index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601326-68.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO Nº 0601326-68.2022.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representado: Kim George Borja Paim

 

DECISÃO

 

Trata-se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Kim George Borja Paim, por suposta divulgação de desinformação na Internet, consistente na publicação de fatos sabidamente inverídicos e ofensivos relativos ao candidato à presidência da República Luiz Inácio, em vídeo na rede social Twitter.

A representante alega que (ID 158172449):

a) em postagem realizada em 23.9.2022 no seu perfil da rede social, o representado publicou vídeo que divulga fato sabidamente inverídico a respeito do candidato, que o ofende e degrada sua imagem, além de causar estados passionais no eleitor;

b) o vídeo “vale-se da prisão ilegal do ex-presidente Lula e da desconexa prisão de terceiros para tentar conjecturar, em um peculiar raciocínio binário, uma espécie de organização criminosa (“Todo ladrão tem o seu bando”; “E quem mandava em todos eles?”) (p. 9);

c) ao criar artificialmente estados mentais, emocionais e passionais no eleitorado, a propaganda veiculada ofende o art. 242, parágrafo único, do Código Eleitoral, sendo necessária a remoção do conteúdo;

d) também se aplica ao caso a norma contida no art. 72, §§1º e 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, “em virtude da tentativa ardil de levar o eleitor a acreditar que o ex-Presidente é um “ladrão”, líder de uma indemonstrada organização criminosa, através de sua vinculação a prisão de terceiros sem qualquer relação com seus processos – nos quais, é de bom alvitre consignar, triunfou em todos, sem exceção” (p. 16-17);

e) “o Representado evidentemente tentou atingir a integridade do processo eleitoral, manipulando a opinião pública com fatos sabidamente inverídicos”, e essa estratégia desinformativa “teve alcance incomensurável – 416,4 mil visualizações e 23,9 mil repostagens somente nesta publicação” (p. 20);

f)  presentes, na espécie, os requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência.

Ao final, requer, liminarmente, a remoção do conteúdo publicado na URL indicada; e, no mérito, a confirmação da medida liminar, “de modo a determinar que o Representado seja proibido de veicular a desinformação em questão – em qualquer meio de transmissão” (p. 21).

Junta aos autos o vídeo impugnado.

 

É o relatório. Passo a apreciar os pedidos veiculados pela representante.

E, ao fazê-lo, para melhor compreensão da demanda, transcrevo o teor do vídeo impugnado, na forma apresentada na inicial (ID 158172449, p. 3):

Lula ladrão, seu lugar é na prisão.

Todo ladrão tem o seu bando.

José Genoino, ex-presidente do PT, preso.

José Dirceu, preso.

Antonio Palocci, preso.

Delúbio Soares, preso.

Geddel Vieira Lima, ex-Ministro, aquele das malas de dinheiro, preso.

E quem mandava em todos eles?

Luiz Inácio Lula da Silva, preso.

Domingo, última chance de fazer justiça com o seu voto.

Ladrão nunca mais.

A representante pretende a retirada do referido conteúdo veiculado na URL indicada na exordial, ao argumento de que contém afirmações sabidamente inverídicas e ofensivas e, portanto, divulgadas em violação ao disposto no art. 242 do Código Eleitoral e nos arts. art. 9º-A; 22, X, e 72, §§ 1º e 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.

De saída, afasto a alegada incidência do art. 72 da Res.-TSE nº 23.610/2019, uma vez que a norma nele contida se aplica à divulgação de propaganda no horário eleitoral gratuito no rádio e televisão, que não é o caso destes autos.

Na perspectiva da suposta veiculação de informação sabidamente inverídica e ofensiva, tem-se que, de acordo com o art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019, é vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral.

O art. 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, por sua vez, é claro ao estabelecer que a “livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando [...] divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.

Consoante tenho pontuado em diversas decisões, o meu entendimento pessoal é no sentido do minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas, de sorte a conferir tratamento preferencial à liberdade de expressão e ao direito subjetivo do eleitor e da eleitora de obterem o maior número de informações possíveis para formação de sua escolha eleitoral, inclusive para aquilatar eventuais comportamentos supostamente desleais ou inapropriados.

Por essa linha de raciocínio, filtragens discursivas a cargo do Poder Judiciário apenas se legitimariam naquelas hipóteses de desequilíbrio e de excesso  capazes de  vulnerarem princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.

No entanto, o Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo (Rp no 0600557-60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022). Também assim, o recentíssimo julgamento da Rp no 0600851-15, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022, ocasião em que esta Casa voltou a destacar o direito do eleitorado não apenas de ter acesso à mais ampla informação, mas, também e sobretudo, à informação “verdadeira” e “não fraudulenta”, com o que se conferiu a esta Casa um dever de filtragem mais fino.

No caso destes autos, mesmo considerando a métrica fixada pelo Plenário desta Casa, não vislumbro no conteúdo veiculado narrativa sabidamente inverídica ou ofensiva ao candidato a ponto de a justificar a intervenção desta Justiça Especializada.

Conforme consignei em julgados anteriores cuja discussão perpassava a situação jurídica do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (DRs nº 060103568, 060090663 e 060092217), é de conhecimento público que, após ser preso e condenado, o candidato teve seus processos integralmente anulados pelo Supremo Tribunal Federal, considerado o reconhecimento de graves vícios formais. Esses mesmos vícios formais, que maculavam severamente os procedimentos criminais contra o candidato, também foram reconhecidos pela Organização das Nações Unidas, em inaceitável prática de verdadeira lawfare, expressão que se popularizou entre nós precisamente no contexto do modus operandi adotado pela denominada “Operação Lava Jato” contra o candidato do PT.

Há de se registrar, ainda, que a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva constitui fato amplamente divulgado por diversos veículos de comunicação social a época, o que evidencia a inexistência de informação sabidamente inverídica na publicação. 

Aplica-se, portanto, à espécie, a jurisprudência desta Casa no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. Nesse sentido: R-Rp nº 2962-41/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010; e Rp nº 0601513-18/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 5.10.2018. 

Também assim, a premissa de que, “no processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam-se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente” (AgR-REspEl nº 0600045-34/SE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022).

Nesse contexto, entendo que as afirmações de que “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”; “Todo ladrão tem seu bando”; “Luiz Inácio da Silva, preso”; “Ladrão nunca mais” são nitidamente críticas, desconfortáveis e, eu diria, até mesmo indesejáveis, num cenário “óptimo” ou “ideal (idealizado, talvez)” de disputas eleitorais fundadas exclusivamente na comparação de projetos políticos.

Apesar de ásperas, trata-se, a meu ver, de típicas críticas políticas, também inseridas no debate político, e que devem ser neutralizadas e respondidas dentro do próprio ambiente político, sem a intervenção do Poder Judiciário que, no meu entender, deve se pautar pelo minimalismo judicial, não podendo e nem devendo funcionar como “curador” da “qualidade” de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas.

Nessa linha, convém realçar as esclarecedoras palavras de Aline Osorio:

A crítica política – dura, mordaz, espinhosa, ácida – é peça essencial ao debate democrático. Em disputas acirradas por cargos eletivos, é natural que candidatos e partidos não se limitem a discutir propostas e programas de governo e utilizem também a estratégia de desqualificar seus oponentes, destacando seus defeitos, pontos fracos, erros e manchas em suas biografias [...].

[...] por meio da crítica à figura dos candidatos, os eleitores têm acesso a um quadro mais completo das opções políticas. Considerações a respeito do caráter, da idoneidade e da trajetória dos políticos não são indiferentes ou [ir]relevantes para o eleitorado e fazem parte do leque de informações legitimamente utilizadas na definição do voto. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 228)

Por fim, nessa conjuntura, também não se verifica a alegada ofensa à parte final do art. 242 do Código Eleitoral, visto que o caráter negativo decorrente das críticas dirigidas ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva não implica, por si só, violação a referida norma. 

Consoante enfatizei na decisão proferida na Rp no 0600896-19/DF, nos termos do art. 10, § 1º, da Res.-TSE no 23.610/2019, “a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão”. 

Nessa mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior, firmada na perspectiva da parte final do caput do art. 242 do Código Eleitoral, é no sentido de que tal dispositivo não pode ser interpretado como impeditivo à crítica de natureza política, mesmo que dura e ácida, mas que é inerente ao próprio debate eleitoral e, como consequência, ao próprio regime democrático (Rp nº 1201-33/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 23.9.2014).

Aliás, “sendo objetivo da propaganda – ou pelo menos da boa propaganda – exatamente gerar nos seus destinatários os mais variados estados mentais, emocionais ou passionais, impõe-se ao intérprete especiais cautelas na exegese do art. 242 do Código Eleitoral de 1965, sob pena de ser inviabilizada a publicidade das candidaturas” (Rp no 0601044-69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 20.9.2018).

Esse entendimento já foi reafirmado para as presentes eleições de 2022, em acórdão de referendo de medida liminar cuja ementa possui a seguinte passagem:

“A norma proibitiva do art. 242 do Código Eleitoral é aplicável apenas em hipóteses excepcionalíssimas, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral, naturalmente vocacionada a despertar sentimentos e emoções, já que a escolha eleitoral nem de longe pode ser qualificada como puramente racional. Precedentes” (Referendo na DR 0600981-05, de minha relatoria, PSESS em 21.9.2022)

Sempre pertinentes, sob tal aspecto, as lições do saudoso Ministro Gerardo Grossi, expendidas no julgamento de caso histórico (Rp nº 587/DF, PSESS de 21.10.2002), em que conhecida atriz de televisão, em determinada propaganda eleitoral, fazia forte depoimento reconhecendo “ter medo” da vitória da candidatura opositora, o que ensejou interessante debate, nesta Corte, sobre o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 242 do CE (p. 3-4):

[...]

Ao que disse, acrescento que me parece lícito uma pessoa - artista ou não - dizer, publicamente, que tem medo das próprias previsões e análises que faz em torno da vitória de um ou outro candidato à Presidência da República.

3. Na propaganda eleitoral, caberá ao eleitor concordar ou não com tais previsões e análises. É preciso confiar no seu discernimento, nas suas razões para optar por este ou por aquele candidato, sob pena de não se estar acreditando na própria substância do processo democrático representativo.

[...]

Há, é força confessar, uma certa semelhança entre o dispositivo da Lei de Segurança Nacional e o art. 242 do Código Eleitoral, reproduzido no art. 6º da Resolução nº 20.988. A introdução, nestes, do advérbio "artificialmente" não os melhora. Enfim, na propaganda eleitoral, como distinguir, com alguma clareza, o que é ou não artificial?

Nesse mesmo julgamento (Rp no 587/DF, p. 5), igualmente preciosas as observações do Ministro Sepúlveda Pertence a reforçarem a premissa de aplicação apenas em hipóteses excepcionalíssimas da norma proibitiva do art. 242 do CE, sob pena de esvaziamento completo, ao fim e ao cabo, de toda e qualquer propaganda eleitoral:

Preocupou-me, na representação que trouxe aqui, a invocação do art. 242 do Código Eleitoral, que é, sim, da redação original do Código. O que introduziu a lei posterior foi apenas a exigência da menção à legenda partidária, e não poderia ser de outra forma.

A frase, esta, sim, nos causa medo. Ela é a recordação inevitável, para mim como para o Ministro Gerardo Grossi, de quantas vezes a ouvimos repetida nas auditorias militares, fruto da doutrina da segurança nacional então imposta como artigo de fé aos países periféricos caídos sob o autoritarismo.

A transposição da Lei de Segurança Nacional para o Código Eleitoral desta vedação de criar pela palavra estados mentais, emocionais ou passionais, vale, na verdade, pela proibição de qualquer propaganda eleitoral verdadeira, e antecipa de certo modo, no Código Eleitoral, aquele ideal a que então não se ousou chegar, o modelo da Lei Falcão, em que só se criava tédio.

De fato, Sr. Presidente, assim como a prognose do paraíso como resultante da eleição de certo candidato, a prognose do inferno como resultado da eleição do adversário, é, sim, mantidos os limites do Direito Penal de certas vedações higiênicas da Lei Eleitoral, o sentido de toda propaganda eleitoral. É, sim, se não criar estados passionais, pelo menos estados mentais e emocionais favoráveis ao candidato que se promove, desfavoráveis ao candidato que se critica.

Portanto, tendo em vista que, nos termos do art. 38 da Res.-TSE nº 23.610/2019, “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático” (Rp nº 0600912-70/DF, de minha relatoria, Mural eletrônico de 13.9.2022; e Rp nº 0600854-67/DF, rel. Min. Raul Araújo, Mural eletrônico de 27.8.2022), entendo inexistir, na espécie, ilegalidade no conteúdo impugnado, o que acarreta o indeferimento da pretensão de remoção e de proibição de sua veiculação.

Ante todo o exposto, nos termos do art. 36, § 6º, do RITSE, julgo improcedente esta representação.

Publique-se.

Brasília, 3 de outubro de 2022.

 

Ministra Maria Claudia Bucchianeri

Relatora