TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ACÓRDÃO

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0000293-64.2016.6.16.0095 – SANTA INÊS – PARANÁ

Relator: Ministro Alexandre de Moraes

Agravante: Marcel André Regovichi

Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outro

Agravante: Luiza Saraiva Lemos

Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outros

Agravada: Coligação Santa Inês de Todos para Todos

Advogado: Anderson Soares de Cerqueira – OAB: 37426/PR

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8ª-A da Lei nº 9.296/96, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial, mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.  

2. Nos termos do § 4º, do artigo 8º-A da Lei nº 9.296/96, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo. 

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral, o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral, resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE nº 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal, sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5º, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli – Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5º, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em dar provimento ao agravo interno e ao recurso especial eleitoral para julgar improcedentes os pedidos, nos termos do voto do relator. 

 

Brasília, 7 de outubro de 2021.

 

MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES – RELATOR

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Senhor Presidente, trata-se de Agravo Interno interposto por Marcel André Regovichi e por Luiza Saraiva Lemos, candidatos aos cargos de Prefeito e Vereador de Santa Inês/PR, nas Eleições 2016, contra decisão monocrática, proferida pelo eminente Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, pela qual negado seguimento aos Agravos e mantido o acórdão regional que afastou a inelegibilidade imposta aos Agravantes e manteve a condenação ao pagamento de multa.

Em suas razões (ID 106743138), os Agravantes sustentam, em síntese: i) a ilicitude da gravação ambiental, “porque o interlocutor que realizou a gravação não reside na residência em que foi colhido o material sonoro, tendo em vista que a gravação foi realizada por Ricardo na casa de sua mãe Roseli” (fl. 18), ausente manifestação acerca do Tema 979 do STF; ii) não pretendida a revaloração de fatos e provas, mas o reenquadramento jurídico dos fatos; iii) necessária a formação de litisconsórcio passivo necessário com a inclusão, por tratar-se de típica Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), violados os arts. 22, XIV, da LC 64/90; 114 do CPC e a Súmula 38 do TSE; e iv) ausência de elementos configuradores da conduta prevista no art. 41-A da Lei 9.504/1997, uma vez que a conduta denunciada na petição inicial da lide é a prática de abuso do poder econômico e político.

Sem contrarrazões.

Os autos foram a mim redistribuídos, nos termos do art. 16, § 7º, do RITSE.

É o relatório.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (relator): Senhor Presidente, trata-se de Agravo Interno interposto por Marcel André Regovichi e por Luiza Saraiva Lemos, candidatos aos cargos de Prefeito e Vereador de Santa Inês/PR, nas Eleições 2016, contra decisão monocrática, proferida pelo eminente Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, pela qual negado seguimento aos Agravos, sustentado o acórdão regional que, mantida a condenação ao pagamento de multa, afastou a inelegibilidade imposta aos Agravantes.

A decisão agravada proferida pelo então Relator Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, pela qual negado seguimento aos Agravos foi assim ementada (ID 28530888):

“Ementa: Direito Eleitoral. Processual Civil. Recursos Especiais Eleitorais com agravos. Eleições 2016. Representação. Captação Ilícita de sufrágio. Gravação ambiental. Licitude da prova. Negativa de Seguimento.

I– Hipótese

1. Agravos contra decisão de inadmissão de recursos especiais eleitorais interpostos contra acórdão do TRE/PR que reformou parcialmente a sentença, mantendo a multa aplicada aos agravantes, bem como a cassação do diploma de vereadora da segunda agravante.

2. Na origem, o TRE/PR, confirmando a licitude da gravação ambiental realizada em reunião na residência do eleitor, manteve a conclusão da sentença quanto à comprovação de que os candidatos prometeram a eleitores pagamento em dinheiro, concessão de remédios e auxílio na obtenção do benefício de aposentadoria, com o fim específico de beneficiar as suas candidaturas.

II – Preliminar de coisa julgada em relação ao capítulo da sentença que aplicou multa imposta ao primeiro agravante

3. Afastada a tese da Procuradoria Geral Eleitoral de existência de coisa julgada em desfavor de Marcel Regovichi, que não recorreu da sentença.

4. O capítulo da sentença relativo à captação ilícita de sufrágio, do qual resulta multa para o primeiro agravante, vem sendo objeto de recurso pela segunda agravante desde a origem. Nos termos do art. 1.005 do CPC/2015, ‘o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses’. Portanto, a atuação contínua da segunda agravante, trazendo defesa que aproveita ao primeiro, é suficiente para evitar a formação da coisa julgada parcial.

5. Por outro lado, a tese da ausência de interesse recursal de Marcel Regovichi não foi debatida no acórdão regional (que julgou seus embargos de declaração) ou suscitada por meio de novos embargos declaratórios. O parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, portanto, ao tratar da matéria, apresenta inovação em fase recursal, insuscetível de conhecimento nesta sede, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Precedentes

III – Agravos

6. É lícita a gravação realizada por um dos interlocutores em sua própria residência sem qualquer indício de manipulação da conversa ou flagrante preparado. Precedente.

7. Não é possível conhecer da alegação de vício na formação de litisconsórcio passivo necessário, tendo em conta que: (i) o entendimento da maioria do Tribunal Regional, no sentido de que a petição inicial não apresentava contornos de AIJE típica, tornou prejudicada toda a discussão quanto ao abuso de poder e afastou a inelegibilidade dos ora agravantes, resultado prático idêntico ao que lograriam os agravantes caso extinta parcialmente a AIJE em relação a esse capítulo; e (ii) a alegação de nulidade por ausência do vice-prefeito que compunha a chapa com o primeiro agravado constitui inovação recursal do agravo, o que atrai a incidência da Súmula nº 72/TSE.

8. Quanto à alegação de violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, incide o óbice previsto na Súmula nº 24/TSE. O TRE/PR, com base em acervo probatório robusto – prova testemunhal e gravações ambientais –, concluiu que os agravantes, diretamente e mediante terceiros que atuaram com seu conhecimento e consentimento, ofereceram a eleitores, em período eleitoral, vantagem pecuniária, fornecimento de remédios e auxílio para concessão de aposentadoria, com finalidade eleitoral.

IV – Conclusão

9. Agravos a que se nega seguimento.”

O TRE/PR manteve a procedência da representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/1997) proposta em desfavor dos ora Agravantes.

Conforme assentado na decisão agravada, possível extrair do acórdão regional que: “(i) os agravantes fizeram a oferta ‘de R$ 6.000,00, divididos em três vezes, sendo dois mil, mais dois mil, e dois mil após o pleito, dentre outros benefícios, como a concessão de remédios e auxílio na obtenção de aposentadoria, à eleitora Roseli, em troca de apoio aos candidatos Cia [Marcel] e Luiza’ (fl. 287); e (ii) ‘a recorrente Luiza teve participação ativa na compra de votos, tanto é que ela confirmou os dizeres acerca da compra de votos’ e ainda corroborou as promessas de vantagens aos eleitores”.

Inicialmente, reitero, à luz da decisão agravada, que o TRE/PR analisou a alegação de litisconsórcio sob a ótica do art. 41-A da Lei 9.504/1997, concluindo que, “no que diz respeito ao Secretário Municipal, Claudinei Hipólito, o acórdão regional consignou, de modo correto, que o terceiro, ainda que tenha em tese contribuído para a captação ilícita de sufrágio e seja agente público, não é legitimado passivo do art. 41- A da Lei nº 9.504/1997”. Em relação a não inclusão do candidato a Vice-Prefeito, consignada pelo Relator a inovação recursal, efetivamente incide na espécie a Súmula 72/TSE.

No que toca à prova obtida por meio de gravação ambiental, diversamente da posição firmada na decisão agravada, entendo como clandestinas aquelas em que a captação e gravação da conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dá no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores, implicando inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal.

Isto porque a tutela constitucional das comunicações pretende tornar inviolável a manifestação de pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoal ou pessoas determinadas. Consiste, pois, no direito de escolher o destinatário da transmissão.

Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral, o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral, resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado.

Reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações, com supressão de trechos, elaboração de sofisticadas montagens, trucagens cada vez mais sofisticadas viabilizadas por equipamentos moderníssimos que ao fim podem alterar completamente o sentido de determinadas conversas.

Como afirma Luiz Flávio Gomes, “o que cabe realçar na gravação clandestina é a sua surpresa, o que a torna moralmente reprovável. Uma coisa é expressar o pensamento sem saber da gravação, outra bem distinta é quando se toma conhecimento dela. Não se nega que existe uma escolha da pessoa a quem se confia o conteúdo de uma comunicação. Mas o comunicador, até essa altura, tem controle da informação” (GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à Lei nº 9.296, de 24.07.1996. 2ª edição. São Paulo: RT, 2013, p. 29).

E uma vez mais realçando o respeito a eventual posição divergente, impõe-se destacar que a compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE nº 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal, sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5º, XII, parte final), ainda que também sob este enfoque guardemos reservas quanto à posição assentada.

Corroborando nosso entendimento, a Lei nº 13.964/2019, que incluiu o artigo 8ª-A e respectivos parágrafos à Lei nº 9.296/96, deixa expresso que "para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:      

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e     

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.     

Ainda – e sempre sob o prisma da investigação e instrução criminal – o § 4º do referido art. 8º-A especifica que "a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação".         

Nesse contexto, a consideração de que válidas as gravações aqui utilizadas seria questionável ainda que de instrução ou investigação criminal se cuidasse. No âmbito estrito de representação eleitoral sem vinculação penal, então, a ilegalidade é patente. 

E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli – Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, apta a instruir ação de impugnação de mandato eletivo, à  luz do art. 5º, incs. II e XII da Constituição da República, verbis:

EMENTA Direito Constitucional. Direito Eleitoral. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da ilicitude dessa prova, sob o fundamento de que há a necessidade de proteção da privacidade e da honra. Gravação ambiental que somente seria legítima se utilizada em defesa do candidato, nunca para o acusar da prática de um ilícito eleitoral. Suportes jurídicos e fáticos diversos que afastariam a aplicação da tese de repercussão geral fixada, para as ações penais, no RE nº 583.937. A temática controvertida é apta a replicar-se em diversos processos, atingindo candidatos em todas as fases das eleições e até mesmo aqueles já eleitos. Implicações para a normalidade institucional, política e administrativa de todas as unidades da Federação. Repercussão geral reconhecida.

Reitere-se que no âmbito das disputas eleitorais, como regra, as gravações e interceptações ambientais clandestinas não são levadas a cabo por vítimas de ato criminoso, mas ao contrário, são ajambradas, por vezes premeditadas e não raro dirigidas exclusivamente com intuito de prejudicar o adversário ou o grupo momentaneamente rival, com vistas a finalidade oposta à nobreza ou ao legítimo exercício do direito de defesa.

Admiti-las lícitas, como regra, e não como algo excepcionalíssimo, seria relativizar as garantias individuais consagradas no artigo 5º, II, X e XII da Constituição Federal não como meio de prestigiar princípios constitucionais outros de igual ou maior envergadura, mas como estímulo à expedientes artificiosos que tendo como intuito primeiro o de desconstruir a imagem alheia, antes desmerecem o escorreito processo eleitoral e vão na contramão do aperfeiçoamento das instituições democráticas, do que virtuosamente contribuem para um sistema capaz de expurgar quem não detenha os atributos necessários a bem desempenhar mandatos eletivos.  

Segundo  se infere da descrição constante do acórdão regional, a gravação foi realizada em ambiente privado (residência de eleitor), durante a campanha eleitoral, com a presença de outros candidatos e correligionários, para a divulgação de propostas e ideias de campanha, sem conhecimento, consentimento ou anuência dos demais interlocutores, notadamente os recorrentes, restando manifesta a ilicitude da prova.

De se convir que segundo regras de experiência comuns relativas à convivência humana, ninguém que recebe visitas em sua casa, seja de pessoas próximas, para confraternização, seja de pessoas não tão próximas assim, para finalidade qualquer, ainda que previamente agendadas, tem por direcionamento natural posicionar aparato destinado à gravação dos diálogos que serão travados, sobretudo de forma camuflada, assegurando-se que os demais não tomem conhecimento daquela iniciativa.

Ainda que não se ignore que nos dias atuais tais gravações podem ser feitas com singular facilidade, pois um simples celular serve bem a tal finalidade, a iniciativa da gravação é algo que por si contradiz o estado de espírito desinteressado, compatível, via de regra, com a inércia. 

Nessa quadra, os recorrentes não teriam razão plausível para intuir que, num ambiente privado, no lar dos anfitriões, os assuntos tratados não seriam reservados estritamente a quem ali se encontrava, ao contrário do que normalmente ocorre em ambientes externos, públicos ou abertos ao público. 

Assim, em regra, é ilícita a prova colhida mediante gravação ambiental feita por um dos participantes, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais interlocutores, em ambiente inequivocamente privado, como o ocorrido no caso dos autos. De igual modo, provas derivadas de gravação ambiental ilícita não se prestam para fundamentar condenação, porque ilícitas por derivação. 

Em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do CPC, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida (HC 156157 AgR/STF, DJe de 26/11/2018 – destaquei). No mesmo sentido é a jurisprudência do TSE: RO 1821 (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 31/03/2014). 

No caso dos autos, contudo, ausentes outros elementos de prova absolutamente desvinculados daquela gravação, substrato primeiro e último da formação da culpa e condenação imposta aos recorrentes.  

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao Agravo Regimental para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

É o voto.

 

PEDIDO DE VISTA

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Obrigado, Ministro Alexandre de Moraes, que, portanto, dá provimento ao agravo interno, acolhe a preliminar de ilicitude da gravação ambiental e dá provimento ao recurso especial eleitoral.

Eu vou pedir todas as vênias aos eminentes colegas para fazer um pedido antecipado de vista dessa matéria para reflexão, até porque a própria decisão agravada havia sido proferida por mim durante o recesso.

Indago dos eminentes colegas se aguardam a devolução da vista.

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO (provisório)

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Assim sendo, iniciado o julgamento, o relator deu provimento ao agravo interno, acolheu a preliminar de ilicitude da gravação ambiental, deu provimento ao recurso especial eleitoral e julgou improcedente o pedido. Na sequência, pediu vista antecipada o Ministro Luís Roberto Barroso. Aguardam os demais.

 

EXTRATO DA ATA 

 

AgR-AI nº 0000293-64.2016.6.16.0095/PR. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Agravante: Marcel André Regovichi (Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outro). Agravante: Luiza Saraiva Lemos (Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outros). Agravada: Coligação Santa Inês de Todos para Todos (Advogado: Anderson Soares de Cerqueira – OAB: 37426/PR).

Decisão: Após o voto do Ministro Alexandre de Moraes (relator), no sentido de dar provimento ao agravo interno para, acolhendo a preliminar de ilicitude da gravação ambiental, dar provimento ao recurso especial eleitoral e julgar improcedente o pedido, antecipou pedido de vista o Ministro Luís Roberto Barroso. Aguardam os Ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos, Carlos Horbach e Edson Fachin.

Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Renato Brill de Góes.

 

SESSÃO DE 1º.6.2021.

