index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0600858-07.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0600858-07.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Embargante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados: Eugênio José Guilherme Aragão (OAB/DF 4.935) e outros

Embargados: Filipe Tomazelli Sabará e outros

 

DECISÃO

ELEIÇÕES 2022. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA IRREGULAR. VEICULAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO. REQUERIMENTO LIMINAR. INDEFERIMENTO. ERRO MATERIAL. OMISSÃO. PLAUSIBILIDADE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ALEGADA. PROVIMENTO DOS EMBARGOS COM EFEITOS INFRINGENTES. LIMINAR DEFERIDA EM PARTE. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório

1. Em 29 de agosto de 2022, o Ministro Raul Araújo, em representação eleitoral ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança contra Filipe Tomazelli Sabará, e outros, indeferiu requerimento liminar formulado pela representante.

 

Seguem-se trechos da decisão embargada (ID 157977234):

“Trata-se de representação, com pedido de tutela de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Filipe Tomazelli Sabará e outros, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular na Internet, em que veiculada desinformação em prejuízo à honra e à imagem do candidato ao cargo de Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Na petição inicial, a representante alega em síntese (ID 157957010):

a) os representados, por meio de postagens nas redes sociais, veicularam desinformação acerca de eventos em que o ex-presidente Lula participou com o intuito de demonstrar que a preferência do eleitorado não está sendo demonstrada nas pesquisas;

b) todos os vídeos e postagens foram desmentidos pelas agências de checagem, o que demonstra a veiculação de desinformação pelos representados de fatos sabidamente inverídicos (p. 4-12);

c) os vídeos e as postagens foram manipulados “a fim de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o ex-presidente Lula não conta com o apoio popular” (p. 13);

d) a veiculação de desinformação pelos representados constitui verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos que atingem a integridade do processo eleitoral, violando os arts. 9º-A, 22, inciso X, e 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.

Requer a concessão da tutela de urgência para que sejam excluídas da Internet as publicações impugnadas, nos termos do art. 17, §§ 1º e 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019, bem como sejam determinadas diligências para a identificação dos responsáveis.

Ao final, postula a procedência da ação, com remoção definitiva dos conteúdos ilícitos, bem como a aplicação da multa prevista na legislação eleitoral regente.

É o relatório. Decido.

A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de publicações realizadas em perfis de rede social, em que foram divulgados os seguintes conteúdos considerados propaganda eleitoral irregular por desinformação:

(i) nos perfis ‘@contato-imediato’ e ‘@julianosantos499’ no TikTok: vídeo de evento na cidade de Uberlândia/MG contendo supostos gritos de ‘ladrão’ direcionados ao ex-presidente Lula;

(ii) no perfil ‘O Jacaré de Tanga’ no Facebook: imagens com fotos de eventos supostamente vazios relacionados ao ex-presidente Lula, em contraponto às motociatas com expressiva quantidade de pessoas promovidas pelo presidente da República Jair Messias Bolsonaro;

(iii) na página do Facebook ‘Goiás com Bolsonaro’: vídeo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é supostamente recebido na cidade de Garanhuns com gritos de ‘ladrão’;

(iv) no perfil de Filipe Sabará no Twitter: vídeo em um evento supostamente vazio no Vale do Anhangabaú/SP com os dizeres: ‘evento do ladrão, quadrilha e chuchu, totalmente esvaziado. Contra imagens não há argumentos. Á frente nas pesquisas? Aham! Vai dar Bolsonaro no primeiro turno’ (p. 11).

Verifica-se, de plano, que a tutela de urgência pretendida resulta prejudicada, uma vez que as URLs indicadas no pedido formulado pela representante, referentes às publicações impugnadas, não permitem a visualização dos respectivos conteúdos, pois indisponíveis na Internet.

Dessa forma, não subsite o interesse e a necessidade de se determinar a remoção das publicações impugnadas.

De outro vértice, o pedido de diligências relativo à identificação dos responsáveis pelos perfis de rede social não merece acolhimento. Isso porque as representações possuem rito célere, a prova é pré-constituída, e a identificação do usuário ofensor é matéria destinada ao momento da propositura da ação. Nesse sentido: Rp nº 0601686-42/DF, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 3.11.2020; AgR-AC nº 1384-43/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.8.2010).

O pedido de diligências para identificação de usuário responsável deve conter fundados indícios da ocorrência do ilícito de natureza eleitoral; justificativa motivada da utilidade dos dados solicitados; bem como período ao qual se referem os registros (art. 40, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019). Na hipótese dos autos, esses requisitos, que são indispensáveis, não foram cumpridos pela representante.

Além disso, nos termos do art. 40, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, a ‘ausência de identificação imediata da usuária ou do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento liminar do pedido de quebra de sigilo de dados’.

Ante o exposto, indefiro o pedido de tutela de urgência.

Proceda-se à citação do representado adequadamente identificado na petição inicial, Filipe Tomazelli Sabará, para que apresente defesa, no prazo de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Determina-se à Secretaria Judiciária a exclusão das seguintes informações constantes do polo passivo desta representação no sistema PJe: (i) responsável pelo perfil @contato-imediato; (ii) responsável pelo perfil @julianosantos499; (iii) responsável pela página ‘Goiás com Bolsonaro’; e (iv) responsável pela página ‘O Jacaré de Tanga’, haja vista que responsável por perfil de rede social – sem a identificação adequada previamente fornecida pelo representante – não é parte na relação jurídica processual.

Apresentada a defesa ou decorrido o prazo respectivo, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste na forma do art. 19 da mencionada resolução.”

2. No dia seguinte em que proferida a decisão, tempestivamente, a Coligação Brasil da Esperança opôs embargos de declaração (ID 157983900).

 

3. A embargante assevera que os Representados veicularam fatos sabidamente inverídicos acerca de eventos que contaram com a participação do candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, notadamente buscando atingir a integridade do processo eleitoral” (ID 157983900, p. 3).

 

Sustenta haver erro material na decisão embargada, quando aponta “que a tutela de urgência pretendida estaria prejudicada, tendo em vista que as publicações impugnadas supostamente estariam indisponíveis”, pois “não é isso o que se verifica nas URLs apontadas na peça vestibular, bem como no documento de comprovação de ID nº 157957012. Em tal direção, destaque-se que todas as publicações continuam disponíveis na internet, propagando graves desinformações contra a integridade do processo eleitoral” (ID 157983900, p. 4).

 

Afirma que o “Ministro Relator não conseguiu acessar os links indicados nas páginas 24 e 25 da exordial, tão somente em razão de um problema técnico do próprio Sistema PJe” e que “esse problema não ocorre, todavia, se o acesso for realizado através das URLs indicadas nas notas de rodapé número 1, 2, 7, 9 e 11 da peça inaugural” (ID 157983900, p. 10-11).

 

Aponta também que “a r. decisão embargada foi omissa ao indeferir o pedido de diligência para identificação dos responsáveis pelas páginas ‘@contato_imediato’, ‘@julianosantos499’, ‘Goiás com Bolsonaro’ e ‘O Jacaré de Tanga’, na medida em que desconsiderou a dicção expressa do art. 17, §§ 1º e 1º-B, da Resolução-TSE nº 23.608/19” (ID 157983900, p. 9).

 

Destaca que “o referido dispositivo legal admite o pedido de diligência, em sede liminar, para a obtenção de dados e qualificação dos responsáveis pelas violações” (ID 157983900, p. 10).

 

Defende que “o requerimento foi devidamente instruído com os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, quais sejam: as URLs das páginas de responsabilidades dos Representados”, e que a petição inicial “também atendeu, em absoluto, as exigências do art. 40, §1º, da Resolução-TSE 23.610/19. A primeira delas, ‘fundados indícios da ocorrência de ilícito eleitoral’, foi cumprida através da demonstração de que as publicações veiculadas já foram objeto de análise por diversas agências de checagem – as quais reconheceram a inveracidade dos conteúdos divulgados” e “a segunda exigência, ‘justificativa motivada de uso dos dados para instrução probatória’, igualmente restou atendida, porquanto a obtenção dos dados se destina à qualificação dos responsáveis pelos atos ilícitos. Já a terceira exigência, ‘período dos registros’, foi cumprida a partir da efetiva indicação das respectivas datas de publicação. E, por último, as URLs foram devidamente elencadas na peça vestibular e no documento de comprovação de ID nº 157957012” (ID 157983900, p. 10-11).

 

Pede seja sanado “o erro material ora apontado, com a devida análise das publicações contidas nas URLs indicadas na peça inaugural e no documento comprobatório de ID nº 157957012. Por conseguinte, requer-se sejam concedidos efeitos infringentes aos presentes aclaratórios, determinando-se, em sede liminar, as remoções das referidas publicações desinformadoras” (ID 157983900, p. 12).

 

Pede, ainda, seja sanada “a omissão contida na fundamentação da r. decisão, concedendo efeitos infringentes aos presentes embargos para determinar as diligências necessárias à identificação e qualificação dos responsáveis indicados no item 41.1 da peça inaugural, com fulcro no art. 17, §1º e §1-B da Resolução-TSE nº 23.608/19” (ID 157983900, p. 12).

 

4. Filipe Tomazelli Sabará apresenta defesa na qual aponta, preliminarmente, a ilegitimidade da representante porque “a apuração do ilícito descrito neste dispositivo [art. 9º-A, da Resolução TSE nº 23.610/2019], bem como a sua cessação, somente podem ser determinadas a partir de requerimento formulado pelo Ministério Público” (ID 157989309, p. 2).

 

Pondera não ter a representante “interesse processual, por se valer da representação prevista no art. 96, da Lei nº 9.504/97, para apuração o ilícito previsto no art. 9º-A, da Resolução TSE nº 23.610/2019” (ID 157989309, p. 2).

 

Defende que, “conforme decisão de id. 157977234, proferida, pelo d. Ministro Relator, as URLs especificadas na petição inicial não permitem o acesso às publicações impugnadas nestes autos, que se encontram indisponíveis, de modo que nem sequer há prova apta a demonstrar a conduta impugnada” (ID 157989309, p. 5).

 

Argui que “o bem jurídico tutelado pelo art. 9º-A, da Resolução TSE nº 23.610/2019, tem seu contorno precisamente definido, qual seja, a integridade do processo eleitoral. Veja-se que, nessa perspectiva, a Resolução nº 23.610/2019 tem o cuidado de incluir os processos de votação, apuração e totalização de votos” (ID 157989309, p. 8).

 

Sustenta que o “ilícito previsto no art. 9º-A, da Resolução TSE nº 23.610/2019, que, no entanto, não prevê sanção de multa, mas, tão somente, a cessação do ato” (ID 157989309, p. 11).

 

Pede “seja acolhida a preliminar suscitada, para que seja a presente representação julgada extinta, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, incisos IV e VI, do CPC”; e, no mérito, “seja julgada totalmente improcedente a presente representação; caso seja julgada procedente a representação, o que não se espera que ocorra, pugna que não sejam aplicadas as sanções pleiteadas pela Coligação representante” (ID 157989309, p. 12).

 

5. A Procuradoria-Geral Eleitoral manifesta-se pela conversão do julgamento “nas diligências requeridas pela coligação representante” e também que “se conceda, como requerido na inicial, liminar para a remoção das postagens com vídeos falseados, em que incluídos áudios hostis ao candidato da coligação. O parecer não abona, contudo, o pedido de liminar no que tange à imagem postada pelo perfil ‘ojacaredetanga’” (ID 158041416, p. 5).

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

6. Os presentes embargos de declaração merecem provimento parcial com efeitos infringentes.

 

7. A decisão embargada partiu de premissa fática parcialmente equivocada estar prejudicado o requerimento de tutela de urgência sob fundamento de que “as URLs indicadas no pedido formulado pela representante, referentes às publicações impugnadas, não permitem a visualização dos respectivos conteúdos, pois indisponíveis na Internet.

 

Os seguintes links são indicados na petição inicial:

https://www.tiktok.com/@contato_imediato/video/7110190711223422213?is_copy_url=1&is_from_webapp=v1

https://www.tiktok.com/@julianosantos499/video/7111314239419206918?_r=1&_t=8V5DnAyZaoo&is_from_webapp=v1&item_id=7111314239419206918

https://www.facebook.com/345142862507974/posts/1695783220777258

https://www.facebook.com/b17goias/posts/611858816919996/

Ao acessá-los, comprova-se que, conforme consta da decisão embargada, o endereço https://twitter.com/filipesabara/status/1561177995062247425 remete à página que não está mais disponível. Dessa forma, correta a decisão embargada nesse ponto, pois a URL indicada pela representante não permite a visualização dos conteúdos impugnados.

 

Entretanto, os demais links e perfis apontados estão acessíveis, como defende a embargante, e remetem a páginas ainda disponíveis na internet e em redes sociais.

 

Tem-se caracterizado no caso, portanto, equívoco na premissa fática adotada na decisão embargada, e consequente omissão na análise dos conteúdos impugnados pela representante.

 

8.  Tem razão a embargante também no que se refere ao pedido de diligências quanto à identificação dos responsáveis pelos perfis de rede social. A decisão embargada rejeitou-o ao fundamento de que “as representações possuem rito célere, a prova é pré-constituída, e a identificação do usuário ofensor é matéria destinada ao momento da propositura da ação” (ID 157977234, p. 6).

 

Contudo, contrariamente ao defendido na decisão embargada, o § 1º do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral expressamente autoriza a realização de diligências na hipótese dos autos:

“§ 1º Desconhecida a autoria da propaganda, a petição inicial poderá ser endereçada genericamente contra a(o) responsável, desde que requerida liminarmente diligência para a identificação desta ou deste e fornecidos os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, sob pena de indeferimento da petição inicial.”

Tem-se, portanto, omissão na decisão embargada, no ponto referente à possibilidade de realização da diligência requerida, conforme disposto no inc. II do parágrafo único do art. 1.022 e inc. IV do § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil.

 

9. A jurisprudência deste Tribunal Superior autoriza o acolhimento de embargos de declaração na espécie. Assim, por exemplo: “acolhem-se os presentes embargos de declaração, com excepcionais efeitos infringentes, para corrigir o erro de premissa fática mencionado” (ED-AgR-AREspEl n. 501-94/PB, Relator o Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 2.8.2022).

 

Acolhidos os embargos e analiso, no ponto, a liminar.

 

10. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, há que se averiguar se estão presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

 

O direito brasileiro autoriza tutela de urgência de natureza antecipada nos casos em que ficarem demonstrados riscos objetivos de atingimento da finalidade buscada pela prática questionada e ilícita. Não é admissível o deferimento da tutela apenas “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, tal como de dispõe no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil.

 

11. A solução da controvérsia jurídica posta, em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à liberdade de manifestação do pensamento, fundamento do sistema constitucional brasileiro.

 

Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão):

“(...) a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas.”

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam-se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão):

“Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...).

(...)

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news.”

O sistema jurídico brasileiro não autoriza o exercício ilimitado de direitos, incluídos os fundamentais, como o direito à livre manifestação do pensamento. Pudesse alguém exercer de forma ilimitada o seu direito, seria essa pessoa a única a atuar com liberdade plena em detrimento de todos os outros, que teriam de ver a sua dignidade e os seus direitos limitados pela primeira atuação. Daí porque os sistemas jurídicos democráticos legitimam a possibilidade de se impor restrição ao exercício dos direitos fundamentais, em casos nos quais se demonstre o comprometimento do direito do outro.

 

12. Na espécie agora apreciada, a representante pretende a remoção de vídeos e imagens veiculados nas plataformas TikTok, Facebook e Twitter, ao argumento de que os conteúdos da publicidade propagam informações falsas sobre o candidato da coligação representante.

 

A representante alega que “em 17 e 20 de junho de 2022, através dos perfis ‘@contato_imediato’ e ‘@julianosantos499’, registrados na rede social TikTok. Em tais postagens, os Representados veicularam um vídeo, gravado durante um evento realizado na Cidade de Uberlândia (MG), contendo supostos gritos ‘ladrão’ direcionados ao ex-Presidente” (ID 157957010, p. 3).

 

Afirma que “foi publicada no dia 24 de junho de 2022, através do perfil ‘O Jacaré de Tanga’, da rede social Facebook. Nessa, o responsável pela referida página tentou desacreditar as pesquisas eleitorais, colacionando imagens de eventos supostamente esvaziados, ligados ao ex-presidente Lula, em contraponto às ‘motociatas’ promovidas pelo atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro” (ID 157957010, p. 6).

 

Pondera que “a terceira desinformação ora apontada fora publicada no dia 20 de julho de 2022, por meio da página do Facebook ‘Goiás com Bolsonaro’. A referida postagem contém um vídeo no qual o ex-presidente Lula é supostamente recebido, na cidade de Garanhuns (PE), com gritos de ‘ladrão’” (ID 157957010, p. 9).

 

Consultando os links acessíveis relacionados na petição inicial, constato que razão jurídica assiste em parte à representante.

 

Nas páginas do Facebook dos perfis ‘Goiás com Bolsonaro’ e ‘O Jacaré de Tanga’, não se encontra o vídeo impugnado.

 

Nos perfis @contato-imediato e @julianosantos499 no TikTok, é possível visualizar vídeo de comício realizado em Uberlândia/MG com militantes levantando bandeiras vermelhas, contendo supostos gritos de “ladrão” direcionados ao ex-presidente Lula.

 

13. Da análise do vídeo, em sede liminar, tem-se que se trata de montagem editada para incluir ofensas ao candidato da coligação representante.

 

A inveracidade das imagens já foi confirmada por agências de checagem de fatos.

 

Conforme texto da Agência Lupa transcrito na petição inicial (https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2022/06/21/multidao-ladrao-lula?fbclid=IwAR3i8kBuW--QGg3BWGtFQB13T1tvWGOiLstmk1BI4bnMr7bjPcMNDZXHXYM) (ID 157957010, p. 5):

“A informação analisada pela Lupa é falsa. Lula não foi chamado de ladrão no evento, que ocorreu no dia 15 em Uberlândia (MG). O vídeo foi editado e teve o áudio original retirado e substituído por outro. Também foi usada a técnica de deepfake – quando uma pessoa filmada tem expressões ou o rosto manipulados digitalmente para que diga ou faça coisas que não ocorrem no vídeo original – para fazer parecer que um homem disse ‘O ladrão chegou’. Ao observar as imagens, é possível visualizar o nome do usuário do Tik Tok que postou a versão manipulada do vídeo. Contudo, uma imagem de Lula e uma figurinha sobreposta às cenas atrapalham propositalmente a visualização desse detalhe.

Um homem aparece no trecho final do vídeo usando um boné em que está escrito ‘Gil Carteiro’. Uma busca no Tik Tok por essas palavras leva ao perfil @gilcarteiromg – foi ele quem gravou a cena originalmente, no palco do evento. Carteiro publicou o vídeo não adulterado em 16 de junho. É possível ver que Lula recebeu apenas aplausos enquanto uma música tocava ao fundo.

No TikTok, o arquivo de áudio fica sinalizado logo acima do vídeo. Quando se clica nele, é possível ver se o mesmo som já foi utilizado em outros posts ou se pertence mesmo àquela gravação. No caso do registro postado pelo perfil @gilcarteiromg, o áudio que acompanha as cenas é o original, sem vaias.

Um outro indício mostra que a gravação que circula pelas redes sociais foi manipulada. Aos 14 segundos ocorre um corte brusco e é aplicado um efeito na boca do homem que grava a cena, para parecer que ele disse ‘O ladrão chegou’. A manipulação dura cerca de 3 segundos e o nome do usuário ocultado pela figurinha fica embaçado nesse momento. No original, o homem aparece apenas sorrindo, não diz nada e não há cortes nessa cena.”

A plausibilidade do direito alegado se demonstra no caso porque o caráter desinformativo das postagens foi confirmado pelas agências de verificação.  Não há, no vídeo original, qualquer grito hostil ou vaia ao candidato em Uberlândia/MG. Além disso, o vídeo já foi compartilhado por milhares de usuários da plataforma TikTok.

 

Trata-se de conteúdo veiculado com o fim de causar prejuízo eleitoral ao candidato da coligação representante.

 

O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso às postagens por número cada vez maior de pessoas, acarretando propagação de ofensa à honra e à imagem do candidato.

 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).

 

14. Pelo exposto, presentes erros sobre premissas fáticas e omissões na decisão embargada, acolho parcialmente os embargos de declaração e, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro em parte o requerimento de medida liminar, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, para que sejam imediatamente removidos, no prazo de 2 horas a contar do recebimento da notificação, os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos:

 

https://www.tiktok.com/@contato_imediato/video/7110190711223422213?is_copy_url=1&is_fro m_webapp=v

 

https://www.tiktok.com/@julianosantos499/video/7111314239419206918?_r=1&_t=8V5DnAyZao o&is_from_webapp=v1&item_id=7111314239419206918

 

Oficiem-se os provedores de aplicação TikTok para a identificação dos responsáveis pelos perfis “@contato_imediato” e “@julianosantos499” e os provedores de aplicação Facebook para a identificação dos responsáveis pelas páginas “Goiás com Bolsonaro” e “ojacaredetanga”, bem como os endereços de IPs utilizados para acesso dos perfis conforme previsto no § 1º do art. 17 da citada Resolução.

 

As demais diligências requeridas na petição inicial serão apreciadas, se for o caso, posteriormente.

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, 25 de outubro de 2022.

 

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora