714-A, VIVIANE ANDRADE ALBUQUERQUE ALENCAR - CE38894-A

 

DECISÃO

 

Trata-se de Agravo interposto por Francisco Agábio Sampaio Gondim, eleito ao cargo de Prefeito em 2016, contra decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE/CE) que inadmitiu o Recurso Especial, ante a incidência das Súmulas 24, 28 e 62 do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE) (ID 157168121).

 

O Recurso Especial foi apresentado contra acórdão por meio do qual o TRE/CE, por maioria (6x1), deu provimento parcial aos Recursos Eleitorais para cassar os mandatos do Recorrente, de Giovanni Heverton Pereira Matias, Vice-Prefeito, e do Vereador Wecsley Fernandes Lima, por captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político e econômico (IDs 157167904 e 157167905).

 

Em suas razões (ID 157168092), com fundamento na violação dos arts. 262 e 275 do Código Eleitoral; 8º, 10, 485, IV e VI, 1.013 e 1.022 do Código de Processo Civil; 386, I e IV, do Código Penal; 935 do Código Civil, bem como em dissídio jurisprudencial, o Recorrente sustenta, preliminarmente, inadequação da via eleita, porque interposto Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED), com fundamento em dispositivo de lei revogado (inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral).

 

Suscita negativa de prestação jurisdicional, pela omissão de pontos relevantes ao deslinde da controvérsia, a saber: (i) aplicação equivocada da fungibilidade na conversão do RCED em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime); (ii) erro material decorrente da utilização de premissa fática equivocada; (iii) “negativa de vigência ao artigo 386, incisos I e IV do Código de Processo Penal e artigo 935 do Código Civil”, ante a inobservância da decisão transitada em julgado proferida nos autos do Inquérito Policial 0109/2017-4 – DPF/JNE/CE, pela qual a Presidência do TRE/CE reconheceu a incompetência absoluta daquela Corte Regional para a supervisão judicial do mencionado inquérito, haja vista a ausência de indícios mínimos de participação do Recorrente nos fatos investigados; e (iv) impossibilidade de utilização de prova ilícita (gravação ambiental).

 

No mérito, alega, em síntese, que: (a) é inviável a aplicação da fungibilidade para recebimento do RCED como se fosse Aime, por se tratar de erro grosseiro; (b) nos autos de ação penal amparada nos mesmos fatos, ficou “comprovada a ausência de indícios mínimos de participação deste Recorrente nos fatos investigados”, situação que vincula o Juízo Eleitoral; (c) a prova que fora declarada como lícita e analisada pelo TRE-CE como fundamento para o provimento parcial dos recursos [gravação ambiental] sequer foi alvo de instrução processual, ou seja, não estava pronta para julgamento”; e (d) não consta dos autos “NENHUM ELEMENTO PROBATÓRIO que consiga demonstrar a ciência ou anuência do Recorrente acerca da prática realizada pelo ex-prefeito, Sr. Luís Fernandes, o que exclui, consequentemente, qualquer atribuição de responsabilidade a este”.

 

No Agravo (ID 157168126), o Prefeito eleito refuta a aplicação da Súmula 24 do TSE e renova os fundamentos do Recurso Especial. Por fim, defende comprovado o dissídio jurisprudencial.

 

O Vice-Procurador-Geral Eleitoral se manifesta pela negativa de seguimento do Agravo (ID 157434930).

 

É o breve relato. Decido.

 

Trata-se, na origem, de Recurso Contra Expedição de Diploma interposto por Rafael Ferreira Ângelo em desfavor de Francisco Agábio Sampaio Gondim, Giovanni Heverton Pereira Matias e Wecsley Fernandes Lima, Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador eleitos em 2016, consubstanciado na prática de captação ilícita de sufrágio e no abuso de poder econômico (art. 14, § 10, da Constituição Federal).

 

Depois de instruído, o processo foi remetido pelo Juízo Eleitoral ao Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, ocasião em que o Relator, “em atenção ao princípio da fungibilidade”, converteu o RCED em Aime e devolveu os autos à origem para apuração dos fatos (ID 157167893, fls. 4-5). Naquilo que aqui interessa, reproduzo excerto da mencionada decisão:

Parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, fls. 61/62, pela remessa dos autos à 102ª Zona Eleitoral para apuração dos fatos narrados no presente RCED, o qual deverá ser convertido em AIME, em cumprimento ao princípio da fungibilidade.

De fato, a Lei nº 12.891, de 11 de dezembro de 2013 – minirreforma eleitoral – revogou todos os incisos do art. 262 do Código Eleitoral, restringindo o RCED somente a questões pertinentes às inelegibilidades supervenientes ou de natureza constitucional e de ausência de condição de inelegibilidade, conforme prescreve o caput do art. 262.

Contudo, em atenção ao princípio da fungibilidade, os autos devem ser remetidos ao juízo de origem para apuração dos fatos em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Ante o exposto, em consonância com o parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, determino o retorno dos autos ao Juízo Eleitoral da 102ª Zona para apurar os fatos relatados no presente RCED, que deverá ser convertido em AIME, em observância ao princípio da fungibilidade.

 

Não houve recurso contra a decisão.

 

Após a retomada da marcha processual, o Juízo Eleitoral determinou nova citação de todos os Investigados, prosseguindo o processo segundo o rito previsto na LC 64/1990.

 

Por meio de decisão saneadora (ID 157167897), o Juízo a quo: (a) concluiu pela invalidade da gravação ambiental envolvendo diálogo travado na residência da eleitora Jéssica Carla da Silva, sem o consentimento do interlocutor Luís Fernandes Bezerra Filho (então Prefeito); (b) fixou os pontos controvertidos; e (c) designou audiência de instrução e julgamento. Na sequência, finalizada a instrução processual, julgou improcedentes os pedidos, diante da “ausência de lastro probatório mínimo para demonstrar a ocorrência da prática de conduta abusiva, posto que se circunscreve a um único testemunho”, realizado pelo própria Jéssica (ID 157167900).

 

O TRE/CE, por maioria, reformou a sentença. Considerando válida a gravação ambiental, julgou parcialmente procedente a Aime e determinou a cassação dos mandatos (IDs 157167904 e 157167905).

 

Inicialmente, cumpre registrar a não incidência da jurisprudência desta CORTE, que recomenda o reconhecimento da perda superveniente do interesse de agir em virtude do término dos mandatos. Como houve a condenação e a consequente cassação dos mandatos, remanesce ao Recorrente legítima expectativa quanto ao julgamento do seu Recurso, na medida em que as inelegibilidades previstas no art. 1º, I, d e j, da LC 64/1990 podem ser efeito secundário da condenação em sede de Aime.

 

Ainda preliminarmente, a conversão do RCED em Aime não acarretou nenhum prejuízo ao mandatário, considerando que os fatos impugnados permaneceram inalterados, havendo apenas a reformulação da capitulação legal pelo qual demandado. Nesse contexto, “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor” (Súmula 62 do TSE).

 

Além disso, de acordo com o acórdão regional, após a conversão, o processo tramitou pelo rito previsto na LC 64/1990, uma vez que os Investigados “foram citados novamente para fins de exercício de defesa na AIME, observando o prazo de defesa para esta espécie de ação eleitoral. Importa registrar ainda que [...] houve ampla dilação probatória, com oitiva de testemunhas (arroladas por todas as partes), apresentação de alegações finais e sentença de improcedência em que, pela redação, verifica-se que a controvérsia foi decidida pelo juízo eleitoral à luz da ação de impugnação de mandato eletivo (AIME)” (ID 157167904, fl. 14).

 

Tais circunstâncias afastam a nulidade alegada, em prestígio ao princípio pas de nullité sans grief.

 

No ponto, cumpre registrar que esta CORTE SUPERIOR ELEITORAL já se manifestou favorável ao recebimento do RCED como Aime (RCED 495, Rel. Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 14/8/2017; REspe 192-74, Rel. Min. LUCIANA LÓSSIO, DJe de 7/12/2015).

 

Rejeito, ainda, a preliminar de negativa de prestação jurisdicional alusiva: (i) à aplicação da fungibilidade; e (ii) ao suposto erro material decorrente de premissa equivocada; pois, como já examinado, o acórdão regional se encontra devidamente amparado pela legislação e jurisprudência vigentes aplicáveis ao caso concreto.

 

As demais omissões suscitadas, envolvendo a alegada negativa de vigência aos arts. 386, I e IV, do CPP; e 935 do Código Civil e a impossibilidade de utilização de prova ilícita, também foram pormenorizadamente examinadas pelo TRE/CE, ainda que de forma contrária à pretensão do mandatário, razão pela qual não houve omissão. Conforme jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, não existe “nulidade por ausência de fundamentação quando a decisão explicita as razões que motivaram suas conclusões” AgR-AI 1244 – Iguatu/CE (acórdão de 29/4/2021, de minha relatoria,  DJe 18/5/2021).

 

O acórdão enfrentou todas as matérias veiculadas pelos Recorrentes, revelando-se em conformidade com o art. 93, IX, da Constituição Federal, o qual exige “que a decisão judicial seja fundamentada; não que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide; declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão” ED-AI 481.132 (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 1º/4/2005), “sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas” AgR-ARE 1.056.580 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 21/11/2017).

 

Quanto ao mais, o Recorrente alega nulidade do acórdão recorrido, por violação do art. 1.013, § 3º, do Código de Processo Civil, em decorrência da aplicação da teoria da causa madura, ao argumento de que a Corte Regional “levou a julgamento processo que não estava apto a ser julgado, com utilização em sua fundamentação de conteúdo probatório que sequer fora objeto de contraditório, uma vez que fora considerado ilícito pelo juiz de primeiro grau e desconsiderado dos autos antes mesmo da fase instrutória”.

 

De fato, ao conferir validade à gravação ambiental e apreciar o mérito da demanda, o acórdão regional amparou a sua decisão em prova que não foi efetivamente submetida ao contraditório.

 

Como visto, o Juízo de primeira instância havia decidido pela invalidade da gravação ambiental em despacho saneador proferido ainda na fase de instrução, ou seja, muito antes da sentença, fato este que retirou o interesse do Investigado em apresentar, naquele momento, alegações aptas a infirmarem a prova com amplitude.

 

Diante dessa particularidade, naquele momento, o mais coerente e razoável seria a devolução do processo pela Corte Regional ao Juízo a quo, possibilitando a apresentação de elementos e teses aptas a contraditarem a gravação ambiental.

 

Não obstante, embora haja margem para o retorno dos autos à origem, de modo a possibilitar ao Investigado o exercício da ampla defesa e do contraditório em relação a esse ponto, na hipótese dos autos, essa medida se afigura desnecessária, porque há, no acórdão recorrido, elementos suficientemente seguros, não apenas para invalidação da gravação ambiental, mas para o exame do caso, desde logo, a partir dos demais fatos e provas remanescentes.

 

No caso, o Recorrente teve seu mandato de Prefeito do município de Penaforte/CE cassado, em razão da prática de captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder econômico, considerada a frequente compra de votos intermediada por Luí­s Fernandes Bezerra Filho, ex-Chefe do Executivo local.

 

Consta do acórdão regional que a eleitora Jéssica realizou gravação ambiental “sem anuência do seu interlocutor, o então Prefeito de Penaforte (CE), Sr. Luís Fernandes Bezerra Filho, o qual se dirigiu à residência da eleitora para reivindicar-lhe a quantia outrora concedida quando soube que ela não iria mais votar nos seus candidatos, [entre eles, Francisco Agábio Sampaio Gondim], para o fim de entregar a quantia a outro eleitor que fosse votar em quem ele pretendia, no caso, os recorridos”.

 

A gravação do diálogo travado entre a Sra. Jéssica Carla e o então Prefeito, e correligionário do mandatário posteriormente eleito, ocorreu no interior da residência dela, a qual foi a responsável pelo registro oculto da conversa em mídia.

 

Conforme tenho assentado, são clandestinas as gravações em que a captação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dá no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais, implicando inequívoca afronta ao inciso X do art. 5º da Constituição Federal.

 

A tutela constitucional das comunicações pretende tornar inviolável a manifestação de pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoal ou a pessoas determinadas. Consiste, pois, no direito de escolher o destinatário da transmissão.

 

Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral, o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral, resguardando assim a privacidade e a intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado.

 

Reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão somente ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações, com supressão de trechos, elaboração de sofisticadas montagens, trucagens cada vez mais aprimoradas viabilizadas por equipamentos moderníssimos que, ao fim, podem alterar completamente o sentido de determinadas conversas.

 

Como afirma LUIZ FLÁVIO GOMES, “o que cabe realçar na gravação clandestina é a sua surpresa, o que a torna moralmente reprovável. Uma coisa é expressar o pensamento sem saber da gravação, outra bem distinta é quando se toma conhecimento dela. Não se nega que existe uma escolha da pessoa a quem se confia o conteúdo de uma comunicação. Mas o comunicador, até essa altura, tem controle da informação” (GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à Lei 9.296, de 24/7/1996. 2. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 29).

 

Realçando o respeito à eventual posição divergente, impõe-se destacar que a compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL (STF) no RE 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. em 19/11/2009 – Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal, sobremodo distinto do que aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5º, XII, parte final), ainda que também sob esse enfoque guardemos reservas quanto à posição assentada.

 

Corroborando esse entendimento, a Lei 13.964/2019, que incluiu o art. 8º-A e respectivos parágrafos na Lei 9.296/1996, deixa expresso que:

Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I – a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e 

II – houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.”

 

Ainda – e sempre sob o prisma da investigação e instrução criminal – o § 4º do referido art. 8º-A especifica que “a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação”.         

 

Nesse contexto, a consideração de que válidas as gravações aqui utilizadas seria questionável, ainda que sob o enfoque da instrução ou investigação criminal. No âmbito estrito de representação eleitoral sem vinculação penal, então, a ilegalidade é patente. 

 

Tanto há distinção que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Min. DIAS TOFFOLI – Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente na conversa, apta a instruir Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, à luz do art. 5º, incs. II e XII, da Constituição da República, in verbis:

Direito Constitucional. Direito Eleitoral. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da ilicitude dessa prova, sob o fundamento de que há a necessidade de proteção da privacidade e da honra. Gravação ambiental que somente seria legítima se utilizada em defesa do candidato, nunca para o acusar da prática de um ilícito eleitoral. Suportes jurídicos e fáticos diversos que afastariam a aplicação da tese de repercussão geral fixada, para as ações penais, no RE nº 583.937. A temática controvertida é apta a replicar-se em diversos processos, atingindo candidatos em todas as fases das eleições e até mesmo aqueles já eleitos. Implicações para a normalidade institucional, política e administrativa de todas as unidades da Federação. Repercussão geral reconhecida.

 

Reitere-se que, no âmbito das disputas eleitorais, como regra, as gravações e interceptações ambientais clandestinas não são levadas a cabo por vítimas de ato criminoso, mas, ao contrário, são ajambradas, por vezes premeditadas e não raro dirigidas exclusivamente com intuito de prejudicar o adversário ou o grupo momentaneamente rival, com vistas à finalidade oposta à nobreza ou ao legítimo exercício do direito de defesa.

 

Admiti-las lícitas, como regra, e não como algo excepcionalíssimo, seria relativizar as garantias individuais consagradas no art. 5º, II, X e XII, da Constituição Federal não como meio de prestigiar princípios constitucionais outros de igual ou maior envergadura, mas como estímulo a expedientes artificiosos que, tendo como intuito primeiro o de desconstruir a imagem alheia, antes desmerecem o escorreito processo eleitoral e vão na contramão do aperfeiçoamento das instituições democráticas, o que virtuosamente contribuem para um sistema capaz de expurgar quem não detenha os atributos necessários a bem desempenhar mandatos eletivos.  

 

Como ensina a Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, “deve-se observar, em primeiro lugar, que a Constituição, ao estabelecer a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, trata inquestionavelmente das provas obtidas com violação do direito material. Em segundo lugar, ao prescrever expressamente a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, a Constituição brasileira considera a prova materialmente ilícita também processualmente ilegítima, estabelecendo desde logo uma sanção processual (a inadmissibilidade) para a ilicitude material” (Diligência e inspeção no processo administrativo: observações sobre o devido processo legal. Revista dos Tribunais OnLine Thomson Reuters, v. 43, p. 353, jul/2010, p. 5).

 

A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos Direitos Humanos Fundamentais no ordenamento jurídico, o que torna impossível a violação de um Princípio Constitucional (“independência dos poderes”) e de liberdades públicas (“inviolabilidade domiciliar” e “juízo natural”) para obtenção de qualquer prova, como ocorreu na presente hipótese.

 

Conforme destacado pelo Min. CELSO DE MELLO do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a prova ilícita é NULA e IMPRESTÁVEL para a formação do convencimento do magistrado, que deverá afastá-la para solucionar o processo somente com as demais provas lícitas constantes nos autos:

“É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático (...) a norma inscrita no art. 5º, LVI, da Lei Fundamental promulgada em 1988, consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário (Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do direito processual, p. 60/82, 1990, Forense Universitária; Mauro Cappelletti, Efficacia di prove illegittimamente ammesse e comportamento della parte, em Rivista di Diritto Civile, p. 112, 1961; Vicenzo Vigoriti, Prove illecite e costituzione, em Rivista di Diritto Processuale, p. 64 e 70, 1968), o postulado de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada e repudiada sempre pelos juízes e Tribunais, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade (Ada Pellegrini Grinover, op. cit., p. 62, 1990, Forense Universitária).

A cláusula constitucional do due process of law que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar.

Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova de qualquer prova cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário.

A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.

Tenho tido a oportunidade de enfatizar, neste Tribunal, que a Exclusionary Rule, considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pelo Estado, destina-se, na abrangência de seu conteúdo, e pelo banimento processual de evidência ilicitamente coligida, a proteger os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New Jersey, 385 U.S. 493, 1967; Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961; Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471, 1962, v.g.) (STF, Ação Penal 307–3–DF Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão DJU, 13 out. 1995, em lapidar voto, o Ministro CELSO DE MELLO). Conferir ainda, no mesmo sentido: STF Segunda Turma HC 82.788/RJ Rel. Min. CELSO DE MELLO, Diário da Justiça, Seção I, 2 jun. 2006, p. 43; STF Primeira Turma HC 84.417/RJ Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça, Seção I, 17 ago. 2004, p. 13; STF Inq 1.996/PR Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Diário da Justiça, Seção I, 25 jun. 2003, p. 70; STF Pleno Pet 2.702/RJ Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça, Seção I, 20 set. 2002, p. 117; STF Pleno RE 418416/SC Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 10-5-2006.

 

Assim, em regra, tenho por ilícita a prova colhida mediante gravação ambiental feita por um dos participantes, mas sem o consentimento ou a ciência inequívoca dos demais interlocutores, por atentar frontalmente com diversos direitos constitucionalmente garantidos e, principalmente, contra a inviolabilidade da vida privada e da intimidade. 

 

Tal compreensão foi chancelada pelo TSE na sessão do dia 7/10/2021, em acórdão da minha relatoria, assim ementado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8º-A da Lei nº 9.296/96, introduzido pela Lei nº 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4º, do artigo 8º-A da Lei nº 9.296/96, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das  autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE nº 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 – Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5º, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli – Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5º, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997. (AgR-AI 29364, DJe de 9/11/2021)

 

No mesmo sentido, cito ainda: AgR-REspe 634-06, de minha relatoria, e o REspe 385-19, Rel. Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJe de 31/3/2022.

 

Reconhecida a sua antijuricidade, de igual modo, as provas dela derivadas merecem mesma conclusão. Em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do CPC, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na estrita hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquela cuja ilicitude foi reconhecida (HC 156157 AgR/STF, DJe de 26/11/2018). No mesmo sentido é a jurisprudência do TSE: RO 1821 (Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 31/3/2014).

 

Nessa mesma linha de raciocínio, já tive a oportunidade de registrar que permanecem válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes, ou ainda, que também decorreram de outras fontes, além da própria prova ilícita; garantindo-se, pois, a licitude da prova derivada da ilícita, quando, conforme salientado pelo Ministro Eros Grau, “arrimada em elementos probatórios coligidos antes de sua juntada aos autos” (Direito Constitucional. 37. ed. São Paulo: Atlas, 2021).

 

Na hipótese dos autos, como visto, é inconteste que a gravação ocorreu na residência da eleitora sem o conhecimento do seu interlocutor, de modo que a reputo ilegal.

 

Embora clandestina a gravação e, portanto, ilícita, as provas remanescentes são suficientes à manutenção do decreto condenatório, diante da sua independência e sobre a qual não se pode discutir nesta Instância Recursal, diante da Súmula 24 do TSE.

 

A moldura delineada pelo acórdão regional – desconsiderando a gravação ambiental – certifica a ocorrência de captação ilícita pelo ex-Prefeito, Luís Fernandes Bezerra Filho, através da entrega de dinheiro e benefícios para eleitores a fim de que votassem nos candidatos por ele indicados, entre os quais se incluem o Recorrente, Francisco Agábio Sampaio Gondim, eleito Prefeito em 2016, e Giovanni Heverton Pereira Matias, eleito Vice-Prefeito.

 

Certificado pela Corte Regional que as testemunhas de acusação confirmaram “com riqueza de detalhes, de forma coesa, harmônica, a comprovação da compra de votos pelo ex-prefeito. [...] de forma irrefutável, os seus testemunhos destacam a existência de um verdadeiro e contumaz esquema de compra de votos perpetrado pelo ex-prefeito em beneficio dos candidatos recorridos, hoje eleitos” (ID 157167905).

 

Segundo apurado, Luís Fernandes Bezerra Filho tinha o hábito de realizar doações aos eleitores para que votassem em candidatos por ele indicados. Quando ouvido em juízo, o ex-Prefeito confirmou expressamente que: “reserva 30% da renda para ajudar a população, sempre alguém pede alguma ajuda. Durante a campanha de 2016 fez o ‘corpo a corpo’ (visitas domiciliares), que eram de conhecimento de Agábio e Wesley, além de participar de comício. [...] Disse, ainda, que se dirigiu à casa da eleitora [Jéssica] com o intuito apenas de conversar sobre assuntos relativos à eleição e que não envolvia valores, tentando convencê-la apenas a votar nos seus candidatos, ora recorridos, e que deu dinheiro anteriormente a Jéssica, mas sem fins eleitorais. Encerrou dizendo que não cobrou o dinheiro que havia dado, que tentou convencê-la apenas de que o grupo dele era o mais adequado para a cidade (ID 157167905).

 

Em trecho que não faz alusão à gravação ilícita, o acórdão recorrido atesta que as visitas feitas pelo ex-Prefeito às casas de eleitores se deram dentro do período eleitoral, bem como que ele, “caso soubesse que as pessoas não iriam mais votar nos candidatos indicados, [...] retornava [...] para apanhar de volta o dinheiro destinado à compra ilícita [de votos]” (ID 157167905).

 

Note-se que os depoimentos das testemunhas de acusação e dos candidatos eleitos representam fonte autônoma, os quais, além de não guardarem relação de dependência, não decorrem da prova originalmente ilícita.

 

A corte regional atestou a anuência e o conhecimento dos candidatos beneficiados, os quais reconheceram a “participação ativa” do ex-Prefeito na campanha. Reproduzo, nesse sentido, excerto do acórdão regional (ID 157167905):

“Os recorridos também foram ouvidos em juízo; [...]. Nada obstante, reconhecem a participação ativa do ex-prefeito em suas campanhas.

Assim, ressai evidente da prova dos autos que o ex-prefeito Luís Fernandes era não só notório apoiador das candidaturas de Agábio, Giovanni e Wecsley, como participante ativo dos atos de campanha, inclusive em visitas a eleitores em favor destas candidaturas.

Também é público e notório que o ex-prefeito e os recorridos integravam o mesmo grupo político e ainda, que Wecsley (candidato eleito a vereador) é sobrinho do ex-prefeito, havendo entre eles, portanto, vínculo familiar.

À guisa de exemplo do vínculo de intensa proximidade entre o ex-prefeito e seu sobrinho Wecsley, cito o teor da certidão lavrada pelo oficial de justiça (f. 143) que, ao tentar intimar Luis Fernandes Filho para audiência do processo e não localizá-lo, foi o próprio Wecsley quem recebeu o oficial de justiça e informou que o ex-prefeito estaria viajando.

[...]

Com efeito, o art. 7º. parágrafo único, da Lei Complementar 64/90, enuncia com clareza que ‘[o] Juiz, ou Tribunal, formará sua convicção pela livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mencionando, na decisão, os que motivaram seu convencimento’ e o art. 23 do mesmo diploma legal, prescreve que ‘[o] Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas panes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

[...]

De modo que, uma vez provada a existência do ato ilícito [...], bem como o vínculo político estreito (entre os recorridos) e o laço familiar entre o ex-prefeito e Wecsley cabe, agora, analisar se há provas da participação, direta ou indireta, do candidato, ou, ao menos, do consentimento, anuência, conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que multaram na prática do ilícito eleitoral.

O TSE já decidiu, para fins do art. 41-A, da LE (REspe 19.566), não se exige que o candidato pratique, ele próprio, a compra de votos, podendo caracterizar a conduta ‘quando o candidato praticar ou mesmo anuir explicitamente às condutas abusivas e lícitas capituladas naquele artigo’.

[...]

Assim pelo contexto fático-probatório que emerge dos autos, entendo que há provas e indícios suficientes para formar o convencimento acerca do consentimento ou anuência dos candidatos beneficiados, assim resumidos: (i) [...]; (ii) o fato público e notório de integrarem o mesmo núcleo político, sendo o ex-prefeito, naturalmente, o principal cabo eleitoral e apoiador-mor das candidaturas dos recorridos; (iii) o ex-prefeito admitiu em juízo [...] que participava de atos de campanha com os recorridos, inclusive ‘visitas a eleitores'; (iv) os próprios recorridos admitiram que o ex-prefeito apoiava suas candidaturas de modo ativo, embora tenham negado qualquer ilicitude ou conhecimento dela; (v) o vínculo familiar entre o ex-prefeito que é tio do recorrido Wecsley [...].

Com efeito, salvo melhor juízo, estou convencido, a partir da análise minuciosa do conjunto probatório, que os recorridos anuíram e tinham conhecimento da prática deletéria de corrupção eleitoral empreendida pelo então gestor em prol de suas candidaturas”. (Grifos no original)

 

Os fatos não deixam dúvida de que a distribuição, na forma de doação das supostas benesses, dependia da consumação da vitória nas urnas dos candidatos apoiados, o que, de fato, aconteceu.

 

Na hipótese dos autos, não é crível cogitar que o Recorrente não tenha tido ciência prévia dos fatos apurados ou que deles não tenha anuído, diante da repercussão em município pequeno e que ganhou notoriedade perante parcela do eleitorado.

 

Em termos objetivos, os fatos narrados evidenciam, de forma grave, a ocorrência do ilícito eleitoral consubstanciado no esquema articulado para viabilizar a compra de votos.

 

Nos termos da jurisprudência do TSE, para a captação ilícita de sufrágio, exige-se, além do fator temporal consistente na prática de ato em período compreendido entre o registro de candidatura e a data da eleição, a presença dos seguintes requisitos: i) a prática de quaisquer das condutas: doar, ofertar, prometer, ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza ao eleitor; ii) a finalidade eleitoral da conduta; e iii) a participação, direta ou indireta, do candidato, ou, ao menos, o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral (AgR-AI 559-11, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 14/9/2021, RO 0603024-56, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de 26/10/2020), circunstâncias todas presentes no caso dos autos.

 

No caso, afigura-se incontestável a ocorrência não apenas da conduta prevista no art. 41-A da Lei 9.504/1997, pela entrega de dinheiro e benefícios em troca de voto, mas, igualmente, como bem apontou o TRE/CE, do abuso de poder econômico (ID 157167905):

Por conseguinte, há de se reconhecer que o abuso de poder econômico decorreu da própria captação ilícita de sufrágio consumada de forma sistemática. Isso porque, como confessado pelo ex-prefeito, este sempre teve o hábito de ajudar eleitores necessitados, o que denota um modo particular de agir que indica a influência indevida do abuso do poder econômico em prol dos recorridos.

Sinale-se que a gravidade da conduta. exigida Dela lei como configuradora do abuso de poder econômico, decorrente da conduta da compra de votos é inconteste, especialmente quando realizada pelo próprio Chefe do Executivo municipal e apoiador das candidaturas dos recorridos, em contexto de município com reduzido número de eleitores (7.263 eleitores - eleições de 2016), o que indica para clara ocorrência de lesão ao bem jurídico tutelado que é a igualdade de chances entre os candidatos e a existência de processo eleitoral legítimo e isento de influência do poder econômico, gerando lastro probante mínimo para a procedência da AIME.

Conquanto dispensada a análise da potencialidade de influir no resultado das eleições, o TSE entende que as circunstâncias específicas do pleito, ‘quando existentes, reforcem a natureza grave do ato.’ (TSE, Ac. De 03.02.2015, no REspe nº 19847, Rel. Min. Luciana Lóssio). No caso, nas eleições de 2016, a chapa majoritária vencedora obteve 3.512 votos e o segundo colocado (o autor), obteve 3.242, revelando uma diferença de menos de dez por cento do eleitorado total do município, o que reforça a gravidade decorrente da conduta ilícita adotada pelo gestor em prol das candidaturas dos recorridos.

[...]

No caso concreto, revela-se, inclusive, que o abuso de poder político encontra-se entrelaçado com abuso de poder econômico, surgindo a figura di abuso de poder político-econômico, diante do mau uso de poder político e econômico pelo então prefeito, em benefício dos recorridos.

[...]

À vista disso, na espécie a gravidade necessária ao reconhecimento do abuso de poder político/econômico restou demonstrada, diante da comprovação do malsinado esquema de indevida oferta de vantagem pecuniária condicionada ao voto de eleitores, em favor dos recorridos, ocasionando ruptura de isonomia entre os candidatos, tratando-se, assim, conduta apta a macular a legitimidade e normalidade das eleições de 2016, em município de pequeno porte como o de Penaforfe/CE, na forma prescrita do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar 64/90.

Para mim, utilizando as palavras de sua Excelência Ministro Luiz Fax, à luz das singularidades do caso concreto, verificou-se a ocorrência da plutocratização do processo eleitoral na cidade de Penaforte.

Assim, estampada a gravidade da conduta, diante da prática abusiva de poder político-econômico consubstanciada na intensa captação ilícita 'de sufrágio proibida pela legislação eleitoral, apta a comprometer a legitimidade e lisura do pleito”. (Grifos no original)

 

O acórdão recorrido expôs, entre outros, o volume e a grave repercussão dos ilícitos no pleito, especialmente se for considerada a pouca diferença de votos entre o Recorrente (3.512) e o segundo lugar (3.242).

 

Os fatos, as circunstâncias e os números registrados pela Corte Regional são bastante expressivos e possuem indiscutível aptidão para influenciar na legitimidade e no equilíbrio das eleições, não deixando nenhuma dúvida quanto ao uso de parcela de poder econômico, mediante a concessão de dinheiro e benefícios aos eleitores “em troca de votos aos candidatos” (eleitos).

 

Esta CORTE SUPERIOR já asseverou que a distribuição genérica de benefícios a qualquer eleitor, liberalidade esta amparada pela contrapartida do voto, enseja o reconhecimento do abuso de poder econômico (REspe 480-19/RS, Rel. Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJe de 21/5/2020).

 

Desse modo, constata-se a presença de conjunto probatório robusto e convergente acerca dos ilícitos, circunstância que reafirma a jurisprudência do TSE de que, para a caracterização do abuso de poder econômico, se faz necessária a existência de prova inequívoca de fatos concretos, não meras conjecturas ou presunções. Nesse sentido: RO 0602935-60, acórdão de minha relatoria, DJe de 16/3/2021. Incidência, portanto, da Súmula 30 do TSE.

 

O desvalor da conduta praticada encontra relevância na ilegalidade qualificada, “marcada pela má-fé e pelo pouco ou mesmo nenhum apreço por valores republicanos” RO 1803-55/SC (Rel. Min. LUIS ROBERTO BARROSO, DJe de 14/12/2018), independentemente do valores e benefícios distribuídos, mesmo que fosse possível quantificá-los.

 

Por fim, convém registrar que a regra vigorante no sistema jurídico brasileiro é de que haja a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa (Rcl 52364 AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 27/4/2022). Assim, não há se falar em comunicação com a decisão monocrática proferida nos autos do Inquérito Policial 0109/2017-4 – DPF/JNE/CE.

 

Assim, não merece reparo o registro feito pela Corte Regional, no sentido de que “tal decisão não tem o condão de afastar, por si só, a responsabilidade eleitoral dos recorridos no contexto da presente ação eleitoral [...]. Os pressupostos de responsabilização cível eleitoral e penal são, obviamente, distintos”. Realmente, não há como levar a efeito a decisão que considera esvaziado o inquérito por ausência de indícios “como certificação irrefutável de que os candidatos beneficiários não anuíram, consentiram ou tiveram conhecimento”.

 

Não fosse isso, conforme assinalado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, “a análise do recurso especial nesta parte – para verificar se os fatos apurados na esfera criminal são os mesmos destes autos – não prescindiria do reexame de fatos e de provas” (ID 157434930). Incidência, novamente, do óbice contido na Súmula 24 do TSE.

 

Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao Recurso Especial, com base no art. 36, § 6º, do RITSE.

 

Publique-se. Intime-se.

 

Brasília, 5 de julho de 2022.

 

Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator