index: PETIÇÃO CÍVEL (241)-0601774-41.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

PETIÇÃO CÍVEL (241)  Nº 0601774-41.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
INTERESSADO: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

 

DECISÃO

 

Trata-se de procedimento iniciado a partir de termo de informação encaminhado pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED/TSE), que, em linhas gerais, noticia o uso de canal do Telegram para a propagação de afirmações falsas, mensagens preconceituosas e intimidatórias, assim como para a apologia a atos criminosos e violência política nas eleições em andamento (ID 158306140).

Consoante o referido termo, firmado com base em reportagens publicadas pelos veículos de notícia UOL e Agência Pública e em vídeo com diálogos hospedado na plataforma Youtube, no grupo em questão o pastor Jackson Villar, com a participação eventual de outros membros do grupo “Nova Direita 70 Milhões”, levou a um público superior a 180.000 (cento e oitenta mil) pessoas mensagens ilícitas como as que seguem:

a) “agora estamos em guerra” (0min47seg);

b) “todo mundo está com ódio, está com raiva? Está” (0min48seg);

c) “Estou cansado de ser vítima. Eu quero fazer uma vítima” (1min11seg);

d) “Eu estou cansado de ver frouxo. Tem que quebrar no pau, tem que acabar, pegar uma urna dessa e quebrar ela todinha no pau” (1min21seg);

e) “Enquanto não provar que houve fraude pra ter uma coisa mais limpa, porque do jeito que tá aí essa urna, já tá programado pro Lula ganhar, gente” (1min27seg);

f) “Uma alma sebosa [em alusão a petistas] só respeita o medo. Ele só respeita cacete” (1min57seg);

g) “Ó, já tão sabendo onde cê mora, o seu nome já tá na lista” (2min);

h) “Cientista político tem que apanhar também” (2min09seg);

i) “Ah, é cientista político, filha da puta? Você vai apanhar também” (2min22seg);

j) “Eu sei que, principalmente na Bahia, baiano é gente boa, mas ele é meio discarado. É falso. Eu conheço a natureza do baiano. O negócio dele é se requebrar. Eu vou botar esses cabra safado pra se requebrar lá em Brasília. Ou o pau vai comer aí mesmo” (2min26seg);

k) “E depois eu faço um manifesto pra ir para Brasília, quebrar o pau aí. Caçar esses vagabundos” (2min42seg);

l) “Bando de baiano vagabundo” (2min49);

m) “O exército tem que chegar prendendo os policiais federais” (2min54seg);

n) “Quem vai pra cadeia hoje é você, e vai apanhar ainda” (3min04seg);

o) “A vontade que eu tenho é de meter bala na cabeça do Xandão, só não tive oportunidade ainda” (3min12seg).

 

Considerando a gravidade e a notoriedade dos fatos narrados, dispensável a realização de diligência de constatação.

É o breve relatório. Decido.

A legislação vigente confere à Justiça Eleitoral uma ferramenta de ampla aplicação, voltada à preservação da paridade de armas, da normalidade e da integridade do processo eleitoral, podendo abranger a comunicação em sentido amplo, por meio de medidas preventivas ou repressivas necessárias a evitar ou afastar a prática de atos que atentem contra as normas estruturantes da competição eleitoral.

À luz do que dispõe o § 2º do art. 41 da Lei das Eleições, o encargo em questão abarca não apenas as violações de propaganda, mas ainda todo tipo de ilicitude capaz de comprometer a higidez das eleições, sendo esse, precisamente, o quadro dos ataques institucionais levados a efeito no campo da desinformação.

A partir dos fatos relatados, entendo presentes os ilícitos previstos nos arts. 2º da Res.-TSE nº 23.714/2022, 243, 296, 301 do Código Eleitoral, 41-A, § 2º da Lei nº 9.504/97 e 287 do Código Penal:

Art. 2º. É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos.

 

Art. 296. Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais:

Pena – detenção até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

 

Art. 243. Não será tolerada propaganda:

I – de guerra, de processos violentos para subverter o regime, a ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classes;

II – que provoque animosidade entre as Forças Armadas ou contra elas, ou delas contra as classes e instituições civis;

III – de incitamento de atentado contra pessoa ou bens;

IV – de instigação à desobediência coletiva ao cumprimento da lei de ordem pública;

[...]

