index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601222-76.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541) N. 060122-76.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL 

 

Relatora: Ministra Cármen Lúcia 

Representante: Coligação Brasil para Todos  

Representante: Simone Nassar Tebet Rocha 

Advogados: Renato Oliveira Ramos e outros 

DECISÃO 

REPRESENTAÇÃO. PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE PUBLICAÇÃO VEICULADA NO YOUTUBE. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. 

Relatório 

1. Representação, com requerimento liminar, proposta por Simone Nassar Tebet Rocha e pela Coligação Brasil para todos contra Jair Messias Bolsonaro e Coligação pelo Bem do Brasil, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na plataforma YouTube. 

As representantes questionam vídeo que reproduz o seguinte conteúdo: 

"AGORA É LEI.  

NESSAS ELEIÇÕES, VOCÊ QUE É APOSENTADO OU PENSIONISTA PODE FAZER SUA PROVA DE VIDA DIRETO NAS URNAS.  

O GOVERNO FEDERAL ACABOU COM O DESLOCAMENTO DESNECESSÁRIO PARA OS BENEFICIÁRIOS E TORNOU A SUA VIDA MAIS FÁCIL.  

APENAS O SEU VOTO JÁ É SUFICIENTE PARA GARANTIR OS BENEFÍCIOS DO INSS, PARA VOCÊ EXERCER SEU DIREITO À CIDADANIA COM MENOS BUROCRACIA.  

PELO BEM DO BRASIL, VOTE 22! "

Afirmam que, “ao ser impactado pela peça publicitária, mesmo os mais experientes ficam em dúvida se se trata de propaganda institucional ou de propaganda eleitoral. Tanto assim que, propositadamente, o nome do candidato não é mencionado na narração realizada pela locução em ‘off’ em nenhum momento, havendo exibição com destaque ao nome do Representado e seu número de urna” (ID 158120908, p. 6).  

 

Sustentam que “concorre para a confusão o uso, em ao menos três frames, dos símbolos e das imagens próprias desta Justiça Eleitoral, o que, a propósito, pode até configurar crime de acordo com o art. 40 da Lei 9.504/97” (ID 158120908, p. 6). 

 

Alegam que, “ao colocar a propaganda eleitoral em roupagem de propaganda institucional, o que se busca é burlar a regra prevista no art. 73, VI, ‘b’ da Lei 9.504/97, que impede a realização de propaganda oficial do Governo nos três meses antes do pleito, justamente para manter o equilíbrio da disputa entre o postulante à reeleição e seus adversários” (ID 158120908, p. 6-7). 

 

Asseveram que “a propaganda dá a entender que para continuar a ter acesso aos benefícios é necessário votar no número 22, induzindo o eleitor espectador a erro” e que, “após mencionar os benefícios, o vídeo exibe o nome do candidato, o cargo, o número e o nome do candidato a vice-presidente” (ID 158120908, p. 7). 

 

Argumentam que, com esse comportamento, os representados estariam veiculando e patrocinando propaganda eleitoral irregular, constituindo “desinformação e disseminação de notícia falsa (‘Fake News’), pois a forma pela qual o programa social é comunicado é gravemente descontextualizada” (ID 158120908, p. 7).  

 

Declaram que o vídeo “tem como propósito induzir a erro o eleitor que recebe benefícios do INSS, em particular o eleitorado com mais de 70 anos de idade, cujo voto é facultativo, e o eleitor que pretende votar em outro candidato, em branco, ou nulo, na medida em que procurar fazer crer que para apenas votando no ‘22’ terá assegurado os benefícios da sua aposentadoria” (ID 158120908, p. 8). 

 

Defendem estarem presentes os elementos autorizadores da concessão do pedido liminar. 

 

Para a comprovação da probabilidade do direito, apontam afronta ao art. 9º-A da Resolução n. 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, § 9º do art. 14 da Constituição Federal e inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/1997 (ID 158120908, p. 7-8). 

 

Quanto ao perigo da demora, assinalam “a possibilidade de reexibição do ilícito nas propagandas eleitorais, em total desacordo da legislação que regula a propaganda eleitoral na internet” (ID 158120908, p. 9). 

Requerem tutela de urgência “para determinar aos representados que suspendam, impedindo sua nova veiculação (na internet e em quaisquer outros meios, sobretudo na televisão), do vídeo divulgado na seguinte URL: https://www.youtube.com/watch?v=h2qvRbEJss8&t=1s” (ID 158120908, p. 9). 

 

Requerem, “liminarmente, que seja o GOOGLE BRASIL, dono da plataforma Youtube, imediatamente comunicado no email juridicobrasil@google.com para que cesse imediatamente a veiculação do vídeo, e que informe sobre eventual impulsionamento do conteúdo” (ID 158120908, p. 10). 

 

No mérito, postulam a confirmação da medida liminar “para determinar aos REPRESENTADOS que se abstenham de reiterar a propaganda irregular, objeto desta representação, e sejam os REQUERIDOS, mutatis mutandis, condenados à multa prevista no art. 36, §3º da Lei n. 9.504/97” (ID 158120908, p. 10). 

  

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO

 

2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, conforme previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”

 

3. A solução desta controvérsia jurídica, ainda que em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República. 

 

Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão): 

"(...) a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas."

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam-se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão): 

"Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...). 

(...) 

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. 

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news."

O sistema constitucional democrática não autoriza o abuso no exercício de qualquer direito, aí incluído o direito fundamental à livre manifestação do pensamento. Não seria admissível nem aceitável pudesse uma pessoa abusar no exercício do seu direito atingindo, com isso, direito de igual natureza essencial de outrem. Por isso, no Estado de direito é juridicamente possível a restrição ao exercício do direito quando constatada eventual ilicitude no seu exercício.  

 

4. As representantes pretendem, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de publicação na plataforma YouTube de informação inverídica a fim de induzir o eleitor, beneficiário do INSS, a crer que, para fazer a sua prova de vida, basta ir às urnas e votar no candidato Bolsonaro, número 22.  

 

5. O vídeo em questão apresenta conteúdo produzido para desinformar, pois a mensagem transmitida induz o eleitor a acreditar ser possível realizar sua prova de vida no INSS por meio do voto no número 22, o que afeta a integridade do processo eleitoral e a própria vontade do eleitor em exercer o seu direito de voto.  

 

O que se tem, portanto, é a divulgação de mensagem sabidamente descontextualizada com possibilidade de influenciar a livre escolha do cidadão. 

 

Como ressaltado na inicial  o uso da expressão " Apenas o seu voto já é suficiente para garantir os benefícios do INSS. Apenas o seu voto já é suficiente para garantir os benefícios do INSS, para você exercer seu direito à cidadania com menos burocracia. Pelo bem do Brasil, vote 22!", pode "induzir a erro o eleitor que recebe benefícios do INSS, em particular o eleitorado com mais de 70 anos de idade, cujo voto é facultativo, e o eleitor que pretende votar em outro candidato, em branco, ou nulo, na medida em que procurar fazer crer que para apenas votando no “22” terá assegurado os benefícios da sua aposentadoria".

 

6. Pelo entendimento deste Tribunal Superior, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspEl n. 0600396-74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 21.3.2022). 

 

7. Na espécie em análise, o conteúdo do vídeo não traduz crítica política ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de mensagem falsa, o que leva, em medida que não pode ser desprezada pelo Poder Judiciário, à repercussão ou interferência negativa no pleito e evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação. 

 

O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso ao vídeo por um número cada vez maior de pessoas, o que acarreta propagação da desinformação. 

 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil). 

 

8. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que seja removida, no prazo de 24 horas, a publicação indicada no seguinte endereço eletrônico: https://www.youtube.com/watch?v=h2qvRbEJss8&t=1s

 

Defiro a tutela para que os representados se abstenham de veicular outras mensagens com o mesmo teor. 

 

Proceda-se à citação dos representados para apresentarem defesa, no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior. 

 

Na sequência, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para manifestação, no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução. 

 

Publique-se e intime-se. 

 

Brasília, 27 de setembro de 2022. 

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA 

Relatora