TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

 

REFERENDO NA REPRESENTAÇÃO Nº 0601026-09.2022.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL


Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Representante: Coligação Brasil da Esperança
Advogado: Angelo Longo Ferraro – OAB: 37922/DF
Representado: Responsável pelo perfil "AnaMariaMariaAM" no Twitter
Representado: Responsável pelo perfil "LuizGiacomelli4" no Twitter
Representado: Responsável pelo perfil "profpalma " no Twitter
Representado: Responsável pelo perfil "Vera Lúcia" no Telegram
Representado: Responsável pelo perfil "Luta pela ordem e progresso " no Facebook
Representado: Responsável pelo perfil "carlos branco" no Facebook
Representado: Responsável pelo perfil "Darlyn Matos " no Facebook
Representado: Responsável pelo perfil "@ Marcao @ " no Kwai

 

REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NEGATIVA NA INTERNET E NAS REDES SOCIAIS FACEBOOK, TWITTER, KWAI E TELEGRAM. CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESINFORMAÇÃO. INDUÇÃO A ERRO. VEICULAÇÃO DE MENSAGEM SABIDAMENTE INVERÍDICA. OFENSA À HONRA DO CANDIDATO E AO PARTIDO AO QUAL É FILIADO. LIMINAR DEFERIDA. DECISÃO REFERENDADA. 

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em referendar o deferimento da liminar, nos termos do voto da relatora.

 

Brasília, 3 de outubro de 2022.

 

MINISTRA CÁRMEN LÚCIA  –  RELATORA

 

 

RELATÓRIO

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Senhor Presidente, representação, com requerimento liminar, ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança, formada pela Federação Brasil da Esperança – FE Brasil, contra os responsáveis por perfis de redes sociais no Facebook, no Twitter, no Kwai e no Telegram, por suposta prática de propaganda eleitoral irregular negativa e veiculação de desinformação na internet.

Alega-se ter havido “veiculação de desinformação pelos Representados, em suas diversas redes sociais (Facebook, Twitter, Kwai e Telegram), no sentido de que ‘o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, teria tuitado que o Supremo Tribunal Federal e Lula teriam mandado matar Bolsonaro’” (ID 158055311, p. 3).

Afirma a autora que, em 8.9.2022, "o Representado Responsável pelo perfil “AnaMariaMariaAM” (...) publicou em seu feed no Twitter um vídeo no qual Leda Nagle, renomada jornalista, difunde a informação notadamente inverídica de que ‘STF e Lula possuem um plano para matar o atual presidente, Jair Messias Bolsonaro’” (ID 158055311, p. 4-5)

Acrescenta que os demais representados replicaram, em suas redes sociais, essas informações, expondo “fatos inverídicos e descontextualizados – já desmentidos por veículos de comunicação e agências de checagem” (ID 158055311, p. 3).

Sustenta que o alegado “vídeo desinformador” não circulou apenas na plataforma de rede social Twitter, mas também na página do Facebook denominada “Luta pela ordem e progresso”, oportunidade em que foi acrescentada a informação: “#STFGabineteDoCrime #STFVergonhaNacional #lulanacadeia” (ID 158055311, p. 5).

Ressalta-se, na peça inicial, que a reetição do vídeo foi também realizada na rede social Kwai, na página do responsável pelo perfil “@Marcão”, o qual acrescentou a legenda: “Segundo a jornalista Leda Nagle, a ordem para matar Bolsonaro partiu do STF e de Lula. Será por isso que impediram acesso ao cel de Adelio????” (ID 158055311, p. 6).

Alega-se ter sido divulgado o vídeo em 9.9.2022 também em grupos de aplicativos de mensagens, “como se pode perceber nos envios feitos pelo Responsável pelo perfil ‘Vera Lúcia’, no Telegram” (ID 158055311, p.7).

Defende a autora que o objetivo dos representados “ao publicar tais conteúdos fraudulentos e sem compromisso com a verdade” é “induzir a opinião pública a uma conclusão inverídica e absurda, de modo sorrateiro e desonesto, na tentativa ilícita d interferir no processo eleitoral, ao atingir milhares de pessoas com a desinformação” (ID 158055311, p. 9).

Afirma haver “flagrante ataque as instituições brasileiras, considerando que a desinformação induz o leitor a acreditar que ministros da Suprema Corte teriam proferido ordem de assassinato para o atual presidente. Ou seja, além de espalhar desinformação, ainda há a tentativa de descredibilização e desqualificação do Supremo Tribunal Federal ao insinuar que participaria de conluios e seus membros estariam envolvidos em práticas criminosas” (ID 158055311, p. 9-10).

Observa a autora que as postagens nas redes sociais “fazem alusão a um fato sabidamente inverídico”, pois “o Sr. Paulo Gustavo Maiurino nunca publicou o tweet em questão, se trata, portanto, de um perfil fraudulento, que se passa pelo diretor-geral da Polícia Federal. Extrai-se também da reportagem um tweet da Sra. Leda Nagle, autora do vídeo desinformador, que reconheceu a inveracidade da suposta notícia e se desculpou pelo recorrido” (ID 158055311, p. 11, grifos no original).

Assinala que diversas agências de checagem ratificaram a inveracidade da desinformação de “que o diretor-geral da Polícia Federal teria informado que Lula e o STF haveriam proferido ordem para matar Jair Bolsonaro” (ID 158055311, p.12).

Indica-se contrariedade ao art. 9º-A, ao inciso X do art. 22 e ao art. 27 da Resolução n. 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, “uma vez que os Representados conscientemente divulgaram vídeo com conteúdo inverossímil” e, ainda, que o inciso X do art. 22 da Resolução n. 23.610/2019 deste Tribunal Superior estabelece “que não será tolerada propaganda par caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa” (ID 158055311, p. 20).

Assevera presentes os elementos autorizadores do deferimento da liminar requerida.

Para a comprovação da probabilidade do direito, sustenta-se afronta “às normas constitucionais e princípios que regem a propaganda eleitoral, sobretudo a Resolução nº 23.610/2019 deste c. TSE, de modo a ferir a lisura do processo eleitoral” (158055311, p. 20) e colaciona precedentes deste Tribunal Superior.

Em relação ao perigo na demora, assinala-se a “perpetuação de desinformações que maculam a lisura do processo eleitoral, configurando propaganda eleitoral negativa contra o ex-presidente Lula, por meio de publicações veiculadas na internet” (158055311, p. 20).

Requer medida liminar "a fim de que sejam removidos os vídeos que reproduzem a propaganda eleitoral negativa nas redes sociais dos representados, de que se abstenham de veicular publicações com o mesmo teor e de que este Tribunal Superior determine, nos termos dos §§ 1º e 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019, diligências para a identificação dos representados.

No mérito, pede-se a confirmação da medida liminar e a aplicação da multa de R$ 25.000 (vinte e cinco mil reais), prevista no art. 36 da Lei n. 9.504/97, a cada um dos representados (ID 158055311, p. 30).

2. Em 25.9.22, deferi o requerimento liminar.

É o relatório.

 

 

VOTO

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (relatora): Senhor Presidente, transcrevo os fundamentos da decisão por meio da qual deferi o requerimento liminar (ID 158084007):

2. Para efeito de liminar e sem prejuízo de posterior exame mais detido da causa, comprovam-se presentes os requisitos para o deferimento da medida requerida, conforme previsto no caput do art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

O direito brasileiro não autoriza tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”, tal como se dispõe no § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil.

3. A solução desta controvérsia jurídica, ainda que em sede liminar, exige uma breve consideração sobre o direito à livre manifestação do pensamento garantido na Constituição da República.

No voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.281/DF, no Supremo Tribunal Federal – STF, realcei (p. 293 do acórdão): 

"A Constituição da República garante a liberdade de expressão, de informar e de ser informado, além da liberdade de imprensa, direitos fundamentais inerentes à dignidade humana e que, à sua vez, constituem fundamento do regime democrático de direito (incs. IV, IX e XIV, do art. 5o e art. 220 da Constituição da República). A liberdade de expressão no direito eleitoral instrumentaliza o regime democrático, pois é no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência, pelo que o cidadão tem direito de receber qualquer informação que possa vir a influenciar suas decisões políticas."

Naquele voto, também ressaltei a ocorrência de divulgação de informações falsas pelos novos meios de propaganda eleitoral, os quais, às vezes, alimentam-se da instabilidade das mentiras digitais, apelidadas de fake news (p. 294 e 297 do acórdão):

"Assim, com a revolução tecnológica da internet e das mídias sociais, a propaganda eleitoral se dá por novos meios e por divulgação instantânea para milhares de pessoas, muitas vezes veiculando informações falsas (...).

(...)

As notícias são transmitidas, atualmente, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e cada vez menos pela imprensa tradicional, o que contribui para o aumento da desinformação e das notícias falsas, as quais circulam livre e gratuitamente nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens.

A esse respeito, Francisco Balaguer Callejón lembra que enquanto os meios de comunicação tradicionais são abertos e transparentes, as redes sociais muitas vezes se alimentam da instabilidade das fake news.

Não se assegura, no sistema constitucional brasileiro, abuso de direitos, mesmo os fundamentais, inexistindo direito absoluto à manifestação do pensamento. Por isso, é juridicamente possível a restrição ao exercício desse direito fundamental em casos nos quais comprovada a ilicitude do desempenho em detrimento de direito, igualmente resguardado constitucional, à dignidade das pessoas e das instituições. 

4. No caso em exame, a representante pretende, em sede de liminar, a remoção de publicações veiculadas em perfis de redes sociais pertencentes aos representados nas plataformas digitais Facebook, Twitter, Kwai e Telegram, pois os conteúdos inverídicos nelas publicados são mentirosas e configuram propaganda eleitoral negativa e ofensa à honra do candidato e do partido ao qual é filiado.

Extrai-se da inicial ter havido a veiculação de vídeos com informações mentirosas, pelas quais se busca induzir o eleitor a “crer que o Supremo Tribunal Federal e o candidato à presidência pela Coligação Representante, o Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, estariam agindo em conluio. E mais grave: atribui conduta ilegal ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, qual seja, a ordem de assassinato do presidente Bolsonaro” (ID 158055311, p. 3).

Tem-se, na petição inicial, o trecho da degravação do vídeo, de 2021, atribuído ao Diretor-Geral da Polícia Federal (ID 158055311, p. 3):

"Partiu daqui em conjunto com @LulaOficial e outros a ideia de matar BOLSONARO, Por enquanto não posso dizer muito, mas vocês saberão...quem quiser pensar que é falsa a informação, fiquem a vontade, nós próximos dias saberão de muitas coisas!

Deus abençoe vocês."

Em seu perfil na rede social Twitter, a primeira representada publicou vídeo no qual a jornalista Leda Nagle “difunde a informação notadamente inverídica de que ‘STF e Lula possuem um plano para matar o atual presidente, Jair Messias Bolsonaro’” (ID 158055311, p. 5):

O novo delegado chefe da polícia federal acaba de soltar um Twitter bombástico em q afirma q quem mandou matar o então candidato a presidência Bolsonaro, foi o Lula em conluio com o STF!"

5. As postagens nas redes sociais dos representados apresentam conteúdo produzido para desinformar. As mensagens transmitidas, como atestado pelas agências de checagem de informação e de imprensa, não têm respaldo nos fatos (ID 158055311, p. 10-11).

Na espécie em análise, as publicações não são críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. O que se tem é a divulgação de mensagem sabidamente mentirosa, em ofensa à imagem do candidato. “A livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto” (AgR-REspEl n. 0600396-74/SE, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).

Na esteira da jurisprudência deste Tribunal Superior, “as ordens de remoção de propaganda irregular, como restrições ao direito à liberdade de expressão, somente se legitimam quando visem à preservação da higidez do processo eleitoral, à igualdade de chances entre candidatos e à proteção da honra e da imagem dos envolvidos na disputa” (REspe n. 529-56/RJ, Relator o Ministro Admar Gonzaga,DJede 20.3.2018).

6. A veiculação de mensagem mentirosa e com potencial que pode conduzir a ilações equivocadas pelo eleitor  evidencia a plausibilidade do direito sustentado nesta representação. 

O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo é evidenciado pela possibilidade de acesso à postagem por número cada vez maior de pessoas, o que acarreta a propagação da ofensa à honra e à imagem do candidato. 

Não se comprova, no caso, perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (§ 3º do art. 300 do Código de Processo Civil). 

7. Pelo exposto, reservando-me o direito a exame mais detido da controvérsia por ocasião do julgamento do mérito, presentes os pressupostos do perigo da demora e da plausibilidade jurídica, defiro o requerimento de medida liminar e, nos termos do § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, concedo o pedido de liminar para que sejam removidos os vídeos indicados nos seguintes endereços eletrônicos: 

1) https://twitter.com/AnaMariaMariaAM/status/1567709935223324677

2) https://t.me/BOLSONARO_BRAGANETO_2022/246366

3) https://t.me/OsPatriotasBr/996496

4) https://twitter.com/LuizGiacomelli4/status/1568274994035032067

5) https://twitter.com/profpalma/status/1568037663055269889

6) https://twitter.com/AugustoVollotao/status/1567875183112773633

7) https://www.facebook.com/watch/?v=1718636088500087&ref=sharing

8) https://www.facebook.com/carlos.branco.581/videos/3267969226811986

9) https://www.facebook.com/darlyn.matos.1/videos/758788052016003

10) https://kwai-video.com/p/C55XZrAN

Oficiem-se os provedores de aplicação Twitter, Telegram, Facebook e Kwai para o cumprimento da determinação judicial de remoção das publicações, no prazo de 24 horas, conforme o § 1º-B do art. 17 da Resolução n. 23.608/2019 deste Tribunal Superior, devendo este ser informado sobre as providências tomadas, no prazo de 48 horas, sob pena de fixação de multa e de outras medidas para o efetivo cumprimento desta decisão. 

Defiro, ainda, a expedição de comunicação para que a empresa controladora e provedora do Twitter, do Telegram, do Facebook e do Kwai informe, no prazo máximo de cinco dias, todos os dados que possibilitem a identificação dos administradores dos seguintes perfis: “AnaMariaMariaAM” (Twitter), “LuizGiacomelli4” (Twitter), “profpalma” (Twitter), “AugustoVollotao” (Twitter), “Vera Lúcia” (Telegram), “Luta pela ordem e progresso” (Facebook), “carlos branco” (Facebook), “Darlyn Matos” (Facebook) e “@ Marcao @” (Kwai).

Publique-se e intime-se.”

Senhor Presidente, é a decisão que submeto aos pares, nos termos do art. 2º da Portaria TSE nº 791/2022, e VOTO no sentido de referendar o deferimento da liminar.

 

 

EXTRATO DA ATA

 

 

Ref-Rp nº 0601026-09.2022.6.00.0000/DF. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Representante: Coligação Brasil da Esperança (Advogado: Angelo Longo Ferraro – OAB: 37922/DF). Representado: Responsável pelo perfil "AnaMariaMariaAM" no Twitter. Representado: Responsável pelo perfil "LuizGiacomelli4" no Twitter. Representado: Responsável pelo perfil "profpalma " no Twitter. Representado: Responsável pelo perfil "Vera Lúcia" no Telegram. Representado: Responsável pelo perfil "Luta pela ordem e progresso " no Facebook. Representado: Responsável pelo perfil "carlos branco" no Facebook. Representado: Responsável pelo perfil "Darlyn Matos " no Facebook. Representado: Responsável pelo perfil "@ Marcao @ " no Kwai.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, referendou o deferimento da liminar, nos termos do voto da relatora. Acórdão publicado em sessão.

Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

SESSÃO REALIZADA POR MEIO ELETRÔNICO DE 30.9 A 3.10.2022.