index: DIREITO DE RESPOSTA (12625)-0601578-71.2022.6.00.0000-[Direito de Resposta, Cargo - Presidente da República]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

DIREITO DE RESPOSTA (12625)  Nº 0601578-71.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representados(as): Coligação Pelo Bem do Brasil e outro

Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as)

 

DECISÃO

 

Trata-se de representação por direito de resposta, com pedido de medida liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil e de Jair Messias Bolsonaro, com fundamento no art. 58 da Lei nº 9.504/1997; no art. 31 da Res.-TSE nº 23.608/2019 e no art. 72, §§ 1º e 2º, da Res.-TSE 23.610/2019, por suposta veiculação de desinformação em inserção televisiva no horário eleitoral gratuito do dia 18.10.2022, nas emissoras Globo, Record, SBT, Band e Rede TV!, durante os períodos matutino e vespertino.

Na petição inicial, a representante alega, em síntese, que (ID 158263081):

a) na publicidade impugnada, o candidato Bolsonaro reproduz afirmação inverídica que proferiu no debate entre os presidenciáveis transmitido pela Rede Bandeirantes em 16.10.2022, no sentido de que “Lula haveria entregado 1 bilhão e 60 milhões de dólares ao “amigo Chavez e Maduro”, da Venezuela, e, em razão disso, não há metrô na cidade de Belo Horizonte, enquanto na Venezuela sim” (p. 5);

b) a fala de Bolsonaro é inverídica sob dois aspectos: em primeiro lugar, porque, de acordo com a agência de checagem de notícias “Aos Fatos”, Belo Horizonte possui, contrariamente ao que afirmado pelo candidato, “uma linha de metrô de superfície com 19 estações e 28,1 km de extensão”; e, em segundo lugar, não há qualquer amparo fático na ilação de que Belo Horizonte não teria metrô porque Lula teria realizado empréstimo a “’amigos’ venezuelanos com vistas a interesses escusos” (p. 6); e

c) a expressão utilizada pelo candidato Bolsonaro ao final da propaganda impugnada – “Lula, tu é uma vergonha nacional” – degrada e ridiculariza a imagem do ex-presidente, transcendendo os limites da liberdade de expressão, e atinge a integridade do processo eleitoral, nos termos do art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019 e do art. 53, § 1º e 2º, da Lei das Eleições.

Requer seja deferido o pedido de direito de resposta, liminarmente, em razão da manifesta contrariedade à legislação eleitoral, residindo o periculum in mora no “alcance imensurável das emissoras de televisão, que já exibiram a aludida inserção para milhões de eleitores brasileiros, propagando a desinformação ora impugnada” (p. 11), gerando grave prejuízo à lisura do pleito que se avizinha e ferindo o princípio da igualdade entre os candidatos.

Ao final, pede, liminarmente, o deferimento do pedido de direito de resposta para que, “nos termos da Lei nº 9.504/1997, art. 58, §1º, I, e da Resolução-TSE nº 23.608/2019, art. 32, III, “f”, a resposta seja dada em até 02 (dois) dias, mediante período diurno” (p. 12), e, no mérito, a confirmação do pedido de liminar, com a condenação dos representados e o deferimento do pedido de resposta nos exatos termos (p. 12-13):

Direito de resposta concedido pela Justiça Eleitoral contra declarações mentirosas propagadas por Bolsonaro em sua propaganda eleitoral.

Trata-se de retratação de mais uma fake news disseminada pela campanha de Jair Bolsonaro.

É mentira que Lula entregou 1 bilhão de dólares à Venezuela e que tenha participado de qualquer conluio com governantes de países estrangeiros com interesses escusos. E, como o povo mineiro bem sabe, também é mentira que Belo Horizonte não tem metrô e que, caso não tivesse o transporte público, seria por culpa do candidato Lula. O ex-presidente Lula é conhecido por ter entregue obras públicas para atender o povo brasileiro e é uma das premissas de sua campanha.

 

É o relatório.  Passo a apreciar o pedido de direito de resposta. 

Nos termos do art. 58 da Lei nº 9.504/1997, “é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social”.

 A jurisprudência desta Corte Superior, firmada precisamente na perspectiva do referido art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é consolidada no sentido da natureza absolutamente excepcional da concessão do direito de resposta, que somente se legitima, sob pena de indevido intervencionismo judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais, com comprometimento do próprio direito de acesso à informação pelo eleitor cidadão, nas hipóteses de fato chapadamente inverídico, ou em casos de graves ofensas pessoais, capazes de configurar injúria, calúnia ou difamação, in verbis:

O exercício do direito de resposta, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica, reconhecida prima facie ou que extravase o debate político-eleitoral, deve ser concedido excepcionalmente, tendo em vista a liberdade de expressão dos atores sociais envolvidos.[...]

(AgR-REspEl nº 0600102-42/MG, rel. Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 27.11.2020 – destaquei)

A concessão do direito de resposta previsto no art. 58 da Lei das Eleições, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica reconhecida prima facie ou que extravase o debate político-eleitoral, deve ser concedido de modo excepcional, tendo em vista exatamente a mencionada liberdade de expressão dos atores sociais.

(R-Rp nº 0600947-69/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 27.9.2018 – destaquei)

O exercício do direito de resposta, além de pressupor a divulgação de mensagem ofensiva ou afirmação sabidamente inverídica, reconhecida prima facie ou que extravase o debate político-eleitoral, deve ser concedido excepcionalmente, tendo em vista a liberdade de expressão dos atores sociais envolvidos.

(R-Rp nº 0601048-09/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 25.9.2018 – destaquei).

Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza-se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação [...].

(Rp nº 0601494-12/DF, rel. designado Min. Admar Gonzaga, PSESS de 3.10.2018 – destaquei)

Nesse sentido, confira-se, ainda, o seguinte precedente relativo às eleições de 2022, na seara do direito de resposta:

 

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO POR DIREITO DE RESPOSTA. PARTIDO POLÍTICO. INTERNET. INFORMAÇÃO INVERÍDICA E OFENSIVA. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA EM PARTE. REFERENDO.

1. Nos termos do art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

2. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada precisamente na perspectiva do referido art. 58 da Lei nº 9.504/1997, é consolidada no sentido da natureza absolutamente excepcional da concessão do direito de resposta, que somente se legitima, sob pena de indevido intervencionismo judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais, com comprometimento do próprio direito de acesso à informação pelo eleitor cidadão, nas hipóteses de fato chapadamente inverídico, ou em casos de graves ofensas pessoais, capazes de configurarem injúria, calúnia ou difamação.

3. O Plenário desta Corte Superior, considerando o peculiar contexto inerente às eleições de 2022, com “grande polarização ideológica, intensificada pelas redes sociais”, firmou orientação no sentido de uma “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, em especial no que concerne a qualquer tipo de comportamento passível de ser enquadrado como desinformativo flagrantemente ofensivo (Rp nº 0600557-60/DF, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, PSESS de 1º.9.2022; Rp nº 0600851-15, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, PSESS de 22.9.2022), com o que se conferiu a esta Casa um dever de filtragem mais fino.

[...]

(Referendo-DR nº 0601275-57/DF, de minha relatoria, PSESS de 3.10.2022).

 

Pois bem, consoante relatado, o que se pretende é a concessão de direito de resposta em face de suposta desinformação proferida contra o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, constante de inserção em emissoras de televisão, assim transcrita na inicial (ID 158263081, p. 3 – destaques no original):

Olha o BNDES, Lula. Fala do BNDES. Por que é que a Venezuela tem metrô e Belo Horizonte não tem? Você entregou 1 bilhão e 60 milhões de dólares para o seu amigo Chávez e Maduro. Fizeram o metrô lá fora, deram um cano no Brasil e não tem metrô aqui no Brasil. E parte dessa grana? Teria voltado para cá? Ou foi tudo para a obra? Não foi tudo para a obra. Lula, tu é uma vergonha nacional.

Não vislumbro, no entanto, na propaganda questionada, irregularidade apta a ensejar a excepcional interferência desta Justiça especializada, mediante a igualmente excepcional concessão de direito de resposta.

Conforme afirmado, a concessão do direito de resposta exige a comprovação, por parte do autor, de haver na postagem fato chapadamente inverídico, cuja falsidade seja detectável de plano, o que não foi demonstrado no caso dos autos.

Trata-se, a meu ver, de típicas críticas políticas, também inseridas no debate político, e que devem ser neutralizadas e respondidas dentro do próprio ambiente político, sem a intervenção do Poder Judiciário que, no meu entender, deve se pautar pelo minimalismo judicial, não podendo e nem devendo funcionar como “curador” da “qualidade” de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas – especialmente quando construídos a partir de fatos de conhecimento público, como na referida propaganda impugnada, na qual se questionam ações ocorridas durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), relacionadas a transações comerciais realizadas com outros países, tema relacionado à política internacional e que inegavelmente faz parte de discussão pública nacional, sendo albergado por ampla liberdade de expressão.

Assim, entendo aplicar-se à espécie a jurisprudência desta Casa no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”, o que não ocorre no caso sob análise. Nesse sentido: R-Rp nº 2962-41/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.9.2010; e Rp nº 0601513-18/DF, rel. Min. Carlos Horbach, PSESS de 5.10.2018.

Também assim, a premissa de que, “no processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam-se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente” (AgR-REspEl nº 0600045-34/SE, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4.3.2022 – p. 12, destaquei).

Destaco, finalmente, que indeferi o pedido de tutela provisória de urgência na Rp no 0601580-41/DF, em decisão publicada no Mural eletrônico de 25.10.2022, que envolve rigorosamente os mesmos fatos que embasam este direito de resposta, por entender pela inexistência de irregularidade na referida propaganda, sendo certo, ainda, que o Ilustre Ministro Presidente desta Casa, Alexandre de Moraes, também ao analisar temática correlata à presente, entendeu inexistir contexto desinformativo (Rp nº 0601658-35/DF):

“A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.

(...).

Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.

Por essa razão, é certo que "a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrática de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto" (AgR-REspe 0600396-74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022).

No caso, no tocante ao primeiro aspecto impugnado, embora a Representante afirme que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, verifica-se que o conteúdo da publicidade, de forma crítica, visa a questionar ações ocorridas durante os governos do Partido dos Trabalhadores, consubstanciadas nos empréstimos realizados a Cuba e Venezuela, isto é, tema que guarda relação com a política internacional do País e, dessa forma, mostra-se inserido no debate eleitoral.

Nada obstante o tom ácido empregado, vê-se que publicidade em nenhum momento questiona a legalidade ou a irregularidade das operações financeiras ou atribui ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva adjetivações lesivas à sua honra, tratando-se de críticas de caráter político dirigidas aos próprios empréstimos, cuja realização nem sequer foi questionada pela Representante.

Por isso mesmo, ao menos neste juízo de cognição sumária, o teor da propaganda se mostra compatível com a dialética do debate entre as candidaturas, inerente ao ambiente da disputa eleitoral que envolve, naturalmente, questionamentos, mesmo grosseiros, a ações realizadas durante as gestões do candidato e de seu Partido político (grifei).

Nesse cenário, com todo o respeito devido, reitero que não encontro, na publicação impugnada, grave descontextualização dos fatos noticiados pela mídia em geral, a ponto de subverter-lhes o sentido e induzir o eleitor em erro, razão pela qual não vislumbro, na espécie, os pressupostos autorizadores da sempre excepcional intervenção desta Casa no livre mercado de ideias políticas (fato sabidamente inverídico ou ofensa pessoal).

 Ante todo o exposto, nego seguimento à presente representação (art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral), prejudicado o pedido de medida liminar.

Publique-se. 

 

Brasília, 27 de outubro de 2022.

 

Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Relatora