Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601466-05.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representantes: Coligação Pelo Bem do Brasil e outro

Advogados(as): Marina Almeida Morais e outros(as)

Representados: Coligação Brasil da Esperança e outro

 

DECISÃO

REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. IMPULSIONAMENTO DE POSTAGEM NO YOUTUBE. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. FORMA POSSÍVEL APENAS PARA PROMOVER OU BENEFICIAR CANDIDATO: IMPULSIONAMENTO FEITO, NO CASO, NÃO BENÉFICO A CANDIDATO. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

 

Relatório

 

1. Representação, com requerimento de medida liminar, proposta pela Coligação Pelo Bem do Brasil, (Partido Liberal – PL, pelo Republicanos e pelo Progressistas) e por outro contra a Coligação Brasil da Esperança (FE Brasil – PT/PC e B/PV/Federação PSOL-REDE/PSB/Agir/Avante/PROS) e outro. Alega-se divulgação, por impulsionamento na internet, de propaganda eleitoral negativa.

 

Os representantes alegam que “evidencia-se a completa ausência de apresentação de propostas de governo. Ao contrário, a reprovável peça impulsionada ofende a honra e a imagem do Representante, promovendo graves ataques à candidatura adversária” (ID 158236755, p. 4).

 

Afirmam que houve ofensa ao § 3º do art. 57-C da Lei n. 9.504/1997, uma vez que “o legislador, ao autorizar o impulsionamento de propaganda na internet, limitou a finalidade do conteúdo a ser impulsionado, de forma a permitir apenas aquele que tiver como fim a promoção ou benefício de candidatos ou suas agremiações. É o que se extrai do art. 57-C, § 3º, da Lei nº 9.504/97. É dizer: não se permite o impulsionamento de propaganda de cunho negativo, inclusive pouco importando se o conteúdo tenha como desígnio ofender a honra candidato adversário” (ID 158236755, p. 3-4).

 

Sustentam que “a propaganda questionada, sob qualquer ângulo de análise, está eivada de fortes irregularidades, seja porque possui claro caráter ofensivo e evidentemente negativo – sendo vedado o respectivo impulsionamento pela legislação eleitoral –, seja porque não cumpre requisitos objetivos básicos estabelecidos pela norma de regência, notadamente a identificação clara e legível do responsável pela peça e a informação inequívoca de se tratar de propaganda eleitoral, além de apresentar conteúdo claramente descontextualizado e inverídico” (ID 158236755, p. 6).

 

Para demonstrar o perigo da demora, assinalam que “a propaganda continua a ser veiculada (e impulsionada!), podendo produzir nefasto efeito multiplicador na rede mundial de computadores de uma propaganda eleitoral manifestamente irregular” (ID 158236755, p. 6).

 

Quanto à plausibilidade jurídica, apontam que “extrai-se da fundamentação jurídica anteriormente expendida, a qual evidencia grave agressão à ordem eleitoral” (ID 158236755, p. 7).

 

Requerem “a concessão da tutela de urgência requestada, a fim de que se determine a imediata retirada do vídeo em anexo, também disponível no link referido, de forma a fazer cessar seu impulsionamento, e se proíba seja a peça objurgada – ou outra de igual conteúdo – novamente impulsionada, sob pena de crime de desobediência”, bem como “a aplicação da multa prevista nos referidos dispositivos legais, em patamar máximo, em razão da gravidade da propaganda ora analisada” (ID 158236755, p. 7).

 

Pede seja julgada "procedente a inicial, nos termos dos arts. 29º, §§3º e 5º da Resolução nº 23.610/2019, e art. 57-C, §3º, da Lei nº 9.504/97, para os fins de ser definitivamente proibida a retransmissão da inserção ora impugnada pela internet, bem como, a aplicação da multa prevista nos referidos dispositivos legais, em patamar máximo, em razão da gravidade da propaganda ora analisada(ID 158236755, p. 7).

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, conforme previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

 

O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil.

 

3. No caso em exame, os representantes pretendem, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de vídeo publicado na internet com teor de propaganda eleitoral negativa e divulgado por meio de impulsionamento.

 

A análise dos elementos constantes dos autos demonstra assistir razão jurídica aos representantes.

 

4. Nos termos da legislação eleitoral e da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é vedado o impulsionamento de propaganda eleitoral com conteúdo negativo.

 

O § 3º do art. 57-C da Lei n. 9.504/1997 prevê que:

“Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

(...)

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017).”

Este Tribunal Superior já fixou o entendimento segundo o qual:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. GOVERNADOR. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. ART. 57–C, § 3º, DA LEI 9.504/97. POSTAGENS. IMPULSIONAMENTO. DESPROVIMENTO. FACEBOOK

1. O art. 57–C, caput, e § 3º, da Lei 9.504/97 permite o impulsionamento de conteúdo na internet, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações, candidatos e seus representantes, com a finalidade de promover candidaturas. Precedentes.

2. No caso, de acordo com a Corte local, ‘as publicações não trouxeram de forma propositiva a imagem dos agravantes e o pedido de votos, ao contrário, através da associação de imagens e legendas, buscaram incutir no eleitor a ideia de – não voto no candidato agravado’, o que, portanto, foge da regra prevista nos referidos dispositivos.

3. As limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido." (AgR-REspEl 0603372-25, Relator o Ministro Luís Felipe Salomão, DJe 23.3.2020)

“ELEIÇÕES 2018. RECURSO EM REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. IMPULSIONAMENTO DE PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET. INFRINGÊNCIA AO ART. 57–C, § 3°, DA LEI N° 9.504/97. DISTINÇÃO DOS CONCEITOS DE SÍTIO ELETRÔNICO (SITE), PÁGINA DE INTERNET E LINK. ÔNUS PROCESSUAL DA PARTE AUTORA DE DEMONSTRAR O CONTEÚDO NEGATIVO DA PÁGINA IMPULSIONADA. IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR A OFENSA AO DISPOSITIVO NORMATIVO APENAS EM RAZÃO DA NOMENCLATURA DE LINK. ALEGAÇÃO DE DECISÃO ULTRA PETITA. REJEIÇÃO. SÍTIO ELETRÔNICO QUE HOSPEDA PÁGINA DE INTERNET COM DIVERSOS LINKS IMPULSIONADOS. DEMONSTRAÇÃO DO CONTEÚDO NEGATIVO DE APENAS UM DELES. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Os termos sítio eletrônico (site), página de internet e link comportam conceitos distintos e necessários para a compreensão do art. 57–C da Lei nº 9.504/97.

2. O art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de ‘promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações’. Interpretando esse dispositivo, a jurisprudência desta Corte Superior entende vedada a conduta de contratar o ‘impulsionamento de conteúdo com a finalidade de criticar os candidatos da coligação opositora’ (Representação nº 060159634, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, PSESS em 27.11.2018).

3. Incumbe à parte autora o ônus de demonstrar, no momento processual adequado, que o conteúdo impulsionado em determinada página de internet ostenta o caráter de propaganda eleitoral negativa e, porquanto, foge ao molde contido no art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições.

4. Não se reconhece a pecha de ultra petita à decisão judicial que analisa os fundamentos e pedidos contidos na inicial.

5. Para a fixação da sanção prevista no art. 57-C, § 2º, da Lei nº 9.504/97, a regra ordinária é a fixação da multa a partir do intervalo definido em lei, de modo que o mecanismo alternativo de sancionamento só será acionado se o dispêndio com o impulsionamento superar R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Pois, a partir dessa quantia, o dobro de seu valor superará o limite máximo definido em lei.

6. No caso concreto, entre as diversas páginas indicadas na petição inicial, restou demonstrado o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral negativa em apenas uma, no valor de R$ 3.635,72 (três mil, seiscentos e trinta e cinco reais e setenta e dois centavos).

7. Fixação da multa dentro das balizas do art. 57-C, § 2º, da Lei nº 9.504/97, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais).

8. Recurso parcialmente provido.” (Representação n. 060186136, Acórdão, Relator o Ministro Edson Fachin, Tomo 211, DJe 16.11.2021)

 

5. Na espécie, o conteúdo publicado no YouTube tem o seguinte teor (ID 158236755, p. 2-3):

“Título: Tem uma fofoca que o Brasil quer saber

[00:00 – 00:10 – entrevistador] Então, você gosta de uma fofoca também?

[00:10 – 00:11 – entrevistada] Ai, eu sou fofoqueira.

[00:11 – 00:12 – entrevistado] Adoro.

[00:12 – 00:13 – narrador] Você gosta de fofocar?

[00:13 – 00:14 – entrevistada] Eu gosto.

[00:14 – 00:15 – entrevistada] Ai, adoro!

[00:15 – 00:17 – entrevistada] Eu também adoro. Você tem uma cara de fofoqueiro.

[00:17 – 00:23 – entrevistador] Aqui tem umas fofocas quentinhas, então, você pode tirar um tema, que eu vou contar pra você.

[00:23 – 00:25 – entrevistada] Processo contra o ministro da Saúde.

[00:25 – 00:27 – entrevistador] Ai, não vou poder! Essa eu não posso.

[00:27 – 00:28 – entrevistada] Por que?

[00:28 – 00:31 – entrevistador] Porque o Bolsonaro decretou o sigilo de 100 anos.

[00:31 – 00:32 – entrevistada] 100 anos?

[00:32 – 00:33 – entrevistada] Esse aqui é muito babado.

[00:33 – 00:37 – entrevistado] Compra de vacina superfaturada.

[00:37 – 00:43 – entrevistador] Caraca, sem chance também! O sigilo de 100 anos de Bolsonaro não deixa o Brasil saber.

[00:43 – 00:47 – entrevistado] É tudo secreto lá, né? O orçamento é secreto, os documentos são secretos.

[00:47 – 00:48 – entrevistador] Oh, irmão! [sinal de silêncio.]

[00:48 – 00:50 – entrevistada] Ele mantém sigilo em tudo, né?

[00:51 – 00:52 – entrevistada] A gente tá nas escuras.

[00:52 – 00:53 – entrevistado] Barra de ouro para pastores.

[00:53 – 00:55 – entrevistado] Ficha do Queiroz.

[00:55 – 00:57 – entrevistado] Esquema de rachadinha.

[00:57 – 00:59 – entrevistada] Carteira de vacinação do Presidente.

[00:59 – 01:01 – entrevistada] Bolsolão do MEC.

[01:02 – 01:05 – entrevistador] Você não acha estranho a gente não saber disso?

[01:05 – 01:09 – narrador] Tá escondendo o que com esses sigilos, Bolsonaro?”

O que se põe em causa, na espécie, é se o conteúdo divulgado por impulsionamento compatibiliza-se com a definição legal que assegura o uso deste meio para finalidade específica, qual seja, promover ou beneficiar candidatos e suas agremiações (§ 3º do art. 57-C da Lei n. 9.504/1997).

 

Na espécie, o material não foi impulsionado com “o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações” (ID 158236755, p. 4). Pelo contrário, o vídeo publicado no Youtube, por meio de impulsionamento, veicula conteúdo negativo, divulgando mensagem que, independentemente de sua veracidade ou não, certamente não é benéfica ao candidato à reeleição.

 

Nesse contexto, presente a incompatibilidade entre o meio utilizado, qual seja, impulsionamento do vídeo divulgado, com a finalidade legalmente permitida, apenas para “o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações” (ID 158236755, p. 5),  está comprovada a plausibilidade do direito alegado.

 

6. O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é comprovado pela possibilidade de acesso às postagens por número cada vez maior de pessoas, o que acarreta a continuidade de propagação da mensagem.

 

Não se verifica, no caso, perigo da irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).

 

7. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, determino que os representados abstenham-se de veicular o conteúdo objeto desta representação e providenciem para que seja removido, no prazo de 24 horas, o vídeo indicado no seguinte endereço eletrônico:

 

https://youtu.be/RM44jmQvFTI

 

Proceda-se à citação dos representados para que apresentem defesa no prazo de dois dias, nos termos do art. 18 da citada Resolução.

 

Na sequência, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral para que se manifeste no prazo de um dia, nos termos do art. 19 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior.

 

Publique-se e intime-se.

 

Brasília, 20 de outubro de 2022.
 
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora