index: TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE (12134)-0600113-27.2022.6.00.0000-[Cargo - Prefeito, Abuso - De Poder Econômico, Captação Ilícita de Sufrágio, Ação de Investigação Judicial Eleitoral]-PARÁ-VISEU

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE (12134)  Nº 0600113-27.2022.6.00.0000 (PJe) - VISEU - PARÁ

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
REQUERENTE: CARLA DULCIRENE PARENTE NOVAES, ASTRID MARIA DA CUNHA E SILVA

Advogado do(a) REQUERENTE: PEDRO HENRIQUE COSTA DE OLIVEIRA - PA20341-A
Advogado do(a) REQUERENTE: PEDRO HENRIQUE COSTA DE OLIVEIRA - PA20341-A

REQUERIDA: COLIGAÇÃO SEGUINDO CONSTRUINDO A MUDANÇA
 

 

DECISÃO
 

Trata-se de Ação Cautelar, com pedido de liminar, formulada por Carla Dulcirene Parente Novaes e Astrid Maria da Cunha e Silva na qual pretendem, em síntese, a concessão de efeito suspensivo ativo ao Agravo interposto nos autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 340-44.2016.6.14.0014, até seu julgamento definitivo.

As Requerentes narram que foram condenadas pela prática de abuso de poder econômico, consubstanciada na realização de consultas médicas e distribuição de medicamentos, de forma gratuita, mediante a contrapartida do voto. 

Amparam a plausibilidade do direito na ilicitude da gravação ambiental, realizada no interior da residência da Sra. Maria Elineusa ou em casa vizinha, conforme prova produzida em audiência. Defendem que a antijuricidade da prova está encampada por precedente recente de minha lavra, AgR-AI 29364, DJe de 9/11/2021, e, uma vez evidenciado o vício, o conteúdo probatório dos autos estaria esvaziado. Defendem, ainda, a inocorrência do ilícito, diante da pouca gravidade dos fatos investigados.

O perigo da demora decorre da iminência de realização de eleições suplementares no município, no qual Carla Dulcirene Parente Novaes pretende candidatar-se à Chefia do Executivo local, em razão da cassação do mandato de Isaias José Silva Oliveira Neto, “por força de decisão do juízo da 14ª ZE, pela prática de abuso de poder político nas últimas eleições municipais de 2020”. 

É o breve relato. Decido.

No caso, as Requerentes foram condenadas por abuso de poder econômico, com declaração de inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes às eleições de 2016, em razão da “prestação de serviços à saúde e a distribuição gratuita de medicamentos”. Segundo consta do acórdão regional, o decreto condenatório está amparado em “provas documentais, áudio, vídeo e imagens” que bem evidenciam “atos de filantropia colimando a captação de votos”.

A pretensão tutelar se ampara na suposta ilicitude da gravação ambiental, na qual sustentam que teria ocorrido no interior da residência da Sra. Maria Elineusa ou em casa vizinha, conforme depoimentos de Antônio Geraldo de Sousa e de Sinaia da Silva.

Como tenho assentado, são clandestinas as gravações em que a captação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dá no mesmo momento em que a esta se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores, implicando inequívoca afronta ao inciso X do art. 5º da Constituição Federal.

Reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou, inequivocamente, reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão somente ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações, com supressão de trechos, elaboração de sofisticadas montagens, trucagens cada vez mais sofisticadas e viabilizadas por equipamentos moderníssimos que, ao fim, podem alterar completamente o sentido de determinadas conversas.

No âmbito das disputas eleitorais, como regra, as gravações e interceptações ambientais clandestinas não são levadas a cabo por vítimas de ato criminoso, mas ao contrário, são ajambradas, por vezes premeditadas e, não raro, dirigidas exclusivamente com intuito de prejudicar o adversário ou o grupo momentaneamente rival, com vistas a finalidade oposta à nobreza ou ao legítimo exercício do direito de defesa.

Admiti-las lícitas, como regra, e não como algo excepcionalíssimo, seria relativizar as garantias individuais consagradas no artigo 5º, II, X e XII, da Constituição Federal, não como meio de prestigiar princípios constitucionais outros, de igual ou maior envergadura, mas como estímulo a expedientes artificiosos que, tendo como intuito primeiro o de desconstruir a imagem alheia, antes desmerecem o escorreito processo eleitoral e vão na contramão do aperfeiçoamento das instituições democráticas, do que virtuosamente contribuem para um sistema capaz de expurgar quem não detenha os atributos necessários a bem desempenhar mandatos eletivos. 

Assim, em regra, tenho por ilícita a prova colhida mediante gravação ambiental feita por um dos participantes, mas sem o consentimento ou a ciência inequívoca dos demais interlocutores, por atentar frontalmente contra diversos direitos constitucionalmente garantidos e, principalmente, contra a inviolabilidade da vida privada e da intimidade.

Tal compreensão foi chancelada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE) na sessão do dia 7/10/2021, em acórdão da minha relatoria, assim ementado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houve elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5°, da Constituição Federal, ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009-Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli – Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997. (AgR-AI 29364, DJe de 9/11/2021)

Em exame preliminar, não consta do acórdão regional o debate específico acerca dos depoimentos colacionados, o que, em tese, impediria a sua apreciação por parte desta CORTE ELEITORAL, ante o óbice da Súmula 24 do TSE.

Consta ainda do voto divergente que a gravação teria ocorrido “em locais de acesso ao público, de atendimento de saúde”, o que reforçaria, nesse juízo preliminar, a validade da prova.

No tocante à gravidade, indiscutível a necessidade de exame acurado dos autos, diante do seguinte cenário já delineado perante o Tribunal de origem:

(i) a candidata Carla Dulcirene Parente Novaes, antes mesmo do registro de candidatura, mas no ano eleitoral de 2016, começou a organizar e coordenar, com a ajuda direta da médica Astrid Maria Cunha e Silva, a realização gratuita de consultas médicas acompanhadas da distribuição de medicamentos e emissão de documentos pessoais para eleitores do município de Viseu;

(ii) atingiu a número indeterminado de eleitores em ano eleitoral;

(iii) mediante a oferta, entrega e distribuição indiscriminada de diversos benefícios e vantagens, tais como consultas médicas, medicamentos e emissão documentos pessoais; e

(iv) dirigidos e destinados, na sua maioria, a eleitores carentes – e de pouca ou nenhuma instrução – do município de Viseu.

Finalmente, não restou evidenciado o risco de dano irreparável à parte, porque a realização de novas eleições no município de Viseu/PA, caso ocorra em razão da cassação de Isaias José Silva Oliveira Neto e de Franklin Costa Sousa (Aije 0600475-65.2020.6.14.0014), estas somente serão realizadas após o trânsito em julgado da respectiva decisão, conforme expressamente consta do decreto condenatório (ID 157325957).

No ponto, as Requerentes não se desincumbiram do ônus de demonstrar a designação do pleito extraordinário ou a data do trânsito em julgado da ação eleitoral.

Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO à Ação Cautelar, prejudicado o pedido liminar, com base no art. 36, § 6º, do RITSE. 

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 30 de março de 2022.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator