index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601700-84.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Impulsionamento]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601700-84.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA

Advogados do(a) REPRESENTANTE: GUILHERME QUEIROZ GONCALVES - DF37961, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR - DF61174-A, MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA - DF70190, MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - DF48704, EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - SP464676, MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - DF57469-A, VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - SP448673, MARCELO WINCH SCHMIDT - DF53599-A, MARIA DE LOURDES LOPES - SP77513, VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - SP153720, ANGELO LONGO FERRARO - DF37922-S, CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730, EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - DF4935-A, ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE - DF59906
REPRESENTADA: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL
REPRESENTADO: JAIR MESSIAS BOLSONARO, PARTIDO LIBERAL (PL) - NACIONAL

Advogados do(a) REPRESENTADA: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - SP256786-A
Advogados do(a) REPRESENTADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - SP256786-A

 

DECISÃO
 

Trata-se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Jair Messias Bolsonaro e do Partido Liberal, tendo em vista publicações veiculadas no sítio eletrônico https://verdadesdobolsonaro.com.br/.

 

Na inicial, a Representante narra, em síntese: i) houve identificação "de uma série de irregularidades em propaganda eleitoral veiculada pela campanha de Jair Messias Bolsonaro, mediante anúncios, via plataforma Google Ads, e sítio eletrônico destinado a propaganda eleitoral sem identificação com evidente intuído de promover propaganda eleitoral velada"; ii) a agência de checagem Aos Fatos publicou editorial mencionando que Jair Messias Bolsonaro investiu R$ 358 mil em anúncios com propaganda negativa e desinformação, os quais consistem em "na verdade, diversos anúncios com roupagem de conteúdo lícito com a chamada "Saiba toda a verdade", "Bolsonaro no SBT", "Lei Para Mulheres", "Verdade do Bolsonaro", Jair Bolsonaro ao vivo" etc., mas que na realidade remetem a um conteúdo de que configura propaganda negativa", enquanto outros "sequer tentam maquiar a patente propaganda negativa paga"; iii) todos os anúncios apresentam link que encaminha para o site https://verdadesdobolsonaro.com.br/ , com conteúdo negativo e ofensivo à honra do candidato Luiz Inácio Lula da Silva; iv) "os 49 anúncios impulsionados são uma mera ilusão, com roupagem de propaganda regular, mas que acabam por encaminhar o eleitor a um conteúdo que promove propaganda negativa"; v) "os investimentos variaram entre R$ 1.000, 00 a R$ 60.000,00, totalizando R$ 487.000,00 (quatro centos e oitenta e sete mil reais), alguns dos anúncios obtiveram alcance de 225 mil pessoas, sendo importando ressaltar que todos os 49 anúncios levavam a página Verdade do Bolsonaro onde contém propaganda negativa"; vi) o sítio https://verdadesdobolsonaro.com.br/ , ainda, "não apresenta qualquer identificação no sentido de se tratar de uma propaganda eleitoral em favor de Jair Messias Bolsonaro, limitando-se a proposta de apresentar "verdades do Bolsonaro" como se tratasse de uma plataforma de exposição de fatos relacionados ao Presidente da República ou até mesmo uma proposição de "desmentir" fatos inverídicas"; vii) "a identificação do CNPJ da campanha aparece somente no "anúncio"/link que leva a outro sítio, a do https://lulaflix.com.br/ - como se o Verdadesdobolsonaro.com fosse uma plataforma qualquer, não vinculado a campanha, e tivesse "anunciando" uma propagada eleitoral paga para direcionar ao verdadeiro site de campanha eleitoral, o LulaFlix"; viii) o site impugnado "é de titularidade do Partido Liberal e está hospedado nos servidores da empresa Magic Beans", que consta na prestação de contas de Jair Bolsonaro; ix) "além de promover o impulsionamento de propaganda negativa e submeter o eleitor a propaganda eleitoral não identificada, o sítio Verdadesdobolsonaro.com sequer foi informado a este eg. TSE como canal oficial de comunicação de campanha".

 

Requereu, liminarmente: i) "a imediata remoção do site https://verdadesdobolsonaro.com.br/ expedindo-se ofício a hospedeira de domínio Magic Beans", para que tire imediatamente o site do ar; ii) "seja expedido ofício à empresa Google - plataforma em que os anúncios estão hospedados - determinando a imediata remoção, em razão de violação à lei eleitoral, dos anúncios" indicados em 49 links; iii) subsidiariamente, "que seja determinado aos próprios representados que realizem a remoção do conteúdo impugnado, com a consequente interrupção do impulsionamento"; iv) "seja determinado ao Representados que se abstenham de promover impulsionamentos/anúncios do site https://verdadesdobolsonaro.com.br/ objeto da lide, uma vez que o site faz flagrante propaganda negativa".

 

No mérito, pretende a confirmação da liminar, com remoção do site e suspensão definitiva dos 49 anúncios, e a condenação dos Representados, aplicando-se a multa prevista no art. 29, §2º, da Res.-TSE 23.610/209 no patamar máximo de R$ 30.000,00.

 

A liminar foi parcialmente deferida, a fim de determinar que: i) "os Representados, no prazo de horas a contar da presente decisão, procedam à indicação, no site https://verdadesdobolsonaro.com.br/, de forma clara e legível, do CNPJ do contratante e da informação de que se trata de propaganda eleitoral, nos termos do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019, sob pena de retirada de ar do endereço eletrônico"; e ii) "os Representados se abstenham de promover o impulsionamento dos conteúdos indicados nesta decisão, tendo em vista o caráter negativo das notícias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.00,00 (cem mil reais), para cada um, por reiteração".

 

Em contestação, os Representados alegam, em suma: i) os impulsionamentos referentes ao site, desde 24/10/2022, já haviam cessado, constando, do mencionado endereço eletrônico, o respectivo CNPJ, "uma vez que tal indicação está no template inicial do site e, inclusive, consta de prints juntados na própria peça"; ii) "a despeito disso, os representados fizeram questão de incluir mais uma indicação de propaganda eleitoral no site, em seu rodapé, para que não restem dúvidas acerca do cumprimento da legislação de regência. Assim, evidenciado que os impulsionamentos haviam cessado antes mesmo da propositura da ação e que sempre constou do site a indicação de propaganda eleitoral, resta inviável a aplicação de qualquer sanção pecuniária"; iii) "a primeira (fatal!)  fragilidade da argumentação despendida na exordial reside no fato de que o site se limita a reproduzir matérias jornalísticas e vídeos acessíveis  na rede mundial de computadores, não fazendo sobre eles qualquer juízo de valor e não alterando o teor das manchetes"; iv) "nos autos da RP 0600974-13, que se questionava a existência de ofensas em site de escopo idêntico - "mulheres com Bolsonaro? -, a Exma. Ministra Maria Claudia Bucchianeri firmou a vigorosa compreensão de que sítios que tais não possuem conteúdo eleitoral, o que, de plano, afastaria a discussão sobre o caráter positivo ou negativo, já que não se trataria sequer de propaganda"; v) "o mero fato de o domínio ter sido adquirido pela campanha dos representados não justifica a caracterização do site como de conteúdo eleitoral, diante do específico conteúdo lá hospedado e, repita-se, na linha do precedente antes citado"; vi) "in casu, está-se diante de conteúdo passível de interesse político, em sentido amplo, equiparável a qualquer outra manifestação hospedada, desordenadamente, em imprensa escrita e/ou televisionada"; vii) a multa prevista no artigo 57-C, § 2º, da Lei 9.504/1997 "só tem sentido em casos de impulsionamento por parte vedada ou sem a devida identificação, não sendo viável sua incidência em caso de suposto descumprimento do art. 29, § 5º, da Resolução nº 23.610/2019, menos ainda por suposta propaganda eleitoral negativa via impulsionamento, ante a ausência de previsão no art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições"; viii) o endereço eletrônico foi devidamente informado à Justiça Eleitoral, não incidindo a multa prevista no art. 28, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019; ix) "o pluralismo político e as liberdades são valores estruturantes do Estado Constitucional Democrático e de Direito e não podem, assim, ser desconsiderados por este TSE em hipótese como a dos autos, sobretudo quando a compilação jornalística impugnada não contém nenhuma ofensa gritante e tampouco inverdades inquestionáveis passíveis de reprimenda".

 

A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pela procedência da Representação no tocante à aplicação de multa, tendo em vista que "a página impugnada não expôs o número do CNPJ da contratante e não possuía o alerta de se tratar de "propaganda eleitoral", bem como a conotação negativa de conteúdos impulsionados, na linha dos argumentos veiculados na decisão que deferiu a liminar.

 

É o relatório. Decido. 

 

De início, conforme registrei ao deferir parcialmente a liminar, a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.

 

Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norteamericana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; S. 126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6).

 

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

 

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.

 

Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar.

 

No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte-Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade  de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).

 

A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).

 

Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), devendo-se, portanto, permitir aos candidatos a possibilidade de ampla discussão dos temas de relevância ao eleitor.

 

Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitor e também sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais.

 

No caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”.

 

RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que:

“a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 324).

No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435).

 

As opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271-72).

 

O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959).

 

A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão:

“constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009).

A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.

 

Lembremo-nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia.

 

Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que:

“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81).

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.

 

O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística; bem como a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.

 

A liberdade de expressão permite que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.

 

Note-se que, em relação à liberdade de expressão exercida inclusive por meio de sátiras, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que:

 

“sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público.

 

Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos. Ou seja, a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos, garantindo o livre exercício do voto (TSE, RESpe 0600025-25.2020 e AgR no Arespe 0600417-69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES).

 

A Constituição Federal não permite aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio.

 

A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas.

 

Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão!

 

Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias!

 

Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!

 

A lisura do pleito deve ser resguardada, sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (TSE, Representação 0601530-54/DF Rel. Min, LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe DE 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais dessa CORTE ELEITORAL, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de se resguardar eleições livres e legítima (TSE, RO-EL 2247-73 e 1251-75, redator para Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES).

 

A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo eleitoral (TSE, RO-EL 0603975-98, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).

 

Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.

 

A Constituição Federal não autoriza, portanto, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, a Democracia e ao Estado de Direito, que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições.

 

No caso, o site https://verdadesdobolsonaro.com.br/ consta da lista de endereços eletrônicos registrada no DRAP da Coligação Pelo Bem do Brasil (RCand 0600728-17) e, conforme apontado pela própria Representante, o Partido Liberal (PL) é identificado como seu titular:

Tal circunstância, por afastar o caráter anônimo da página, descaracteriza a plausibilidade jurídica do pedido de retirada do ar do site em questão e indica a distinção do caso concreto com os precedentes apontados na petição inicial sobre o tema, no sentido de que “a utilização de página anônima na Internet para promover propaganda eleitoral negativa, sem qualquer relação com partido, coligação ou candidato e candidata, caracteriza manifesta ilegalidade, exigindo-se a imediata suspensão do acesso” (Rp 0600883-20, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, PSESS DE 4.10.2022).

 

De igual modo, o endereço eletrônico também apresenta notícias com teor positivo em relação ao candidato Jair Bolsonaro, conforme se verifica, por exemplo, em https://verdadesdobolsonaro.com.br/com-bolsonaro-projecao-do-pib-no-brasil-sobe-para-28-em-2022/ ; https://verdadesdobolsonaro.com.br/governo-bolsonaro-registra-menor-taxa-de-homicidios-em-dez-anos/ ; https://verdadesdobolsonaro.com.br/bolsonaro-investiu-mais-de-r-500-bi-no-sus-para-o-enfrentamento-a-covid-19/ , circunstância que, ao menos neste juízo de cognição sumária, também inviabiliza a suspensão do site na sua integralidade, tendo em vista o entendimento firmado pelo Plenário deste TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, segundo o qual "mostra-se inviável a pretensão cautelar de suspensão de todo um site, com base na impugnação, por amostragem, apenas de alguns conteúdos ali postados" (Rp. 0600966-36, Rel. Min. MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI, PSESS de 27/9/2022).

 

Nada obstante, não se depreende, do site, o número do CNPJ do contratante e a expressão, de forma clara e legível, de que se trata de propaganda eleitoral, conforme exigido pelo artigo 29, § 5º, da Res-TSE 23.610/2019.

 

Embora os Representados afirmem que procederam à indicação das informações exigidas, depreende-se, na verdade, que os dados constam apenas em notícia relacionada ao sítio eletrônico https://lulaflix.com.br/ , o que não é suficiente a conferir regularidade do endereço em questão no tocante aos requisitos formais exigidos pela JUSTIÇA ELEITORAL:

 

 

Assim, no ponto, verifica-se irregularidade na veiculação de propaganda eleitoral no site, uma vez que "a Res.-TSE 23.610/2019, que regulamenta o art. 57-C da Lei 9504/97, exige que o impulsionamento eletrônico contenha a indicação do CPF ou do CNPJ, bem como a identificação inequívoca de que se trata de propaganda eleitoral, requisitos estes não preenchidos no caso" (AgR-AREspe 0600368-27, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 10/12/2021). Na mesma linha: AgR-REspe 0600263-17, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 23/11/2021.

 

No que concerne à irregularidade dos anúncios indicados, verifica-se que o impulsionamento realizado, no caso, consiste em patrocínio de links no site de busca, o que, por si só, conforme a jurisprudência desta CORTE, não constitui qualquer violação ao art. 57-C, § 3º, na Lei 9.504/1997, tendo em vista que o "impulsionamento no sítio de busca apenas conferiu destaque ao conteúdo promovido pela campanha, sem compelir o usuário a consumi-lo e sem cercear o fácil acesso a material diverso, que segue disponível logo em seguida, sem indevidos apagamentos" (Rp. 0601291-11, Rel. Min. MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI, PSESS de 14/10/2022).

 

Porém, no caso concreto, a partir da análise dos 49 anúncios listados na petição inicial, depreende-se a existência de conteúdo negativo no que concerne aos links indicados em 38.2.1; 38.2.12; .8.2.13; 38.2.17; 38.2.30; 38.2.34; 38.2.36; e 38.2.45, os quais contém notícias sobre "o que se sabe sobre a regulação da mídia que Lula e o PT pretendem promover"; "O escândalo do Petrolão: 42 de bilhões de reais prejuízo à nação"; "Governo Lula é recordista em queimadas na Amazônia; foram 2,5 milhões de focos de fogo"; "Maduro e Lula. Nicolás Maduro prevê o que acontecerá se Lula vencer".

 

Por essa razão, tendo em vista a nítida conotação crítica dos conteúdos em relação ao candidato adversário, a conduta praticada pelos Representados não se insere na autorização legal para a realização do impulsionamento, de modo que "é de rigor a multa multa prevista no § 2º do art. 57-C da Lei nº 9.504/97 se a propaganda eleitoral por meio de impulsionamento de conteúdo na internet tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo" (AgR-AREspe 0600384-93, Rel. Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJe de 18/6/2019). No mesmo sentido: Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021; AREspe 0600161-80, Red. p/ acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 2/8/2022, assim ementado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO SEM INDICAÇÃO DO CPF/CNPJ. ARTS. 57-C DA LEI 9.504/1997 E 29, § 5º, DA RES.-TSE 23.610/2019. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA. MENSAGEM DIVULGADA COM TEOR NEGATIVO EM RELAÇÃO A CANDIDATOS ADVERSÁRIOS. DESCONFORMIDADE COM O ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997. ILÍCITO CONFIGURADO. MULTA. VALOR. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 

1. Recorrente que realizou impulsionamento de 3 (três) postagens na rede social facebook, entendendo a Corte Regional configurada propaganda eleitoral irregular, com a consequente imposição de multa, em razão i) da ausência de indicação, de forma clara, do CNPJ do contratante e ii) do conteúdo negativo das publicações em relação a outros candidatos. 

2. A Res.-TSE 23.610/2019, que regulamenta o art. 57-C da Lei 9.504/97, exige que o impulsionamento contenha a indicação do CPF ou do CNPJ, bem como a identificação inequívoca de que se trata de propaganda eleitoral, requisitos estes não preenchidos no caso, conforme assentado pela Corte Regional. 

3. As exigências previstas na Resolução editada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL no exercício de sua competência regulamentar não representam inovação na ordem jurídica nem violam o princípio da legalidade, tendo em vista que a imposição de multa pelo descumprimento do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019 decorre do próprio art. 57-C, § 2º, da Lei 9.504/97. Precedentes. 

4. O contexto fático delimitado nos pronunciamentos das instâncias ordinárias demonstra que as postagens impulsionadas veiculam conteúdo negativo em relação a outros candidatos. A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou-se no sentido de que "o art. 57- C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações'" (Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021). 

5. Conduta praticada pelo Recorrente que não se insere na autorização legal para a realização do impulsionamento e, dessa forma, caracteriza propaganda eleitoral irregular, ensejando a aplicação de multa, nos termos do § 2º do art. 57-C da Lei 9.504/1997. 

6. O valor da multa foi estabelecido de forma fundamentada, a partir das circunstâncias concretas do caso, revelando-se inviável sua redução. 

7. Recurso Especial desprovido.

(AREspe 0600161-80, Red. p/ acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 2/8/2022).

Vê-se, assim, a configuração de dois ilícitos autônomos pelos Representados, consubstanciados i) na ausência de indicação do CNPJ e da inequívoca identificação de que se trata de propaganda eleitoral e ii) no impulsionamento de conteúdo negativo.

 

Quanto à violação ao artigo 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019, estabeleço a multa no mínimo legal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 57-C, § 2º.

 

Em relação à irregularidade decorrente do conteúdo crítico, fixo a multa no patamar de R% 5.000,00 para cada impulsionamento indevidamente realizado. De modo que, sendo 8 ilícitos (itens da petição inicial -  38.2.1; 38.2.12; .8.2.13; 38.2.17; 38.2.30; 38.2.34; 38.2.36; e 38.2.45), fica a sanção estipulada em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

 

Ante o exposto, nos termos do art. 36, § 7º, do RITSE, JULGO PROCEDENTE a Representação, condenando os Representados ao pagamento de multa no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais).

 

Publique-se. Intime-se.

 

Brasília, 18 de novembro de 2022.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator