Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601004-48.2022.6.00.0000 (PJe) - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL

Relatora: Ministra Cármen Lúcia

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros

Representado: Coligação Pelo Bem do Brasil

Advogados(as): Eduardo Augusto Vieira de Carvalho e outros(as)

Representado: Daniel Pereira da Silva Monteiro Rosa

Representado: Responsável pelo Perfil @arooppi no Twitter

 

DECISÃO

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRETENSÃO DE RETIRADA DE VÍDEO DA TELEVISÃO E DE REDES SOCIAIS. PLAUSIBILIDADE DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ALEGADA.  LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório

 

1. Representação, com requerimento liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor da Coligação Pelo Bem do Brasil, Daniel Pereira da Silva Monteiro Rosa e Responsável pelo Perfil ‘@arooppi’ no Twitter. Impugna-se a suposta prática de desinformação na propaganda eleitoral veiculada no horário eleitoral gratuito na televisão e nas redes sociais, ao argumento de que os vídeos tentam produzir e influenciar no eleitorado estados mentais, emocionais e passionais.

 

A representante sustenta que “o vídeo em tela possui 30 segundos e é dividido em dois momentos: a) uma fala da Madre Teresa de Calcutá, supostamente relacionada com a interrupção da gravidez e b) falas descontextualizadas do ex-Presidente Lula (...) E a madame, ela pode fazer um aborto em Paris. Aqui no Brasil ela não faz porque é proibido. Quando na verdade deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito. Essa pauta da família, a pauta dos valores, é uma coisa muito atrasada” (ID. 158047842, p. 3-4).

 

Argumenta que “o estado mental, emocional e passional do espectador, após ouvir a frase sentida de Madre Teresa de Calcutá, fica abalado, aflorado em seus sentidos maternais e paternais. Aproveitando-se desse estado artificialmente fabricado, a propaganda passa a atacar o candidato da coligação representante. De pronto, passa a dizer: “Já Lula defende o aborto” (p. 4).

 

Aduz que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teve a oportunidade de desmentir essa afirmação ao afirmar que “a única coisa que eu deixei de falar, na fala que eu disse, é que eu sou contra o aborto. Eu tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto. O que eu disse é que preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública” (p. 5).

 

Alega tramitar no Tribunal Superior Eleitoral a Representação n. 0600960-29 com a notícia de “uma inserção que prestava a demonstrar que Lula apoiaria e incentivaria o crime de latrocínio” (p. 6).  

 

Assevera que o representado Daniel Pereira além de publicar o vídeo em questão, “adicionou a seguinte descrição: “Você é cristão e pretende votar no Lula? Então você não é cristão” (p. 6), bem como o responsável pelo perfil @arooppi “afirmando textualmente que o ex-presidente Lula não defenderia os valores dos católicos e tampouco os dos evangélicos” (p. 7).

 

Invoca que a representada Coligação Pelo Bem do Brasil distribuiu de forma irregular, pela internet, o vídeo divulgado, pois “ao se buscar o dito material em todos os endereços informados no DRAP da Coligação Pelo Bem do Brasil e nos RRC dos candidatos a Presidente e Vice-Presidente da República, não se encontrou o vídeo mencionado” (p. 11).

 

Requer a concessão de tutela de urgência para que se determinem diligências para a identificação do responsável pelo perfil @arooppi no Twitter e para que sejam removidos os conteúdos desinformativos encontrados nas URLs seguintes:

 

https://twitter.com/arooppi/status/1568229073964384257?t=3DwGyXnpBbc44AWM-6caUw&s=08

https://twitter.com/danielmrosa/status/1567974488565768193?t=JLymEJrEHpC2WoUnhpkQkg&s=08.

 

Requer a remoção dos vídeos hospedados pelos canais Veja e Poder 360, nos seguintes endereços eletrônicos:

 

https://www.youtube.com/watch?v=6OmA3t6Srz0 

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/campanha-de-bolsonarousa-fala-sobre aborto-para-atacar-lula/.

Requer "seja determinada a proibição do vídeo em questão pelos Representados em quaisquer outros meios, principalmente em veiculações nas emissoras de TV (seja por inserção ou nas propagandas em bloco)."

Requer expedição de ofício às empresas Twitter e Youtube para retirar as publicações do vídeo.

 

Pede "a confirmação da medida liminar, de modo a determinar que as publicações sejam removidas e que os Representados se abstenham a veicular outras com o mesmo teor – em quaisquer plataformas, seja rádio, TV ou Internet" e "a condenação por propaganda irregular e a consequente aplicação da multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme previsto no art. 36 da Lei n. 9.504/97, a cada um dos Representados" (ID 158047842, p.14-15).

 

Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.

 

2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, há que se averiguar se estão presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, como previsto no art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”.

 

O direito brasileiro autoriza tutela de urgência de natureza antecipada nos casos que se demonstrar riscos objetivos de atingimento da finaldiade buscada pela prática questionada e ilícita. Não é admissível o deferimento da tutela apenas “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, consoante previsto no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil.

 

3. A solução da controvérsia jurídica posta nos autos, ainda em sede liminar, exige breve consideração sobre o direito à lberdade de manifestação do pensamento, fundamento do sistema constitucional brasileiro.