 

VOTO-VISTA (vencido)

 

I – Hipótese

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Senhores Ministros, trata-se de agravo interno interposto por Marcel André Regovichi e Luiza Saraiva Lemos contra a decisão que negou seguimento aos recursos especiais eleitorais com agravo e manteve a condenação dos recorrentes nas sanções por captação ilícita de sufrágio. Hipótese em que as condutas tidas por ilícitas foram cometidas no contexto das Eleições 2016, na qual Marcel André Regovichi concorreu para o cargo de Prefeito, mas não foi eleito, e Luiza Saraiva Lemos pleiteou e foi eleita ao cargo de Vereador. A decisão, proferida por mim, contou com a seguinte ementa:

Ementa: Direito Eleitoral. Processual Civil. Recursos Especiais Eleitorais com agravos. Eleições 2016. Representação. Captação Ilícita de sufrágio. Gravação ambiental. Licitude da prova. Negativa de Seguimento.
I – Hipótese
1. Agravos contra decisão de inadmissão de recursos especiais eleitorais interpostos contra acórdão do TRE/PR que reformou parcialmente a sentença, mantendo a multa aplicada aos agravantes, bem como a cassação do diploma de vereadora da segunda agravante.
2. Na origem, o TRE/PR, confirmando a licitude da gravação ambiental realizada em reunião na residência do eleitor, manteve a conclusão da sentença quanto à comprovação de que os candidatos prometeram a eleitores pagamento em dinheiro, concessão de remédios e auxílio na obtenção do benefício de aposentadoria, com o fim específico de beneficiar as suas candidaturas.
II – Preliminar de coisa julgada em relação ao capítulo da sentença que aplicou multa imposta ao primeiro agravante
3. Afastada a tese da Procuradoria Geral Eleitoral de existência de coisa julgada em desfavor de Marcel Regovichi, que não recorreu da sentença.
4. O capítulo da sentença relativo à captação ilícita de sufrágio, do qual resulta multa para o primeiro agravante, vem sendo objeto de recurso pela segunda agravante desde a origem. Nos termos do art. 1.005 do CPC/2015, “o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”. Portanto, a atuação contínua da segunda agravante, trazendo defesa que aproveita ao primeiro, é suficiente para evitar a formação da coisa julgada parcial.
5. Por outro lado, a tese da ausência de interesse recursal de Marcel Regovichi não foi debatida no acórdão regional (que julgou seus embargos de declaração) ou suscitada por meio de novos embargos declaratórios. O parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, portanto, ao tratar da matéria, apresenta inovação em fase recursal, insuscetível de conhecimento nesta sede, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Precedentes.
III – Agravos
6. É lícita a gravação realizada por um dos interlocutores em sua própria residência sem qualquer indício de manipulação da conversa ou flagrante preparado. Precedente.
7. Não é possível conhecer da alegação de vício na formação de litisconsórcio passivo necessário, tendo em conta que: (i) o entendimento da maioria do Tribunal Regional, no sentido de que a petição inicial não apresentava contornos de AIJE típica, tornou prejudicada toda a discussão quanto ao abuso de poder e afastou a inelegibilidade dos ora agravantes, resultado prático idêntico ao que lograriam os agravantes caso extinta parcialmente a AIJE em relação a esse capítulo; e (ii) a alegação de nulidade por ausência do vice-prefeito que compunha a chapa com o primeiro agravado constitui inovação recursal do agravo, o que atrai a incidência da Súmula nº 72/TSE.
8. Quanto à alegação de violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, incide o óbice previsto na Súmula nº 24/TSE. O TRE/PR, com base em acervo probatório robusto – prova testemunhal e gravações ambientais –, concluiu que os agravantes, diretamente e mediante terceiros que atuaram com seu conhecimento e consentimento, ofereceram a eleitores, em período eleitoral, vantagem pecuniária, fornecimento de remédios e auxílio para concessão de aposentadoria, com finalidade eleitoral.
IV - Conclusão
9. Agravos a que se nega seguimento”.

2. Na origem, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, confirmando a licitude da gravação ambiental realizada em reunião na residência do eleitor, manteve a conclusão da sentença quanto à comprovação de que os candidatos prometeram pagamento em dinheiro, concessão de remédios e auxílio na obtenção do benefício de aposentadoria, com o fim específico de beneficiar as suas candidaturas.

3. Os agravantes reiteram as razões do recurso especial alegando, em síntese: (i) ilicitude da gravação ambiental, com violação do art. 5º, LVI, da Constituição Federal e art. 157 do Código de Processo Penal, além da presença de repercussão geral perante o STF; (ii) que o interlocutor que realizou a gravação não reside na residência em que foi colhido o material sonoro; (iii) existência de flagrante preparado por parte de Ricardo, um dos interlocutores da conversa, que teria atraído os candidatos até sua residência para preparar “armadilha” para configurar o ilícito; (iv) violação do art. 22, XIV, da LC nº 64/1990, art. 144 do CPC e Súmula nº 38/TSE, uma vez que não foi observada a exigência de formação de litisconsórcio necessário com o secretário de saúde (presente na gravação ambiental) e o candidato a vice-prefeito; e (v) ausência de elementos configuradores da conduta prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, uma vez que a conduta denunciada na petição inicial da lide é a prática de abuso do poder econômico e político.

4. Redistribuído o feito em razão do disposto no art. 16, § 7º, do RITSE1, o atual relator, Min. Alexandre de Moraes, levou o agravo interno a julgamento na sessão de 01.06.2021 e apresentou voto no sentido de dar provimento ao recurso, a fim de julgar improcedente a ação, por reconhecer a ilicitude da gravação ambiental, única prova que fundamentou a condenação. Apresentou como fundamentos da sua posição, entre outros, o advento da Lei nº 13.964/2019 (Pacote anticrime), que inseriu na Lei nº 9.296/1996 o art. 8-A, § 4º, a fim definir que a gravação ambiental somente poderá ser utilizada em matéria de defesa no âmbito criminal. O voto contou com a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8ª-A da Lei nº 9.296/96, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial, mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houve e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.  

2. Nos termos do § 4º, do artigo 8º-A da Lei nº 9.296/96, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprava a integridade de seu conteúdo. 

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral, o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral, resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE nº 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal, sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5º, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli – Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5º, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.”

5. Para melhor análise da conclusão do relator pela ilicitude da prova, pedi vista dos autos, trazendo-os agora para continuidade do julgamento.

II – Jurisprudência fixada para as Eleições 2016

6. O tema em questão já foi apreciado por esta Corte em processo das Eleições 2016 (REspe nº 408-98, Rel. Min. Luiz Edson Fachin), no qual foi fixado que, em regra, admite-se como prova do ilícito eleitoral a gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem prévia autorização judicial, em ambiente público ou privado. Cita-se a ementa do julgado:

“ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. ART. 22 DA LC N° 64/90. PRELIMINAR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DE VOTO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.
1. A jurisprudência que vem sendo aplicada por este Tribunal Superior, nos feitos cíveis-eleitorais relativos a eleições anteriores a 2016, é no sentido da ilicitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e desacompanhada de autorização judicial, considerando-se lícita a prova somente nas hipóteses em que captada em ambiente público ou desprovida de qualquer controle de acesso. 
2. Não obstante esse posicionamento jurisprudencial, mantido mormente em deferência ao princípio da segurança jurídica, entendimentos divergentes já foram, por vezes, suscitados desde julgamentos referentes ao pleito de 2012, amadurecendo a compreensão acerca da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial.
3. À luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica.
4. A despeito da repercussão geral reconhecida pelo STF no RE n° 1.040.515 (Tema 979) acerca da matéria relativa à (i)licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais nesta seara eleitoral, as decisões deste Tribunal Superior sobre a temática não ficam obstadas, dada a celeridade cogente aos feitos eleitorais.
5. Admite-se, para os feitos referentes às Eleições 2016 e seguintes, que sejam examinadas as circunstâncias do caso concreto para haurir a licitude da gravação ambiental. Ou seja, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita, ficando as excepcionalidades, capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetam a lisura e a legitimidade das eleições.
6. No caso, analisando o teor da conversa transcrita e o contexto em que capturado o áudio, a gravação ambiental afigura-se lícita, visto que os recorrentes protagonizaram o diálogo, direcionando-o para oferta espontânea de benesses à eleitora, de modo que restou descaracterizada a situação de flagrante preparado.
7. O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma.
8. Acertada a decisão regional, visto que, a partir do teor da conversa anteriormente transcrito, objeto da gravação ambiental, depreende-se ter havido espontânea oferta de benesses, pelos recorrentes, à eleitora Juscilaine Bairros de Souza e seus familiares - oferecimento da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), facilitação do uso dos serviços médicos da Unidade de Saúde Moisés Dias, oferta de gasolina e de veículos para transportar, no dia das eleições, os parentes que moram em outro município e promessa de emprego para o marido da eleitora -, vinculada ao especial fim de obter votos para o então candidato Gilberto Massaneiro, que participou ativamente da conduta.
9. O art. 22, XVI, da LC n° 64/90, com a redação conferida pela LC n° 135/2010, erigiu a gravidade como elemento caracterizador do ato abusivo, a qual deve ser apurada no caso concreto. A despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da presença desse elemento normativo é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, quais sejam, a normalidade e legitimidade das eleições, que possuem guarida constitucional no art. 14, § 9°, da Lei Maior.
10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC n° 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO n° 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO n° 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe n° 33230/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 31.3.2016).
11. Na hipótese dos autos, em que pese a moldura fática evidencie o uso desvirtuado da instituição pública, as circunstâncias não se afiguram suficientemente graves para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, porquanto os fatos comprovados no acórdão cingem-se à eleitora específica e à ocasião única, o que, embora aptos a caracterizar captação ilícita de sufrágio, mostram-se inábeis para atrair a gravidade necessária à configuração do ato abusivo.
12. Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a configuração do abuso do poder político em relação a ambos os recorrentes, mantendo-se a condenação de Gilberto Massaneiro pela prática de captação ilícita de sufrágio. Julgo prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial”.
(REspe nº 408-98, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 09.05.2019).

7. Ressaltou-se, porém, que o julgador poderá, em cada caso, reconhecer a invalidade da gravação, se constatado o induzimento ou constrangimento do interlocutor à prática de ilícito. O acórdão indicou as circunstâncias que devem ser avaliadas nos casos concretos: (i) a espontaneidade da gravação; (ii) sua realização por um dos interlocutores; e (iii) a ausência de induzimento ao ilícito. Ademais, mencionou-se a necessidade de compatibilizar o entendimento do TSE com o RE nº 583.937 QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso (Tema nº 237), reafirmando que a causa legal de sigilo e a reserva de conversação afastam a licitude da prova.

III – Alteração da tese fixada pelo TSE

8. Pedindo vênias ao eminente relator, entendo que não cabe, neste momento, alterar a jurisprudência acerca do tema, uma vez que o entendimento já fora aplicado em diversos processos relativos às Eleições 2016. Com efeito, com base no entendimento fixado no julgamento do REspe nº 409-98, esta Corte considerou lícita a utilização da gravação ambiental como prova de ilícitos eleitorais em pelo menos 22 (vinte e dois) processos2. Por outro lado, deixou de aceitar a gravação ambiental como prova tendo em conta a existência de induzimento ou flagrante preparado em, no mínimo, 6 (seis) casos3.

9. Conforme já decidido reiteradamente por esta Corte, os princípios da isonomia e da segurança jurídica impõem a aplicação uniforme de orientação jurisprudencial dentro de um mesmo pleito eleitoral, a fim de evitar alterações abruptas e casuísticas às regras do jogo. Nessa linha cito:

“Os princípios da segurança jurídica e da impessoalidade norteiam a aplicação da jurisprudência desta Corte Superior, de forma a justificar a aplicação, em casos semelhantes, de igual entendimento jurisprudencial a todos os feitos de uma determinada eleição”.

(RO nº 0601236-07, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 25.03.2021);

“A pretensão do agravante quanto à revisão do entendimento jurisprudencial e aplicação nos autos encontra óbice no postulado da segurança jurídica, uma vez que a compreensão em que se fundou a decisão objurgada foi aplicada em outros feitos atinentes ao pleito de 2016”.

(REspe nº 551-36, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 24.09.2020);

“Os princípios da isonomia e da segurança jurídica impõem a aplicação uniforme de orientação jurisprudencial dentro de um mesmo pleito eleitoral”. (AgR-REspe nº 926-12, sob a minha relatoria, j. em 25.09.2018).

10. Ressalte-se que, quanto à aplicação da tese fixada no REspe nº 409-98 para outros casos das Eleições 2016, esta Corte já decidiu que “o novo entendimento quanto à regra da licitude das gravações em ambientes particulares não representa afronta à segurança jurídica, na medida em que não havia precedente sobre a matéria para os feitos relativos às Eleições 2016” (ED-REspe nº 178-79, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 24.10.2019).   

11. Ademais, entendo que a aprovação do chamado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019), por ser direcionada às ações penais, não tem impacto imediato no âmbito de ações cíveis eleitorais. Com efeito, nas ações penais, potencialmente, são impostas sanções mais gravosas à esfera individual que nas ações cíveis eleitorais, o que justifica uma maior restrição quanto à produção probatória. Ademais, nas ações cíveis eleitorais, são tutelados bens jurídicos diferentes dos das ações penais, quais sejam, a liberdade de voto do eleitor e a normalidade do pleito, devendo a defesa desses valores ser considerada na ponderação do direito à preservação da intimidade (art. 5º, X, da CF).

12. Por fim, penso que não há impedimento ao julgamento da questão por esta Corte enquanto pendente no Supremo Tribunal Federal decisão sobre a matéria. Com efeito, não houve qualquer determinação por aquela Corte de sobrestamento dos processos que versem sobre a controvérsia objeto do Tema 979. Evidentemente que se, no julgamento do paradigma, o entendimento do STF em matéria eleitoral for diverso do fixado por este Tribunal, o que vier a ser decidido pela Suprema Corte será observado por toda a Justiça Eleitoral.

13. Ressalte-se que o paradigma já teve seu julgamento iniciado, sendo suspenso por pedido de vista. Na ocasião, o relator, Min. Dias Toffoli, propôs que a tese de repercussão geral deverá ser aplicada a partir das Eleições 2022, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Cita-se, a propósito, o seguinte trecho do voto proferido no julgamento do Tema 979:

“NEGO PROVIMENTO ao presente recurso extraordinário, e proponho a fixação da seguinte tese de repercussão geral, a qual deverá ser aplicada a partir das eleições de 2022, em homenagem ao princípio da segurança jurídica e ao disposto no art. 16 da CF:
- No processo eleitoral, é ilícita a prova colhida por meio de gravação ambiental clandestina, sem autorização judicial e com violação à privacidade e à intimidade dos interlocutores, ainda que realizada por um dos participantes, sem o conhecimento dos demais.
- A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade”.

14. Assim como o Min. Dias Toffoli, entendo que eventual mudança de jurisprudência deve se dar de forma prospectiva, em observância aos princípios da segurança jurídica e da isonomia. Por essa razão, reservo-me à análise da tese para pleitos futuros na ocasião em que houver a continuidade do julgamento do paradigma de repercussão geral acima citado.

IV – Análise do caso concreto

15. No caso dos autos, sobre as circunstâncias em que realizada a gravação ambiental utilizada como prova, o acórdão regional assentou que: (i) houve a gravação de uma conversa, em 22.08.2016, na casa da informante Roseli; (ii) a proprietária do imóvel em que ocorreu a gravação, Sra. Roseli, não alegou violação de sua privacidade ou intimidade em seu depoimento; (iii) o laudo pericial concluiu se tratar de gravação ambiental com vários interlocutores, em ambiente interno, e que não foram identificados elementos indicativos de edição; e (iv) não ocorreu instigação por Ricardo (que fez a gravação) ou outro presente no ato, para marcar a reunião com os recorrentes ou correligionários ou proposição de benefícios.

16. Observa-se, portanto, que a admissão da prova como lícita observou os parâmetros fixados na jurisprudência do TSE para as gravações em ambiente privado, pois: (i) a gravação foi realizada por um interlocutor no âmbito da residência da informante Roseli; (ii) a gravação foi espontânea, inexistindo induzimento ou flagrante preparado; e (iii) não há respaldo jurídico para sustentar a proteção ao sigilo da conversa entre um candidato e eleitores.

17. Ademais, é irrelevante para a análise da validade da prova a circunstância de o interlocutor não residir no local onde feita a gravação. Com efeito, é incontroverso que a gravação fora realizada por um dos interlocutores, sendo este fato suficiente para a aferição da licitude da prova.

18. Por fim, como exposto na decisão agravada, para chegar às conclusões pretendidas pelos recorrentes, no sentido de que um dos interlocutores teria premeditadamente atraído os candidatos para uma “armadilha”, seria necessário o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos. Referido procedimento é vedado nesta instância especial, nos termos da Súmula nº 24/TSE, segundo a qual “não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório”. Assim, não deve ser acolhida a preliminar de ilicitude da prova.

19. Quanto às demais alegações dos recorrentes, reproduzo as razões da decisão agravada:

III - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO, AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL, EM RELAÇÃO AO ABUSO DO PODER POLÍTICO. INOVAÇÃO RECURSAL VEDADA, EM RELAÇÃO À CAPTAÇÃO ILÍCITA

27.  Os agravantes sustentam ter havido violação ao art. 22, XIV, da LC nº 64/1990, ao art. 144 do CPC e à Súmula nº 38/TSE, ao argumento de que não foi observada a exigência de litisconsórcio no caso, em decorrente da não inclusão, no polo passivo, do Secretário Municipal e do candidato a vice-prefeito. Segundo sustentam, o Tribunal Regional Eleitoral promoveu a “desclassificação” da demanda proposta, de AIJE para representação fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997. Afirmam que a ação se destina a apurar abuso do poder econômico e, por isso, exigiria a integração do polo passivo por todos que contribuíram para o ilícito.

28. Ocorre que a alegação de nada aproveita aos recorrentes. Isso porque o entendimento majoritário da Corte Regional, no sentido de que a demanda não havia sido proposta com a finalidade de apurar abuso do poder político e econômico, tem, na prática, efeito idêntico ao pretendido com a presente alegação de nulidade: inviabilidade da ação para os fins do art. 22 da LC nº 64/1990.

29. Uma vez que o TRE/PR considerou que não estava diante de AIJE típica, tornou prejudicada toda a discussão quanto ao abuso de poder e afastou a inelegibilidade dos ora agravantes. Não houve recurso do Ministério Público Eleitoral quanto a este capítulo, o que repele qualquer risco de agravamento da situação dos candidatos. Assim, não há utilidade no exame da alegação e não formação do litisconsórcio em relação a tal ilícito.

30. Porém, ainda que se possa considerar, na esteira do voto vencido que compõe o acórdão recorrido, que a ação versava sobre o art. 22 da LC nº 64/1990, isso em nada altera o fato de que a petição inicial também tratava da captação ilícita de sufrágio. Sobre esse aspecto, foi uníssono o TRE/PR, que, acertadamente, extraiu da narrativa da autora a imputação da barganha de votos por meios ilícitos.

31. O Tribunal Regional examinou detidamente a alegação de litisconsórcio sob a ótica do art. 41 da Lei nº 9.504/1997. No que diz respeito ao Secretário Municipal, Claudinei Hipólito, o acórdão regional consignou, de modo correto, que o terceiro, ainda que tenha em tese contribuído para a captação ilícita de sufrágio e seja agente público, não é legitimado passivo do art. 41- A da Lei nº 9.504/1997. Confira-se (fls. 7.996/7.997):

“A recorrente alega também que não houve a citação do servidor público, Claudinei Hipólito, então Secretário Municipal de Saúde.
Ocorre que, como supracitado, a recorrente Luiza, foi candidata eleita ao cargo de vereadora, e este feito se trata de representação pela prática de conduta descrita no artigo 41-A da Lei nº 9.504/97.
Desta feita, sendo o caso de representação por captação ilícita de sufrágio e não de AIJE para apuração de abuso de poder, inaplicável a jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral do Paraná elencada pela recorrente.
Isto porque, aquele entendimento, no sentido da obrigatória formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato e os agentes que concorreram para a conduta ilícita, aplica-se às ações que perquirem possíveis práticas de condutas vedadas descritas na lei nº 9.504/97, ou abuso de poder, cujas hipóteses estão previstas na LC nº 64/90.
Com efeito, este Regional e o Tribunal Superior Eleitoral já firmaram entendimento acerca de inexistir obrigatoriedade de formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato e o agente público praticou a conduta, no caso, Claudinei Hipólito, então Secretário Saúde, nas representações por captação ilícita de sufrágio”.

32. A conclusão é compatível com a jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual “somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97” (RO nº 133425/TO, Rel. Min. Luciana Lóssio, j. em 28.11.2016). Desse modo, correta, mais uma vez, a aplicação da Súmula nº 30/TSE, acima transcrita.

33. Quanto a não inclusão do candidato a vice-prefeito da chapa composta por Marcel Regovichi, observo que se trata de inovação recursal do agravo. A tese não foi debatida no acórdão regional ou suscitada por meio de embargos declaratórios. Trata-se, assim, de flagrante inovação recursal. Portanto, o recurso carece de prequestionamento, o que atrai a incidência da Súmula no 72/TSE, já referida.

IV – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 41 - A DA LEI Nº 9.504/1997. PRETENSÃO DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO

34. O art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 comina multa e cassação de registro ou diploma ao “candidato [que] doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive”.

35. Ao interpretar esse dispositivo, a jurisprudência deste Tribunal Superior tem entendido que a configuração da captação ilícita de sufrágio exige: (i) ocorrência do fato entre a data do registro de candidatura e a eleição; de três elementos: (ii) prática de qualquer das condutas de doar, ofertar, prometer, ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza ao eleitor; (iii) finalidade eleitoral da conduta; e (iv) participação, direta ou indireta, do candidato, ou, ao menos, o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral. Ademais, como o bem tutelado pela norma é a liberdade de voto do eleitor, o TSE considera que não é preciso aferir a potencialidade da conduta para influenciar o resultado do pleito (REspe nº 27.737/PI, Rel. Min. José Delgado, j. em 04.12.2007; e REspe nº 21.264/AP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 27.04.2004).

36. O acórdão regional apresenta detalhada análise dos fatos imputados aos agravantes, concluindo pela comprovação da conduta típica, com base na prova produzida. Transcrevo trechos pertinentes:

“Do cotejo da instrução processual restou [sic], portanto provado que no dia 22 de agosto houve um encontro entre os representados e correligionários, à família de Roseli, na casa desta. Neste encontro, em que presentes Roseli, Ricardo, Renato e outros familiares de Roseli, houve o oferecimento, pela recorrente Luiza, pelo representado Marcel e pelo correligionário Claudinei, de benefícios como remédio, auxílio na obtenção de aposentadoria e dinheiro, em troca de votos de Roseli e sua família.
Os relatos de Roseli e Ricardo são consistentes e uniformes, e deles se corrobora que a conversa travada, gravada em áudio é hígida e corresponde à compra de votos.
Ainda, não houve qualquer instigação, por Ricardo ou outro presente no ato, com o intuito de que ao representados ou seus correligionários marcassem a reunião ou propusessem a concessão de benefícios. Também não há qualquer alegação ou indício nos autos, de que havia algum litígio entre a recorrente e Roseli ou Ricardo, que justificasse a preparação de um flagrante de compra de votos, como alegado no recurso”.
(...)
“De fato, do teor da conversa havia na casa da família de Roseli, entre estes e os representeados, dentre as quais a recorrente, e dos relatos pessoais e testemunhais, vê-se firme e robusta a prova de que:
a) a recorrente Luiza, o representado Marcel e os correligionários de campanha Magna e Claudinei estavam na casa de Roseli propondo à essa e à sua família a troca de favores consistentes em benefícios como auxílio em processo de aposentadoria, remédios e dinheiro por votos, para Mareei e para a recorrente;
b) tal conversa foi gravada por Ricardo, filho de Roseli;
c) não há qualquer indício nos autos, de que havia algum litígio entre o afilhado (Ricardo) e a madrinha (a recorrente Luiza), a justificar a preparação de um flagrante de compra de votos, como alegado no recurso, porquanto sequer houve efetiva instigação dos representados, para que se manifestassem sobre a concessão de benefícios;
d) a declaração de Claudinei, de que Ricardo e Bochecha o procuravam antes do evento, pedindo benefícios para mudar de lado, qual seja, de abandonar o apoio ao candidato Bruno para apoiar os oponentes deste, só asseveram o fato de que a reunião visava, de fato, captação ilícita de sufrágio”.

37. Do acórdão recorrido, é possível extrair que: (i) os agravantes fizeram a oferta “de R$ 6.000,00, divididos em três vezes, sendo dois mil, mais dois mil, e dois mil após o pleito, dentre outros benefícios, como a concessão de remédios e auxílio na obtenção de aposentadoria, à eleitora Roseli, em troca de apoio aos candidatos Cia [Marcel] e Luiza” (fl. 287); e (ii) “a recorrente Luiza teve participação ativa na compra de votos, tanto é que ela confirmou os dizeres acerca da compra de votos” e ainda corroborou as promessas de vantagens aos eleitores. Confira-se (fl. 287v):

“Magna: Então a gente quer que vocês venham cá gente, mas de coração mesmo, pra isso conto com você, a gente vai ajudar do mesmo jeito, tanto com a aposentadoria da sua mãe a gente tá mexendo.... E vai dar certo..., mas a gente que assim, a gente vai fazer um compromisso com vocês, mas é um compromisso de igual para igual...né? O de vocês confia na gente que a gente também vai...e vamos... né? Porque eu acho que vocês não vão se arrepender não... o que a gente tá fazendo pra vocês, não é...
CIA: E já vamo lá... vai falar com seu pai e resolver esse problema lá... tem que dá um remédio;
Ricardo Gomes: Era para mim té ido lá, mas não deu tempo...
CIA: A senhora pode...todo mês...
Magna: Com a cópia do atestado (...)
CIA: Já ajuda... Aí é o seguinte... aí a gente vai ter aquele valor certo? Que cê falou... É... seis mil certo? Só que a gente assim, a gente vai fazer e, 3 vezes, 2 , 2 e 2 vai ficar para depois, depois da eleição, mas nós vamos confiar no cês, cês vão confiar em nós, pode deixar que dia 10 de outubro... cês vão pegar os 2 com a "Marga" lá... a gente vai dar 2 pra vocês agora, essa semana, 2 antes da eleição e 2 depois... daí cês marca a conta de vocês aí...tá?
Claudinei: e a gente vai continuar ajudando no que a gente puder
(...)
CIA: a senhora... o... Uma coisa que a gente gosta de fala é o seguinte né? É que... daqui a dois anos, tem política de novo... então a gente vai tá aqui pedindo voto...pode tá precisando de l deputado que ajude... é que 4 anos passa rápido, parece que não.... Mas a coisa voa. E a gente vai tá aqui como sucessor e a gente vai tá apoiando por isso que há uma confiança... de vocês confia na gente porque...porque a gente a gente não tá aqui pra brincadeira, e pra engana não... porque não é só l vez, hoje a gente tamo aqui conversando ... há uma confiança de vocês com a gente, a gente com vocês...mas amanha nos vamos tá aqui de novo.... Eu falo amanha, assim.. Daqui lá... 2 anos deputado de novo... e a gente vai tá qui de novo ....
Dona Roseli ó...precisamo de vocês."
(...)
HN12; E a gente quer assim... A gente quer assim que vocês façam um compromisso aqui com a Luíza para ajudar ela porque ela também vai ajudar a pagar esse dinheiro, que não é muito, mas também não é pouco. Não é Luiza?
Luiza: é lógico...
HN12: E a gente quer muito eleger a Luíza. A gente quer vocês...
Entendeu?
Não precisa tá converseio, não precisa...
Luíza; O que a gente conversou aqui, morreu aqui."
"MNII: Então, a gente quer que vocês vêm com a gente, mas de coração memo... E pra isso, tanto quanto (ininteligível) a Luíza vai ajudar vocês do mesmo jeito. A Luíza tá com a aposentadoria da sua mãe. Tá mexendo.
Luíza: A pensão da cumadre e a aposente...".

38. Portanto, foi estabelecido, na moldura fática do acórdão regional, que Luiza Saraiva Lemos e Marcel André Regovichi, diretamente e por meio de terceiros que agiram com seu conhecimento e consentimento, ofertaram valores, remédios e auxílio na obtenção de aposentadoria e combinaram o pagamento de parcelas dos seis mil reais, com a finalidade de cooptar ilicitamente os votos de Ricardo, Roseli e de seus familiares. Essas conclusões foram obtidas com base na análise da prova testemunhal, formada por depoimentos considerados coerentes e harmônicos, e na gravação ambiental realizada, o que perfaz, nos termos exigidos pela jurisprudência do TSE, prova robusta do ilícito.

39. Conforme assentou a decisão agravada, a modificação dessas conclusões – a fim de reconhecer a não caracterização da prática da conduta do art. 41-A ­da Lei nº 9.504/1997, diante das provas analisadas pelo Regional – exigiria o revolvimento do acervo fático-probatório. Por esta razão, acertada a aplicação da Súmula nº 24/TSE também quanto a este ponto”.

20. Como se percebe, foi afastada a alegação de ausência de litisconsórcio passivo necessário, pelos seguintes fundamentos: (i) a discussão é inócua em relação ao abuso do poder político, uma vez que o TRE/PR considerou que não se estava diante de AIJE típica e não houve recurso do Ministério Público Eleitoral quanto a este capítulo;  (ii) o Tribunal Regional, analisando a alegação de ausência de litisconsórcio sob a ótica do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, entendeu que o Secretário Municipal, Claudinei Hipólito, por não ser candidato, não possui legitimidade passiva para a representação; e (iii) trata-se de inovação recursal a alegação de não inclusão do candidato a vice-prefeito da chapa composta por Marcel Regovichi.

21. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte, a exigência de chamamento cumulativo dos responsáveis pelo ato ilícito e seus beneficiários é voltada às ações que visem apurar abuso de poder (REspe 843-56, Rel. Min. Henrique Neves, j. em 21.06.2016), o que não se amolda ao caso dos autos.

22. Quanto à alegação de violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, decidiu-se que a modificação das conclusões da Corte Regional exigiria o revolvimento do acervo fático-probatório. Isso porque o TRE/PR, com base na análise da prova testemunhal, formada por depoimentos considerados coerentes e harmônicos, e na gravação ambiental realizada, concluiu que os recorrentes, diretamente e por meio de terceiros que agiram com seu conhecimento e consentimento, ofertaram valores, remédios e auxílio na obtenção de aposentadoria e combinaram o pagamento de parcelas dos seis mil reais, com a finalidade de cooptar ilicitamente os votos de Ricardo, Roseli e de seus familiares. Por esta razão, acertada a aplicação da Súmula nº 24/TSE também quanto a este ponto.

23. Com efeito, a petição de agravo não traz nenhum subsídio apto a alterar essas conclusões, razão pela qual deve ser mantido o entendimento da decisão agravada.

V –  Conclusão

24. Com essas considerações, divirjo do voto do relator para negar provimento ao agravo interno, a fim de manter a condenação dos recorrentes pela prática de captação ilícita de sufrágio.

É como voto.

 

1 Art. 16, § 7º O ministro sucessor funcionará como relator dos feitos distribuídos ao seu antecessor, ficando prevento para as questões relacionadas com os feitos relatados pelo sucedido.

2 REspe 495-85, Rel. Min. Sérgio Banhos, j. em 20.05.2021; ED-AgR-REspe 459-43, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, j. em 04.05.2021; AgR-REspe 157-82, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 05.11.2020; Agr-AI 0600514-90 e AgR-AI 0600506-16, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 16.06.2020; ED-AgR-Respe 424-48, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 04.06.2020; AgR-REspe 1-95, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 26.05.2020; AgR-REspe 677-15, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 20.02.2020; ED-AgR-REspe 584-27, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 04.02.2020; AgR-AI 275-67, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 19.12.2019; AgR-REspe 279-83, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 19.12.2019; AgR-REspe 822-41, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 12.12.2019; ED- REspe 298-73, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 14.11.2019; AI 477-38, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 14.11.2019; AgR-REspe 452-83, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 07.11.2019; AgR-REspe 700-78, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 05.11.2019; ED-REspe 178-79, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 24.10.2019; ED-REspe 200-98, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 22.10.2019; ED-REspe 584-27, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 03.10.2019; AgR-REspe 2-45, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 01.10.2019; AgR-REspe 153-29, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 29.11.2019; REspe 469-96, Relator designado Min. Luís Roberto Barroso, j. em 13.06.2019; e REspe 409-98, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 09.05.2019.

3 AgR-REspe 361-94, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 17.06.2021; AgR-AI 180-29, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. em 06.05.2021; AgR-REspe 159-67, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 06.05.2021;  AgR-REspe 0601924-60, Rel. Min. Og Fernandes, j. em 16.06.2020; AI 286-29, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 12.11.2019; AgR-REspe 231-45, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 24.10.2019.

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Passo, então, a palavra...

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (relator): Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): ...seguindo a ordem natural ao Ministro Luis Felipe...

Ministro Alexandre de Moraes, pois não.

 

VOTO (ratificação)

 

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (relator): Presidente, bem, primeiro, bom dia a todos. Bom dia, Presidente, Ministro Luís Roberto Barroso; ao nosso Vice-Presidente, Ministro Edson Fachin; Ministro Luis Felipe Salomão, Ministro Mauro Campbell, Ministro Sérgio Banhos, Ministro Carlos Horbach. Também, cumprimento o nosso Vice-Procurador-Geral Eleitoral, professor Paulo Gonet e o João Paulo, nosso secretário.

Presidente, vou pontuar algumas questões que me parecem importantíssimas nesse caso, e complementadas pelo pedido de vista de Vossa Excelência.

Nós temos, e sempre tivemos, uma lacuna legal na regulamentação de gravações ambientais. Quando a lei sobre interceptações telefônicas veio para complementar o art. 5º, inciso XI, da Constituição, veio tão somente para regulamentar as interceptações telefônicas, interceptações telemáticas, e continuou havendo, no tocante a gravações ambientais, em relação às chamadas gravações clandestinas, um vácuo normativo.

Esse vácuo normativo foi solucionado. Independentemente de concordarmos ou não, independentemente de termos que analisar sua retroatividade ou não, esse vácuo normativo foi solucionado pelo pacote anticrime. A Lei nº 13.964/2019, pela primeira vez,  regulamentou de forma clara a questão das gravações ambientais. Aqui, incluiu o art. 8º-A e respectivos parágrafos, a Lei nº 9.296/1996, essa lei que tinha deixado essa lacuna de regulamentação em relação a gravações ambientais. Em relação à captação, diz a nova lei, “a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos [leia-se gravação ambiental] deixará de ser clandestina se for autorizada pelo juiz competente”.

Essa era uma grande discussão doutrinária sobre a questão da intimidade. Ora, você está conversando com uma pessoa e essa pessoa, sem o seu conhecimento, está gravando. Isso fere a intimidade. Há farta jurisprudência, inclusive o precedente citado aqui, de relatoria do eminente Ministro Edson Fachin, que parte da questão da gravação ambiental em locais públicos. Fala de locais privados, mas a verdade é que o que havia pacificado já, uma gravação ambiental em locais públicos.

A legislação, ela vem agora. Agora nós não podemos dizer que não haja legislação. Em que pese a regulamentação ser no Código de Processo Penal, da mesma forma, a questão das interceptações telefônicas, ela vem no âmbito da investigação criminal, mas vale para todo o ordenamento jurídico.

E regulamenta – e aqui que me parece importante uma reflexão do Tribunal – o pleno exercício de um direito fundamental: a intimidade, a vida privada. E os direitos fundamentais, nos termos do § 1º do art. 5º, têm aplicabilidade imediata. E a lei – a nova lei –, ela vem conceder um instrumental a mais para essa aplicabilidade imediata. Em outras palavras, hoje, pode, do ponto de vista legislativo, uma captação ambiental, uma gravação clandestina? Sim. Desde que haja autorização judicial.

Isso retroage? Isso se aplica os processos em curso? A meu ver, sim, porque é uma regra protetiva de direitos fundamentais. Não me parece possível, por mais – e com todas as vênias aos posicionamentos em contrário – que queiramos proteger a segurança jurídica de decisões anteriores, dizer que agora, quando a lei veda uma gravação clandestina e mais, aqui, em ambiente privado – quando a lei veda expressamente –, que nós não possamos aplicar essa norma protetiva, instrumental, de direitos fundamentais, ao processo em curso.

Obviamente, não haverá retroatividade para aqueles já transitados em julgado, mas esse processo está em curso. E, nesse caso, há uma outra peculiaridade: quem gravou foi a eleitora que convidou as pessoas para reunião em sua casa. Só isso já demonstra um certo induzimento.

Veja, era uma reunião privada, poucas pessoas na casa da eleitora. A gravação – o conteúdo da gravação – é grave? É gravíssimo! É gravíssimo! Mas nós não podemos, a meu ver, passar por cima da proteção aos direitos fundamentais, hoje já consubstanciado por uma lei que regulamenta as hipóteses específicas para o afastamento da intimidade da vida privada nessa gravação, nesse contexto de intimidade das conversas, principalmente em um ambiente sempre tumultuado do período eleitoral, em que as pessoas podem convidar as outras para casa, podem, em um determinado momento da conversa, induzir e, depois, só quando a conversa está em curso, começar a gravar determinados trechos.

Obviamente, o laudo jamais irá mostrar que houve interrupção. Mas, você convida as pessoas para a sua casa, começa a conversar de favorecimentos eleitorais. Quando a conversa deslancha, aí você grava. Isso pode ou não ter acontecido – nós não temos a gravação do início ao fim da reunião –, mas o próprio acórdão do Tribunal Regional Eleitoral diz que a conversa era em um local privado, na casa da eleitora.

Então, por isso me parece importante, realmente, o Tribunal fixar esse seu posicionamento em relação a essa questão superveniente, que é uma lei regulamentadora das hipóteses excepcionais de afastamento do direito à intimidade da vida privada, por meio de captações clandestinas, gravações ambientais, mesmo em ambiente privado, condicionando isso a uma autorização judicial. E, por ser uma norma – uma norma protetiva de um direito fundamental –, me parece que tem aplicação imediata em relação aos processos.

 Por isso, Presidente, só com essas rápidas observações, para também situar a posição em contrário, para poder aqui contribuir ao debate, mantenho o voto no sentido que dou provimento ao agravo para julgar improcedente a representação, porque essa foi a única prova obtida nos autos e é ilícita, nos termos da Constituição Federal.

Obrigado, Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Muito obrigado a Vossa Excelência, Ministro Alexandre de Moraes, pelo bom debate.

Como procurei assentar no meu voto, a minha posição é diversa. Primeiro, a Lei superveniente nº 13.964/2019 é, como observou o Ministro Alexandre de Moraes, uma lei de natureza penal. E, portanto, não é meu entendimento de que automaticamente ela se aplique à questão eleitoral.

O meu segundo ponto de vista, que está ao longo do voto, é que se trata de uma norma de natureza processual. Essa não é uma norma que cria um tipo penal ou elimine um tipo penal. Ela regulamenta um meio de prova, portanto, e com todas as vênias, acho que é uma norma processual, ela se aplica daqui para frente, mas, a meu ver, não se aplica à prova produzida preteritamente. Senão seria uma invalidação superveniente de algo que era considerado lícito no momento em que foi produzido.

Em terceiro lugar, eu vislumbro um problema grave que é a quebra da isonomia, que é um valor constitucional. Se nós, em relação às mesmas eleições, julgarmos diferentemente, eu penso que estaríamos criando uma quebra do paradigma isonômico e da segurança jurídica em relação aos 22 casos em que nós julgamos de acordo com a jurisprudência firmada no voto do Ministro Luiz Edson Fachin que, na minha leitura, deixou claro que vale para ambiente público e privado.

Veja o que diz o voto do Ministro Fachin:

[...]

Ou seja, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais, e sem autorização judicial em ambiente público ou privado é, em regra, lícita, ficando as excepcionalidades capazes de ensejar a invalidade. 

E aí é o caso do flagrante preparado.

Eu faço a observação também que na repercussão geral que está em discussão no Supremo Tribunal Federal, e que já tem o voto do Ministro Dias Toffoli, o voto, no início do julgamento no Supremo Tribunal Federal, foi superveniente à Lei nº 13.964/2019. Portanto, o voto do Ministro Toffoli, no Supremo, dá efeitos prospectivos sem aplicar a regra dessa norma que, aliás, ele não segue. O voto do Ministro Toffoli apenas retira ambientes privados e mantém só os ambientes públicos.

E, aqui, uma outra questão de fato: quem gravou foi um cidadão de nome Ricardo, o evento foi na casa de uma senhora de nome Roseli. Eu até não veria problema que tivesse sido na casa de quem gravou, desde que não tivesse havido indução ao flagrante. Mas nem isso aconteceu. Roseli convocou a reunião e Ricardo foi quem gravou. Essas são as informações que eu colho dos autos.

Por essas razões – mas, esse é um bom debate jurídico –, eu também estou mantendo a minha posição. Ouço o Ministro...

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (relator): Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Pois não.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (relator): Só uma rápida... Roseli e Ricardo organizaram a reunião. Então, na verdade, os organizadores da reunião gravaram, o que sempre é, aqui, um problema.

E uma outra questão importante: eu que pedi vista no Supremo Tribunal Federal, porque o Ministro Toffoli não chegou a abordar a questão da lei anticrime. Eu pedi vista, já com a devolução, para que o Supremo possa, exatamente, se posicionar sobre a retroatividade, aplicação imediata da lei. Obrigado, Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Claro, eu entendo. Eu só disse que o voto dele é posterior à lei, e ele não achou que a lei se aplicasse.

E o Superior Tribunal de Justiça – é claro que, evidentemente, não nos vincula – também tem entendido que essa gravação ambiental é lícita. Eu tenho aqui um acórdão da 5ª Turma da relatoria do Ministro Joel Paciornik. É isso.

Como vota o Ministro Luis Felipe Salomão?

 

PEDIDO DE VISTA

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Presidente, em primeiro lugar, como é a primeira vez que me manifesto, eu reitero aqui aos eminentes colegas um cordial bom-dia, extensivo ao representante do Ministério Público, Doutor Paulo Gonet, ao Doutor João Paulo, em nome dos servidores, a todos que nos acompanham pela internet e pela TV.

Presidente, debate muito interessante, não é? Eu recebi, de fato, os votos com antecedência, tanto o do eminente relator, Ministro Alexandre, como agora, o voto do vistor, o Presidente. Tem aspectos muito ponderáveis para um lado, para o outro, a questão da segurança jurídica, a questão da prospecção.

Eu quero pedir licença aos colegas, eu sei que já houve um pedido de vista, não é tão comum, mas como a matéria é tão relevante e, em curso está um julgamento no Supremo que pode também definir a formação desse precedente aqui, eu me arrisco a um pedido de vista, correndo o risco aí de sofrer a sanção dos colegas, mas eu gostaria de estudar um pouquinho melhor as diversas nuances do caso.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Portanto, o Ministro Luis Felipe Salomão pede vista. Eu indago dos demais ministros se aguardam. Verifico que sim.

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO (provisório)

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Proclamo o resultado provisório: retomado o julgamento, o Ministro Luís Roberto Barroso divergiu do relator e negou provimento ao agravo interno. Na sequência, pediu vista o Ministro Luis Felipe Salomão. Aguardam os demais.

 

EXTRATO DA ATA

 

AgR-AI nº 0000293-64.2016.6.16.0095/PR. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Agravante: Marcel André Regovichi (Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outro). Agravante: Luiza Saraiva Lemos (Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outros). Agravada: Coligação Santa Inês de Todos para Todos (Advogado: Anderson Soares de Cerqueira – OAB: 37426/PR).

Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de divergir do relator e negar provimento ao agravo interno, pediu vista o Ministro Luis Felipe Salomão. Aguardam os Ministros Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos, Carlos Horbach e Edson Fachin.

Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

SESSÃO DE 2.9.2021.

 

VOTO-VISTA

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Senhor Presidente,

AGRAVO INTERNO. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. VEREADOR. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI 9.504/97). GRAVAÇÕES AMBIENTAIS. LOCAL PRIVADO. INEXISTÊNCIA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONHECIMENTO. INTERLOCUTORES. ILICITUDE. PROVIMENTO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL.

1. Agravo interno interposto por candidatos aos cargos de prefeito e vereador de Santa Inês/PR nas Eleições 2016 contra decisão monocrática do Presidente (Relator originário), que negou seguimento aos recursos especiais e manteve acórdão condenatório do TRE/PR pela suposta prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97).

2. O novo Relator, Ministro Alexandre de Moraes, proveu o agravo interno para afastar a condenação, ao passo que o Presidente, em voto-vista, manteve o édito condenatório.

3. Supera-se o entendimento a princípio firmado no REspEl 408-98/SC quanto à licitude das gravações para as Eleições 2016, pois: (a) em inúmeros feitos posteriores houve solução diversa com base nas nuances do caso concreto; (b) mesmo nesse julgado a hipótese era peculiar, cuidando-se de lugar público (hospital), ainda que em sala de acesso restrito; (c) a jurisprudência para as Eleições 2010, 2012 e 2014 caminhou no sentido da inadmissibilidade dessa prova.

4. Não se aplica aos feitos eleitorais a tese da Suprema Corte na QO-RE 583.937/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 18/12/2009, de que “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”. A premissa norteadora circunscreve-se à gravação por pessoa investigada visando provar sua inocência em processo penal.

5. Reconhecimento de repercussão geral específica para feitos eleitorais: RE 1.040.515/SE, cujo julgamento se iniciou em 18/6/2021, tendo o Relator, Ministro Dias Toffoli, assentado a ilicitude da prova.

6. A gravação em ambiente privado, sem autorização judicial e sem conhecimento dos interlocutores, afronta a garantia fundamental da intimidade (art. 5º, X, da CF/88) e ameaça a própria estabilidade do Estado Democrático de Direito (art. 1º). Não raras vezes, a conduta tem como objetivo não a elucidação de suposto ilícito eleitoral, e sim desestabilizar o processo democrático mediante artifícios que visam apenas prejudicar candidatos que se sagraram vencedores do pleito. 

7. Realidade com especial e preocupante relevo considerando o número de municípios do país, a maior parte com eleitorado reduzido, o que potencializa tais práticas danosas.

8. No caso, as gravações realizadas nesses moldes devem ser tidas como ilícitas, na linha da tese que se propõe.

9. Acompanha-se o Relator (Ministro Alexandre de Moraes), rogando-se vênias ao Presidente, para dar provimento ao agravo interno e ao recurso especial, julgando-se improcedentes os pedidos.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Todos os Ministros mantendo a mesma posição anterior? Todos mantendo? Ministro Fachin, Ministro Alexandre, Ministro Horbach?

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Proclamo, então, o resultado: o Tribunal, por maioria, deu provimento ao agravo interno e ao recurso especial eleitoral para julgar improcedente o pedido, nos termos do voto do relator. Vencidos o Presidente, o Ministro Fachin e o Ministro Sérgio Banhos.

 

EXTRATO DA ATA

 

AgR-AI nº 0000293-64.2016.6.16.0095/PR. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Agravante: Marcel André Regovichi (Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outro). Agravante: Luiza Saraiva Lemos (Advogados: Rogério Helias Carboni – OAB: 37227/PR e outros). Agravada: Coligação Santa Inês de Todos para Todos (Advogado: Anderson Soares de Cerqueira – OAB: 37426/PR).

Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao agravo interno e ao recurso especial eleitoral para julgar improcedentes os pedidos, nos termos do voto do relator, vencidos os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Sérgio Banhos.

Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

SESSÃO DE 7.10.2021.