index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601415-91.2022.6.00.0000-[Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601415-91.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL
 

Relator: Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representados: Eduardo Nantes Bolsonaro e outros

 

 

DECISÃO

Trata-se de representação, com pedido de liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Eduardo Nantes Bolsonaro e outros, haja vista a publicação em diversos perfis de redes sociais conteúdos manifestamente inverídicos em que se propaga a desinformação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva apoia a ditadura da Nicarágua e os atos ilícitos praticados pelo ditador Daniel Ortega.

 

 Na petição inicial, a representante alega, em síntese, que (ID 158224086):

 

a) os representados teriam veiculado conteúdo sabidamente inverídico por meio de postagens em redes sociais, no sentido de que o candidato à presidência da República pela coligação representante apoiaria suposto regime autoritário na Nicarágua e, a partir disso, seria favorável à prática de atos ilícitos;

 

b) o intuito das postagens seria degradar, injuriar e difamar o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, além de provocar estados passionais no eleitor e atingir a integridade do processo eleitoral, pois, além das postagens impugnadas, há muito tempo a campanha do candidato Jair Messias Bolsonaro e seus apoiadores têm tentado incutir na mente do eleitor que o candidato da coligação representante seria supostamente favorável à ditadura na Nicarágua e apoiador de todas as atrocidades lá cometidas;

 

c) Carla Zambelli teria compartilhado, nos seus perfis de Twitter e Instagram, que uma ONG na Nicarágua teria registrado 150 casos de tortura entre 2019 e 2022, atribuindo, sem qualquer verossimilhança ou plausibilidade, a responsabilidade a “amigo e aliado de Lula” e sugerindo que ele faria o mesmo se eleito;

 

d) a violência política da postagem de Carla Zambelli seria imensa, haja vista a relevância dela  no ecossistema bolsonarista, conforme o demonstram as mais de 52.939 curtidas da postagem no Instagram e as 10.201 interações no Twitter;

 

e) a postagem de Adolfo Sachsida, Ministro do Governo Bolsonaro, teria afirmado expressamente que Lula seria aliado de Ortega, o que impactaria na perseguição de cristãos;

 

f) o responsável pelo perfil Stark no Twitter teria publicado que Lula apoia a Nicarágua e que isso não seria fake news, desconsiderando as recentes decisões desta Corte que classificam o fato como sabidamente inverídico e as diversas agências de checagem de notícias que desmentem conteúdo de igual teor;

 

g)  “além dos perfis tradicionais de compartilhamento de fake news, outros usuários da rede social Twitter também teceram comentários sobre a fantasiosa relação de Lula com Ortega – no orquestrado movimento já denunciado” (p. 16), como se observa dos seguintes perfis: @sergiovitoria; @Alanghani; @Francischini_ (prints das postagens à p. 15);

 

h) seria incabível a escusa da liberdade de expressão, porquanto provada a divulgação e compartilhamento de fatos gravemente descontextualizados que violam a liberdade de opinião dos eleitores, bem como impacta diretamente na honra objetiva e subjetiva do candidato, em afronta ao art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019;

 

i) os representados teriam utilizado meios publicitários para manipular o estado emocional e mental do eleitor – ao tentar incutir a ideia de que votar no candidato da coligação representante seria compactuar com o regime ditatorial e intolerante à religião –, em ofensa ao art. 10 da Res.-TSE nº 23.610/2019;

 

k) a conduta dos representados de veicular desinformação constituiria verdadeiro ato de divulgação e compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos, além de manipulação da opinião pública, que atingem a integridade do processo eleitoral;

 

l) o cidadão tem direito a não ser exposto a conteúdos falsos, gravemente descontextualizados e com desinformação que atinjam a integridade do processo eleitoral, por afetar o direito livre de voto, nos termos do art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019.

 

Requer tutela provisória de urgência para que seja determinada a remoção dos conteúdos impugnados, bem como que os representados se abstenham de publicar outras informações com o mesmo teor manifestamente inverídico.

 

Ao final, postula pela procedência da representação a fim de imposição de multa aos representados.

 

Os autos foram a mim redistribuídos em 11.10.2022 (ID 158231587).

 

É o relatório. Passo a apreciar o pedido liminar. 

 

A representante pretende, em sede de tutela provisória de urgência, a remoção de conteúdos publicados em diversos perfis de redes sociais, haja vista divulgar conteúdos manifestamente inverídicos contendo desinformação no sentido de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva apoia a ditadura da Nicarágua e os atos ilícitos praticados pelo ditador Daniel Ortega.

 

 Para a concessão de tutelas provisórias de urgência, é indispensável a presença concomitante da plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo na demora da prestação jurisdicional (periculum in mora).

 

No que diz respeito à plausibilidade do direito, o art. 243, inciso IX, do Código Eleitoral e o art. 22, inciso X, da Res.-TSE nº 22.610/2019 dispõem que não pode ser tolerada a propaganda eleitoral que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como a que atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.

 

Ademais, segundo o art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019, a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral é igualmente vedada.

 

Caracterizada essas modalidades de propaganda eleitoral irregular, a Justiça Eleitoral poderá determinar a retirada de publicações em sítios da Internet, na forma do art. 30, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019 e do art. 57-D, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

 

Na hipótese dos autos, em análise superficial, típica dos provimentos cautelares, observo que as publicações impugnadas transmitem, de fato, informação evidentemente inverídica e prejudicial à honra e à imagem de candidato ao cargo de presidente da República nas eleições 2022.

 

As publicações transmitem de forma intencional e maliciosa mensagem de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é aliado político do ditador da Nicarágua Daniel Ortega e, por consequência, apoia e consente com os ilícitos por ele praticados, como a perseguição de cristãos e a tortura.

 

Por oportuno, colaciono algumas publicações impugnadas:

(i) Vai vendo! ONG diz ter registrado 150 casos de tortura na Nicarágua entre 2019 e outubro de 2022. Esse é o AMIGO E ALIADO DO LULA! É isso que você quer para o Brasil?

(ii) Jamais alguém deveria ser proibido de dizer que Lula e Ortega são aliados, porque esta é a mais pura verdade. Jamais alguém deveria ser proibido de dizer que Ortega persegue cristãos, porque esta é a mais pura verdade.

(iii) 1. Lula teve contato com as FARC; 2. A sen. Mara Gabrilli disse q Lula pagou 12 M p/ não ser ligado a morte de Celso Daniel; 3. Foi condenado por corrupção e não foi inocentado; 4. Apoia Ortega, o perseguidor de cristãos; 5. É a favor do aborto. Não faça do seu voto uma lama moral.

(iv) Repetindo a postagem que motivou a coligação do PT a entrar com um pedido do TSE para nos CENSURAR: LULA Apoia Daniel Ortega, ditador que prende religiosos e fecha igrejas na Nicarágua. BOLSONARO Oferece abrigo a padres e freiras perseguidos na Nicarágua.

(v) Fato real não é Fake News, nunca foi, nunca será! Proibir a divulgação de fato real é censura, sempre foi, sempre será! Lula apoia Ortega, é fato!

(vi) DIVULGUEM. Censuraram e Proibiram agora postagens e matérias que LULA apoia DITADURA na NICARÁGUA que persegue CRISTÃOS! Não postem mais que LULA apoia DITADURA na NICARÁGUA que persegue CRISTÃOS! Esqueçam que LULA apoia DITADURA na NICARÁGUA que persegue CRISTÃOS! Tá Okay?

(vii) Sobre a Nicaragua e Brasil? Temos aqui o "eixo do mal", lembram? #lulaApoiaDitaduras

Verifica-se que este Tribunal Superior, nos autos da Rp nº 0600826-02, de relatoria da eminente Ministra Cármen Lúcia, determinou, por unanimidade, a remoção de publicações inverídicas em que os conteúdos apresentavam teor semelhante às publicações impugnadas nesta representação.

 

Na oportunidade, a assentou-se que “não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é mensagem ofensiva à honra e imagem de pré-candidato à presidência da República, com divulgação de informação sabidamente inverídica, imputando-lhe falsamente o apoio ‘a invasão de igrejas e perseguição de cristãos’, o que evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação”.

 

De igual modo, nos autos da Rp nº 0601328-38, de minha relatoria, ante a equivalência dos fatos e seguindo o entendimento firmado, deferi pedido de tutela de urgência referente a publicações de conteúdos semelhantes.

 

Nesse contexto, há plausibilidade jurídica no pedido de remoção da postagem impugnada, pois, com relação à veiculação de informação sabidamente falsa, a jurisprudência deste Tribunal Superior adota a orientação de que, embora seja reconhecido que a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas fortalece o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate eleitoral, a intervenção desta Justiça especializada é permitida para “coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe no 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022 – destaquei).

 

Ademais, o perigo na demora da prestação jurisdicional também foi suficientemente demonstrado, pois, como afirmado na petição inicial, as publicações contêm informação manifestamente inverídica e foi divulgada no período crítico do processo eleitoral, em perfil com alto número de seguidores, de forma a gerar elevado número de visualizações, o que possibilita, em tese, a ocorrência de repercussão negativa de difícil reparação na imagem do partido político e do candidato atingidos pela desinformação.

 

Assim, nesse juízo perfunctório, o pedido cautelar de retirada do conteúdo da Internet deve ser deferido, encontrando amparo no art. 30, § 2º, da Res.-TSE nº 23.610/2019.

 

Ante o exposto, com fundamento no art. 38, § 4º, da Res.-TSE nº 23.610/2019, defiro parcialmente o pedido de tutela de urgência para determinar a notificação das empresas provedoras de aplicação Twitter e Instagram, para que, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019, suspendam a divulgação das publicações constantes das URLs relacionadas abaixo, até o julgamento final desta representação por este Tribunal Superior, sob pena de multa diária, no valor de R$ 10.000.00 (dez mil reais):

Twitter:

http://twitter.com/BolsonaroSP/status/1577983219932225537

http://twitter.com/Zambelli2210/status/1577980388919709696

http://twitter.com/Rconstantino/status/1578003214611406854

http://twitter.com/filgmartin/status/1578045358441103360

http://twitter.com/taoquei1/status/1578009086775304192

http://twitter.com/Alanghani/status/1578345326712274944

http://twitter.com/ASachsida/status/1578008521706201088

http://twitter.com/RafaelFontana/status/1578036280885026818

http://twitter.com/sergiorvitoria/status/1577991051159166976

http://twitter.com/Francischini_/status/1578456279860727808

Instagram:

http://instagram.com/p/CjXsEarOrAT

 

Indefiro o pedido de remoção referente às publicações realizadas pela empresa Editora Gazeta do Povo S/A, pois o conteúdo impugnado caracteriza-se como matéria jornalísitca, de modo a preservar a liberdade de informação e imprensa. Assim, "não cabe ao Poder Judiciário interferir na linha editorial para direcionar a pauta dos meios de comunicação, porquanto prevalece no Estado Democrático e Constitucional de Direito, à luz o art. 220 da Constituição Federal, maior deferência à liberdade de expressão, alcançada pela independência jornalística"(AIJE nº 0601862-21/DF, redator p/ acórdão Min. Jorge Mussi, DJe de 26.11.2019).

 

Determino, por fim, a citação dos representados adequadamente identificados na petição inicial para que, querendo, apresentem defesa no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

 

Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, INTIME-SE o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação no prazo de 1 (um) dia, com posterior e imediata nova conclusão a esta relatoria.

 

Publique-se.

 

Brasília, 18 de outubro de 2022.

 

 
Ministro PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
Relator