index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601807-31.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601807-31.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA

Advogados do(a) REPRESENTANTE: CAIO VINICIUS ARAUJO DE SOUZA - DF5910900, VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - SP448673, VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - SP153720, SERGIO LUIS DE OLIVEIRA - SP157720, ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE - DF59906, RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO - DF25120, MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - DF57469-A, MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - DF48704, MARIA DE LOURDES LOPES - SP77513, MARCELO WINCH SCHMIDT - DF53599-A, GUILHERME QUEIROZ GONCALVES - DF37961, GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR - DF61174-A, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, FELIPE SANTOS CORREA - DF53078, EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - DF4935-A, EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - SP464676, CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730, ANGELO LONGO FERRARO - DF37922-S, MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA - DF70190
REPRESENTADO: FLAVIO NANTES BOLSONARO, FABIO SALUSTINO MESQUITA DE FARIA
REPRESENTADA: BEATRIZ KICIS TORRENTS DE SORDI

 

 

DECISÃO
 

Trata-se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Flavio Nantes Bolsonaro, Fábio Salustino Mesquita e Beatriz Kicis Torrents de Sordi em razão da veiculação de desinformação, nas redes sociais, no dia 29/10/2022, por meio da publicação de um vídeo editado contendo fala distorcida do candidato Luiz Inácio Lula da Silva dita no Debate ocorrido no dia 28/10/2022, promovido pela Rede Globo de Televisão.

 

Na inicial, a autora narra, em síntese, que "o candidato Lula, tratando sobre o emprego formal, de carteira assinada, criticou a forma de cálculo do Governo atual que maquia os dados de emprego para fins de causar a impressão de que as taxas de desemprego caíram" e " o vídeo claramente editado e recortado pelos Representados destaca apenas a seguinte fala do candidato Lula no debate da Rede Globo":

 

"A primeira coisa que o povo brasileiro tem que compreender é que eles mudaram a lógica da medição de emprego. Eles colocaram o MEI como se fosse emprego, colocaram o emprego informal como se fosse emprego."

 

Ressalta, ainda, que, " na tentativa de distorcer a colocação do candidato da coligação Representante, a edição dos vídeos destaca apenas a seguinte frase: “Eles colocaram o MEI como se fosse emprego”.

Soma-se a isso, as seguintes imagens:

 

 

 

 

No áudio que acompanha os vídeos impugnados, o narrador ainda afirma que “Lula quer acabar com o trabalho de mais e 13 milhões de brasileiros” e “o PT não gosta de você que é MEI porque você só trabalha. Você não paga taxa pra sindicado!

 

A legenda do conteúdo dos vídeos também foi assim descrita:

 

Aduz, assim, os representantes que a "frase foi maliciosamente descontextualizada e recortada, excluindo-se o trecho em que o candidato Lula deixa claro que sua colocação referia apenas à diferença na forma de medição das taxas de desemprego da época em que foi Presidente para o contexto atual."

 

Requer, liminarmente, a "adoção de medidas por esta d. Justiça Eleitoral para impedir ou fazer cessar imediatamente as publicações impugnadas, sobretudo com a intimação das plataformas de redes sociais Twitter e YouTube, disponível nos seguintes links:

 

Ainda  em sede liminar, busca: "i) que haja a intimação do Twitter, Kwai, Tiktok, Facebook e Instagram para a retirada dos links que seguem anexos (Anexo I) (ID 158312210 - fls. 21-25), o que se faz para contribuir com a celeridade do pleito e otimização do processo; ii) seja determinado aos Representados que se abstenham de veicular outras notícias e/ou publicações que contenham o mesmo teor, sob pena de multa, a ser arbitrada por esta c. Corte; iii) seja expedido ofício à empresa Twitter determinando a imediata retirada da publicação objeto desta ação."

 

No mérito, pretende: "i) a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as publicações sejam removidas e que os Representados se abstenham de veicular outras desinformações com o mesmo teor; e; ii) A condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/97, ao Representado."

 

É o relatório. Decido.

 

A concessão das medidas liminares pressupõe a demonstração da presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora).

 

No caso, em juízo de cognição sumária, inerente ao exame das medidas cautelares, não se mostram preenchidos os requisitos, tendo em vista a ausência de plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados.

 

A liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.

 

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

 

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.

 

Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar.

 

A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.

 

Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que:

“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81).

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.

 

A liberdade de expressão permite que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.

 

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público.

 

A Constituição Federal não permite aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio.

 

A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas.

 

Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.

 

Por essa razão, é certo que "a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrática de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto" (AgR-REspe 0600396-74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022).

 

No caso, o conteúdo impugnado consiste em narrativa sobre tema econômico e social de grande relevância à população de forma geral e que, na forma em que veiculada, tem a finalidade de disseminar ao eleitor a ideia de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria emitido posicionamento desfavorável em relação os MEIs, conclusão que não se mostra passível de ser extraída o inteiro teor de sua fala.

 

De fato, conforme se depreende da íntegra da fala de Luiz Inácio Lula da Silva, verifica-se que o discurso não apresenta qualquer posição do candidato prejudicial aos microempreendedores indiviuais, dirigindo, na verdade, a críticas concernentes ao método para aferir a taxa de desemprego

 

 

Dessa forma, vê a utilização de fato inverídico a respeito de tema revestido de relevância social, divulgado com a finalidade de, sem aparente base fática e por meio de narrativa manipulada, prejudicar a candidatura adversária, de modo que sua veiculação apresenta aptidão de repercutir na formação da convicção do eleitor, o que não pode ser tolerado pela JUSTIÇA ELEITORAL.

 

Ante o exposto, DEFIRO  A LIMINAR, determinando que:

 

i) as Plataformas Digitais e os Representados  procedam à remoção imediata do conteúdo impugnado,  sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) - a contar de 1 hora da ciência dessa decisão - com as URLs indicadas pela Representante:

 

 

ii) os Representados se abstenham de realizar novas publicações sobre os dados considerados inverídicos, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada um, por reiteração.

 

Cite-se os Representados para, querendo, apresentar defesa, nos termos dos arts. 18 da Res.-TSE 23.608/2019.

 

Encaminhe-se os autos imediatamente para referendo, conforme o art. 2º da Portaria 791/2022.

 

Publique-se com urgência.

 

Brasília, 29 de outubro de 2022.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator