index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601412-39.2022.6.00.0000-[Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Redes Sociais]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541)  Nº 0601412-39.2022.6.00.0000 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

 

Relatora: Ministra Maria Claudia Bucchianeri

Representante: Coligação Brasil da Esperança

Advogados(as): Eugênio José Guilherme de Aragão e outros(as)

Representados(as): Responsáveis por perfis nas redes sociais Facebook e TikTok

 

DECISÃO

 

Trata-se de representação, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de responsáveis por perfis nas redes sociais Facebook e TikTok, por suposta veiculação de desinformação sobre o candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Na petição inicial, a representante alega, em síntese (ID 158223999):

a) foram veiculados pelos representados, nas referidas redes sociais, conteúdos sabidamente inverídicos no sentido de que o candidato Lula teria postado, por meio da sua rede social Twitter, “que ganharia as eleições ‘com a ajuda do pai Xangô’ e que supostamente, iria acabar com o ‘cristianismo’” (p. 4);

b) tais afirmações foram reproduzidas pelos representados como se fossem verídicas, porém, jamais foram ditas ou postadas pelo candidato, tendo sido a situação dos autos inclusive objeto de agências de checagem, como a “Aos Fatos”, o “Estadão Verifica” e o “UOL confere”, que concluíram se tratar de um tweet falso;

c) a veiculação dos vídeos sabidamente inverídicos significa prática antijurídica e atinge a integridade do processo eleitoral, afetando a liberdade de conhecimento dos cidadãos e resulta na afronta aos arts. 9º-A, 22, inciso X, e 27, § 1º, da Res.-TSE nº 23.610/2019;

d) para além da natureza desinformadora e apelativa das publicações colacionadas, os representados insistem em afirmar que o referido candidato compactua com uma alegada perseguição em relação aos cristãos, “no entanto, ao contrário das lamentáveis publicações, o ex-presidente sempre pautou sua agenda política de modo a respeitar a liberdade de crenças e religiões” (p. 18); e

e) de acordo com o art. 22, inciso X da Res.-TSE nº 23.610/2019, não será tolerada propaganda que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, entendimento este que é respaldado pela jurisprudência deste Tribunal, para a qual a divulgação de publicação que ofende a honra de candidato constitui propaganda eleitoral negativa, devendo ser determinada a abstenção de novas práticas dessa natureza, com a fixação de multa para o caso de descumprimento.

Requer a concessão de tutela de urgência para que:

(i) sejam determinadas diligências, nos termos do art. 17, §§ 1 e 1-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019 e do art. 319, § 1º, do CPC/2015, para identificação dos representados (p. 25-27);

(ii) seja determinada a remoção dos conteúdos desinformadores objeto desta ação encontrados nas URLs indicadas (p. 27-29), sob pena de multa a ser arbitrada por esta Corte; e

(iii) sejam citados os representados para, querendo, apresentarem defesa.

No mérito, pleiteia a confirmação da medida liminar, para que  as publicações sejam definitivamente removidas das plataformas, com a condenação dos representados por propaganda eleitoral irregular e consequente aplicação da multa.

 

É o relatório. Passo a apreciar o pedido de medida liminar.

E, ao fazê-lo, registro que, consoante já tive a oportunidade de enfatizar em decisões anteriores (Rp nº 0600229-33/DF), tenho para mim que a intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso  capazes de  vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.

O caso em exame envolve suposta propagação de desinformação, comportamento que vulnera a higidez e a integridade do ambiente informativo, valores que justificam e legitimam a intervenção corretiva da Justiça Eleitoral.

Isso porque, embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré-campanha e no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem-se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configuram prática desviante, que gera verdadeira falha no livre mercado de ideias políticas, deliberadamente forjada para induzir o eleitor a erro no momento de formação de sua escolha.

Daí as preciosas observações de Elder Maia Goltzman, na preciosa obra “Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais” (Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2022, p. 54), no sentido de que “é preciso empoderar o cidadão para que possa tomar suas decisões relativas à esfera pública de maneira consciente e ancorado em informação de qualidade, não em narrativas fabricadas ou versões construídas e distribuídas para ludibriá-lo”.

Em resumo: não há a menor dúvida de que a desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem, como dito, verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor a erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã.

identificação, no entanto, daquilo que possa ser enquadrado como conteúdo desinformativo traz significativos desafios.

Reconheço que a desinformação se limita à difusão de mentiras propriamente ditas, compreendendo, por igual, o compartilhamento de conteúdos com elementos verdadeiros, porém gravemente descontextualizados, editados ou manipulados, com o especial intento de desvirtuamento da mensagem difundida, com a indução dos seus destinatários a erro.

É o que se extrai da mesma obra doutrinária de Elder Goltzman acima mencionada:

A falsidade, no contexto da desinformação, não se refere apenas a informações mentirosas ou irreais. Pode ser que o agente se valha de manipulações, contextos falsos, conteúdo fabricado ou outras estratégias (WARDLE; DERAKSHAN, 2017) para chegar ao fim de causar dano.

Por isso, deve-se ter em mente que a desinformação também se vale de elementos reais.

Quando alguém utiliza uma notícia verdadeira, mas antiga, como se fosse atual, para manipular quem a lê, pode-se dizer que está fazendo uso da desinformação. Há elementos verdadeiros envolvidos e pode ser que o autor da reportagem original nem mesmo saiba que ela circula como se fosse atual. Todavia, havendo intenção de prejudicar pessoas ou instituições, há desinformação.

Quando uma autoridade pública concede uma entrevista e alguém, com o dolo de prejudicar, faz cortes que tiram a mensagem do contexto inicial dando uma outra ideia do discurso, há desinformação.

A despeito da complexidade do fenômeno, a atuação da Justiça Eleitoral no combate à desinformação na propaganda eleitoral – atuação a envolver, sempre, delicada ponderação concreta entre a preservação da liberdade qualificada de expressão no ambiente político eleitoral e a proteção da liberdade de escolha material do eleitor, sem artificiais induções a erro – deve pautar-se objetivamente em um parâmetro: a vedação ao “compartilhamento de fatos  sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” (art. 9-A da Res.-TSE no 23.610/2019 e art. 58 da Lei nº 9.504/1997).

É dizer: para que o conteúdo possa ser qualificado como propaganda eleitoral desinformativa, imprescindível a demonstração de que envolve fato sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”, ônus que compete ao autor representante, por ser verdadeiro elemento constitutivo do direito de excepcional restrição discursiva por si buscado.

No caso dos autos, consoante relatado, o que se pretende é a remoção de postagens que trariam afirmação jamais feita pelo candidato, no sentido de que ganharia as eleições ‘com a ajuda do pai Xangô’ e que supostamente, iria acabar com o ‘cristianismo’.

A hipótese, portanto, segundo entendo, é de GRAVE veiculação de informação FALSA, ou seja, de montagem fraudulenta de postagem QUE NUNCA FOI FEITA PELO CANDIDATO.

A agência de checagem “Aos Fatos” de 7.10.2022, ao analisar as postagens aqui impugnadas, reconheceu que o tuíte atribuído ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva é uma montagem, pois referida mensagem JAMAIS foi por ele postada em seu perfil:

É uma montagem o tuíte atribuído ao ex-presidente e candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, com as afirmações “chega dessa coisa de cristianismo” e “o Estado será o novo Deus dos brasileiros” (veja aqui). A postagem não foi veiculada no perfil do petista, como atesta ferramenta do Aos Fatos que coleta todas as publicações dos presidenciáveis, inclusive as que foram apagadas.

Publicações com o conteúdo enganoso acumulam ao menos 2.374 curtidas no Instagram e centenas de compartilhamentos no Facebook nesta sexta-feira (7) e também circula no WhatsApp, no qual não é possível estimar o alcance (fale com a Fátima).

Diferentemente do que alegam as postagens checadas, o ex-presidente e candidato do PT ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva, não postou no Twitter a seguinte mensagem: "Vamos vencer Bolsonaro com a ajuda do pai Xangô e das entidades do candomblé que nos apoiam. Nem Jesus Cristo poderá nos parar. Chega dessa coisa de cristianismo. O Estado será o novo Deus dos brasileiros”. Além de não constar no perfil do petista, este tuíte não aparece na compilação de publicações dos presidenciáveis, alimentada automaticamente por Aos Fatos desde fevereiro. A ferramenta capta, inclusive, posts apagados.

Ao buscar postagens antigas do ex-presidente no Twitter, Xangô, orixá que representa a justiça nas religiões de matriz africana, aparece em uma postagem de 2017 na qual ele afirma que recebeu uma machadinha que o representa. Jesus aparece em cinco postagens recentes, nas quais o ex-presidente fala sobre leis instituídas no seu governo, critica o presidente Jair Bolsonaro (PL) e homenageia Dom Cláudio Hummes, morto em julho de 2022. O tuíte mais recente que mescla estado e religião foi publicado em 6 de outubro, quando o ex-presidente defendeu a liberdade religiosa.

Em eventos de campanha, Lula costuma dizer que é cristão e agradecer a Deus pelos apoios recebidos. O seu último evento com líderes religiosos aconteceu em 4 de outubro, um encontro com franciscanos da Igreja Católica.

Da mesma forma, o “Estadão Verifica” taxativamente reconheceu ser “falso que Lula tenha dito que vai ganhar a eleição ‘com a ajuda do pai Xangô’” (p. 6), inexistindo qualquer registro de que Lula tenha tuitado tal mensagem.

Também o “UOL Confere” analisou as postagens e divulgou que “Lula não fez tuite sobre apoio de Xangô em campanha e fim do Cristianismo” (p. 7), afirmando ser “falso o print de suposto tuíte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em que ele diz que vai vencer do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022 com a ajuda de entidades do Candomblé e que o Estado será o novo Deus dos brasileiros”. A reportagem afirma, ainda, que “analisou as postagens feitas nos perfis oficiais do Lula (Facebook, Instagram, Twitter e TikTok) a partir de segunda-feira (3) e não há em nenhuma com esse pronunciamento do ex-presidente”.

Em resumo: os representados, ao que tudo indica, estão compartilhando um tuíte MONTADO, FRAUDULENTO, jamais postado pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em claríssima e gravíssima situação configuradora desinformação, a impor imediata atuação corretiva desta Justiça Eleitoral.

Ante todo o exposto, defiro o pedido de tutela provisória de urgência, para determinar a imediata remoção do conteúdo questionado, que se encontra disponibilizado nas URLs (p. 27-29) devendo incidir multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em caso de reiteração de postagens com conteúdo idêntico ao que é objeto desta ação:

  1. https://www.facebook.com/elisetecardoso/posts/pfbid02VUBCJ6T1grgMWoyVmkJoYyQx6nLxD3rM6AAeyudJye3rNoi4745hVxjRuwkU9BXPl
  2. https://www.tiktok.com/@renatodasilva86/video/7151944018933320965?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=6990348622370440710
  3. https://www.tiktok.com/@renatodasilva86/video/7152248971405036805?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=6990348622370440710
  4. https://www.facebook.com/photo?fbid=427934342743461&set=bc.AbqcThn3nN1tlY-4n7wtNsfWNLL9LqFK9r-ITjGy2HO6fWnC8vVObbKOiCkCRr-hoPfYOGCC
  5. https://www.facebook.com/jaisson.numercustodio/posts/pfbid02miYtWv4Gb6chK9TVWRuCWExLEPcb4GrwepQfZSXMx5ibsBE3KvYhuxvjCpGH2iBRl
  6. https://www.facebook.com/photo/?fbid=2141746052662015&set=pcb.2141746075995346
  7. https://www.facebook.com/photo/?fbid=1823747571308675&set=a.1802116683471764
  8. https://www.facebook.com/elizabeth.augustopessoa.3/posts/pfbid02nmi2tQi4URwozv nLLdF2ES81jFMbNVFpVkYCt8ytrEpZLy6vQhZ3FzARoBsmmCjpl
  9. https://www.facebook.com/photo/?fbid=1197832337440824&set=a.125967814627287
  10. https://www.facebook.com/photo/?fbid=979683056760023&set=a.478289373566063
  11. https://www.facebook.com/photo/?fbid=1255306875013976&set=a.120710088473666
  12. https://www.facebook.com/photo/?fbid=5636924833013422&set=a.144613988911228
  13. https://www.facebook.com/photo/?fbid=5742012612505067&set=a.1262196253820081
  14. https://www.facebook.com/photo/?fbid=2322354644572262&set=bc.Abr8CDXPOWxEiv0I_GLZ2fBg_OZuJhDYD7lFrSlQ0uSrTPelG38fvMnr8P9qdm58HDM8bwTN4CQA9dOJ_9SeDi0QRPzLfJwj1aogAg7AKAYd3tyF9bFg2UgLnR3NetCCNTIYNWKh3YPPuQKfaeC6L&opaqueCursor=AbqDiv0nGfJu3GbAIJRokSuqFfgBSIig1TXRj2FUJsvTS2W9EkVfQfV5q4H7qAjxJPFCGq6fo67r_BZSKRmPKLA8Ha4GOXDJuulvCMegkKiMLm5aRF4ZusyBtlTQ6ZLG9bIGMabzVpCYNvMush4WH0E0e9kSg9w7oUN1_emxHaIUKpms4cRNnCQHwe7ZG-1t3E-KQ27uwxQqgJRPmzIT1dqdx0DseJYJvnISrh7LgqFkQZJsek0eyQaqkpyKLapn9ilLoM_oFAGw4kjvpCceH8pGsnT1czkwbv3Y8jBd05II5IkR2YK4YGVE7QBTdsmBE3tPvsP3AySwjCv90vLsXEK5auH6nO_m3Uern2okcRujanUfk2MHnONSrha28xZADPxpcqkH6zvbi878HGZvGxglnOJXdhVdbmuAVXGS_tmCvF1oGv1JBhpsFxxykMEz2cQNdNZh9VxuwfOsNJwyPcNT0ArgWf4IfjVNbej5y46uYsg7hPbJqvHySPsF9y3EozEINjBIFraP8Byyw2eo_jsI5h4Y49x4BBsubp1imwxaTE41F14h68IIH6wTqOKbMZBYDfZh72yJ40KJB0TPi6P-CDZYvH11Hw
  1. https://www.facebook.com/photo/?fbid=2500600113414150&set=a.167463810061137
  2. https://www.facebook.com/luce.ge/posts/pfbid0vBLksh6WGqnWJWu6V76SWXZaeZDvtW1JFuJm1Yqv8NVRgbs64wGdDPrnrckFCFxUl

Oficiem-se os provedores de aplicação, para cumprimento da determinação judicial de remoção, no prazo de 24h, conforme preceito normativo previsto no art. 17, § 1º-B, da Res.-TSE nº 23.608/2019, sob pena de multa, ora fixada em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Determino, ainda, nos termos do referido artigo, sejam fornecidos os dados de acesso e registro, bem como endereço de IP, afim de identificação dos responsáveis pelas publicações.

Nos termos do art. 2o da Portaria-TSE nº 791/2022, encaminhem-se os autos à presidência desta Corte para que esta decisão seja submetida ao referendo do E. Plenário deste Tribunal.

Proceda-se à citação dos representados para que apresentem resposta, no prazo de 2 (dois) dias, nos termos do art. 18 da Res.-TSE nº 23.608/2019.

Transcorrido o prazo para apresentação de resposta, intime-se o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para que se manifeste na forma do art. 19 da referida resolução. 

Publique-se. 

 

Brasília, 12 de outubro de 2022.


Ministra Maria Claudia Bucchianeri
Relatora