index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601372-57.2022.6.00.0000-[Abuso - Uso Indevido de Meio de Comunicação Social, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO Nº 0601372-57.2022.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino
Representante: Coligação Brasil da Esperança
Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)
Representada: Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S.A
DECISÃO
Trata-se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da empresa Brasil Paralelo Entretenimento e Educação S/A, por suposta divulgação no Twitter de vídeo contendo fatos sabidamente inverídicos prejudiciais à honra e à imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
A representante alega, em síntese, que (ID 158201940):
a) a empresa promoveu desinformação ao publicar vídeo em seu perfil no Twitter com trechos de matérias jornalísticas relacionadas ao governo do PT e ofensivas à imagem do candidato Lula, de modo a influenciar negativamente na vontade do eleitor;
b) “importante trazer à baila a notícia – pública e notória – que o ex-presidente Lula obteve mais de vinte vitórias em relação às frívolas acusações que lhe foram dirigidas no âmbito da “operação lava jato” e seus desdobramentos” (p. 5);
c) o vídeo divulgado pela representada faz menção ao caso “Mensalão” (AP nº 470), no qual Luiz Inácio Lula da Silva não fora investigado e tampouco processado. Não há qualquer relação do processo ou de seu desfecho com o candidato ao pleito presidencial das eleições que se aproximam do segundo turno;
d) “o vídeo compartilhado pela representada, à margem do imaginário, afirmou inclusive que no meio de tudo isso, ainda teve o caso conhecido como ‘Dólares na cueca’, e em 2006, a ‘Máfia das Sanguessugas’ que desviava dinheiro destinado à saúde” (p. 10);
e) “o modus operandi da representada é cristalino, ao mencionar diversos casos de corrupção que ocorreram durante o lapso temporal do mandato do ex-Presidente Lula, de modo a levar a população a crer que ele estava envolvido em todos eles. Entretanto, o que a representada deveria comunicar aos seus correligionários é que houve casos de corrupção apurados durante o período em que Lula foi Presidente da República porque os órgãos de persecução tinham autonomia suficiente e realmente buscavam combater a criminalidade e a corrupção – diferentemente dos dias atuais” (p. 11);
f) o contexto do tweet juntamente com a matéria em vídeo publicada apresenta grave distorção da realidade, corroborando com a disseminação de desinformação e divulgação de fatos sabidamente inverídicos, com evidente intuito de influenciar negativamente o eleitorado no segundo turno das eleições que se avizinham, de modo a se enquadrar nas hipóteses proibitivas do art. 9º-A da Res.-TSE nº nº 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral.
Requer a concessão de tutela de urgência para que seja determinada a remoção imediata do conteúdo impugnado.
No mérito, postula a confirmação da medida liminar a fim de que a a representada se abstenha de veicular outros conteúdos com o mesmo teor, bem como a aplicação de multa, nos termos da legislação regente.
É o relatório. Passo a decidir.
A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a imediata remoção de conteúdo publicado no perfil da representada no Twitter, em que alega conter fatos sabidamente inverídicos e com grave descontextualização em prejuízo à honra e à imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, de modo a interferir negativamente no pleito.
Transcrevo o conteúdo do vídeo impugnado, conforme consta da petição inicial (ID 158201940, p. 4):
[Narrador]: 2006 foi o ano da corrupção. Uma vez estabelecido no poder, o PT começou a agir.
[Lula]: “Que o brasil votou sem medo de ser feliz”
[Narrador]: Nos primeiros anos de governo Lula, os esquemas de corrupção foram colocados em prática. O escândalo dos bingos veio à tona em 2004, em 2005 om escândalo dos correios deu origem as investigações do mensalão. No meio de tudo isso, ainda teve o caso conhecido como “Dólares na cueca”. Em 2006, a “Máfia dos Sanguessugas” desviava dinheiro destinado à saúde. E durante o período eleitoral, o escândalo do dossiê que poderia colocar em risco a reeleição de Lula também estourou.
[Repórter]: O material que acabou apreendido seria negociado com o Partido dos Trabalhadores.
[Narrador]: As campanhas eleitorais foram deixadas de lado, nada poderia vazar. A prioridade era atravessar o período eleitoral intacto e não deixar nenhuma ponta solta.
Para a concessão de medidas liminares urgentes, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora).
Quanto à plausibilidade do direito pleiteado na espécie, a tutela repressiva da Justiça Eleitoral sobre a prática de propaganda eleitoral irregular deve necessariamente observar – sob o manto da ordem constitucional vigente – as liberdades de expressão e de manifestação de pensamento.
Nesse sentido, a orientação jurisdicional deste Tribunal é no sentido de que “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão” (AgR-REspe nº 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).
Sobre os fatos sabidamente inverídicos, o entendimento desta Corte é de que “fatos sabidamente inverídicos a ensejar a ação repressiva da Justiça Eleitoral são aqueles verificáveis de plano” (R-Rp nº 0600894-88/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 30.8.2018, g.n.), pois “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. (R-Rp nº 2962-41/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010, g.n.). No mesmo sentido: Rp nº 0601513-18/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 5.10.2018.
No que diz respeito à desinformação, esta Corte especializada teve a oportunidade de conceituá-la como a divulgação de informações manifestamente falsas, deliberadamente criadas para enganar e prejudicar terceiros. Acrescentou-se, quanto ao tema, o seguinte:
[...] para que a liberdade de expressão seja devidamente assegurada, em princípio, não devem ser caracterizados como “fake news”: os juízos de valor e opiniões; as informações falsas que resultam de meros equívocos honestos ou incorreções imateriais; as sátiras e paródias; e as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista. Deve-se usar o conceito de “fake news” para o conteúdo manifestamente falso que é intencionalmente criado e divulgado para o fim de enganar e prejudicar terceiros, causar dano, ou para lucro.
(REspe nº 972-29/MG, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26.8.2019)
Na hipótese dos autos, verifica-se que a empresa representada Brasil Paralelo é uma produtora de multimídia envolvendo entretenimento e educação, que realiza documentários, filmes, cursos e séries que tratam de política, história, filosofia, economia, educação e atualidades. É nesse contexto que o conteúdo impugnado deve ser enfrentado sob a ótica deduzida na petição inicial.
Com efeito, o material publicado no perfil da representada no Twitter é um vídeo estruturado com matérias jornalísticas e que apresenta conteúdo crítico ao governo do Partido dos Trabalhadores e de Luiz Inácio Lula da Silva enquanto esteve à frente do Poder Executivo Federal, de modo que não há justificativa plausível para sua retirada, tendo em vista que a postagem encontra abrigo no preceito normativo previsto no art. 220 da Constituição Federal, de que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”.
Embora o vídeo revele conteúdo negativo em relação a partido político e candidato da coligação representante, inegável a natureza artística e informativa do material publicado.
Aliás, relevante destacar que “as limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação” (AREspe nº 0600384-93/PR, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 11.5.2022).
Assim, em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observa-se que a publicidade não transmite, como alegado, informação gravemente descontextualizada ou suportada por fatos sabidamente inverídicos, que extrapole o debate político e o direito à crítica inerente ao processo eleitoral, a ponto de justificar a interferência desta Justiça especializada.
Com efeito, “no processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam-se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente” (AgR-REspe nº 0600045-34/SE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022).
Cabe destacar, ainda, a compreensão exarada pelo STF de que a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI nº 4439/DF, redator. p/ ac. o Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.6.2018).
Assim, ao menos nesse juízo de cognição sumária, diante da ausência de elementos indispensáveis à concessão medida de urgência, não se autoriza a intervenção da Justiça Eleitoral para suspender a publicação impugnada, o que, por sua vez, é suficiente para o indeferimento da medida cautelar pleiteada.
Ante o exposto, indefiro o pedido de tutela provisória de urgência.
Determino a citação da representada para, querendo, apresentar resposta, no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.
Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime-se o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação no prazo de 1 (um) dia, com posterior e imediata nova conclusão a esta relatoria.
Publique-se.
Brasília, 7 de outubro de 2022.
Ministro PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
Relator