RESOLUÇÃO Nº 23.714
PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 0601570-94.2022.6.00.0000 - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL
Relator: Ministro Alexandre de Moraes
Interessado: Tribunal Superior Eleitoral
Dispõe sobre o enfrentamento à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral.
O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso de suas atribuições legais e regimentais,
RESOLVE:
Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre o enfrentamento à desinformação atentatória à integridade do processo eleitoral.
Art. 2º É vedada, nos termos do Código Eleitoral, a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos.
§ 1º Verificada a hipótese prevista no caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação.
§ 2º Entre a antevéspera e os três dias seguintes à realização do pleito, a multa do § 1º incidirá a partir do término da primeira hora após o recebimento da notificação.
Art. 3º A Presidência do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a extensão de decisão colegiada proferida pelo Plenário do Tribunal sobre desinformação, para outras situações com idênticos conteúdos, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 2º, inclusive nos casos de sucessivas replicações pelo provedor de conteúdo ou de aplicações.
§ 1º Na hipótese do caput, a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral apontará, em despacho, as URLs, URIs ou URNs com idêntico conteúdo que deverão ser removidos.
§ 2º A multa imposta em decisão complementar, proferida na forma deste artigo, não substitui a multa aplicada na decisão original.
Art. 4º A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados, quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º.
Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.
Art. 5º Havendo descumprimento reiterado de determinações baseadas nesta Resolução, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a suspensão do acesso aos serviços da plataforma implicada, em número de horas proporcional à gravidade da infração, observado o limite máximo de vinte e quatro horas.
Parágrafo único. Na hipótese do caput, a cada descumprimento subsequente será duplicado o período de suspensão.
Art. 6º É vedada, desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição, a veiculação paga, inclusive por monetização, direta ou indireta, de propaganda eleitoral na Internet, em sítio eleitoral, em blog, em sítio interativo ou social, ou em outros meios eletrônicos de comunicação da candidata ou do candidato, ou no sítio do partido, federação ou coligação (art. 7º da Lei n. 12.034, de 29 de setembro de 2009).
§ 1º Verificado descumprimento da vedação a que se refere o caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da primeira hora após o recebimento da notificação.
§ 2º O descumprimento do disposto no caput configura realização de gasto ilícito de recursos eleitorais, apto a determinar a desaprovação das contas pertinentes, sem prejuízo da apuração do crime previsto no art. 39, § 5º, inciso IV, da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997.
Art. 7º O disposto nesta Resolução não exclui a apuração da responsabilidade penal, do abuso de poder e do uso indevido dos meios de comunicação.
Art. 8º Fica revogado o art. 9º-A da Resolução TSE nº 23.610, de 2019.
Art. 9º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 20 de outubro de 2022.
MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES – RELATOR
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Senhores Ministros, trata-se proposta de resolução tendente a regulamentar o enfrentamento da desinformação propagada com o objetivo de atentar contra a integridade do processo eleitoral.
O Termo de Informação encaminhado pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED/TSE) noticia, em linhas gerais, forte incremento no volume de conteúdos falsos em torno do processo eleitoral, conforme os seguintes dados:
a) crescimento de 1.671% (mil seiscentos e setenta e um por cento) no volume de denúncias de desinformação encaminhadas às plataformas digitais, em comparação com as eleições de 2020, sendo que cerca de 47% (quarenta e sete por cento) dos apontamentos surgiram no breve período de doze dias após o final de semana das eleições;
b) necessidade de publicação mais de 130 (cento e trinta) novas matérias com desmentidos e esclarecimentos sobre casos de desinformação grave que ganharam ampla visibilidade após o primeiro turno de votação;
c) recebimento de uma média diária de 506 denúncias de desinformação contra as eleições, o que corresponde a um aumento de 992% na taxa de apontamentos normalmente tratada no âmbito da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação.
Além disso, ficou constatado o aumento dos episódios de violência política, que alcança 436% (quatrocentos e trinta e seis por cento) comparado a 2018, ano da última eleição presidencial, conforme estudos publicados pelas ONGs Justiça Global e Terra de Direitos (Disponível em: [Violência Política e Eleitoral no Brasil – Terra de Direitos]. Acesso: 17.10.2022.), que possivelmente surgem como desdobramento natural da polarização exacerbada ocasionada pelo fenômeno da desinformação.
Considerando a gravidade dos fatos narrados e a complexidade do pleito em andamento, colocando-se em risco, inclusive, a estabilidade do panorama político e o exercício efetivo de direitos fundamentais, entre os quais o direito de acesso a informações verdadeiras, encaminha-se a presente proposta de resolução.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (relator): Senhores Ministros, a resolução proposta tem como objetivo prestigiar a segurança jurídica, conferindo coerência, bem assim efetividade e agilidade a decisões colegiadas já proferidas sobre determinados conteúdos – idênticos – que se replicam em diferentes endereços eletrônicos, característica peculiar da Internet e das mídias sociais. Se um determinado conteúdo já veio a merecer glosa e remoção por força de decisão colegiada do Tribunal Superior Eleitoral, a sua eventual replicação em endereços eletrônicos outros – para além daquele em que originalmente veiculado – é natural que outros endereços que venham a hospedar o conteúdo em causa, contemporâneos ou não à decisão, podem e devem ser abrangidos pelo julgado, ainda que por força de decisão complementar extensiva de efeitos. Insista-se, trata-se de uma elementar questão de segurança jurídica, de coerência, de efetividade e de celeridade, máxime em meio a campanhas eleitorais de modo a assegurar paridade de armas e a própria higidez do processo.
A desinformação – entendida como uma ação comunicativa fraudulenta, baseada na propagação de afirmações falsas ou descontextualizadas com objetivos destrutivos – conflita com valores básicos da normativa eleitoral, na medida em que impõe sérios obstáculos à liberdade de escolha dos eleitores e, adicionalmente, à tomada de decisões conscientes. Compromete, portanto, a normalidade do processo político, dada a intenção deliberada de suprimir a verdade, gerando desconfiança, com consequente perda de credibilidade e fé nas instituições da democracia representativa.
Dentro desse panorama, o art. 9º-A da Resolução TSE nº 23.610, de 2019, veio para preservar as condições de normalidade do pleito, eliminando os riscos sociais associados à desinformação, a partir da disseminação generalizada de notícias falsas, prejudicando a aceitação pacífica dos resultados, em manifesta lesão à soberania popular (art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, caput e § 9º, da Constituição) e à estabilidade do processo democrático.
Assim, a divulgação consciente e deliberada de informações falsas sobre a atuação da Justiça Eleitoral ou das autoridades ou servidores que a compõem, atribuindo-lhes, direta ou indiretamente, comportamento imoral ou ilícito, implica a promoção de desordem informativa que prejudica, substancialmente, a democracia, atraindo, por exemplo, em tese, a prática do crime previsto no art. 296 do Código Eleitoral.
Consequentemente, abrange toda e qualquer espécie de desordem informativa que tenha aptidão para dificultar, com base na propagação de informações distorcidas, a missão da JUSTIÇA ELEITORAL de organizar eleições regulares, com resultados bem absorvidos pela população.
Do cenário pós-primeiro turno, é evidente a produção de um conjunto de manifestações públicas sabidamente inverídicas, indutoras de ataques institucionais com teor incendiário, realizadas por diferentes atores que poluem o debate público e alimentam o extremismo nas plataformas digitais.
A propagação generalizada de impressões falseadas de natureza grave e antidemocrática, que objetivam hackear a opinião pública, malferem o direito fundamental a informações verdadeiras e induzem o eleitor a erro, cultivando um cenário de instabilidade que extrapola os limites da liberdade de fala, colocando sob suspeita o canal de expressão da cidadania.
Nesse cenário, o Estado deve reagir de modo efetivo e construtivo contra os efeitos nefastos da desinformação.
A aprovação de norma específica pretende reforçar a dissociação entre a propaganda eleitoral e os ataques institucionais, autorizando medidas aptas a providenciar a remoção de conteúdos ilícitos e assim já considerados por decisão colegiada do Tribunal Superior Eleitoral.
Considerando a gravidade e o potencial lesivo de práticas desinformativas realizadas nos dias imediatamente anteriores e posteriores à data da votação, importa considerar a elevação da multa coercitiva e redução do prazo de resposta das plataformas, de modo a assegurar a proteção de valores estruturantes do sistema eleitoral e da democracia representativa. São buscadas, ainda, providências que façam frete à produção de desinformação, contribuindo, assim, para que o processo eleitoral se desenvolva com a normalidade devida, dentro de um cenário harmônico e estável, com pleno respeito às expectativas democráticas e aos ditames do Estado de Direito.
Trata-se, portanto, da sistematização de soluções respaldadas pelo ordenamento e que cumprem, na linha do que já fora feito pelo inciso IV do § 5º do art. 39 da Lei nº 9.504, de 1997 – que proíbe, taxativamente, a publicação ou impulsionamento de conteúdos eleitorais na data do pleito –, para compatibilizar os ideais de justiça e liberdade também no ambiente digital.
Diante do exposto, proponho a aprovação da presente minuta pelo Plenário desta Corte.
É como voto.
EXTRATO DA ATA
PA nº 0601570-94.2022.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Interessado: Tribunal Superior Eleitoral.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, aprovou a minuta de resolução que dispõe sobre o exercício do poder de polícia no enfrentamento à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral e dá outras providências, nos termos do voto do Relator.
Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.
SESSÃO DE 20.10.2022.