 

Quando do voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal, realcei:

"(...) a Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas."

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, por vezes, alimentam-se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294, 297 do acórdão):

"Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...).

(...)

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news."

O sistema jurídico brasileiro não autoriza o exercício ilimitado de direitos, incluídos os fundamentais, como o direito à livre manifestação do pensamento. Pudesse alguém exercer de forma ilimitada o seu direito, seria essa pessoa a única a atuar com liberdade plena em detrimento de todos os outros, que teriam de ver a sua dignidade e os seus direitos limitados pela primeira atuação. Daí porque os sistemas jurídicos democráticos legitimam a possibilidade de se impor restrição ao exercício dos direitos fundamentais, em casos nos quais se demonstre o comprometimento de direito de outro.

 

 4. Na espécie agora apreciada, a representante pretende a remoção de propaganda eleitoral veiculada na televisão e nas redes sociais, ao argumento de que os vídeos buscam produzir e influenciar no eleitorado estados mentais, emocionais e direcionados com o seguinte conteúdo:

“Voz do narrador: Madre Tereza de Calcutá nos ensinou sobre o aborto.
Voz da dublagem da Madre Tereza de Calcutá: “E se uma mãe pode assassinar seu próprio filho em seu próprio ventre o que falta a nós para matarmos uns aos outros?

Voz do narrador: Já Lula, defende o aborto.
Falas descontextualizadas de Lula: “E a madame, ela pode fazer um aborto em Paris. Aqui no Brasil ela não faz porque é proibido. Quando na verdade deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito. Essa pauta da família, a pauta dos valores, é uma coisa muito atrasada.” (ID. 158047842, p. 3-4).

A análise do cenário exposto, ainda que em sede liminar, conduz à conclusão de assistir razão de direito à representante.

 

5. A Constituição do Brasil põe, no rol dos direitos fundamentais, o direito de acesso à informação. A Constituição não autoriza, portanto, como burla a esse direito fundamental, que ele seja maculado ou restringido pela desinformação, que desrespeita o que busca a informação, compromete a sua liberdade, por ver-se enganado nos dados obtidos, e, em processo eleitoral, compromete a liberdade do eleitor de fazer suas escolhas políticas sem ser fraudado por engodos, tapeações ou equívocos expostos exatamente para conduzir a opção do eleitor e reduzir ou impedir o exercício livre de seu voto.

 

O vídeo veiculado na televisão e nas redes sociais, sobre o qual se questiona no presente caso, apresenta conteúdo produzido para desinformar e tisnar a honra do candidato da coligação representante, constituindo propaganda eleitoral negativa, inaceita no sistema jurídico vigente.

 

A passagem “E se uma mãe pode assassinar seu próprio filho em seu próprio ventre o que falta a nós para matarmos uns aos outros?”, fala atribuída a Madre Tereza de Calcutá, quando contraposta a recentes declarações do candidato a presidente da república pela coligação representante, gera distorção de fatos.

 

No caso em exame, a utilização de recursos de trucagem e montagem resulta em indevida descontextualização e adulteração grosseira do sentido de falas proferidas por ele em relação ao tema, conforme demonstrado na petição inicial. 

 

Sobre situações como a que se põe no caso aqui analisado, manifestou-se este Tribunal Superior, por exemplo:

[...] a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspe 0600396-74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022)

6. Na espécie, as publicidades não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a veiculação de desinformação, mensagem distorcida e ofensiva à honra e à imagem de candidato à Presidência da República, o que pode conduzir, em alguma medida, à repercussão ou interferência negativa no pleito, do que se extrai evidência da plausibilidade do direito sustentado nesta representação.

 

7. O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é demonstrado pela possibilidade de acesso à propaganda por número cada vez maior de pessoas, do que decorre a propagação de ofensa à honra e à imagem do candidato.

 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil).

 

8. Pelo exposto, presentes os pressupostos legais de perigo da demora e de plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de tutela provisória de urgência para que os representados se abstenham de veicular o conteúdo objeto desta representação por qualquer meio de propaganda eleitoral e para que sejam removidas as publicações indicadas nos seguintes endereços eletrônicos:

https://twitter.com/arooppi/status/1568229073964384257?t=3DwGyXnpBbc44AWM-6caUw&s=08

https://twitter.com/danielmrosa/status/1567974488565768193?t=JLymEJrEHpC2WoUnhpkQkg&s=08.

https://www.youtube.com/watch?v=6OmA3t6Srz0 

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/campanha-de-bolsonarousa-fala-sobre aborto-para-atacar-lula/

Determino a citação da representada Coligação Pelo Bem do Brasil e do representado Daniel Pereira da Silva Monteiro Rosa para que apresentem suas manifestações no prazo legal de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Resolução TSE n. 23.608/2019.

 

Determino a diligência para identificação do responsável pelo perfil @arooppi no Twitter, nos termos do art. 17, § 1º da citada Resolução.

 

Após o transcurso do prazo, com ou sem resposta, intime-se o Ministério Público Eleitoral (MPE) para manifestação nos termos do art. 19 da mesma Resolução.

 

Publique-se. Intime-se.

 

Brasília, 15 de outubro de 2022.

 

Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora