index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601640-14.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601640-14.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA

Advogados do(a) REPRESENTANTE: VALESKA TEIXEIRA ZANIN MARTINS - SP153720, ROBERTA NAYARA PEREIRA ALEXANDRE - DF59906, MIGUEL FILIPI PIMENTEL NOVAES - DF57469-A, MATHEUS HENRIQUE DOMINGUES LIMA - DF70190, MARIA EDUARDA PRAXEDES SILVA - DF48704, MARIA DE LOURDES LOPES - SP77513, MARCELO WINCH SCHMIDT - DF53599-A, GUILHERME QUEIROZ GONCALVES - DF37961, GEAN CARLOS FERREIRA DE MOURA AGUIAR - DF61174-A, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO - DF4935-A, EDUARDA PORTELLA QUEVEDO - SP464676, CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730, ANGELO LONGO FERRARO - DF37922-S, VICTOR LUGAN RIZZON CHEN - SP448673
REPRESENTADA: COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL
REPRESENTADO: JAIR MESSIAS BOLSONARO

Advogados do(a) REPRESENTADA: MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - SP256786-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A
Advogados do(a) REPRESENTADO: ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO - SP256786-A, MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO - DF70829-A, MARINA ALMEIDA MORAIS - GO46407-A, EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO - DF17115-A, TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO - DF11498-A

 

DECISÃO
 

Trata-se de Representação, com pedido de liminar, e de Direito de Resposta, ajuizados pela Coligação Brasil da Esperança, em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil e de Jair Messias Bolsonaro, em virtude da suposta veiculação de fatos sabidamente inverídicos e reprodução de ataques contra à imagem co candidato à presidência Luis Inácio Lula da Silva.

Na inicial, a autora narra, em síntese: i) “nos dias 20.10.2022 e 21.10.2022, a inserção ‘Lula é o pai da mentira’ fora veiculada pelos Representados — ao menos -35 vezes, nas mais variadas rádios do país” (fl. 3); ii) “como facilmente se pode depreender dessa peça de ficção, constatam-se as seguintes irregularidades: a) divulgação de fatos sabidamente inverídicos, aptos a influir na lisura do processo eleitoral; b) ataques descabidos contra a imagem do ex-presidente Lula; e c) a produção artificial de estados mentais, passionais e emocionais no eleitorado” (fl. 6); iii) no caso, “foram divulgados fatos completamente desconectados da realidade que esvaziam a frase “pai da mentira”, tornando-a absurda de ser imputada ao ex-presidente Lula”, tratando-se de hipótese diversa da narrada no Direito de Resposta 0601502-42, ajuizado pela coligação Representada, em que se “demonstrou, com clareza, que o termo “pai da mentira”, imputado ao Sr. Jair Messias Bolsonaro, decorre sobretudo das mais de 6.428 declarações falsas ou distorcidas proferidas durante o seu mandato” (fl. 6); iv)  “o estado de inocência de Lula é incontroverso”, razão pela qual “os Representados não poderiam ter afirmado que Lula mente ao dizer que foi inocentado” (fl. 7); v) tal “passagem transmite fato sabidamente inverídico, na medida em que os Tribunais pátrios já proferiram decisões absolutórias em favor do ex-presidente”; vi) “a propaganda cria uma realidade paralela no sentido de que Lula não teria “levado água para o nordeste” e, por isso, estaria mentindo sobre sua promessa de proporcionar à população carnes bovinas com preços justos”; vii) além da verdadeira campanha de desinformação promovida por Jair Messias Bolsonaro a respeito das obras alusivas à transposição do Rio São Francisco, a publicidade “ignora que o Governo Lula “levou água para o Nordeste” através do Programa Cisternas – completamente sucateado pela gestão federal”, cujo “projeto tinha o objetivo de promover o acesso à água para consumo humano e para a produção agrícola familiar”; viii) o conteúdo impugnado viola o artigo 242 do Código Eleitoral, pois, “ao gerar estado emocional mediante a simulação de sentimentos contrários a Luiz Inácio Lula da Silva, carrega o potencial de macular a escolha livre e consciente dos cidadãos e cidadãs”; ix) incide, no caso, o artigo 72, § 1º e § 2º, da Res.-TSE 23.671/2021, “em virtude da tentativa ardil de levar o eleitor a acreditar que o ex-presidente é mentiroso e culpado.

Requer, liminarmente, “a adoção de medidas por esta d. Justiça Eleitoral para impedir ou fazer cessar imediatamente a publicação impugnada”.

No mérito, pretende a confirmação da liminar, determinando que os Representados sejam proibidos de divulgar a desinformação em questão, por qualquer meio de transmissão, e o reconhecimento da prática do ilícito eleitoral, “determinando-se a abstenção de novas práticas de igual natureza, com a fixação de multa e perda de 17 minutos e 30 segundos do direito à veiculação de inserções no horário eleitoral gratuito” (fl. 22).

Na oportunidade, ainda, requer a concessão de direito de resposta, nos autos do DR 0601638-44.2022.6.00.0000, em razão de idênticos fatos, no qual apresenta a seguinte mensagem a ser divulgada:

Direito de resposta concedido pela Justiça Eleitoral contra as inverdades proferidas pelo candidato Bolsonaro.

Não é verdade o que disse a propaganda do Bolsonaro. Lula é inocente e venceu 26 processos, inclusive com absolvições definitivas. A Suprema Corte reconheceu que o juiz que o condenou era suspeito e incompetente. Lula não deve nada à Justiça, portanto é inocente.
A propaganda do Bolsonaro também mentiu ao afirmar que Lula não levou água para o nordeste. O seu governo e o de Dilma foram os responsáveis por concluírem quase que 90% das obras da transposição do Rio São Franciso. Na época, foi criado ainda o Programa Cisternas, responsável por promover o acesso à água para consumo humano e para a agricultura familiar durante o período de seca. Chega de mentiras. O Brasil cansou.

Ambos os autos vieram conclusos, nos termos da Portaria 1007/2022. 

É o breve relato.  Decido.

Inicialmente, determino a reunião do feito ao DR 0601638-44.2022.6.00.0000, ante a identidade do conteúdo impugnado.

Conforme se depreende dos autos, os Representantes se insurgem em face da propaganda veiculada em rádio, cuja transcrição apresenta o seguinte conteúdo:

Narrador: O Lula é o pai da mentira.

Lula disse que foi inocentado.

Mentira, nunca foi inocentado.

Nem água para o Nordeste ele levou e diz agora que vai levar picanha para

todo mundo.

Mentira.

Suposta apoiadora: No tempo do Lula a gente não comia

picanha, porque que agora vai comer?

Suposta apoiadora: Falou da água que vinha do Nordeste e a

água não chegou.

Narrador: Lula promete tudo para ganhar a eleição, mas ele está

mentindo. Lula é o pai da mentira.

A  controvérsia submetida ao exame desta CORTE, porém, já foi objeto de análise por ocasião da Representação 0601551-88, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, no âmbito da qual, embora se tratasse de propaganda veiculada na televisão - ou seja, que também apresentava, por óbvio, imagens e vídeos -, os então Representados apresentaram impugnação contra a mesma temática utilizada na publicidade ora questionada, incluindo-se a utilização do termo "Pai da Mentira".

Na mencionada Representação,  a liminar foi INDEFERIDA, tendo em vista "a aparente conformidade da propaganda impugnada com os limites inerentes às críticas inseridas no debate político-eleitoral, sem traduzir situação de abuso à livre manifestação de pensamento", conclusão que se aplica ao caso concreto, revelando-se, assim, desautorizada a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

Eis o teor da decisão:

A concessão das medidas liminares pressupõe a demonstração da presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (o chamado periculum in mora). 

No caso concreto, em juízo de cognição sumária, inerente ao exame das medidas cautelares, não se mostram preenchidos os requisitos, tendo em vista a ausência de plausibilidade jurídica dos argumentos veiculados. 

A propaganda impugnada, com duração de 30 segundos, reproduz trechos de discursos de Jair Bolsonaro a respeito de temas variados -- tais como a fome no Brasil, aborto, coronavírus, ideologia de gênero, desempenho da economia nacional e família --, seguidos de fala de locutor pronunciando a palavra mentira, a qual, no vídeo, aparece em destaque, em sobreposição à imagem do candidato.

A propaganda, considerando as falas do candidato e do locutor, apresenta o seguinte teor:

Candidato: "Fome no Brasil, fome no Brasil, não existe."

Locutor: MENTIRA.

Candidato: “O outro lado quer legalizar o aborto.”

Locutor: MENTIRA.

Candidato: “Uma gripezinha ou resfriadinho.”

Locutor: MENTIRA.

Candidato: “O outro lado quer legalizar a ideologia de gênero.”

Locutor: MENTIRA.

Candidato: “A economia está bombando.”

Locutor: MENTIRA.

Candidato: “O outro lado ataca a família.”

Locutor: MENTIRA.

A palavra "mentira" sobreposta à imagem do candidato, por sua vez, aparece da seguinte forma:

[...]

Ainda, ao final da propaganda, consta imagem do candidato, acompanhada da frase "O Pai da Mentira" e da fala do locutor "Bolsonaro é o pai da mentira":

[...]

A partir de tal contexto, cumpre enfatizar que a liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público.

Será inconstitucional, conforme ressaltei no julgamento da ADI 4451, toda e qualquer restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão do candidato e dos meios de comunicação a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de informar e criticar.

A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.

Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que:

“o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81).

No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, no controle do juízo de valor das opiniões dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores ou dos meios de comunicação e na formatação de programas jornalísticos ou humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.

A liberdade de expressão permite que os pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores e os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem como autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral.

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização de pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público.

A Constituição Federal não permite aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio.

A Constituição Federal consagra o binômio “LIBERDADE e RESPONSABILIDADE”; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas.

Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.

Por essa razão, é certo que "a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrática de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto" (AgR-REspe 0600396-74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022).

No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, violando o art. 53, §2º, da Lei 9.504/1997, verifica-se que a maior parte da publicidade dirige-se a falas de Jair Messias Bolsonaro a respeito de temas relevantes para o debate político-eleitoral, como a fome no País, a pandemia de COVID-19 e o desempenho da economia, e a discursos proferidos pelo candidato que, na verdade, atribuem aos adversários políticos ("o outro lado") determinados posicionamentos concernentes a assuntos sensíveis ao eleitorado, a exemplo do aborto, a denominada ideologia de gênero e a família.

Dessa forma, intercalar as frases efetivamente ditas pelo candidato Jair Messias Bolsonaro com a palavra mentira pronunciada pelo locutor e reproduzida no vídeo, na hipótese, constitui estratégia que visa a criticar e desqualificar os posicionamentos externados pelo Representante, sem representar qualquer ofensa à honra do candidato, revelando-se plenamente compatível com a dialética do debate político, inerente ao ambiente da disputa eleitoral.

No que concerne ao final da propaganda, considerada a adjetivação de "Pai da Mentira", nada obstante o tom hostil e ácido de sua utilização, a análise do inteiro teor da propaganda, neste juízo de estrita delibação, revela que o emprego do termo guarda vinculação com as críticas às falas do candidato reproduzidas durante toda a publicidade e apontadas pela Coligação Representada como inverídicas, não se mostrando viável constatar, de plano, o intuito de transgredir a honra do candidato. 

De fato, embora a jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL exija, para a configuração de propaganda eleitoral negativa, a existência de "ato que, desqualificando pré-candidato, venha a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (AgR-REspe 0600016-43, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 13/12/2021), também é certo que "não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa", de modo que "as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato" (REspe 0600057-54, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 22/6/2022).

Da mesma forma, a orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme no sentido de que, "ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários" (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/51999). No mesmo sentido: Inq. 3.546, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 1º/10/2015.

Assim, mesmo que o termo utilizado apresente conteúdo inegavelmente grosseiro, sua relação com as críticas dirigidas às falas e aos discursos do Representante tornam destituídos de plausibilidade jurídica os argumentos veiculados na Representação, tendo em vista a aparente compatibilidade da publicidade impugnada com o debate eleitoral, inserindo-se, por isso mesmo, nos limites da livre manifestação de pensamento.

Ainda, embora os Representantes busquem vincular o emprego do termo "Pai da Mentira" à citação bíblica, trata-se de interpretação construída pelos próprios Requerentes desprovida de respaldo concreto no teor da publicidade, cujo conteúdo não apresenta menção, mesmo minimamente, à bíblia, ao demônio ou a qualquer outra figura religiosa.

Por essa razão, a eventual relação entre a publicidade e o versículo bíblico indicado na petição inicial é estabelecida a partir de juízo meramente conjectural, que se apoia unicamente em presunção levantada pelos Representantes, circunstância que evidencia a distinção entre o caso concreto e o contexto subjacente à Representação 060037-03, no âmbito da qual a conotação religiosa era aferida por meio de simples leitura das falas contidas na propaganda e a tentativa de vincular a figura do candidato ao demônio se apresentou de forma clara e expressa. 

[...]

 

Por isso mesmo, neste juízo de cognição sumária, a aparente conformidade da propaganda impugnada com os limites inerentes às críticas inseridas no debate político-eleitoral, sem traduzir situação de abuso à livre manifestação de pensamento, desautoriza a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR.

Citem-se os Representados para, querendo, apresentar defesa, nos termos do art. 18 da Res.-TSE 23.608/2019.

Encaminhem-se os autos imediatamente para referendo, conforme o art. 2º da Portaria 791/2022.

Publique-se com urgência.

 
Brasília, 23 de outubro de 2022.
 
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Presidente