index: DIREITO DE RESPOSTA (12625)-0601566-57.2022.6.00.0000-[Direito de Resposta]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

DIREITO DE RESPOSTA (12625) Nº 0601566-57.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representados(as): Coligação Pelo Bem do Brasil e outro

Advogados(as): Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e outros(as)

 

 

DECISÃO

 

Trata-se de representação por direito de resposta, com pedido de tutela antecipada, ajuizada pela COLIGAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA em desfavor da COLIGAÇÃO PELO BEM DO BRASIL e de JAIR MESSIAS BOLSONARO, por suposta divulgação de propaganda eleitoral em bloco na propaganda eleitoral gratuita na televisão em que são veiculados supostos fatos sabidamente inverídicos para ofender a honra e a imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

Na petição inicial, a representante alega em síntese (ID 158260527): 

a) em 18.10.2022 houve a veiculação de propaganda eleitoral gratuita pela televisão com teor sabidamente inverídico, ofensivo e com o objetivo de produzir estados passionais, apta a influenciar e manipular a vontade do eleitor no sentido de não votar no candidato Luiz Inácio Lula da Silva;

b) em primeiro momento, a publicidade afirma que o ex-presidente, “durante o seu mandato, teria simplesmente ‘mandado’ dinheiro para a Venezuela, visando o retorno para o seu ‘bolso’ e para o ‘bolso’ de seus aliados” (p. 5).;

c) sobre o ponto, sustenta que: i) o Brasil não “construiu obras” ou “deu” recursos financeiros, de forma arbitrária para a Venezuela, pois, “o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou a exportação de bens e serviços” (p. 5); e ii) “Lula e seus aliados nunca colocaram esse ‘dinheiro’ em seus ‘bolsos’” (p. 5-6);

d) em segundo momento, a propaganda impugnada tenta associar indevidamente o ex-presidente à censura e à perseguição de cristãos devido à suposto vínculo de amizade com Daniel Ortega. Sobre o tema, sustenta que: i) esse assunto já foi rechaçado pelo TSE em reiterados julgamentos; ii) Lula não apoia a perseguição de cristãos ou a censura à veículos de comunicação;

e) em terceiro momento, a publicidade afirma que nos tempos do PT o Brasil “foi assaltado”; “governado por ladrões” e que Lula tem a pretensão de voltar à cena do crime. Sobre o tema, aduz que: i) essas ofensas destoam das decisões de Tribunais pátrios, no sentido de que o ex-presidente é inocente, bem como do direito fundamental à presunção de inocência;

f) em quarto, a propaganda veicula fato sabidamente inverídico no sentido de que “no governo do PT de Lula e Dilma, o rombo da Petrobras foi de novecentos bilhões de reais”. Sobre o tema, alega que: i) o fato foi desmentido por agências de checagem, “ao passo que a Polícia Federal estimou a perda de R$ 42,8 bilhões em supostos esquemas investigados pela Lava Jato – sem qualquer ingerência do ex-presidente Lula e de Dilma” (p. 12); ii) em 2010 a Petrobrás apresentou lucro líquido recorde;

g) em quinto, a publicidade teratologicamente associa “um inexistente ‘rombo’ da Petrobrás, supostamente provocado por Lula e Dilma, com a falta de estrutura do Estado e com a ausência do mínimo existencial oferecido ao cidadão” (p. 13), aflorando estados passionais no eleitor. Sobre o ponto, afirma que “os treze anos consecutivos em que o Partido dos Trabalhadores esteve no poder foram marcados por um avanço nunca antes visto na história do país”, que pode ser observado através dos altos índices alcançados e dos programas econômicos e sociais criados (p. 13);

h) “o direito de resposta é um genuíno instrumento de proteção da dignidade da pessoa humana e oferece amparo jurídico para aqueles que são publicamente atacados. Fato é que o processo eleitoral deve ser pautado no debate de ideias, propostas e exposição de projetos de governança e não através de campanha difamatória e injuriosa em face dos outros candidatos” (p. 16); e

i) a publicidade veiculada pelos representados contêm desinformação destinada a manipular a opinião pública e atingir a lisura do processo eleitoral, de modo que há evidente abuso do direito à liberdade de expressão. 

Requer tutela provisória antecipada em sede liminar para que seja determinado o exercício do direito de resposta, nos moldes do art. 58, § 1º, inciso I, da Lei nº 9.504/1997 e do art. 32, inciso III, alínea f, da Res.-TSE nº 23.608/2019, bem como a suspensa a divulgação da propaganda impugnada, nos termos do art. 4º, parágrafo único, da Res.-TSE nº 23.608/2019.

No mérito, postula pela confirmação da tutela antecipada, assegurando-se o efetivo exercício do direito de resposta.

É o relatório. Decido.

 

A representante pretende tutela provisória antecipada, em sede liminar, para o exercício do direito de resposta, com fundamento no art. 58, § 1º, inciso I, da Lei nº 9.504/1997 e no art. 32, inciso III, da Res.-TSE nº 23.608/2019, bem como a suspensão da divulgação de propaganda eleitoral transmitida pela televisão, na modalidade bloco, em que se veiculam fatos sabidamente inverídicos em ofensa à honra e à imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

De início, indefiro a pretensão voltada à obtenção de direito de resposta por meio de tutela provisória antecipada.

Com efeito a concessão liminar do direito de resposta configuraria medida de natureza satisfativa e irreversível, o que é vedado, nos termos do art. 300, § 3º, do Código de Processo Civil, que prevê que “a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

Realmente, a concessão liminar da tutela antecipada pretendida prejudicaria o direito ao contraditório e à ampla defesa dos representados, que é essencial ao rito da concessão do direito de resposta. Nesse sentido: Rp nº 0601634-46/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, de 9.10.2018; e Rp nº 0601510-63/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, de 10.11.2018.

Passo a apreciar o pedido de suspensão da publicidade, para deferi-lo. 

Para a concessão de tutelas provisórias de urgência, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora).

No que diz respeito à plausibilidade do direito, o art. 243, inciso IX, do Código Eleitoral e o art. 22, inciso X, da Res.–TSE nº 22.610/2019 dispõem que não pode ser tolerada a propaganda eleitoral que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como a que atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.

Ademais, segundo o art. 9º–A da Res.–TSE nº 23.610/2019, a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral é igualmente vedada.

Na presente hipótese, a propaganda eleitoral impugnada tem o seguinte conteúdo, conforme consta da petição inicial (ID 158260527, p. 3-5):

 

Narrador: O PT preferiu fazer metrô na Venezuela, em vez de fazer nas capitais brasileiras.

Jair Bolsonaro: Por que só poucas cidades brasileiras, capitais, tem metrô? E na Venezuela tem com dinheiro nosso? Por que nas outras capitais não tem? Esse cara [Lula] manda dinheiro para fora porque parte volta para o bolso deles, da turma deles. Vamos falar dos seus amigos, Daniel Ortega? Ortega é seu amigo ou, não é? É seu amigo o Ortega? Ele te cumprimentou quando tu foi para o segundo turno. Ele lá está prendendo padres e expulsando freiras, fechando canais de TV, como a CNN, de TV e rádio católica. Ele acabou de proibir a comemoração do Dia da Bíblia. Lula, esses são os seus amigos?

[...]

 Narrador: O presidente Bolsonaro lembrou como o Brasil foi assaltado nos tempos do PT.

Jair Bolsonaro: Vivíamos, como disse Gilmar Mendes, há pouco tempo atrás, numa cleptocracia. Um país governado por ladrões. Quem disse foi o Gilmar Mendes. E também Barroso. Diz semelhante: roubaram tudo o que quiseram, disse Barroso. Tem prova, contraprova. Dinheiro. Conta Bancária. Lula, você deveria ficar em casa. E, não querendo voltar à cena do crime.

[Fala descontextualizada de Geraldo Alckmin]: Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ele quer voltar à cena do crime.

[...]

Narrador: No governo do PT de Lula e Dilma, o rombo da Petrobras foi de novecentos bilhões de reais. Hoje, esse dinheiro poderia ter sido investido para melhorar a sua vida e a vida de milhões de brasileiros.

O posto de saúde que falta no seu bairro.

Foi o PT que tirou de você.

A creche do seu filho.

Foi o PT que tirou de você.

A casa própria dos seus sonhos.

Foi o PT que tirou de você.

O saneamento da sua comunidade.

Foi o PT que tirou de você.

O emprego para colocar comida na sua mesa.

Foi o PT que tirou de você.

O transporte público decente, que nunca chega.

Foi o PT que tirou de vocês.

A segurança da sua família.

Foi o PT que tirou de vocês.

O PT de Lula e Dilma já roubou demais. Lula, nunca mais!

 

À luz de um exame superficial, próprio das cautelares, é possível verificar que, quanto à mensagem contida na propaganda impugnada de que nos tempos do PT o Brasil “foi assaltado”, era “governado por ladrões” e “O PT de Lula e Dilma já roubou demais”, e também relativamente à associação do candidato Lula a Daniel Ortega, da Nicarágua, há plausibilidade da tese de que a propaganda é ilícita.

Aplica-se, quanto ao primeiro tema, o entendimento afirmado na RP nº 0601416-76/DF e no subsequente DR nº 0601401-10/DF, pois há, na propaganda aqui impugnada, como na daquelas oportunidades, o uso de “atribuições ofensivas que desborda da mera crítica política, pois transmite mensagem que imputa ser o candidato –corrupto' e –ladrão', desrespeitando regra de tratamento decorrente da presunção constitucional de inocência e que caracteriza, ainda que em tese, os crimes de injuria ou difamação”.

Transcrevo, por oportuno, a fundamentação utilizada na oportunidade (g.n.):

 

Na mesma linha que afirmei na decisão liminar proferida nos autos da Rp nº 0601416–76/DF, a propaganda eleitoral impugnada é ilícita, pois atribui ao candidato à conduta de –corrupto' e –ladrão', não observando a legislação eleitoral regente e a regra de tratamento fundamentada na garantia constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade.

Aspecto jurídico relevante que deve ser ponderado para o enfrentamento inicial da controvérsia, consiste no fato de que a propaganda eleitoral impugnada foi transmitida em horário gratuito na televisão, ou seja, o espaço destinado à realização de propaganda eleitoral é imposto por lei às emissoras, as quais recebem compensação fiscal pelo tempo cedido que deixarão de arrecadar. Desse modo, por consequência, o Poder Público, especialmente a Justiça Eleitoral, exerce maior controle e fiscalização sobre esse determinado espaço destinado aos programas de publicidade eleitoral.

Com efeito, não poderia a Justiça especializada permitir que os partidos políticos, coligação e candidatos participantes do pleito deixassem de observar direitos e garantias constitucionais do cidadão durante a exibição da propaganda no horário eleitoral gratuito na rádio e na televisão, utilizando–se como justificativa a liberdade de expressão para realizar imputações que, em tese, podem caracterizar crime de calúnia, injúria ou difamação ou que não observem a garantia constitucional da presunção de inocência.

É inviável que se utilize de espaço público de comunicação para reduzir absolutamente o alcance de um direito ou garantia constitucional e, em contraponto, empregar máxima relevância às condenações criminais anuladas pelo Poder Judiciário, que não permitem afirmar culpa no sentido jurídico–penal.

A Constituição Federal é clara ao estabelecer o marco temporal final da presunção de inocência, nos termos do art. 5º, inciso LVII, de que: “Ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O dispositivo constitucional não encerra um sentido meramente político de garantia de um estado de inocência, mas funciona como regra de tratamento a todas as pessoas que não tenham sobre seu status jurídico condenação criminal transitada em julgado. Na balizada doutrina de Aury Lopes Junior, “a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e estigmatização precoce do acusado” (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal, 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014).

Nesse passo, in casu, a ilegalidade da propaganda impugnada encontra–se na utilização das expressões –corrupto' e –ladrão', atribuídas abusivamente ao candidato da coligação representante, em violação à presunção de inocência e em ofensa ao art. 22, inciso X, da Res.–TSE nº 23.610/2019.

 

O segundo ponto, referente à associação do candidato Lula a Daniel Ortega e à perseguição que promove contra cristãos, também já foi enfrentado por esta Corte em mais de uma oportunidade.

Incide, em relação à matéria, o entendimento constante na RP nº 0601415-91/DF, que teve a seguinte fundamentação (g.n.):

 

Verifica–se que este Tribunal Superior, nos autos da Rp nº 0600826–02, de relatoria da eminente Ministra Cármen Lúcia, determinou, por unanimidade, a remoção de publicações inverídicas em que os conteúdos apresentavam teor semelhante às publicações impugnadas nesta representação.

Na oportunidade, a assentou–se que “não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é mensagem ofensiva à honra e imagem de pré–candidato à presidência da República, com divulgação de informação sabidamente inverídica, imputando–lhe falsamente o apoio –a invasão de igrejas e perseguição de cristãos', o que evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação”.

De igual modo, nos autos da Rp nº 0601328–38, de minha relatoria, ante a equivalência dos fatos e seguindo o entendimento firmado, deferi pedido de tutela de urgência referente a publicações de conteúdos semelhantes.

Nesse contexto, há plausibilidade jurídica no pedido de remoção da postagem impugnada, pois, com relação à veiculação de informação sabidamente falsa, a jurisprudência deste Tribunal Superior adota a orientação de que, embora seja reconhecido que a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas fortalece o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate eleitoral, a intervenção desta Justiça especializada é permitida para “coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR–REspe no 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).

 

Nesse contexto, portanto, em juízo preliminar e considerando tratar de propaganda eleitoral em horário gratuito na televisão, que exige maior controle e fiscalização da Justiça Eleitoral, o pedido de tutela cautelar merece acolhimento.

Assim, resulta presente a plausibilidade jurídica do pedido de suspensão da divulgação da propaganda impugnada, pois foram ultrapassados os limites da liberdade de expressão, porquanto se trata de publicidade que não observa normas constitucionais e legais, o que justifica a atuação repressiva desta Justiça Especializada.

Por sua vez, a existência de perigo na demora da prestação jurisdicional também foi evidenciada a contento, uma vez a propaganda foi veiculada em período crítico do processo eleitoral e que permanece sendo divulgada em horário gratuito na televisão.

 

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de concessão liminar do direito de resposta, que será examinado após o exercício do contraditório e da ampla defesa dos representados, e DEFIRO o pedido de liminar apenas para DETERMINAR A IMEDIATA SUSPENSÃO da veiculação da propaganda eleitoral impugnada na televisão, em qualquer modalidade (inserções ou bloco), sob pena de multa no valor de 100.000,00 (cem mil reais) por cada divulgação.

Determino a citação dos representados Jair Messias Bolsonaro e Coligação Pelo Bem do Brasil para, querendo, apresentarem resposta, no prazo legal de 1 (um) dia, nos termos do art. 33 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime-se o Ministério Público Eleitoral (MPE) para emissão de parecer, nos termos do art. 33, § 1º, da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Publique-se.

Brasília, 20 de outubro de 2022.

 

Ministro PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
Relator