index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601352-66.2022.6.00.0000-[Cargo - Deputado Federal, Cargo - Senador, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601352-66.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representados: Responsável pelo perfil @vicky_vanilla_official e outros

 

 

DECISÃO

 

Trata-se de representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor do responsável pelo perfil @vicky_vanilla_official, na rede social TikTok, e outros, haja vista a publicação de conteúdos manifestamente inverídicos em que se vincula o nome e a imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva a ideologias satânicas.

 

Na petição inicial, a representante alega, em síntese, que (ID 158189927):

 

a) o responsável pelo perfil @vicky_vanilla_official no TikTok se apresenta como satanista, e divulga conteúdos revelando apoio ao candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, o que prejudica demasiadamente sua honra e sua imagem;

 

b) “o que se observa é um indivíduo, que conta com quase um milhão de seguidores apenas na mencionada rede social, afirmando ser seguidor do satanás, entidade bíblica que sabidamente representa o mal na Terra, fazendo vídeos de apoio à candidatura de Lula. Com isso, tal tema se difunde nas redes sociais e aplicativos de mensagens eletrônicas de tal sorte que, em pouco tempo, emite-se a nociva mensagem que os ‘adoradores do demônio apoiam Lula’” (p. 6);

 

c) os apoiadores do candidato Jair Bolsonaro não perderam a oportunidade de propagar, com base nas publicações do usuário @vicky_vanilla_official, a mentirosa associação do candidato Lula a Lúcifer, espalhando desinformação na Internet;

 

d) o responsável pelo perfil representado participou de entrevista no canal SuperSonico Cast no YouTube e “mostrou-se contrário à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, chegando a compará-lo com o ‘nazismo’” (p. 15);

 

e) associar a candidatura adversária à imagem de satanás por meio de um falso apoio político é inaceitável na perspectiva de um processo eleitoral equânime e minimamente democrático, pois vincula o  “candidato da representante a toda ideia de maldade, sobretudo em um pleito marcado, por iniciativa da campanha de Jair Messias Bolsonaro, pela ideia de ‘batalha espiritual’ entre o bem e mal” (p. 18);

 

f) “observa-se uma estrutura engendrada onde, a partir de um falso apoio (fake news), cria-se fato politicamente relevante e rapidamente espalhado por uma estrutura voltada à disseminação de desinformação” (p. 21), em prejuízo à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Requer tutela provisória de urgência para que seja determinada a suspensão e remoção das publicações impugnadas, bem como a realização de diligência para identificação do responsável pelo perfil @vicky_vanilla_official no TikTok.

 

Ao final, postula a procedência da representação a fim de que os representados sejam proibidos de veicularem os conteúdos inverídicos e difamatórios impugnados, bem como a imposição de multa. 

 

É o relatório. Decido. 

 

A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a imediata suspensão de publicações realizadas pelo perfil, na rede social TikTok, denominado @vicky_vanilla_official, em que se divulga conteúdos manifestamente inverídicos, os quais vinculam o nome e a imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva a ideologias satânicas, de forma a interferir negativamente na vontade dos eleitores.

 

Para a concessão de tutelas provisórias de urgência, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora).

 

No que diz respeito à plausibilidade do direito, o art. 243, inciso IX, do Código Eleitoral e o art. 22, inciso X, da Res.-TSE nº 22.610/2019 dispõem que não pode ser tolerada a propaganda eleitoral que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como a que atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.

 

Ademais, segundo o art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019, a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral é igualmente vedada.

 

Caracterizada essas modalidades de propaganda eleitoral irregular, a Justiça Eleitoral poderá determinar a retirada de publicações em sítios da Internet, na forma do art. 30, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 e do art. 57-D, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

 

Na hipótese dos autos, em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, verifica-se que as publicações impugnadas transmitem, de fato, informações evidentemente inverídicas e, portanto, prejudicial à honra e à imagem de candidato ao cargo de presidente da República nas eleições 2022.

 

Contata-se que o perfil @vicky_vanilla_official contém aproximadamente um milhão de seguidores, na rede social TikTok, e o seu responsável e administrador se apresenta como sacerdote, mago e palestrante. O referido perfil divulga conteúdos relacionados a ideologias ou crenças relacionadas ao satanismo, de modo a promover admiração a personagens religiosos como Satanás e outras figuras similares como Belzebu e Lúcifer.

 

Ocorre que o responsável pelo perfil – sob o argumento do exercício legitimo do direito à liberdade de opinião ou expressão – divulga conteúdos manifestando suposto apoio político a Luiz Inácio Lula da Silva, o que acaba por associar indevidamente a imagem do candidato a ideologias e crenças satânicas.

 

O resultado é que as publicações produzidas e divulgadas pelo perfil @vicky_vanilla_official estão sendo disseminadas nas redes sociais por diversos outros usuários, gerando desinformação com o nome e a imagem do candidato da coligação representante. É forçoso reconhecer que a propagação desses conteúdos, sem nenhum consentimento do candidato ofendido, tem o potencial de interferir negativamente na vontade do eleitor.

 

Relevante destacar que, na linha de entendimento desta Corte Superior, “a livre manifestação do pensamento não encerra um direito de caráter absoluto, de forma que ofensas pessoais direcionadas a atingir a imagem dos candidatos e a comprometer a disputa eleitoral devem ser coibidas, cabendo à Justiça Eleitoral intervir para o restabelecimento da igualdade e normalidade do pleito ou, ainda, para a correção de eventuais condutas que ofendam a legislação eleitoral” (AgR-REspEl nº 0600228-53/GO, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 16.9.2021).

 

O preceito normativo previsto no art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, estabelece que “a livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

 

Na espécie, não se trata de exercício legítimo da liberdade de expressão, pois o responsável pelo perfil impugnado acaba por prejudicar indevidamente a honra e a imagem do candidato ao utilizar de seu capital digital (aproximadamente um milhão de seguidores) para manifestar suposto apoio político, associando-o a ideologia ou crença satânica no contexto de uma sociedade majoritariamente cristã.

 

Não há vedação legal ou constitucional para o exercício da liberdade religiosa, seja qual for a crença, mas é inadmissível associar a imagem de terceiro candidato ao cargo de presidente da República a determinada religião ou ideologia sem o seu consentimento, notadamente no ambiente digital e durante o período critico das eleições, em que a disseminação de desinformação acontece com estrema velocidade e alto potencial danoso.

 

A proteção ao direito de veracidade da informação e da honra dos atores do processo eleitoral viabiliza a flexibilização da liberdade de manifestação do pensamento, a fim de evitar a proliferação de notícias inverídicas ou descontextualizadas que, de algum modo, possam afetar a higidez das eleições.

 

Com efeito, do material publicado do referido perfil, decorrem inúmeros compartilhamentos que resulta disseminação de conteúdo inverídico e negativo, provocador de sensacionalismo com tamanha magnitude que pode vir a comprometer a lisura do processo eleitoral, ferindo valores, princípios e garantias constitucionalmente asseguradas, notadamente a liberdade do voto e o exercício da cidadania.

 

Nesse contexto, há plausibilidade jurídica no pedido de suspensão das postagens impugnadas, pois, com relação à veiculação de informação sabidamente falsa ou descontextualizada, a jurisprudência deste Tribunal Superior adota a orientação de que, embora seja reconhecido que a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas fortalece o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate eleitoral, a intervenção desta Justiça especializada é permitida para “coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspEl no 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).

 

Ademais, o perigo na demora da prestação jurisdicional também foi suficientemente demonstrado, pois, como afirmado na petição inicial, as publicações contêm desinformação e foram divulgadas no período crítico do processo eleitoral, em perfis com alto número de seguidores, de forma a gerar elevado número de visualizações, o que possibilita, em tese, a ocorrência de repercussão negativa de difícil reparação na imagem do candidato atingido.

 

Assim, nesse juízo perfunctório, o pedido cautelar de suspensão das publicações em perfis de redes sociais deve ser deferido, encontrando amparo no art. 30, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.

 

Ante o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar que as empresas provedoras de aplicação TikTok, Twitter, YouTube, Instagram, Facebook e Gettr removam as publicações localizadas nas URLs indicadas às páginas 27, 28 e 29 da petição inicial, no prazo de 24 horas, sob pena de incidência da multa diária, no valor de R$ 50,000.00 (cinquenta mil reais), em caso de descumprimento.

 

Determina-se, ainda, que a empresa provedora de aplicação TikTok forneça os dados cadastrais para a identificação do responsável administrador do perfil @vicky_vanilla_official.

 

Por fim, proceda-se a citação dos representados para que, querendo, apresentem defesa no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

 

Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime-se o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação, no prazo de 01 (um) dia, com posterior e imediata nova conclusão a esta relatoria.

 

Publique-se.

 

Brasília, 5 de outubro de 2022.

 

Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Relator