VII – por meio de impressos ou de objeto que pessoa inexperiente ou rústica possa confundir com moeda;

VIII – que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municipais ou a outra qualquer restrição de direito;

[...]

IX – que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública; [...].

 

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos.

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

[...]

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

 

Art. 287. Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

 

O art. 2º da Res.-TSE nº 23.714/2022 visa a preservar as condições de normalidade do pleito, eliminando os riscos sociais associados à desinformação, a partir da disseminação generalizada de notícias falsas, que prejudicam a aceitação pacífica dos resultados, em manifesta lesão à soberania popular (arts. 1º, parágrafo único e 14, “caput” e § 9º, da Constituição da República) e à estabilidade do processo democrático.

Em paralelo, a divulgação, consciente e deliberada de informações falsas sobre a atuação da Justiça Eleitoral ou das autoridades ou servidores que a compõem, atribuindo-lhes, direta ou indiretamente, comportamento fraudulento ou ilícito, implica na promoção de desordem informativa que prejudica, substancialmente, a realização de seus correspondentes encargos institucionais, atraindo, em tese, a prática do crime previsto no art. 296 do Código Eleitoral.

Além disso, a legislação eleitoral, nos arts. 41-A, § 2º, da Lei das Eleições, e 301, do Código Eleitoral, proíbem o uso de violência ou grave ameaça no decurso das campanhas eleitorais, com o propósito de assegurar que os resultados das urnas espelhem a vontade livre e desembaraçada do corpo de cidadãos.

Colhe-se do termo encaminhado a existência de manifestação pública sabidamente inverídica a respeito das urnas eletrônicas, com a finalidade de promover um ataque institucional de teor incendiário e incentivar o extremismo em um canal de aplicativo de conversação instantânea.

Veja-se, por outro ângulo, que o ataque às urnas eletrônicas e o correspondente incentivo à sua destruição vêm a público em conjunto com uma série de falas odiosas e com expressa apologia à prática de atos criminosos e violentos, como agressões físicas a opositores, em detrimento da liberdade de voto, assim como o atentado a vida de uma autoridade do Poder Judiciário eleitoral.

Para que não pairem dúvidas, registro que tais afirmações não correspondem a legítimo exercício da liberdade de expressão, mas a comportamento abusivo e criminoso, incompatível com o regime democrático, seja porque não guardam conexão com a realidade, seja porque planejam comprometer a integridade e a natureza pacífica da competição eleitoral, transformando-a em um jogo sujo, sanguinário e conflituoso.

A flagrante violação de regras eleitorais e penais, sob tal perspectiva, recomenda o exercício do poder administrativo conferido às autoridades eleitorais pelos arts. 249 do Código Eleitoral, e 41, § 2º, da Lei nº 9.504/97, assim como pelo art. 2º, § 1º, da Res.-TSE nº 23.714/2022, que autoriza, especificamente, a expedição de ordem, às plataformas, para imediata suspensão de ilícitos.

Ante o exposto, com base nos arts. 243 e 249, do Código Eleitoral, 41, § 2º, 41-A, § 2º da Lei nº 9.504/97 e 2º, “caput” e § 1º, da Res.-TSE 23.714/2022, DETERMINO à plataforma Telegram a imediata remoção dos grupos intitulados “70 Milhões eu voto em Bolsonaro Nova Direita” [URL: https://t.me/link_70_Milhoes] e “70 Milhões 2 eu voto em Bolsonaro Nova Direita” [URL: https://t.me/LINK_70_MILHOES_2_NOVA_DIREITA] que têm sido utilizados para a prática de atos criminosos e atentatórios contra o Estado democrático de direito, sob pena de multa ora fixada no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) por hora de descumprimento, contada a partir do término da segunda hora após o recebimento da notificação.

Cumpra-se com urgência.

Após, encaminhem-se cópia da documentação à Procuradoria-Geral Eleitoral, para as providências cabíveis.

 

 
Brasília, 27 de outubro de 2022.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Presidente