Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601487-78.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representante: Coligação Pelo Bem do Brasil

Advogados(as): Marcelo Luiz Ávila de Bessa

Representado: Bruno Sartori

Representado: Christian Lynch

Representado: Márcia Tiburi

Representado: Lázaro Rosa

Representado: Carlos Augusto @cauta_news

Representado: @renatoob

 

DECISÃO

REPRESENTAÇÃO. PRETENSÃO DE RETIRADA DE CONTEÚDO DESINFORMATIVO DE REDE SOCIAL. PLAUSIBILIDADE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ALEGADA. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS ROCESSUAIS

 

Relatório

 

1. Representação, com requerimento de medida liminar, proposta pela Coligação Pelo Bem do Brasil contra Bruno Sartori (https://twitter.com/brunnosarttori); Christian Lynch (https://twitter.com/CECLynch); Márcia Tiburi (https://twitter.com/marciatiburi); Lázaro Rosa (https://twitter.com/lazarorosa25); @renatonob (https://twitter.com/renatonob) e Carlos Augusto @cauta_news (https://twitter.com/cauta_news). Alega-se suposta prática de propaganda eleitoral irregular negativa e veiculação de desinformação na rede social Twitter relacionada a supostos ataques à Igreja Católica realizados pelo candidato à presidência da República Jair Messias Bolsonaro.

 

A representante alega que os representados veicularam “conteúdos sabidamente inverídicos, manipulados pelos Representados através de postagens em redes sociais no sentido de que o candidato à reeleição para o cargo de Presidente da República pela Coligação ora Representante, Jair Messias Bolsonaro, teria postado, através da sua rede social Twitter, supostos ataques à Igreja Católica” (ID 158243078, p. 1).

 

Afirma que a “postagem falsa, oriunda de irresponsável e criminosa montagem, atribuída à conta da rede social Twitter do Presidente da República Jair Bolsonaro, diz que ‘- Lamento as cenas de tumulto que ocorreram em Aparecida durante a minha visita’; ‘- Mas acho que nenhum padre ou bispo deve dizer onde posso fazer ou não campanha’ e ‘- A postura arrogante de alguns religiosos explica o crescimento da igreja evangélica e o fracasso da igreja de Roma’” (ID 158243078, p. 2).

 

Ressalta que a “postagem falsa publicada por Bruno Sartori, perfil que tem mais de 269.000 seguidores, foi compartilhada por mais de 11.600 (onze mil e seiscentos) perfis na rede social Twitter, e espalhada de forma exponencial nas outras redes sociais como Whatsapp, Facebook e Telegram e que, no Twitter, outros influenciadores com número significativo de seguidores também postaram em seus perfis” (ID 158243078, p. 3).

 

Sustenta que as “afirmações constantes da tosca montagem que decorrem da publicação acima colacionada jamais foram ditas pelo Presidente Jair Bolsonaro” (ID 158243078, p. 8).

 

Afirma tratar-se “de grave veiculação de informação falsa, ou seja, de montagem fraudulenta de postagem que nunca foi feita pelo candidato –, a conclusão é simples: o conteúdo falso foi compartilhado pelos Representados com o único intuito de manipular o eleitorado no sentido de que o Presidente da República e candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro, estaria atacando a Igreja Católica, padres e bispos, e inaugurando uma inverídica ‘guerra religiosa’ entre as igrejas evangélica e católica” (ID 158243078, p. 9).

 

Pondera que, “logo que a falsa postagem começou a circular nas redes sociais, a campanha do presidente Jair Bolsonaro – PL desmentiu a autoria do mandatário em publicação no Twitter com ataques à Igreja Católica”, e “essa informação foi publicada em diversos veículos de imprensa, que atestaram a ardil fabricação e a falsidade da postagem” (ID 158243078, p. 12).

 

Assegura que o “‘UOL Confere’ analisou as postagens e divulgou reportagem afirmando que ‘É falso o tuíte em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) lamenta as cenas de tumulto registradas durante sua visita a Aparecida (SP) e critica padres e bispos ao chamá-los de arrogantes e dizer que ‘ninguém deve dizer onde pode ou não fazer campanha’” e que a “agência de checagem ‘Aos Fatos’ de 14.10.2022, ao analisar as postagens aqui impugnadas, reconheceu que o tuíte atribuído ao candidato e Presidente Jair Bolsonaro é uma montagem, pois referida mensagem jamais foi por ele postada em seu perfil” (ID 158243078, p. 13).

 

Assevera que, “conforme veiculado pela imprensa, por intermédio da ferramenta de busca reversa Wayback Machine, que arquiva posts antigos ou apagados, não foi encontrada qualquer referência à postagem/suposta mensagem. Além disso, o perfil @projeto7C06, que mostra tuítes apagados de políticos, afirmou que ‘a postagem não consta na base do projeto’” e que noTweetDeck, ferramenta do Twitter que monitora citações na rede, também não foi encontrada, por óbvio, a publicação no perfil do Presidente Bolsonaro”  (ID 158243078, p. 15).

 

Ressalta que os “Representados, ao compartilharem fatos sabidamente inverossímeis e falsos, ofenderam a honra do Presidente Jair Bolsonaro, dos cidadãos brasileiros e a higidez e o respeito do pleito eleitoral” (ID 158243078, p. 15).

 

Assinala que o perigo da demora “reside no fato de que a postagem (ainda) permanece nas redes sociais dos representados, com milhares de seguidores e milhares de curtidas, fora o incalculável efeito multiplicador rede mundial de computadores” e de que a “manutenção da postagem, até o julgamento definitivo da causa pelo c. TSE, torna o ato ilegal prolongado no tempo, apta a gerar prejuízos eleitorais, no atacado, ao Presidente da República e atual candidato da Representante” (ID 158243078, p. 16).

 

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido, afirma que as “publicações impugnadas estão disseminando propaganda eleitoral negativa de fatos sabidamente inverídicos em desfavor do Presidente Jair Bolsonaro, que, reitere-se, nunca se manifestou contra a Igreja Católica, contra padres, bispos, ou contra a liberdade de crenças e de religião” (ID 158243078, p. 16).

 

Requer tutela de urgência para determinar diligências, nos termos dos §§ 1º e 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de identificar os representados indicados na inicial, e que “seja determinada a remoção dos conteúdos desinformadores objeto desta ação, sob pena de multa diária a ser arbitrada por esta c. Corte”, encontrados nas URLs dos perfis a seguir indicados (ID 158243078, p. 18):

Perfil: https://twitter.com/brunnosarttori

URL: https://web.archive.org/web/20221013150102/https://twitter.com/brunnosarttori/status/1580565946548092928

 

Perfil: https://twitter.com/CECLynch

URL: https://twitter.com/CECLynch/status/1580580383371902978

 

Perfil: https://twitter.com/marciatiburi

URL: https://twitter.com/marciatiburi/status/1580614603410931712

 

Perfil: https://twitter.com/lazarorosa25

URL: https://twitter.com/lazarorosa25/status/1580574899940495362

 

Perfil: https://twitter.com/renatonob

URL: https://twitter.com/renatonob/status/1580564585127763969

 

Perfil: https://twitter.com/cauta_news

URL: https://twitter.com/cauta_news/status/1580602557797654528

Requer “seja oficiado o provedor Twitter, cadastrado perante essa Corte, para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo máximo de 24h, conforme previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.- TSE nº 23.608/2019, sob pena de multa” e a notificação dos representados (ID 158243078, p. 18).

 

Pede que, “confirmada a liminar, seja julgada procedente a representação, para o fim de restar determinada a remoção definitiva das postagens, sem prejuízo da proibição de novas manifestações de idêntico teor, em qualquer meio ou veículo de comunicação social, sob pena de multa” e que se investigue ou comunique as autoridades responsáveis para apurar a conduta criminosa do cidadão que idealizou e materializou a postagem falsa, especialmente o perfil de Bruno Sartori https://twitter.com/brunnosarttori; https://web.archive.org/web/20221013150102/https://twitter.com/brunnosarttori/status/1580565946548092928 que teria compartilhado, em primeiro lugar, a postagem” (ID 158243078, p. 18).

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, conforme previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

 

O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, tal como se dispõe no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil.

 

3. A solução desta controvérsia jurídica, em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República.

 

No voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei (p. 293 do acórdão):

“A Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (inc. IV, IX e XIV do art. 5º e art. 220 da Constituição da República).  

A liberdade de expressão no direito eleitoral, instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas.”

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam-se da instabilidade das fake news (p. 294 e 297 do acórdão):

“Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...).

(...)

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news.”

O sistema constitucional vigente não acolhe como legítimo o abusivo exercício do direito - este sim, legítimo e fundamental - à livre manifestação do pensamento. Para que se impeça que, em nome da fundamental liberdade de expressão se exerça manifestação, em processo eleitoral e em caso comprovado - de abuso que dilua ou esvazie direito à liberdade e à dignidiade de outrem, é que o sistema torna juridicamente possível a limitação ao exercício desse direito fundamental apenas e exclusivamene quando constatada, em cada situação analisada, eventual ilicitude no desempenho.

 

4. No caso em exame, a representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de publicações divulgadas na rede social Twitter, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular negativa e veiculação de desinformação relacionada a supostos ataques à Igreja Católica realizados pelo candidato à presidência da República Jair Messias Bolsonaro.

 

O exame dos dados constantes dos autos demonstra assistir razão à representante.

 

5. Na espécie, os representados postaram mensagens no Twitter atribuindo ao perfil do candidato Jair Messias Bolsonaro o seguinte conteúdo (ID 158243078, p.2):

“- Lamento as cenas de tumulto que ocorreram em Aparecida durante a minha visita

- Mas acho que nenhum padre ou bispo deve dizer onde posso fazer ou não campanha

- A postura arrogante de alguns religiosos explica o crescimento da igreja evangélica e o fracasso da igreja de Roma.”

As postagens nas redes sociais dos representados, que replicaram tal mensagem atribuída ao candidato da coligação representante, apresentam conteúdo produzido para desinformar.

 

Como exposto e demonstrado na inicial e confirmado pelas agências de checagem e de imprensa citados nos autos, o texto não proveio do perfil de Jair Bolsonaro na rede social Twitter, diferente do que os representados fazem acreditar.

 

Conforme se extrai da inicial, a agência “Aos Fatos” analisou a mensagem e apresentou a seguinte conclusão (ID 158243078, p. 13-14):

 

“O presidente Jair Bolsonaro não publicou em seu perfil oficial no Twitter as frases: ‘Mas acho que nenhum padre ou bispo devem dizer onde posso ou não fazer campanha’ e ‘A postura arrogante de alguns religiosos explica o crescimento da igreja evangélica e o fracasso da igreja de Roma’, como afirmam postagens nas redes.

A imagem é uma montagem: não há indícios de que o candidato à reeleição tenha publicado o texto, de acordo com monitoramento feito pelo Aos Fatos com todos os tuítes do político, inclusive os apagados, e a campanha do candidato também desmentiu a desinformação.” https://www.aosfatos.org/noticias/falso-tuite-bolsonaro-padres-bispos-parecida/

 

7. Pela jurisprudência deste Tribunal, “a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa pressupõe pedido explícito de não voto ou, ainda, ato que macule a honra ou a imagem de pré-candidato ou divulgue fato sabidamente inverídico em seu desfavor” (AgR-REspEl n. 0600018-36/SP, Relator o Ministro Benedito Gonçalves, DJe 25.5.2022; AgR-REspEl n. 0600016-43/MA, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 13.12.2021).

 

Ademais, “a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspEl n. 0600396-74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 21.3.2022).

 

8. Na espécie em análise, as postagens não veiculam críticas políticas tampouco se comprovando serem livre manifestação de pensamento na forma de respeito a princípios constitucionalmente abrigados e fundamentos da liberdade de expressão. O que se tem é a veiculação de mensagem tida pelos autores da presente representação como mentirosa e ofensiva à imagem de pré-candidato à presidência da República, o que leva à repercussão ou interferência negativa no pleito. A exposição dos autores da presente representaação evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação.

 

9. O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso às postagens por número cada vez maior de pessoas, acarretando propagação de ofensa à honra e à imagem do pré-candidato.

 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).

 

10. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, para que sejam removidos, no prazo de 24 horas, os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos:

https://web.archive.org/web/20221013150102/https://twitter.com/brunnosarttori/status/1580565946548092928

https://twitter.com/CECLynch/status/1580580383371902978

https://twitter.com/lazarorosa25/status/1580574899940495362

https://twitter.com/cauta_news/status/1580602557797654528

Indefiro o pedido de remoção do vídeo impugnado nos endereços eletrônicos https://twitter.com/marciatiburi/status/1580614603410931712 e https://twitter.com/renatonob/status/1580564585127763969 porque não consta deles a dita postagem.

 

Oficie-se o provedor de aplicação Twitter para a identificação dos responsáveis pelos seguintes perfis https://twitter.com/brunnosarttori, https://twitter.com/CECLynch, https://twitter.com/lazarorosa25 e https://twitter.com/cauta_news, conforme previsto no art. 40 da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior.

 

As demais diligências requeridas na petição inicial serão apreciadas no momento oportuno.

 

Proceda-se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior.

 

Na sequência, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da citada Resolução.

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, 19 de outubro de 2022.
 
 

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora