index: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549)-0000002-24.2017.6.25.0016-[Cargo - Prefeito, Captação ou Gasto Ilícito de Recursos Financeiros de Campanha Eleitoral, Abuso - De Poder Econômico, Ação de Investigação Judicial Eleitoral]-SERGIPE-NOSSA SENHORA DAS DORES
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0000002-24.2017.6.25.0016 (PJe) - NOSSA SENHORA DAS DORES - SERGIPE
RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
RECORRENTE: JOAO MARCELO MONTARROYOS LEITE
Advogados do(a) RECORRENTE: MARCIO MACEDO CONRADO - SE3806-A, JOSE HUNALDO SANTOS DA MOTA - SE1984-A, HUNALDO BEZERRA DA MOTA NETO - SE0005922A, RAFAEL RESENDE DE ANDRADE - SE0005201A, CRISTIANO MIRANDA PRADO - SE5794-A, FABIANO FREIRE FEITOSA - SE3173-A
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Trata-se de Recurso Especial interposto por João Marcelo Montarroyos Leite contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE/SE), pelo qual afastada a inelegibilidade imposta ao candidato a Vice-Prefeito nas Eleições 2016 e mantida a penalidade em face do Recorrente, candidato ao cargo de Prefeito de Nossa Senhora das Dores/SE, ante a condenação por abuso de poder econômico (ID 155564088, fls. 10-38), em decorrência da omissão de despesas e da superação do teto de gastos com a locação de automóveis.
Em suas razões (ID 155565138), alega, preliminarmente: i) cerceamento de defesa, porque o único advogado subscritor dos primeiros embargos de declaração (Dr. Fabiano Freire Feitosa, OAB/SE 3.173) não foi intimado para a respectiva sessão de julgamento; e ii) inadequação da via eleita, ante o ajuizamento da Ação de Investigação Judicial em vez da Representação prevista no art. 30-A da Lei 9.504/1997; iii) ilegitimidade ativa do MPE para o ajuizamento da Representação com fundamento no mencionado dispositivo, nos termos da divergência jurisprudencial suscitada, cujos paradigmas invocados “determinam em casos análogos a extinção da ação, tanto por entender que não é a via adequada, assim como entender que caso fosse a via adequada, pela natureza do objeto, o Ministério Público não seria legitimado”.
No mérito, amparado na violação aos arts. 30-A e 39, § 10, da Lei 9.504/1997; e 22, caput, da Lei 64/1990, defende que os gastos com o trio elétrico não somaram R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), mas R$ 3.000,00 (três mil reais), correspondentes ao seu uso efetivo em somente um dia, sendo este, e não aquele, o valor a ser computado para fins de omissão de despesa. Prossegue afirmando que o suposto pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), identificado em diálogo do Whatsapp, se refere ao tempo em que o trio elétrico ficou parado na cidade (12 dias), o que não significa que tenha sido efetivamente utilizado na campanha durante esse período. Explica que a ação ordinária proposta em seu desfavor perante a Justiça Comum, pleiteando o recebimento de outros R$ 20.000,00 (vinte mil reais), não envolveu cobrança pelo uso do carro de som, mas pedido de natureza indenizatória, considerando o prazo em que o veículo ficou à sua disposição.
Quanto à locação dos veículos, aduz que não extrapolou os limites legais, uma vez que os gastos ficaram limitados a R$ 6.000,00 (seis mil reais) – 4 (quatro) veículos no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), cada. Entende que o quinto veículo, um Chevrolet C20 Custom, alugado por R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não pode ser contabilizado para fins do teto previsto no art. 26, § 1º, II, da Lei 9.504/1997 (20%), por se tratar de “um mini-trio, contratado para fazer a divulgação da campanha pelas ruas da cidade, e não de veículo para transporte”.
Por fim, aduz que a omissão de despesa com combustível, assim como as demais irregularidades, envolvem valores módicos que não refletem gravidade suficiente para comprometer a legitimidade das eleições. Dessa forma, a aplicação das penalidades deve ser ponderada, de acordo com dissenso pretoriano suscitado, o qual inviabiliza a condenação baseada em meras presunções.
O Vice-Procurador-Geral Eleitoral opina pelo desprovimento do Recurso Especial (ID 157098755).
É o breve relato. Decido.
