TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0601513-76.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL
ADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - OAB/DF11498-A
ADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - OAB/DF70829-A
ADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS - OAB/GO46407-A
ADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - OAB/DF17115-A
ADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - OAB/SP256786-A
REPRESENTANTE: JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADVOGADO: MARINA ALMEIDA MORAIS - OAB/GO46407-A
ADVOGADO: EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - OAB/DF17115-A
ADVOGADO: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - OAB/DF70829-A
ADVOGADO: TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - OAB/DF11498-A
ADVOGADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - OAB/SP256786-A
REPRESENTADO: LUIZ INACIO LULA DA SILVA
REPRESENTADO: GERALDO JOSE RODRIGUES ALCKMIN FILHO
REPRESENTADO: ANDRE LUIS GASPAR JANONES
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA CONJUNTA
(AIJEs 0601513-76 e 0601522-38)
Trata-se de ações de investigação judicial eleitoral em que se discute a prática de uso indevido de meios de comunicação, ilícito supostamente perpetrado por meio do uso de redes sociais pelas campanhas dos candidatos que disputam o segundo turno das eleições presidenciais para, de forma sistemática, difundir notícias falsas ou gravemente descontextualizadas em prejuízo dos adversários e da normalidade eleitoral.
Na AIJE 0601513-76, figuram como autores a Coligação Pelo Bem Do Brasil e Jair Messias Bolsonaro, Presidente candidato à reeleição, e, como réus, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, candidatos respectivamente aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República nas Eleições 2022, e André Luís Gaspar Janones, deputado federal, ao qual se imputa diretamente a responsabilidade pelo ilícito.
Em síntese, afirmam os autores que “o Deputado Federal André Luís Gaspar Janones, escolhido pela campanha do candidato Lula para ser ‘consultor nas esferas digitais’, fato público e notório, vem se utilizando de suas redes sociais, ostensivamente, como verdadeira fábrica de fake news, para divulgar e incentivar o compartilhamento em massa de publicações de conteúdo sabidamente falso, além de promover maliciosas ações coordenadas com o objetivo desvelado de esvaziar a eficácia das decisões proferidas pela Justiça Eleitoral”,
Os autores requereram a derrubada de perfis de André Janones nas redes sociais até o encerramento do segundo turno, com o objetivo de inibir a propagação de fake News de efeitos danosos ao processo eleitoral (ID 1158245010).
Em razão da excepcionalidade e do alto grau de interferência da medida pleiteada, tive a prudência de, antes de apreciar o pedido, facultar a André Janones apresentar esclarecimento quanto ao uso de seus perfis no Twitter, Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e Kwai (ID 158247238).
Em sua manifestação (ID 158270637), André Janones requer o indeferimento da liminar, sustentando que:
a) “o fenômeno social denominado ‘bolsonarismo’ [...] vem ditando a tônica do debate público, utilizando grande repercussão midiática gerada nas redes sociais pelo seu principal expoente, Jair Messias Bolsonaro, e seus apoiadores”.
b) “esta avalanche social, que tomou conta do debate político, ganhou forças a partir da criação de falácias [...], sempre se valendo do discurso populista de ultradireita, utilizando como principal ferramenta à desinformação e ofensa às instituições que compõe o Estado Democrático, de forma sempre muito bem coordenada e estruturada nas redes sociais”;
c) a estratégia instaurou em definitivo a “polarização política consubstanciada na luta entre o “bem e o mal”, direcionada à “criação da figura do inimigo” e na narrativa em torno do “Mito que supostamente luta contra a figura do inimigo” e, para tanto, se permite adotar “comportamentos antirrepublicanos, desprezando quaisquer limites”, ofendendo adversários, Ministros, jornalistas e, ainda, “propaganda mentiras sobre o processo eleitoral, afirmando, sem provas, a ocorrência de fraude nas eleições”;
d) em 42 oportunidades, o TSE reconheceu haver, por parte da campanha da coligação investigante, propagação de notícias falsas com impactos eleitorais;
e) assim, o atual cenário político brasileiro é “capitaneado pela onda ‘Bolsonarista’, personificada na pessoa do Investigante, que inequivocamente abaixou o nível dos embates políticos, de modo que as publicações impugnadas na inicial, ainda que ácidas, fazem parte do atual campo político”;
f) por outro lado, “a exordial apenas impugna por amostragem alguns conteúdos postados nas redes sociais do ora investigado, o que não corresponde com a totalidade do conteúdo ali postado, de modo que não se pode considerar que todo o conteúdo publicado nas redes sociais do Investigados seria ilegal ao ponto de determinar a derrubada integral das suas redes sociais”;
g) as redes do terceiro investigado são utilizadas, inclusive, para prestar contas de mandato de deputado federal, de modo que a suspensão do perfil, além de caracterizar censura, prejudicaria o direito à informação de seus eleitores;
h) há “graves indícios de adulteração e falsidade de determinada publicações indicadas na inicial, que demonstram inequivocamente o intuito dos investigantes em atingir os seus adversários políticos, [...] induzindo esta Especializada ao erro”;
i) parte dos prints atribuídos ao terceiro investigado constituem, em tese, conteúdo falso, observando-se que foram apresentados sem indicação de links, com fundo branco (diverso daqueles em que há link) e “evidente alteração na fonte”, em padrão similar ao de conteúdo falso compartilhado por Nikolas Ferreira, o qual, posteriormente, reconheceu que Janones não era o autor do tuíte;
j) o terceiro investigado, voluntariamente, em ato de colaboração com a Justiça Eleitoral, “suspendeu todas as publicações cujo[s] links foram informados na inicial”, o que demonstra o esvaziamento da pretensão liminar.
Os investigantes vieram aos autos, espontaneamente (ID 158277606), para responder à manifestação do terceiro investigado, ao qual atribuem “tentar tumultuar o processo e [...] atacar o candidato Requerente”, e reiterar o requerimento liminar, destacando que:
a) foram trazidas “acusações e imputações ao candidato Jair Bolsonaro [...] que não possuem qualquer pertinência com o assunto tratado nos autos”;
b) ficaram sem esclarecimento as declarações de André Janones à Folha de São Paulo e “sua exótica estratégia de combater ‘fake com fake’;
c) a alegação de que foram exibidos prints falsificados na inicial é “falsa e absurda”, sendo que houve um único tuíte indicado sem o link correspondente, no qual feita crítica ao “jurídico do Bolsonaro”, devendo-se concluir que foi apagado por Jannoes antes da confecção da petição inicial;
d) o terceiro investigado certamente não desconhece que o modo de exibição do Twitter pode ser personalizado por cada usuário, não constituindo indício de falsidade o fato de que o citado print exiba fundo branco e todos os demais, com links, exibam fundo preto;
e) “para dificultar, dolosamente, a verificação das publicações indicadas na petição inicial [...], o investigado, nos últimos dias, de cambulhada, promoveu a exclusão da maioria dos endereços eletrônicos informados”, caracterizando “verdadeira obstrução de justiça em sentido material”;
f) não obstante, os autores, de forma preventiva, documentaram todas as provas, e ora fazem a juntda de anexos que contêm certificado de autenticidade digital (blockchain);
g) após o ajuizamento da AIJE, verificaram que o terceiro investigado realizou “novas veiculações de publicações nos mesmos moldes daquelas apresentadas na inicial, tudo a demonstrar, com a (pueril) certeza da impunidade, a inequívoca continuidade do modus operandi já descrito nestes autos”;
h) postagem de 18/10/2022, em que Janones relata que participou de “plenária com Lula”, “instruindo os demais participantes a realizarem ‘ações coordenadas e centralizadas’”, o que “reforça a existência de estrutura de desinformação coordenada por André Janones, com conhecimento e apoio dos candidatos Lula e Geraldo Alckimin”;
i) desde 20/10/2022, passou a ser divulgada pelo terceiro investigado “uma série de vídeos e publicações descontextualizados no sentido de que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes reduziriam o salário-mínimo e a aposentadoria a partir do ano que vem”, ação que teve grande alcance.
Em tréplica, também espontânea (ID 15821358), o terceiro investigado:
a) reitera a afirmação de que o print de postagem desacompanhado de link é falso, destinando-se a atribuir a André Janones autoria de mensagens que não publicou, sendo que o fundo branco da exibição foi mencionado para demonstrar uma uniformidade de aparência visual com outro print forjado nos mesmos moldes, que cita na petição;
b) assevera que “essa desordem informacional deliberada dos Investigantes ensejou em um tweet inequivocamente falso, que fundamenta a presente ação”;
c) refuta a imputação de obstrução de justiça, eis que a exclusão de postagens se deu em espírito colaborativo, sendo que “o Investigado insurge e impugnará materialmente apenas aquelas manifestamente falsas, desacompanhadas dos respectivos links e inequivocadamente descontextualizadas. Já com relação as demais publicação que foram devidamente comprovadas nos autos e cuidadosamente suspensas, o Investigado irá em sua defesa de mérito demonstrar a regularidade das publicações”.
Na AIJE 0601522-38, a autora é a Coligação Brasil da Esperança, sendo réus Jair Messias Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto, candidatos respectivamente aos cargos de Presidente (reeleição) e Vice-Presidente da República nas Eleições 2022, Carlos Nantes Bolsonaro, filho do presidente e a quem se imputa coordenar um “ecossistema de desinformação” envolvendo portais e perfis de pessoas físicas e jurídicas em diversas redes sociais. São também investigadas as demais pessoas apontadas como partícipes, já identificadas, e outros perfis ainda não associados a pessoa específica.
Segundo a narrativa da petição inicial, a “união deliberada de desígnios e esforços das pessoas representadas, em maior ou menor grau, visa a promover e propagar a desinformação sob o contexto eleitoral vigente e, assim, influenciar em seu curso”. Para lograr tais fins, o Twitter seria utilizado como ambiente em os investigados “enquadramento temático das notícias falsas que promoverão nas redes, e aquecem os seguidores para fomentar engajamento na desinformação e aumentar seu escoamento para outras redes sociais”, capturando o debate. Carlos Nantes Bolsonaro é apontado como a figura central do esquema, contando com 2,7 milhões de seguidores e possuindo o maior nível de interação entre os perfis investigados.
A autora requereu, dentre outras medidas, a suspensão da participação dos investigados nas redes sociais até o encerramento das Eleições 2022, por entender que, no “macrocampo da desinformação”, a simples derrubada de conteúdos é insuficiente para inibir a propagação de fake News nas proporções verificadas (ID 1158245010).
Observando a mesma metodologia aplicada na AIJE 06015313-76, também reservei o exame do pedido de suspensão de perfis de pessoas físicas para momento posterior à manifestação de Carlos Bolsonaro, oportunidade em que pudesse esclarecer o uso de seus perfis e canais e se pronunciar sobre a alegada coordenação do grupo (ID 158256397).
Em sua manifestação (ID 158279170), Carlos Bolsonaro requer o indeferimento da medida liminar, afirmando que:
a) é fato público e notório que “utiliza plataformas digitais ou redes sociais para divulgar informações sobre o seu trabalho como Vereador do Município do Rio de Janeiro” e que “é o responsável pelas redes sociais de seu pai, o atual Presidente da República”;
b) esse trabalho teve início em 2010, quando utilizou a ferramenta weblog para armazenar informações e imagens relativas a seu pai, ante a “necessidade de contrapor o viés negativo das notícias que circulavam com o nome do então Deputado Federal, Jair Bolsonaro”;
c) ao longo dos anos, acumulou “vasta experiência como usuário das redes sociais, nada além disso”, sendo que “não possui formação em programação ou marketing digital ou qualquer outro conhecimento técnico sobre redes e internet”;
d) não administra ou utiliza outros perfis, páginas, canais, contas ou portais, bem como “não participa e não colabora com a produção de qualquer conteúdo que não seja aquele disponibilizado em suas redes sociais”;
e) “[a] representante age com má-fé ao tentar induzir a Justiça Eleitoral a acreditar que o orgânico compartilhamento de mensagens e/ou publicações entre pessoas que possuem o mesmo posicionamento político seja prova de articulação premeditada com o propósito de prejudicar alguma outra pessoa”;
f) o relatório de monitoramento juntado com a inicial “não tem relevância (densidade) jurídica capaz de sugerir a ocorrência de qualquer conduta ilícita”, eis que previsível haver “intensa interação [...] entre perfis de pessoas que possuem algum tipo de afinidade”;
g) a petição inicial é “uma obra prima no quesito que se convencionou chamar de desordem informacional, uma vez que ‘manipula premissas reais para se chegar a uma conclusão falsa’”, em uma “tentativa de excluir o investigado do pleito eleitoral”;
h) o investigado vem cumprindo imediatamente as ordens emanadas da Justiça eleitoral, sendo que foi alvo apenas de seis representações, um quantitativo incompatível com a suposta atuação como figura central do ecossistema de desinformação;
i) com o banimento do investigado nas redes, “o que a representante pretende, na verdade, é censurar o seu adversário e, em última análise, participar da retal fina das eleições gerais de 2022 sem que o atual Presidente da República possa realizar a sua campanha eleitoral”.
Após a manifestação de Carlos Bolsonaro, a autora reiterou o requerimento liminar de suspensão dos aproximadamente 40 perfis indicados na petição inicial, asseverando que (ID 158281376):
a) “Carlos Bolsonaro não impugna ou tenta afastar a sua relevância na estratégia virtual desinformadora que busca a reeleição de Jair Bolsonaro”, e, ao contrário, confirma “sua posição de proeminência na dinâmica de circulação de informações pró-bolsonaro nas redes sociais”;
b) a finalidade político-eleitoral do uso dos perfis em favor do Presidente candidato à reeleição foi admitida, devendo-se notar que “quando preenchida tal dinâmica de rede com desinformações contra o adversário e contra a credibilidade do sistema eleitoral, descortina-se o uso ilícito das redes sociais”;
c) não se deve dar guarida à alegação de que os relatórios juntados com a petição inicial somente demonstrariam uso orgânico das redes por perfis com afinidade, uma vez que é possível constatar que padrões de influência e de conteúdos veiculados, especialmente os desinformativos;
d) Carlos Bolsonaro não é um usuário comum, sendo “responsável pela maior quantidade de compartilhamento, menções e difusão de conteúdo dentro do espectro observado”, o que refuta a alegação de que o comportamento seria detectável em uma amostra aleatória de pessoas que se relacionam em torno de temas afins;
e) entre 16 e 22/10/2022, seguiu-se presente o padrão de atuação de Carlos Bolsonaro: “das 40 publicações comentadas [por ele], 10 foram no perfil de Elisa Brom, 04 no perfil Demagogia do Oprimido e Iaragb e 03 no perfil de Luiz Paulo Mendes, todos com função de ‘promotor de conteúdo’ dentro do ecossistema monitorado”, sendo que “[a]s publicações comentadas por Carlos Bolsonaro foram partilhadas em forma de captura/reprodução de tela em seu canal no Telegram durante o período analisado”;
f) os perfis de Carlos Bolsonaro demonstram que, ao contrário do que alega, o vereador não divulga seu trabalho, mas “apenas promove a estratégia virtual eleitoral para reeleição de Jair Bolsonaro baseada na profusão de desordem informacional”;
g) “[a]s suas interações com os perfis de maior proeminência na propagação de desinformações já conhecidas deste TSE e apontadas na peça inicial, somada à confessa expertise e dominância na estratégia virtual em favor de Jair Bolsonaro, revelam a necessidade de adoção de medidas temporárias acautelatória para combate à desinformação até a conclusão do 2º Turno das Eleições”;
h) deve-se aplicar, na hipótese, a medida de suspensão temporária de acesso a plataformas virtuais, prevista no art. 4º da Res.-TSE nº 23.714/2022, tendo em vista estarem presentes indícios de produção e difusão sistemática de desinformação.
Relatados, decido.
De início, ressalto que neste ato, profiro decisão conjunta nas ações em epígrafe, tendo em vista a conveniência de submeter a análise das condutas de André Janones e Carlos Bolsonaro ao crivo da isonomia, considerando o contexto de atuação que lhes é comum.
Essa possibilidade encontra respaldo no § 3º do art. 55 do Código de Processo Civil, que permite a reunião de processos, para julgamento conjunto, de modo a prevenir o “risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias [...], mesmo sem conexão entre eles”. Embora, a rigor, a norma se refira ao julgamento, não há óbice a que seja adotada a técnica para a prolação de decisão interlocutória, uma vez que o cerne do dispositivo é garantir a coesão dos atos judiciais que possam ter implicações recíprocas.
Menciono, por outro lado, que a regra não é de aplicação obrigatória, cabendo ao julgador avaliar, no caso concreto, se a reunião de processos de fato contribui para a eficiência processual. Na hipótese, é o que ocorre. Os feitos se encontram em fase idêntica e versam sobre temática comum (militância eleitoral nas redes sociais). Os representantes de cada grupo político se contrapõem, nas duas ações, imputando uns aos outros a prática de ilícitos no ambiente digital e defendendo sua própria atuação.
Comparando-se o relatório das AIJEs 06011513-73 e 0601522-38, verifica-se que, embora possuam particularidades, as demandas convergem para demonstrar, em última análise, duas facetas da disputa narrativa sobre o uso das redes sociais pelas campanhas presidenciais. Eis os principais pontos em comum:
a) na demanda em que ocupam o polo ativo, cada uma das coligações descreve, com preocupação, o quadro de desordem informacional que, nas Eleições 2022, tem desafiado decisões interventivas do TSE no ambiente digital; em seguida constatam que decisões pontuais não têm sido capaz de contê-lo e por isso requerem a suspensão de perfis de seus opositores nas redes sociais (reconhecendo a excepcionalidade da medida, mas reputando-a justa e proporcional);
b) por outro lado, observado o polo passivo de cada ação, tem-se que, quando as duas figuras centrais da comunicação digital de cada uma das campanhas – André Janones e Carlos Bolsonaro – foram instadas a se manifestar, argumentaram que fazem uso regular das redes sociais, negaram divulgar fake News, ressaltaram seu espírito colaborativo com a Justiça Eleitoral e, sobretudo, fizeram contundente defesa da liberdade de expressão e de informação, qualificando como “censura” a investida dos adversários com o objetivo de silenciá-los na reta final da disputa.
Nota-se que, do ponto de vista jurídico, ambas as coligações, e seus candidatos, avaliam que uma medida extrema, como é a suspensão de um perfil nas redes sociais, se justifica para conter a divulgação massiva de desinformação, uma vez que notícias falsas ou gravemente descontextualizadas têm aptidão para ferir a isonomia e a normalidade eleitoral. Assim, demonstra-se que, ao menos em tese, a premissa adotada pelas partes é que a intervenção judicial nas redes sociais nem sempre caracteriza censura.
É certo que, em cada caso concreto, podem estar ou não presentes os requisitos para a concessão da providência. Mas é importante assinalar que as candidaturas disputantes na eleição presencial têm sido os principais impulsionadores da temática que, invariavelmente, exigirá do Tribunal Superior Eleitoral sopesar o exercício da liberdade de expressão e a normalidade eleitoral. São, portanto, no mais das vezes, os próprios atores eleitorais que, diante de uma acirrada disputa, marcada pelo uso intenso das redes (nem sempre comprometido com a verdade factual), vêm reclamando desta Corte atuação célere e eficaz, visando mitigar ou reparar danos ao processo eleitoral.
Nas duas ações em análise, colhi a manifestação dos responsáveis pela comunicação digital de cada candidato, também réus nas ações: André Janones, na AIJE 0601513-76, e Carlos Bolsonaro, na AIJE 0601522-38. Na oportunidade, ambos sustentam a plena regularidade de seus métodos e se apegam ao argumento da proibição de censura como principal motivo para a não derrubada dos perfis.
Há mais semelhanças entre essas duas figuras centrais na mobilização da militância digital das Eleições 2022. No Twitter, observa-se que realizam muitas postagens por dia para repercutir os fatos sob a ótica que seja favorável ao seu candidato, compartilham conteúdos de outros perfis ampliando seu alcance, buscam a todo tempo engajar seus seguidores e se valem de provocações intensas aos adversários. Até aí, comportamentos próprios ao jogo político, demandando atuação pontual para corrigir excessos de linguagem.
Porém, em ambos os casos, o forte poder de influência já foi utilizado de forma a ultrapassar o aceitável. Tanto André Janones quanto Carlos Bolsonaro já foram alvo de ordens para remoção de conteúdo reputado falso. Não raramente, suas postagens são feitas sabendo que o teor é, ou tende a ser, alvo de ação judicial. Nesses casos, insuflam os seguidores a espalharem o material o mais rapidamente possível. O objetivo, claro, é tornar inócua eventual ordem de remoção. O efeito colateral pode ser ainda mais danoso: a deslegitimação prévia das decisões, antes mesmo de serem proferidas.
As decisões judiciais e as instituições que as proferem, sem dúvida alguma, estão sujeitas a críticas por parte de toda a sociedade. Mas o problema identificado não em qualquer crítica, por dura que seja.
O problema está em criar um deliberado estado de antagonização com a Justiça Eleitoral – tratada, em qualquer das “bolhas” das lideranças digitais, como predisposta a censurar seus conteúdos e a ser condescendente com o adversário. Os influenciadores usam essa tática para disparar o senso de urgência (“algo precisa ser feito”) e fortalecer laços de empatia com o suposto perseguido (efeito underdog). Uma postagem em que já se anuncia que, em breve, poderá ser censurada tende a obter maior engajamento dos seguidores, motivados que ficam a, com o compartilhamento massivo, impedir a “injustiça”.
Outro comportamento comum é que André Janones e Carlos Bolsonaro resistem em abandonar termos-chave associados a notícias falsas ou gravemente descontextualizadas. Desse modo, sem que seja preciso reproduzir na íntegra um conteúdo já objeto de ordem de remoção, são capazes de ativar a mensagem associada aos termos. E o fazem de forma ágil, o que contribui para a chamada desordem informacional.
Cabe mencionar que, para que esses comportamentos sejam observáveis, é preciso levar em consideração elementos da semiótica, pois os signos precisam ser compreendidos em suas relações com o que representam e, também, com seus intérpretes. São operações complexas de serem explicadas mas que, na verdade, permeiam toda a comunicação humana. Somos perfeitamente capazes de extrair significados de palavras, símbolos, imagens, vídeos. Conseguimos conectar um recorte a outras mensagens já assimiladas, pois compreendemos seu contexto.
Esses aspectos, intangíveis, são fortemente explorados na comunicação política, não se tendo dúvidas que tanto André Janones quanto Carlos Bolsonaro, com a experiência e habilidade acumuladas, estão cientes de que nem só por frases literais e completas se transmite uma mensagem. No entanto, ambos buscam afastar esses elementos do horizonte de análise das ações em que são investigados.
Nesse sentido, ao terem seus métodos contestados, responderam esvaziando parte do significado de sua atuação nas redes. Janones alega que os prints juntados aos autos são uma amostra ínfima do seu trabalho, não representativo do todo. Carlos Bolsonaro se descreve com um usuário comum das redes sociais, que por acaso apresenta alta interação com perfis com os quais tem afinidade.
Nada obstante, um simples passeio pelo perfil do Twitter dos dois investigados revela que sua atuação está longe da modéstia descrita em suas respectivas manifestações. Os vários tuítes postados ao longo do dia, invariavelmente centradas na disputa presidencial e em temas que nela poderão repercutir, alcançam rapidamente milhares de interações, consolidando a relevância dos influenciadores.
Para ficar em um exemplo: durante o domingo, 23/10/2022, enquanto redigia esta decisão, constatei que os perfis de André Janones e de Carlos Bolsonaro já contavam com dezenas de postagens sobre o episódio da prisão de Roberto Jefferson. Os tuítes nitidamente buscavam fornecer aos seguidores a narrativa dos fatos sob a ótica de cada grupo político. Conforme padrões já constatados (e sem entrar no mérito do conteúdo de cada tuíte, passível de ser judicializado), é bem provável que as versões e argumentos por eles apresentados se disseminem rapidamente e pautem as discussões que certamente ocuparão o debate público na segunda-feira, 24/10/2022.
Desse modo, há algum espelhamento entre as condutas dos investigados ouvidos nessa fase. Esse espelhamento, é certo, não alcança a totalidade dos fatos descritos, pois a AIJE 0601522-38 ostenta maior complexidade, considerando-se o número de perfis que estariam envolvidos no ecossistema de desinformação e os indícios, colhidos da prova documental, de que há uma atuação coordenada para a dispersão de conteúdos falsos prejudiciais ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, até mesmo em virtude dos aspectos técnicos dessa prova e de seu caráter unilateral, será indispensável submetê-la ao contraditório antes de firmar conclusões.
Por esse motivo é que, no atual estágio processual, prepondera a percepção de que o comportamento de André Janones e de Carlos Bolsonaro nas redes possuem muitos aspectos similares, seja no que diz respeito à legítima atividade de organização da militância, seja, por outro lado, na difusão de conteúdos falsos ou gravemente descontextualizados, na persistência do uso de termos-chave para reativar os efeitos dos conteúdos removidos e na estratégia mobilizar seguidores a compartilhar conteúdos para tornar inócua eventual decisão da Justiça Eleitoral.
Essas práticas desinformadoras, inegavelmente, têm desgastado a normalidade eleitoral, pois prejudicam o fluxo, no ambiente digital, de informações verídicas e contextualizadas relacionadas à eleição em disputa. No entanto, na hipótese, o requerimento liminar de suspensão de perfis, conforme reconhecem todas as partes, é medida muito severa. Uma decisão dessa magnitude exige a demonstração de dados concretos e a existência de parâmetros objetivos que demonstrem, com a segurança necessária, que a providência é proporcional ao dano que se quer inibir ou mitigar.
Quanto ao tema, no dia 20/10/2022 – posteriormente, portanto, ao ajuizamento das AIJEs em exame – foi aprovada em Plenário a Res.-TSE 23.714, exatamente com o objetivo de conferir maior efetividade ao enfrentamento da desinformação nas redes sociais. A norma contempla expressamente a suspensão temporária de perfis, contas ou canais, desde que demonstrada a “produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral” (art. 4º).
Há, portanto, parâmetro objetivo para aferir o comportamento que autoriza a suspensão de perfis: “publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral”, a envolver, por certo as candidaturas disputantes. Porém, as informações unilateralmente produzidas por cada um dos interessados, embora relevantes para compreender a intensidade com que disputam narrativas nas redes, não chegaram a fornecer um desenho coeso da utilização mídias digitais pelas campanhas.
Desse modo, cumpre requisitar informações à Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação – AEED/TSE, a fim de que sejam apresentados subsídios, a partir do monitoramento do perfil de Twitter e do canal de Telegram dos investigados (por serem estas as redes em que foi apontado o uso intenso de conteúdo desinformativo). As informações deverão contemplar prints das postagens diárias e indicar, quando detectado, que se referem a conteúdo que já foi objeto de decisão do TSE em que se determinou sua remoção ou que ensejou direito de resposta.
A fim de viabilizar a análise e, ainda, em atenção ao fato de que o último prazo para manifestação nas AIJEs em comento se venceu e 21/10/2022, o recorte temporal deverá abarcar os conteúdos postados a partir das 00h00 do dia 22/10/2022 e todos os materiais disponíveis nos canais de Telegram no momento em feita a verificação, em razão da sua disponibilidade permanente para compartilhamento pelos usuários. No primeiro levantamento, serão consideradas as postagens feitas até as 12h00 do dia 25/10/2022, realizando-se, a partir daí, análises diárias até 12h00 do dia 29/10/2022.
Advirta-se os investigados André Janones e Carlos Nantes Bolsonaro que, caso se conclua, após análise jurídica de qualquer dos relatórios apresentados pela AEED, que há elementos suficientes para caracterizar a “produção sistemática de desinformação”, será determinada, nos termos do art. 4º da Res.-TSE 23.714/2022, a suspensão dos perfis, contas e canais mantidos pelo responsável em mídias sociais, até as 23h59 do dia 31/10/2022.
Ademais, no caso da AIJE 0601522-38, não se descarta a possibilidade de suspensão de perfis de outros investigados, pessoas físicas, caso constatadas interações que autorizem concluir pela atuação coordenada para difusão de notícias falsas e gravemente descontextualizadas.
Ante o exposto, indefiro, por ora, os requerimentos liminares formulados nas AIJEs 0601513-76 e 0601522-38 relativos à suspensão de perfis, canais e contas de André Janones, de Carlos Bolsonaro e dos demais investigados na segunda ação, sem prejuízo de novo exame da tutela inibitória à luz dos relatórios de monitoramento de suas atividades nas redes sociais.
Expeça-se comunicação à Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação – AEED/TSE, a fim de que elabore relatório de monitoramento dos perfis de Twitter e dos canais de Telegram de André Janones e de Carlos Nantes Bolsonaro, apresentando prints das postagens diárias e indicação, quando detectado, de que se referem a conteúdo que já foi objeto de decisão do TSE em que se determinou sua remoção ou que ensejou direito de resposta, observada a seguinte periodicidade:
a) 1º relatório: envio em 25/10/2022, considerando postagens realizadas no Twitter entre 00h00 de 22/10/2022 e 12h00 de 25/10/2022 e todos os materiais disponíveis para compartilhamento no canal do Telegram;
b) 2º relatório: envio em 26/10/2022, considerando postagens no Twitter e novos conteúdos no Telegram disponibilizados entre 12h01 de 25/10/2022 e 12h00 de 26/10/2022;
c) 3º relatório: envio em 27/10/2022, considerando postagens no Twitter e novos conteúdos no Telegram disponibilizados entre 12h01 de 26/10/2022 e 12h00 de 27/10/2022;
d) 4º relatório: envio em 28/10/2022, considerando postagens no Twitter e novos conteúdos no Telegram disponibilizados entre 12h01 de 27/10/2022 e 12h00 de 28/10/2022;
e) 5º relatório: envio em 29/10/2022, considerando postagens no Twitter e novos conteúdos no Telegram disponibilizados entre 12h01 de 28/10/2022 e 12h00 de 29/10/2022;
A definição desses horários não obsta que a AEED forneça informações complementares, a qualquer momento, caso detectada urgência.
Consigno, por fim, que o exame da alegação de falsificação de print com o objetivo de atribuir a André Janones, formulada na AIJE 0601513-38, ultrapassaria o objetivo da manifestação preliminar, razão pela qual fica diferido para o momento oportuno.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 24 de outubro de 2022.
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral