index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601676-56.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601676-56.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATORA: MINISTRA MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL

Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARCELO LUIZ AVILA DE BESSA - DF12330
REPRESENTADO: ANDRE LUIS GASPAR JANONES
 

 

DECISÃO
 

Trata-se de Representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Pelo Bem do Brasil  em desfavor de Andre Luis Gaspar Janones. 

 

Na inicial, a Autora alega, em síntese, que o representado: i) na tarde de hoje, 23/10/2022 (domingo) em suas redes sociais, nas quais afirma, de forma falsa, irreal e mentirosa, que o Sr. Roberto Jefferson seria o coordenador da campanha para a reeleição do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, bem como que Sua Excelência, o Presidente, teria apoiado os criminosos atos cometidos na data de hoje.; ii) As afirmações, com nítido intuito eleitoreiro, são contextualizadas pelos recentes e absolutamente lamentáveis episódios envolvendo o Sr. Roberto Jefferson, quais sejam: (i) no dia 21/10/2022 (sexta-feira), Roberto Jefferson publicou vídeo contendo repugnantes ofensas e agressões em face da i. Ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal (https://www.youtube.com/watch?v=gd-zL4uJrog); e ii) na tarde de hoje, 23/10/2022, Roberto Jefferson se negou a cumprir ordem judicial e atirou em Policiais Federais que foram cumprir o mandado de prisão determinado pelo e. Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (PET 9844/DF); iii) [...] o Representado, André Janones, de forma vil e com o intuito de se aproveitar de uma situação abominável para angariar votos para através de informações sabidamente falsas, iniciou uma série de postagens tentando associar Roberto Jefferson à coordenação da campanha Presidencial de Jair Bolsonaro à reeleição para o cargo de Presidente da República, bem como o apoio deste aos atos criminosos perpetrados contra a Polícia Federal na data de hoje; iv) o Sr. Roberto Jefferson não é, nem nunca foi, sequer informalmente, coordenador da campanha do Presidente Jair Bolsonaro, e, evidentemente, o Presidente nunca manifestou apoio aos atos criminosos cometidos contra a Polícia Federal – pelo contrário –, tornando evidente a estratégia eleitoral de obtenção de vantagens por intermédio da difusão de fake news, desqualificação e ofensa à imagem do candidato adversário, de forma a (i) desinformar o eleitor e (ii) criar artificialmente estados mentais, emocionais e passionais; v) O próprio Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, em live realizada na tarde de hoje, 23/10/2022, após dizer que repudia “as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF”, expressamente negou, de for ma veemente, que o sr . Roberto Jefferson não é e nunca foi coordenador de sua campanha." (ID 158281946)

 

Requer, liminarmente, "seja determinada a imediata remoção dos conteúdos desinformadores objeto desta ação, sob pena de multa diária a ser arbitrada por esta c. Corte, encontradas nas URLs a seguir indicadas, bem como que o Representado remova postagens idênticas de todas as redes sociais e se abstenha de promover novas manifestações sobre os fatos tratados na presente representação, tanto em concessionárias do serviço público como nas redes sociais, sob pena de multa a ser arbitrada":

 

Ainda, para o devido e correto cumprimento da medida cautelar requerida, requer sejam oficiados os Provedores das Redes Sociais, cadastrados perante esta CORTE, para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo máximo de 24h, conforme previsto no art. 17, § 1º- B, da Res.-TSE nº 23.608/2019, sob pena de multa.

 

No mérito, pretende a confirmação da liminar e a procedência da representação, para o fim de restar determinada a remoção definitiva das postagens, sem prejuízo da proibição de novas manifestações sobre os fatos tratados na presente representação, em qualquer meio ou veículo de comunicação social, sob pena de multa.

 

Os autos foram distribuídos à Ministra MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI e, após, vieram-me conclusos, considerado o pedido de liminar.

 

É o relatório. Decido.

 

A concessão das medidas liminares de urgência pressupõe a demonstração inequívoca de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora).

 

No caso, em juízo de cognição sumária, inerente ao exame das medidas cautelares, verifica-se a demonstração da plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados,  por constatar a existência de divulgação de fato sabidamente inverídico e descontextualizado.

 

A liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.

 

Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; S. 126/03, de 30 de junio, FJ 3; S. 20/02, de 28 de enero, FFJJ 5 y 6).

 

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

 

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.

 

Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar.

 

No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte-Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).

 

A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429).

 

Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 326), devendo-se, portanto, permitir aos candidatos a possibilidade de ampla discussão dos temas de relevância ao eleitor.

 

Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitor e também sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais.

 

No caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”.

 

RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que:

“a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 324).

No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435).

 

As opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271-72).

 

O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959).

 

 A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão:

“constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)

A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.

 

Lembremo-nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia.

 

Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que:

“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81).

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.

 

 O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística; bem como a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.

 

A liberdade de expressão permite que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.

 

 Note-se que, em relação à liberdade de expressão exercida inclusive por meio de sátiras, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que:

“sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009)

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público.

 

Nesse cenário, a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos. Ou seja, a atuação da Justiça Eleitoral deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger o regime democrático, a integridade das Instituições e a honra dos candidatos, garantindo o livre exercício do voto (TSE, REspe 0600025-25.2020 e AgR no Arespe 0600417-69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES).

 

A Constituição Federal não permite aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio.

 

A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas.

Liberdade de expressão não é Liberdade de agressão!

Liberdade de expressão não é Liberdade de destruição da Democracia, das Instituições e da dignidade e honra alheias!

Liberdade de expressão não é Liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!

A lisura do pleito deve ser resguardada, sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (TSE, Representação 0601530-54/DF Rel. Min, LUÍS FELIPE SALOMÃO, DJe DE 18.3.2021), e, portanto, as competências constitucionais dessa CORTE ELEITORAL, inclusive no tocante à fiscalização, são instrumentos necessários para garantir a obrigação constitucional de se resguardar eleições livres e legítima (TSE, RO-EL 2247-73 e 1251-75, redator para Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES).

 

A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito (STF, Pleno, AP 1044, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES), inclusive pelos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores antes e durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no processo eleitoral (TSE, RO-EL 0603975-98, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).

 

Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.

 

A Constituição Federal não autoriza, portanto, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, a Democracia e ao Estado de Direito, que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições.

 

De fato, o conteúdo veiculado nas postagens realizadas pelo representado, em 23/10/2022,  se descolam da realidade, por meio de inverdades e suposições, fazendo uso de recortes e encadeamentos inexistentes, com o intuito de induzir o eleitorado negativamente, a crer que Roberto Jefferson seria o coordenador de campanha de Jair Messias Bolsonaro e que o candidato teria manifestado apoio aos atos criminosos cometidos na data de hoje. Eis o teor das postagens impugnadas:

 

 

 

 

 

 

 

Ocorre que as postagens e manifestações do candidato Jair Messias Bolsonaro acerca do referido incidente são em sentido contrário ao afirmado pelo representado, de modo que os conteúdos impugnados decorrem de interpretação e presunção tendente a desinformar o eleitorado sobre a posição do candidato no caso do episódio, com repercussão nacional, específico na data de hoje envolvendo Roberto Jefferson. Em suas postagens, na data de hoje, Jair Messias Bolsonaro afirmou repudirar os atos criminosos cometidos:

Como visto, a afirmação é resultante de interpretação descontextualizada, desprovida de respaldo concreto no conteúdo de sua fala, de modo que o referido apoio de Jair Messias Bolsonaro aos atos criminosos cometidos por Roberto Jefferson em 23/10/2022 decorre de fato sabidamente inverídico e de narrativa manipulada, o que não pode ser tolerado por esta CORTE, notadamente por se tratar de notícia falsa divulgada durante o 2º turno da eleição presidencial.

 

A divulgação de fato sabidamente inverídico, com grave descontextualização e aparente finalidade associar o candidato a inexistentes manifestações de apoio a atos criminosos, parece suficiente a configurar propaganda eleitoral negativa, na linha da jurisprudência desta CORTE, segundo a qual a configuração do ilícito pressupõe “ato que, desqualificando pré-candidato, venha a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (AgR-REspe 0600016-43, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO).

 

Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR, em virtude da afirmação de apoio do candidato aos atos criminosos ser fato sabidamente inverídico e de narrativa manipulada, e DETERMINO que:

 

i) as Plataformas digitais INSTAGRAM e TWITTER, bem como o REPRESENTADO, removam IMEDIATAMENTE O CONTEÚDO objeto desta ação, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) - a contar de 2 horas da ciência dessa decisão - com as URLs indicadas pela Representante:

ii) o Representado se ABSTENHA de promover novas manifestações sobre os fatos tratados na presente representação,  sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), por reiteração.

 

Cite-se o Representado para, querendo, apresentar sua defesa, nos termos do art. 18 da Res.-TSE 23.608/2019.

 

Encaminhem-se os autos à eminente Relatora para fins de referendo, nos termos do art. 2º da Portaria 791/2022. 

 

Publique-se com urgência.

 

Brasília, 23 de outubro de 2022.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Presidente