Inicialmente, o Recurso Especial é deficiente em confrontar o caso concreto com os arestos que pretensamente serviriam a demonstrar a divergência jurisprudencial, uma vez que não houve a realização adequada de cotejo analítico ou a demonstração de similitude fática entre os julgados paradigmas. Nesse sentido: “Incabível o conhecimento de dissídio jurisprudencial quando amparado em mera transcrição de ementas de julgado, sem que demonstrada a similitude fática entre as hipóteses confrontadas” (AgR–REspe 390–15, minha relatoria, DJe de 16/3/2021).
No caso, há somente a transcrição de ementas e a elaboração de singelos quadros com anotações e conclusões construídas pelo próprio Recorrente, as quais não permitem atestar a similitude fática entre os casos confrontados.
A comparação demanda a reprodução de trechos do voto condutor e do paradigma, nos quais se apresentem minimamente os pontos de identificação entre as situações contrastadas. Como se sabe, “o conhecimento do recurso especial pelo dissídio pretoriano requer a demonstração do dissenso por meio da transcrição dos trechos do acórdão recorrido e dos paradigmas trazidos a confronto, mencionadas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos cotejados” (AI 45568, Rel. Min. OG FERNANES, DJe de 18/11/2019).
Incidência da Súmula 28 do TSE nessa parte.
Ainda preliminarmente, inexiste nulidade no julgamento dos primeiros Embargos de Declaração, pois não consta dos autos pedido expresso para publicação das intimações em nome do Dr. Fabiano Freire Feitosa, o qual não era o único procurador constituído. Desse modo, a decisão da corte regional se alinha à jurisprudência do TSE, segundo a qual “a intimação em nome de quaisquer dos advogados constituídos pelas partes é válida, desde que inexista pedido expresso para que seja procedida exclusivamente em nome de determinado causídico. Precedente” (AgR-ED-AC 0601022-11, Rel. Min. OG FERNANDES, PSESS de 26/10/2018.
Além disso, o Recorrente não comprovou a existência de prejuízo decorrente da falta de intimação, sem o qual se revelaria inviável o reconhecimento de nulidade, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral (pas de nullité sans grief). Nesse sentido: REspe 0600186–38/PI, minha relatoria, DJe de 9/12/2020).
Rejeito, ainda, a alegação de inadequação da via eleita, pois o ilícito previsto no art. 30-A da Lei 9.504/1997 também pode ser examinado sob a ótica do abuso do poder, como no caso em apreço, especialmente se a conduta macular a normalidade e a legitimidade do pleito. O TSE sinaliza que, “em princípio, o desatendimento às regras de arrecadação e gastos de campanha se enquadra no art. 30-A da Lei das Eleições. Isso, contudo, não anula a possibilidade de os fatos serem, também, examinados na forma dos arts. 19 e 22 da Lei Complementar n° 64/90, quando o excesso das irregularidades e seu montante estão aptos a demonstrar a existência de abuso do poder econômico” (REspe 130-68, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe de 13/8/2013).
E mesmo que se tratasse de Ação por captação ou gasto ilícito, com fundamento exclusivo no art. 30-A da Lei 9.04/1997, não haveria óbice ao ajuizamento da ação pelo Ministério Público. De acordo com o que adverte a doutrina:
“[...] quanto às pessoas legitimadas para a ação em tela, o caput do artigo 30-A só alude a ‘partido político ou coligação’. Todavia, é certo que a regra legal disse menos do que deveria, impondo-se o recurso à interpretação extensiva para que seu sentido seja melhor explicitado. Assim, o polo ativo da relação processual também pode ser ocupado por candidato e, sobretudo, pelo Ministério Público.
No que concerne ao Ministério Público, seu interesse e legitimidade ativa são extraídos do artigo 127, caput, da Lei Maior, bem como dos artigos 5º, I, b, 6º, XIV, a, e 72, todos da LC no 75/93.” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 952) – grifei.
Nesse sentido, esta CORTE SUPERIOR ELEITORAL já decidiu que, apesar da falta de menção expressa do parquet no art. 30-A da Lei das Eleições, diante do bem jurídico tutelado pela norma, “a leitura combinada do dispositivo com o art. 127 da Constituição conduz à confirmação da legitimidade do Ministério Público Eleitoral para propor a ação. A defesa do regime democrático engloba, por certo, a moralidade, a legalidade e a lisura do processo eleitoral” (RO 15-40, Rel. Min. FELIX FISCHER, RJTSE de 28/4/2009).
Nessa linha, conforme proficientemente observado pelo e. Min. CARLOS AYRES BRITTO, quando do julgamento do RO 15-96, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe de 16/3/2009 (versando sobre a legitimidade ativa do MPE com fundamento no art. 30-A), “a lei que excluísse a habilitação processual do Ministério Público para sair em defesa da regularidade e legitimidade do processo eleitoral, e, assim, velar pela vitalidade da democracia representativa, seria inconstitucional. Não há como apartar o Ministério Público dessa atuação em defesa da democracia representativa - que se desdobra por eleições, votos, captação de recursos, prestação de contas. Porque tudo se reflete na legitimidade da investidura dos representantes do povo, nos cargos de chefia executiva e nos cargos de natureza parlamentar”.
Ficam, assim, rejeitadas as preliminares.
No mérito, o TRE/SE concluiu presentes provas robustas da prática de abuso de poder econômico, em razão da omissão de despesas com trio elétrico na campanha e nos gastos com combustível, bem como em razão da superação do teto legal para aluguel de veículos.
A Corte Regional asseverou estar comprovada a contratação de trio elétrico para realização de atos de campanha do Recorrente, não apenas em um comício, pelo valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), sem o devido trânsito dos recursos nas contas do candidato, com base em fotos certificando o uso do veículo denominado "Atrevido" em atos de campanha, bem como declaração e conversas com o proprietário do bem que confirmam o valor do respectivo ajuste pactuado.
Reproduzo, nesse sentido, trechos do acórdão regional (ID 155564088, fls. 10-38):
“2.1 — OMISSÃO DA DESPESA RELACIONADA À CONTRATAÇÃO DE UM TRIO ELÉTRICO
De fato, as fotografias existentes no DVD (fl. 35), algumas extraídas do facebook (www.facebook.com/joaomarcelopsdb/protos/), confirmam que o referido trio elétrico "Atrevido" foi utilizado na campanha dos recorrentes, tendo eles deixado de registrar o referido gasto na sua prestação de contas.
[...]
Por seu turno, o senhor Valter Teles Nogueira, empresário do trio elétrico ‘Atrevido’, em resposta à solicitação do juízo da 16ª ZE, informou que o equipamento foi negociado por R$ 35.000,00 com o primeiro recorrente, senhor João Marcelo Montarroyos Leite, que foram pagos R$ 15.000,00 e que, até março/2017, havia um débito a ser quitado no valor de R$ 20.000,00 (fls. 123/124).
Objetivando comprovar o valor do contrato celebrado verbalmente, juntou transcrição de diálogos travados com o primeiro recorrente (fls. 126/128), via Whatsapp, a seguir reproduzidos, na parte pertinente:
[...]
Ademais, em um print de uma conversa por meio eletrônico entre os mesmos interlocutores, avistado na fl. 125, no qual figura ‘João Marcelo’ como destinatário, consta textualmente:
João, só para ficar registrado o nosso acordo, e as datas confirmadas. Dias 8 — 11 e 24 de setembro de 2016. Ficou restando (apagado),00 vinte mil reais para o dia 29 de setembro 2016. Ok? Fica com Deus.
A esses termos, respondeu expressamente o destinatário: OK amigo.
[...]
Deles (diálogos) se depreende que a prestação do serviço não ocorreu somente no dia do primeiro comício (visto que o primeiro recorrente afirmou às 15h08 do dia 07/11/16):
‘Eu já tinha pago os dias que você esteve aqui prestando serviço’) e que o valor de R$ 15.000,00 já havia sido pago, uma vez que as tratativas se dão em torno da importância de R$ 20.000,00.
Em sentença proferida nos autos do processo n° 201776001447 — que é um documento público —, ajuizado pelo empresário Valter Nogueira em face do primeiro investigado, objetivando o recebimento do valor de R$ 20.000,00, assentou o juizado especial cível da comarca de Nossa Senhora das Dores/SE:
Em sede de contestação, o requerido afirma que o valor pactuado foi de R$ 15.000 00, sendo este já pago ao autor, conforme salientado à fl. 46.
O ‘requerido’ mencionado na sentença, contestante naqueles autos, é o ora recorrente João Marcelo Montarroyos Leite.
Assim, não há dúvida de que houve o pagamento da importância de R$ 15.000,00. Também não há dúvida de que esse pagamento ocorreu antes do dia das eleições e da entrega da prestação de contas, pois no print avistado na fl. 125 consta que ficou restando ‘vinte mil reais para o dia 29 de setembro 2016’.
[...]
Quanto à existência do débito de R$ 20.000,00, que seria o saldo a pagar do valor de R$ 35.000,00, segundo os diálogos juntados (fls. 126/128), embora em determinado momento das tratativas, especificamente no dia 07/11/2016, o primeiro investigado tenha afirmado que ‘você quer receber sem ter tocado’ e que não iria ‘pagar 20 mil pro trio ter ficado parado sem a gente ter combinado’, como alegam os recorrentes na fl. 221, posteriormente ele passou a concordar com o valor cobrado pelo empresário.
[...]
Como demonstram os diálogos transcritos, o primeiro investigado concordou com o valor da dívida cobrada pelo empresário (R$ 20.000,00), dizendo apenas que estava em uma situação ruim, que não estava em condições de pagar a importância pleiteada e que havia outras formas de ajudar o sedizente credor.
A par disso, a sentença proferida nos autos do processo n° 201776001447, pelo juizado especial cível de Nossa Senhora das Dores/SE, reconheceu o contrato verbal no valor de R$ 35.000,00 e condenou o recorrente João Marcelo Montarroyos Leite, lá requerido, a pagar a importância de R$ 20.000,00, com a incidência de correção monetária e de juros moratórios.” (Grifei).
Dos excertos acima transcritos, cuja autenticidade dos diálogos neles mencionados não foi negada pelo Recorrente, é possível identificar a realização do ajuste para utilização do trio elétrico, inclusive com o pagamento prévio dos serviços (R$ 15.000,00), no qual se discutia apenas os valores em datas remanescentes (R$ 20.000,00).
A propósito, em determinado trecho do diálogo, o Investigado reconhece a dívida, justificando o seu atraso por ausência de condições financeiras e com a promessa de que: "posso lhe ajudar mto o frente" e "vou voltar para a prefeitura" (ID 155564088, fls. 10-38).
Nesse cenário, vale registrar que apenas a omissão de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) com a contratação do trio elétrico já corresponde a 84,73% do total das despesas declaradas na referida prestação de contas (R$ 41.306,00), montante esse relevante e grave, notadamente por envolver despesas para a divulgação da candidatura, por meio de instrumento com enorme potencial de alcance/repercussão e em município pequeno.
Além dos gastos com o trio elétrico, a Corte Regional atesta que o candidato também extrapolou o limite de gastos com veículos, em franca violação ao disposto no art. 26, § 1º, II, da Lei 9.504/1997, na medida em que foram contratados 5 (cinco) automóveis "referentes aos veículos placas HZT7966, HZW3156, JRD1143, MAS8044 e MVE1193 -, todos para o período de 19/08 a 02/10/2016, sendo quatro no valor unitário de R$ 1.500,00 e um no valor de R$ 5.000,00, totalizando R$ 11.000,00" (ID 155564088).
Nos termos do acórdão regional, "o total das despesas informado no extrato da prestação de contas (DVD fl. 25, arquivo ‘FLS. 02-12’) é R$ 41.306,00, o que significa que os investigados poderiam contrair despesas com locação de veículos até o limite de R$ 8.261,20 (R$ 41.306,00 X 20%), tendo ultrapassado esse teto em R$ 2.738.80 (excesso de 28,79%)".
No ponto, carece de amparo legal a tese de que o Chevrolet C20 Custom, alugado por R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não pode ser contabilizado na aferição do teto de gastos, por se tratar de veículo destinado à divulgação da campanha. De acordo com o que enfatiza o Vice-Procurador-Geral Eleitoral, “a norma em exame não especifica ou restringe a finalidade do aluguel, mas apenas delimita o total que poderá ser gasto com locação de veículos. A única hipótese em que o veículo automotor é excepcionado dos gastos eleitorais é quando se trata das despesas de natureza pessoal do candidato, previstas no §3º do art. 26 da Lei 9.504/97, o que evidentemente não é o caso do trio elétrico” (ID 157098755).
Como se sabe, o art. 26, § 1º, II, da Lei 9.504/1997, inserido pela Lei 12.891/2013, visa exatamente diminuir os custos da campanha eleitoral, em razão do histórico de gastos astronômicos nas eleições atrelados à correspondente redução do tempo de campanha. Segundo justificativa apresentada na tramitação do respectivo projeto de lei, se pretendia o alcança de medidas simples com vistas a "promover importantes reduções nos gastos gerais decorrentes das campanhas eleitorais, sem, contudo, comprometer o necessário esclarecimento dos eleitores para o exercício consciente do direito ao voto" (https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=2937133&ts=1630417660940&disposition=inline). Ou seja, a norma tem o objetivo de conter os efeitos do poderio econômico ante a redução da campanha eleitoral, o que foi desatendido de forma contundente pelo candidato investigado.
No caso, ficou comprovada, ainda, a omissão de despesas com combustível, no montante de R$ 2.219,40 (dois mil, duzentos e dezenove reais e quarenta centavos), equivalente a 600 (seiscentos) litros de gasolina, todos supostamente voltados ao abastecimento dos veículos placas HZT7966, HZW3156, JRD1143 e MVE1193, no curso da campanha eleitoral.
A dúvida que surge, portanto, é se seria possível, de maneira prática e razoável, que esses veículos pudessem ter utilizado o total de 960 litros de combustível, considerando o montante declarado (360 litros) mais os 600 litros omissos, no curto período da campanha de 2016. Diante dessas considerações, é notório se tratar de irregularidade grave e com evidente impacto na lisura do processo eleitoral, especialmente por se tratar de município pequeno, com 19.082 eleitores, segundo a estatística do TSE, para as Eleições 2016 (https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais?busca=2016).
Nesse cenário, portanto, fica evidente que gastos relevantes foram omitidos pelo candidato, em visível má-fé e abuso de poder econômico, o que impediu a fiscalização por parte desta JUSTIÇA ELEITORAL com impacto no equilíbrio, na lisura e na transparência das eleições locais.
Note-se que somente as despesas omitidas perfazem a quantia de R$ 37.219,40 (R$ 35.000,00 + R$ 2.219,40), correspondentes a 91% dos gastos regulares de campanha do investigado (R$ 41.306,00), ou seja, praticamente o dobro do total efetivamente declarado.
Cuida-se de valores que foram utilizados à margem da contabilização oficial, caracterizando o denominado “caixa 2”, ou seja a “manutenção ou movimentação de recursos financeiros não escriturados ou falsamente escriturados na contabilidade oficial da campanha eleitoral (RO 1220-86, Rel. designado Min. LUIZ FUX, DJe de 27/3/2018). A utilização de recursos não contabilizados na prestação de contas desequilibra a igualdade de oportunidade entre os candidatos, compromete a lisura das Eleições e impede a fiscalização dos recursos utilizados pelos participantes da corrida eleitoral.
Além disso, não se pode esquecer que o candidato deixou de atender ao limite estabelecido para as despesas com locação de veículos, em percentual de igual modo relevante, superando em 28,79% o teto estabelecido pela norma, o que não apenas reforça o abuso econômico, mas também afasta a alegação de que se trata de meras irregularidades formais ou impropriedades sem impacto nas eleições.
Diante de todas as premissas firmadas pelo Tribunal de origem, a reforma da conclusão demandaria nova incursão no acervo fático-probatório, o que é vedado nesta instância recursal, nos termos da Súmula 24/TSE.
Segundo a firme jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, “o abuso de poder econômico ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura. Precedentes”. Nesse sentido: AgR-Respe 1057-17, Rel Min. JORGE MUSSI, DJe de 13/12/2019).
Para o exercício de mandato eletivo de forma legítima, os recursos utilizados na campanha eleitoral devem ser lícitos. Nesse sentido, JOSÉ JAIRO GOMES leciona: "Arbor ex fructu cognoscitur, pelo fruto se conhece a árvore. Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita. De campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios" (Direito Eleitoral. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 754).
Dessa forma, ante a consonância entre o acórdão e a jurisprudência firme desta CORTE SUPERIOR, deve ser mantida a procedência da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, com a incidência da sanção de inelegibilidade por 8 (oito) anos, em razão da prática de abuso de poder econômico nas Eleições 2016.
Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao Recurso Especial, com base no art. 36, § 6º, do RITSE.
Publique-se. Intime–se.
Brasília, 3 de fevereiro de 2022.