TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral
CGE -
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0601382-04.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL
ADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS - OAB/GO46407-A
ADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - OAB/SP256786-A
ADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - OAB/DF70829-A
ADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - OAB/DF11498-A
ADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - OAB/DF17115-A
REPRESENTANTE: JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS - OAB/GO46407-A
ADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - OAB/SP256786-A
ADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - OAB/DF70829-A
ADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - OAB/DF11498-A
ADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - OAB/DF17115-A
REPRESENTADO: LUIZ INACIO LULA DA SILVA
ADVOGADO: MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - OAB/DF48704
ADVOGADO: VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - OAB/SP448673
ADVOGADO: VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - OAB/SP153720
ADVOGADO: MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - OAB/DF57469-A
ADVOGADO: MARIA DE LOURDES LOPES - OAB/SP77513
ADVOGADO: MARCELO WINCH SCHMIDT - OAB/DF53599-A
ADVOGADO: EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - OAB/DF4935-A
ADVOGADO: EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - OAB/SP464676
ADVOGADO: CRISTIANO ZANIN MARTINS - OAB/SP172730
ADVOGADO: ANGELO LONGO FERRARO - OAB/DF37922-S
REPRESENTADO: GERALDO JOSE RODRIGUES ALCKMIN FILHO
ADVOGADO: RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO - OAB/DF25120
ADVOGADO: FELIPE SANTOS CORREA - OAB/DF53078
ADVOGADO: CAIO VINICIUS ARAUJO DE SOUZA - OAB/DF5910900
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE. USO INDEVIDO DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO. DIA DO PLEITO. PERÍODO DE REFLEXÃO. ENTREVISTA COLETIVA. TELEVISÃO. MENSAGEM ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONTRADITÓRIO. PRÁTICA ADOTADA POR AMBOS OS CANDIDATOS. SEGUNDO TURNO. RISCO DE REITERAÇÃO DA CONDUTA. PRESERVAÇÃO DA NORMALIDADE. TUTELA INIBITÓRIA INDEFERIDA. EXPEDIDA RECOMENDAÇÃO A AMBAS AS COLIGAÇÕES E A SEUS CANDIDATOS.
1. Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE destinada a apurar a ocorrência de uso indevido dos meios de comunicação, ilícito supostamente perpetrado em decorrência a alegada exploração, pelo primeiro investigado, da cobertura midiática no dia do primeiro turno, para difundir propaganda eleitoral irregular com amplo alcance, levando a eleitores plataformas políticas e pedido de voto, em momento não permitido pela legislação.
2. A AIJE não se presta apenas à punição de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. Assume também função preventiva, havendo sido concedida, nesta eleição, em diversos casos, tutela inibitória para prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito.
3. Na hipótese, a petição inicial foi instruída com links que demonstraram que o primeiro investigado concedeu entrevista coletiva durante o horário da votação, no primeiro turno, e participou de evento na Avenida Paulista (São Paulo/SP) após a divulgação do resultado.
4. Na decisão de admissibilidade da petição inicial, diferi a análise da medida liminar requerida, que tinha por objeto a restrição de uso, na propaganda eleitoral dos investigados, das imagens capturadas nos dois momentos. Nesse particular, mesmo esgotado o período de campanha, conclui-se que a medida não seria efetiva para conter o dano, que se produziria, em tese, em decorrência da exposição do eleitorado a ato de propaganda no dia do pleito, violando o período de reflexão.
5. Reservou-se, também para momento posterior à apresentação da contestação, a análise da necessidade de eventual exercício de poder geral de cautela, destinado a inibir a reiteração da prática no segundo turno.
6. Apresentada a defesa, constata-se, que, na verdade, ambos os candidatos a Presidente concederam entrevistas no dia do pleito, ainda durante o horário de votação, proferindo mensagens de caráter inequivocamente eleitoral.
7. Sob a ótica da isonomia, portanto, não se justifica o exercício de poder geral de cautela para proibir ao primeiro investigado reiterar a conduta, sob pena de multa. Afinal, em última análise, a medida poderia gerar indesejável efeito colateral: aparentar que o candidato da coligação autora se encontraria autorizado a praticar conduta vedada ao investigado, inserindo fator de desequilíbrio da disputa.
8. Por outro lado, sob a ótica da normalidade eleitoral, mostra-se adequado expedir recomendação a ambas as coligações e seus candidatos, no sentido de, em respeito à liberdade do voto, se atentarem para o período de reflexão dos eleitores e à vedação de “divulgação de qualquer espécie de propaganda”, o que abrange a veiculação de mensagens eleitorais, durante o horário de votação, em entrevistas ou manifestações que recebam cobertura midiática.
9. Medida de caráter profilático, que se adota sem prejuízo da apuração de ilícitos, pelos meios cabíveis, em caso de condutas desviantes.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pela Coligação Pelo Bem Do Brasil e por Jair Messias Bolsonaro contra Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, candidatos respectivamente a Presidente e Vice-Presidente da República nas Eleições 2022, por suposta prática de uso indevido dos meios de comunicação.
A ação tem como causa de pedir fática a alegada exploração, pelo primeiro investigado, da cobertura midiática no dia do primeiro turno, para difundir propaganda eleitoral irregular com amplo alcance, levando a eleitores plataformas políticas e pedido de voto, em momento não permitido pela legislação.
Os autores alegam, em síntese, que “durante todo o dia 2 de outubro, e até o dia seguinte, os investigados – contando com o irrestrito e indevido apoio (ainda que acidental!) de uma das maiores emissoras do país – promoveram uma sequência de atos irregulares de propaganda, voltados a atingir de forma massiva os eleitores e culminando, ao fim e a cabo, em verdadeiro abuso dos meios de comunicação.”
Narram na petição inicial que:
a) às 8h53min do dia 02/10/2022, com a votação já iniciada, o candidato Lula concedeu entrevista coletiva, transmitida ao vivo pela CNN, e “se utilizou do púlpito da imprensa, como se se tratasse de evento eleitoral, para fazer promessas típicas de campanha”;
b) com isso, “foi agraciado com um dia a mais de propaganda em relação a todos os seus adversários”, justamente o dia da votação, de modo a se tornar a “memória mais vívida daqueles que se dirigiam, talvez ainda indecisos, às urnas, e recentemente atingidos pelas promessas do candidato”;
c) o pronunciamento foi reproduzido nas redes, ficando, assim, disponível a todos os eleitores, “inclusive àqueles que portavam seus celulares já nas filas de votação, desde as 9 da manhã de domingo”;
d) às 14h21min, o canal GloboNews, durante o programa “Central das Eleições”, noticiou o comparecimento de Lula para votar, reproduzindo trecho da entrevista em que o candidato dizia da possibilidade de voltar a ser Presidente “pra tentar fazer esse país voltar a cuidar do seu povo, para tentar fazer esse país a ter emprego, a ter salário a ter educação, a ter saúde a ter respeito com cada um ser humano”;
e) após o encerramento da votação e anúncio do segundo turno, o candidato proferiu novo discurso de campanha, transmitido em horário nobre por emissora de televisão;
f) os investigados, juntamente com Fernando Haddad, candidato a governador de São Paulo, e Dilma Rousseff fizeram pronunciamentos em evento na Avenida Paulista, com extensa cobertura da Rede Globo e de outras emissoras, sem que tratamento similar tenha sido dado a outras candidaturas;
g) as imagens do comício foram replicadas na rede social do primeiro investigado, acompanhada de mensagem com teor de propaganda, no dia do pleito, “em evidente prática de boca de urna, crime eleitoral”;
h) na hipótese, configurou-se propaganda irregular (art. 240, Código Eleitoral), tratamento privilegiado de candidatura pela imprensa (art. 45, IV, Lei 9.504/97) e até mesmo crime (art. 39, § 5º, IV, Lei 9.504/97);
i) o episódio é “invulgar”, não havendo “registro de que, em qualquer outro pleito, um candidato à Presidência tenha contado com um palanque para discursar no dia da eleição”, destacando-se ainda que a duração do pronunciamento, 3 minutos, equivale à totalidade do tempo de propaganda em bloco do candidato investigante;
j) a CNN também fez a cobertura do momento do voto de Jair Bolsonaro, sendo evidente a discrepância com os fatos narrados na ação, eis que não concedeu entrevistas e somente foi feita referência por um repórter a uma “uma suposta fala do atual Presidente no sentido de que ‘estava confiante para o primeiro turno’ e ‘respeitaria os resultados caso as eleições corressem de forma limpa’ – reproduzidas, inclusive, com alguma pecha de crítica”;
k) consubstanciou-se, dessa forma, abuso “simples e eficaz”, uma vez que, “após meses ‘anunciando’ a vitória do petista – inclusive no primeiro turno, encerra-se a campanha em prol do primeiro investigado concedendo-lhe irrestrito espaço midiático no domingo da votação”.
Sustentam a tipicidade da conduta, tendo em vista a “a intensificação do uso dos meios de comunicação, em período legalmente proibido, utilizando-se de concessionária de serviço público e mediante tratamento anti-isonômico, para, num grande compilado, ofender a legislação e, em última e mais grave instância, atentar contra a paridade de armas e a normalidade do pleito”. Ressaltam a gravidade dos fatos, do ponto de vista qualitativo (ocorrência na data das eleições) e quantitativo (transmissão em rede nacional de ao menos três discursos típicos de propaganda eleitoral, alcançando milhões de eleitores).
Destacam, ainda, a presença de “todos os requisitos indicados pela literatura especializada para fins de cabal comprovação da gravidade e do abuso em si mesmo considerado, a saber”: visibilidade (audiência recorde, registrada pela própria Rede Globo), valência positiva (reprodução de promessas e programas, ataques a concorrentes, resultados favoráveis nas pesquisas) e enquadramento (“divulgação frequente de pesquisas enviesadas, [...] coroada pela transmissão de pelo menos três pronunciamentos propagandísticos na data exata da eleição).
Entendem presentes os requisitos para a concessão de tutela provisória, enfatizando que “o periculum in mora reside no receio de que as imagens produzidas no evento ilícito sejam utilizadas na propaganda eleitoral dos Investigados, o que aumenta a gravidade das lesões ao pleito, especialmente por ofensa à igualdade de condições entre os contendores”.
Assim, requerem “a concessão da medida liminar para determinar a remoção do conteúdo hospedado nos links https://www.instagram.com/tv/CjPBXlahw5C/?igshid=NDRkN2NkYzU= e https://www.instagram.com/p/CjPId-xOIwo/, além da proibição da utilização, na propaganda eleitoral, das falas proferidas nos eventos ilegalmente realizados na data do pleito (2/10/2022)”.
Pugnam, ao final, pelo “julgamento integralmente procedente para declarar: (i) a cassação do registro e eventual diploma dos Investigados; e (ii) a imputação de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição na qual se verificou esse abuso, ex vi art. 22 da LC 64/90”; (ID 158204041).
Por meio da decisão de ID 158212315, admiti a petição inicial e diferi a análise da medida liminar requerida. Também reservei para momento posterior à apresentação da contestação a análise da necessidade de eventual exercício do poder geral de cautela, destinado a inibir a reiteração da conduta no segundo turno. Ambas as providências consideraram a prudência de ouvir previamente os investigados, a fim de que, após o contraditório, o cenário fático descrito na inicial fosse mais bem formatado.
Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin apresentaram defesa, sustentando que o uso indevido dos meios de comunicação não pode ser confundido como o exercício das garantias constitucionais de expressão, comunicação e informação, mas exige um desvirtuamento das ações de comunicação social capaz de violar a isonomia dos candidatos e, como isso, interferir direta e indevidamente na formação da vontade política dos cidadãos.
Afirmam, quanto à cobertura jornalística promovida no dia do primeiro turno das eleições, que:
a) na entrevista concedida à imprensa o investigado Lula não promoveu ato de campanha, nem veiculou pedido de votos, mas, no exercício de sua liberdade de expressão, limitou-se a narrar sua felicidade em poder exercer seu direito de voto e a externar sua esperança por dias melhores;
b) o investigante Jair Messias Bolsonaro também foi entrevistado na manhã do dia 02/10/2022, em pelo menos três oportunidades, e as entrevistas foram transmitidas por diversos veículos de comunicação, como CNN, G1, Tv Globo, Rádio CBN, JP News, entre outros, não havendo se falar em violação da paridade de armas ou tratamento privilegiado do candidato Lula;
c) duas das entrevistas concedidas pelo investigante Jair Messias Bolsonaro foram publicadas em seu perfil oficial no Facebook, contanto com mais de 2,6 milhões de visualizações, além de diversos compartilhamentos;
d) na primeira das entrevistas compartilhadas o investigante não só externou sua expectativa para o primeiro turno das eleições, como exaltou sua gestão e o reconhecimento que teria perante a população, estabeleceu um paralelo crítico entre a sua gestão e a do ex-presidente Lula e classificou a eleição como “a luta do bem contra o mal”;
e) na segunda entrevista, concedida por Bolsonaro a diversos veículos de imprensa ao chegar em seu local de votação, mais uma vez falou da expectativa de vitória no primeiro turno e exaltou sua campanha e o apoio recebido;
f) a terceira entrevista, aparentemente concedida na saída do colégio eleitoral, Bolsonaro fez nova menção à campanha, ao carinho e ao reconhecimento do povo, reiterando a expectativa de vitória em primeiro turno;
g) a entrevista concedida pelo investigado Lula não teve o condão de influenciar na lisura do processo eleitoral, tanto que, após a apuração, verificou-se que o resultado alcançado estava dentro, ou muito próximo, da margem de erro das pesquisas realizadas pelos institutos Datafolha e IPEC, divulgadas em 01/10/2022;
h) nos pronunciamentos realizados após a apuração, os investigados não promoveram ato de campanha ou pediram votos, mas, no exercício de sua liberdade de expressão, agradeceram os votos que lhe foram depositados, falaram da alegria de concorrer às eleições presidências e afirmaram que a partir do dia seguinte a campanha seria retomada, não fugindo da normalidade e do comportamento esperado de todo candidato;
i) o Grupo Globo transmitiu em horário nobre tanto as declarações dos investigados como discursos de outros candidatos, por tratar-se de tema de interesse nacional;
j) o investigante Jair Messias Bolsonaro proferiu discurso e concedeu entrevista, totalizando quase cinquenta minutos de fala, os quais foram parcialmente divulgados por diversos veículos de comunicação e publicados nas redes sociais do candidato em 02/10/2022, às 22:46h, sob o título “Pronunciamento à nação”.
Afirmam que as publicações realizadas no Instagram, impugnadas na inicial, não configuram qualquer violação às regras eleitorais, pois não veicularam propaganda eleitoral, limitando-se a reproduzir a fala do ex-presidente Lula após a apuração da eleição e declarar que a campanha recomeçaria no dia seguinte.
Reiteram a alegação de que as condutas ora investigadas não se revestem de gravidade suficiente para a configuração do uso indevido dos meios de comunicação, pois as transmissões da entrevista concedida não desbordaram do razoável, equivalendo-se às entrevistas concedidas por Jair Bolsonaro e ao pronunciamento por ele realizado em rede nacional.
Pugnaram, preliminarmente, pelo indeferimento do requerimento liminar formulado e, no mérito, pela improcedência da ação de investigação judicial eleitoral. Subsidiariamente, requerem que, na hipótese de caracterização de algum dos ilícitos apontados, sejam aplicadas somente penas pecuniárias, em patamar mínimo.
Relatado o feito no que se faz necessário, passo ao exame das providências a serem adotadas.
A ação de investigação judicial eleitoral – AIJE se destina a tutelar a legitimidade e a normalidade do pleito e a isonomia entre candidaturas, bens jurídicos severamente afetados por práticas abusivas que envolvam desvio de finalidade do poder político, o uso desproporcional de recursos públicos em desconformidade com a legislação eleitoral e a utilização indevida de meios de comunicação social, inclusive a internet, para beneficiar determinada candidatura (art. 22, caput, da LC nº 64/90).
Conforme já se reiterou em diversas ações relativas ao pleito de 2022, a AIJE não tem por enfoque único a aplicação de sanções após a prática de condutas abusivas, quando já consumado o dano ao processo eleitoral. A máxima efetividade da proteção jurídica buscada por essa ação reclama atuação tempestiva, destinada a prevenir ou mitigar danos à legitimidade do pleito, desde que se tenha elementos suficientes para identificar o potencial lesivo de condutas que ainda estejam em curso.
Assim, a AIJE assume também função preventiva, o que ensejou, em vários casos, a concessão de tutela inibitória, modalidade de tutela específica voltada para a cessação de condutas ilícitas, independentemente de prova do dano ou da existência de culpa ou dolo, conforme conjugação do art. 22, I, b, da LC 64/90 com o parágrafo único do art. 497 do CPC.
Na hipótese dos autos, instalado o contraditório, o feito presente revelou cenário em que se mostra necessário explorar a função preventiva da AIJE sob um novo ângulo.
Conforme já assinalado na decisão de admissibilidade da presente demanda, nota-se, quanto à entrevista coletiva concedida pelo investigado Lula na parte da manhã, transmitida em horário no qual estava em curso a votação, que efetivamente foi proferido discurso de caráter eleitoral, ante a referências diretas à “possibilidade de voltar a ser Presidente da República” e a compromissos como os de “tentar fazer o país voltar à normalidade”, “tentar fazer esse país a ter emprego, a ter salário, a ter educação, a ter saúde, a ter respeito com cada ser humano”, e sugestões indiretas ao voto, como a destacada no trecho “eu tô votando outra vez no 13 e esse 13 sou eu mesmo”.
Porém, com a contestação, veio aos autos a informação que, apesar de constar da petição inicial que Jair Messias Bolsonaro, na cobertura da CNN, “não concedeu qualquer entrevista, não fez promessas, sequer falou a repórteres”, esse candidato também proferiu mensagens de cunho eleitoral perante a imprensa, durante a cobertura jornalística efetuada no dia 02/10/2022, as quais foram transmitidas ao vivo em seu perfil de Facebook e veiculadas por diversas emissoras durante o horário de votação.
O conteúdo eleitoral do pronunciamento de Jair Messias Bolsonaro é inegável. Ao ser indagado sobre a sua expectativa para o pleito, o candidato à reeleição se mostrou confiante, passando a discorrer sobre conquistas do seu mandato, falou da campanha e de sua aceitação pelo eleitorado. Buscou claramente se apresentar como melhor opção, ao falar da “luta do bem contra o mal”, que demonstraria a diferença entre ele e “o outro lado”. Fez críticas ao adversário e comparou governos. E, por fim, repetindo mote explorado ao longo da campanha, condicionou o diagnóstico de “eleições limpas” à sua própria vitória, afirmando que se daria, em primeiro turno, com 60% dos votos.
Das transcrições trazidas na peça de defesa, destaco:
"Olha, as melhores possível. Trabalhamos aí o mandato todo para um Brasil melhor. Pegamos uma situação muito mais complicada do que se esperava, o Brasil está ainda muito bem. Ao longo desses 45 dias de campanha, voltamos a andar por todo o Brasil. A aceitação sobre a gente é excepcional.
Tem uma diferença enorme entre eu e o outro lado. É a luta do bem contra o mal. E... todos os sintomas, todos os indícios que nós temos, todos, são favoráveis a nós.
O outro lado não conseguiu sair às ruas, não fez campanha, não tem aceitação, não tem credibilidade. E quanto se compara quatro anos de governo dele, com o meu, com todos os problemas que nós tivemos, a diferença é bastante clara. Nós nos dedicamos a servir a pátria, respeitar a família, respeitar o povo brasileiro. Eu tenho a certeza que numas eleições limpas, nós ganharemos, hoje, com no mínimo 60% dos votos.
Eu acredito que o reconhecimento ontem... eu não vi em jornal nenhum. Joinville, algo inacreditável. Duas horas andando de moto, primeira marcha, parando muitas vezes, a cidade toda parou. Imagens fantásticas que demonstram o carinho que o povo tem para conosco. E também, porque não dizer, o reconhecimento.
Isso né, também eu tenho um carinho muito especial pelo povo brasileiro. Com reconhecimento em qualquer uma das cinco regiões do Brasil. Em 1º turno. E em eleições limpas, tem que ser respeitadas. [...]
Pelo o que eu tô vendo, acho que Japão já abriu as urnas se eu não me engano. [...] Portugal também? [...] é primeiro turno é que decide hoje as eleições."
A mensagem, que exalta seu governo, suas bandeiras eleitorais e a vislumbrada adesão popular que seria capaz de elegê-lo em primeiro turno, inequivocamente busca apresentar Jair Bolsonaro como melhor opção. Ao ser apresentada durante o horário de votação, é potencialmente destinada a induzir um efeito bandwagon (manada) sobre o eleitorado, estimulando o voto a seu favor.
Pontue-se que as entrevistas foram realizadas em cenários distintos, pois enquanto o investigado Lula compareceu a um púlpito provavelmente montado por órgãos de imprensa, Bolsonaro foi entrevistado em locais públicos quando se dirigia ao seu local de votação e quando de lá saía. Mas a duração das entrevistas foi similar, sendo que o candidato investigante distribuiu sua manifestação em duas ocasiões (Lula falou por 2min52s em único momento, enquanto Bolsonaro falou durante 1min53s na primeira entrevista, concedida à CNN e transmitida ao vivo em seu perfil do Facebook às 8h38m, e por 00min57s na entrevista coletiva, também transmitida ao vivo às 09h01m).
O que se observa é que ambos os candidatos, agora concorrentes ao segundo turno, exploraram a cobertura da imprensa em 02/10/2022 – que tradicionalmente acompanha o momento do voto dos principais candidatos – para transmitir mensagens de cunho evidentemente eleitoral, exaltando suas qualidades e fazendo críticas ao adversário, com potencial de influenciar o eleitorado.
Deve-se ressaltar que a legislação eleitoral não apenas proíbe, como tipifica como crime “a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos”, no dia do pleito (art. 39, § 5º, III, Lei 9.504/97). Não há, aqui, que se cogitar de censura. Essa restrição à liberdade de expressão dos candidatos cumpre o fundamental objetivo de preservar a liberdade do eleitor, que tem na delimitação do dia do pleito como “período de reflexão” (ou de silêncio) um importante componente.
Ocorre que, sob a ótica da isonomia, não se justifica o exercício de poder geral de cautela para proibir ao primeiro investigado reiterar a conduta, sob pena de multa. Afinal, em última análise, a medida poderia gerar indesejável efeito colateral: aparentar que o candidato da coligação autora se encontraria autorizado a praticar conduta vedada ao investigado, inserindo fator de desequilíbrio da disputa.
Por outro lado, sob a ótica da normalidade eleitoral, mostra-se prudente atuar de forma profilática, ante o risco de reiteração das condutas que, em última análise, afetam o direito de cada pessoa a, no dia da eleição, expressar nas urnas a sua livre escolha. Visa-se, com isso, reafirmar o pacto em torno do respeito à vontade formada por cada eleitora e por cada eleitor, como síntese pessoal e intangível de toda a informação coletada ao longo da campanha, e que, no derradeiro momento do pleito, deve ser resguardada contra indevidas perturbações.
Ante o exposto, determino que seja expedida recomendação, pelo meio mais célere, a ambas as coligações e seus candidatos a Presidente e a Vice-Presidente, no sentido de, em respeito à liberdade do voto, se atentarem para o período de reflexão dos eleitores e à vedação de “divulgação de qualquer espécie de propaganda”, o que abrange a veiculação de mensagens eleitorais, durante o horário de votação, em entrevistas ou manifestações que recebam cobertura midiática.
Ressalto que essa providência não antecipa juízo quanto à configuração de ilegalidades, muito menos quanto a eventual cometimento de crimes pelos candidatos, situações a serem avaliadas, in concreto, pelos meios próprios, caso relatadas condutas desviantes.
Por fim, embora esgotado o período de campanha eleitoral, consigno, na linha da fundamentação exposta na decisão de admissibilidade, que não se alterou após a apresentação da contestação, que as medidas de proibição de “utilização de qualquer imagem captada por ocasião das falas proferidas pelo Investigado e seus correligionários em eventos ilegais realizados na data do pleito em suas propagandas eleitorais”, e de “remoção das redes sociais e páginas dos Investigados do vídeo de referido evento”, requeridas pelos investigantes, não teriam o condão de inibir danos, eis que este se produziria, especificamente, em decorrência da exposição do eleitorado a ato de propaganda no dia do pleito, violando o período de reflexão.
Intimem-se as partes e seus candidatos, para ciência da recomendação.
Após, voltem conclusos os autos.
Publique-se. Intimem-se
Brasília (DF), 29 de outubro de 2022.
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral