index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601373-42.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601373-42.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Representante: Coligação Brasil da Esperança
Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)
Representados(as): Jair Messias Bolsonaro e outra
Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as)
Representado: Lucas Allex Pedro dos Santos
Representado: Luiz Silva
DECISÃO
Trata-se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, Lucas Allex Pedro dos Santos e Luiz Silva por suposta divulgação de desinformação na Internet, por meio do canal Lulaflix no YouTube, em ofensa ao art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019.
A representante alega que (ID 158201949):
a) o referido canal veicula vídeos de conteúdo desinformativo e ofensivo ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que depois são transmitidos pelo site https://lulaflix.com.br cujo titular do domínio é o candidato Jair Messias Bolsonaro, constando, ainda, como contato os senhores Lucas Allex Pedro dos Santos e Luiz Silva;
b) há “um verdadeiro buffet de fake news” (p. 7);
c) “ante a vastidão de vídeos montados para ofender o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e desinformar os eleitores, não mais que uma mera amostragem é suficiente para escancarar a danosidade que a manutenção de tal canal carreia” (p. 8);
d) os vídeos referem-se a matérias antigas e, portanto, descontextualizadas, bem como abordam temas já classificados desinformativos por este Tribunal;
e) “de acordo com a ferramenta ‘Google Trends’ é possível perceber o crescimento repentino nas pesquisas relacionadas ao Lula Flix e que as buscas são feitas no sentido negativo ao passo que os termos são relacionados com ‘conheça a verdade sobre o ex-presidiário’”(p. 15);
f) “a página é encontrada com uma simples pesquisa de “Lula Flix” na plataforma Youtube – de modo que não há nenhuma medida tomada, ainda, pelo site de modo a evitar a recomendação de canal tão danoso à democracia” (p. 19);
g) “neste contexto que resta evidenciado que as publicações objeto desta ação contrariam o art. 9º-A e o art. 27 da Resolução nº 23.610/2019. Isso porque, os Representados conscientemente divulgaram informações inverossímeis, por meio da manipulação dos fatos, para incutir na mente dos eleitores brasileiros que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria contas a prestar com à Justiça” (p. 24);
h) estão presentes no caso os requisitos necessários à concessão da tutela provisória de urgência e cita julgados desta Corte referentes à desinformação em que se deferiram liminares.
Requer, liminarmente, seja(m) determinada(s): i) diligências “para identificação do Sr. Lucas Silva, proprietário do e-mail luizsilvati1987@gmail.com” (p. 29); ii) “a imediata remoção do canal Lula Flix, diante da propagação das mais variadas fake news, ou, subsidiariamente, que a plataforma deixe de recomendar o canal (ocultando-o das buscas) e o desmonetize”(p. 29); iii) a citação dos representados, para, querendo, apresentar defesa.
No mérito, pleiteia: i) a confirmação da liminar; ii) a abstenção dos representados de veicularem notícias com o mesmo teor, sob pena de multa por descumprimento; iii) condenação dos representados em multa cujo valor considere o amplo alcance do canal; iv) remessa dos autos à PGE para apuração de “responsabilidade penal, abuso de poder e, principalmente, o uso indevido dos meios de comunicação” (p. 30).
É o relatório. Decido.
Passo a apreciar o pedido de medida liminar.
Consoante relatado, o que pretende a representante, em sede de tutela provisória de urgência, é a remoção de todo o canal Lulaflix do YouTube (e não de alguma mídia específica ali postada, individualmente questionada), sob a alegação de que todos os vídeos do canal, indistintamente, representariam um “buffet de fake News”, além de revelarem conteúdos antigos e descontextualizados, em ofensa aos arts. 9º-A e 27 da Res.-TSE nº 23.610/2019.
Nos termos em que posta, tenho para mim que o caso é de indeferimento da pretensão cautelar de suspensão de todo um canal, com base na impugnação, por amostragem, apenas de alguns conteúdos ali postados.
O minimalismo e a atuação necessariamente cirúrgica que devem nortear a intervenção desta Justiça Eleitoral no livre mercado ideias políticas e eleitorais são incompatíveis com qualquer supressão discursiva em atacado.
Se o referido canal do youtube hospeda matérias ou conteúdos que a representante entende ilegais, compete-lhe, então, explorar o teor de cada um dessas um desses vídeos, indicando concretamente as razões pelas quais defende a respectiva ilegalidade.
Insisto na premissa: afirmações genéricas, no sentido de que “se verifica de plano um verdadeiro buffet de fake news” (p. 7) e de que, “ante a vastidão de vídeos montados para ofender o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e desinformar os eleitores, [...] uma mera amostragem é suficiente para escancarar a danosidade que a manutenção de tal canal carreia” (p. 8), acompanhadas, “à título exemplificativo” (p. 8), da menção a apenas duas postagens, não se prestam a legitimar a derrubada de todo um canal, considerada a atuação necessariamente pontual e obrigatoriamente minimalista deste E. Tribunal Superior Eleitoral no livre mercado de ideias políticas e eleitorais.
Nesse sentido, a valiosa lição de Volgane Oliveira Carvalho, secretário geral adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, em artigo publicado no credenciado sítio Consultor Jurídico, com o título “Justiça eleitoral, propaganda e desinformação: um dilema cirúrgico?”, in verbis:
“[...]. É preciso avaliar cuidadosamente a necessidade de qualquer intromissão, invasão ou mediação, ponderando benefícios e contraindicações e realizando apenas as intervenções mais delicadas e indispensáveis, que produzam as cicatrizes mais imperceptíveis e os resultados proveitosos. Contudo, mesmo o mais conservador dos cirurgiões não pode ignorar a agressividade e os riscos de um câncer. Nesse caso, cada dia de hesitação e cuidado pode representar um avanço maior do mal. Contra aquilo que se reproduz e se espalha sem controle gerando malefícios incomensuráveis não cabe esperar. Ainda assim, é necessário que se estabeleça um protocolo para que o bisturi não corte além do necessário, nem decepe o algo útil, um caminho de precisão para extirpar apenas aquilo que realmente é indesejado [...]”. (https://www.conjur.com.br/2022-set-05/direito-eleitoral-justica-eleitoral-propagandadesinformacao-dilema-cirurgico#author)
Não por outro motivo, a Res.-TSE nº 23.610/2019, ao disciplinar eventual intervenção desta Justiça Eleitoral especificamente no campo abertamente livre da Internet, estabelece em seu art. 38 que “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na Internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático”.
Esse mesmo entendimento foi referendado pelo Plenário desta Corte, no recente referendo da Rp nº 0600966-36/DF, de minha relatoria, confira-se:
ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. INTERNET. SITE. CONTAS RELACIONADAS NAS REDES SOCIAIS. FALSA APARÊNCIA DE AGÊNCIA INDEPENDENTE DE CHECAGEM DE NOTÍCIAS. INDUÇÃO EM ERRO. PÁGINA OFICIAL DE CAMPANHA. FALSEAMENTO DE IDENTIDADE. COLETA IRREGULAR DE DADOS PESSOAIS. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR REFERENDADA.
1. Mostra- se inviável a pretensão cautelar de suspensão de todo um site, com base na impugnação, por amostragem, apenas de alguns dos conteúdos ali postados. O minimalismo e a atuação necessariamente cirúrgica que devem nortear a intervenção da Justiça Eleitoral no livre mercado ideias políticas e eleitorais são incompatíveis com qualquer supressão discursiva em atacado. Vícios de conteúdo, se e quando existentes, devem ser impugnados um a um, objetiva e concretamente, de sorte a autorizar a intervenção necessariamente pontual e cirúrgica desta Casa.
[...]
10. Medida liminar referendada.
(RP nº 0600966-36/DF, de minha relatoria, PSSES de 27.9.2022).
Nesse contexto, portanto, sem prejuízo de nova análise da temática quando do julgamento do mérito do feito, após o contraditório, afasto a plausibilidade jurídica da pretensão de derrubada de um canal inteiro na plataforma youtube, a partir da genérica afirmação de que todo conteúdo ali postado, impugnado de forma meramente exemplificativa, seria ilegal, a ponto de excepcionalizar a regra geral de atuação sempre cirúrgica no debate eleitoral.
Vícios de conteúdo, se e quando existentes, devem ser impugnados um a um, objetiva e concretamente, de sorte a autorizar a intervenção necessariamente pontual e cirúrgica desta Casa.
Ademais, verifica-se que os únicos dois conteúdos individualmente explorados mediante apresentação de prints, mas sem pedido específico de remoção das específicas URLs, revelam, em exame perfunctório, mera reprodução de matérias jornalísticas antigas, de conhecimento público, e ainda disponíveis em diversos outros veículos credenciados de imprensa.
O primeiro deles, traz, nos dizeres da petição inicial, “o recorte de uma vetusta reportagem” sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, temática que é de conhecimento público e que não configura propaganda irregular, nos termos de decisões já tomadas por esta Casa para as presentes eleições de 2022 (Referendo na RP nº 0601178-57, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, PSESS em 30.9.2022 e DRs nº 0600906-63, 0600922-17, 0601035-68, de minha relatoria, Mural eletrônico de 26.9.2022).
O outro conteúdo se limita a trazer matéria jornalística veiculada por emissora de televisão em 19/05/2011, envolvendo o então Ministro da Educação Fernando Haddad e o debate então travado sobre o combate à homofobia. Também aqui, trata-se, segundo entendo, de mera reprodução de conteúdo jornalístico que é de conhecimento público e que ainda se acha disponível, com idêntico teor, em diversos outros canais de imprensa, sem a construção de qualquer narrativa capaz de desvirtuá-lo gravemente, o que também não configura propaganda irregular (Referendo na RP nº 0600854-67/DF, PSESS em 13.9.2022, R-RP nº 0600856-37, PSESS em 30.9.2022; R-RP nº 0600974-13, PSESS em 1º.10.2022, todos de minha relatoria; Referendo na RP nº 0601230-53, PSESS em 4.10.2022 e DR nº 0600962-96, Mural eletrônico de 29.9.2022, ambos da relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino).
Seja como for, para além de não identificar irregularidade nos dois únicos conteúdos explorados concretamente na petição inicial, o fato é o de que a parte representante também não formulou, quanto a eles, qualquer pedido específico, sem indicar ou pretender a remoção específica da respectiva URL.
Ante todo o exposto, indefiro o pedido de tutela provisória de urgência.
Nos termos do art. 2º da Portaria-TSE nº 791/2022, encaminhem-se os autos à presidência desta Corte para que esta decisão seja submetida ao referendo do E. Plenário deste Tribunal.
Proceda-se à citação dos representados para que apresentem resposta, no prazo de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.
Transcorrido o prazo para apresentação de resposta, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para que se manifeste na forma do art. 19 da referida resolução.
Publique-se.
Brasília, 8 de outubro de 2022.
Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Relatora