OF 14/15/14

 

Brasão da República
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601437-91.2018.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relator: Ministro Og Fernandes

Representantes: Coligação O Povo Feliz de Novo e outro

Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão – OAB/DF 4935 e outros

Representado: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.

Advogados: Isabela Braga Pompilio – OAB/DF 14234 e outros

Representada: Pessoa responsável pela página “Cacilda”

Representado: Robson Guimarães

Representada: Marli Silva Ferreira

Representado: Francisco Vidal

Representado: Manoel Guimarães

Representada: Mirelle Zanotto

Representada: Maria Vyana

Representado: Renato R. da Silva

Representada: Cláudia Oliveira Soares

Representado: Paulinho Marinho

Representado: Fernando Layanne

Representada: Maria Iara de Andrade

Representada: Bruna Vanessa

Representado: Almirr Machado

Representada: Claudia Fischer

Representada: Mariana Flausino

 

DECISÃO

 

 

Eleições 2018. Representação. Propaganda eleitoral irregular na internet. Facebook. 1. Remoção de conteúdo e direito de resposta. Perda superveniente do objeto. 2. Multa do art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997. Impossibilidade. Precedente. Improcedência da representação.

 

A Coligação O Povo Feliz de Novo e Fernando Haddad ajuizaram representação para o exercício de direito de resposta, com pedido de tutela de urgência, contra Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. e a pessoa responsável pela página Cacilda, na qual sustentam a ocorrência de propaganda eleitoral irregular, consistente em publicação de informações inverídicas e ofensivas na internet.

Os representantes alegam que na página Cacilda, hospedada na rede social Facebook, foi postada a foto do então candidato e ora representante Fernando Haddad, acompanhada de informações inverídicas e difamatórias (ID 403101, fls. 2-3):

Defendem que (ID 403101, fl. 7):

[...] não pode a página representada empregar com tamanha irresponsabilidade a popularidade que possui nas redes sociais para circulação de afirmações infundadas, injuriosas e difamatórias que visam, única e exclusivamente, manipular a opinião pública por meio de ilações vazias.

Também argumentam que a “[...] a impossibilidade de identificar os autores da publicação [...] revela outra violação legal”, tendo em vista que “[...] a manifestação do pensamento por meio da internet, embora seja livre, não pode ser feita mediante anonimato”, considerando que essa matéria se encontra regulada nos arts. 57-D, caput, §§ 2º e 3º, da Lei nº 9.504/1997, e 25, caput, §§ 1º e 2º, da Res.-TSE nº 23.551/2017.

Diante disso, pleitearam a remoção, em caráter liminar, da postagem objeto da presente representação, bem como: (a) a intimação do Facebook, para que forneça os dados das pessoas responsáveis pela página Cacilda; e (b) a inclusão das pessoas identificadas no polo passivo da representação com as consequentes citações. No mérito, requereram a remoção definitiva do conteúdo impugnado, com a imposição de multa aos responsáveis pela sua divulgação, além da concessão de direito de resposta.

O Ministro Carlos Horbach, à época relator, deferiu a tutela de urgência para determinar ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. a remoção do conteúdo impugnado e o fornecimento de informações relativas à identificação do número de IP da conexão utilizada no cadastro inicial do perfil responsável pela página Cacilda e aos dados cadastrais dos responsáveis pelo perfil e os registros de acesso ao serviço eventualmente disponíveis (ID 413388).

O Facebook apresentou defesa por meio da qual afirmou ter dado cumprimento à decisão que determinou a retirada do conteúdo controvertido, bem como procedeu à juntada de documentação contendo as informações requeridas (IDs 423580 e 423581).

Argumentou que, no caso, não há falar em anonimato, na medida em que “[...] forneceu os dados disponíveis de acordo com a legislação vigente [...] os quais se mostram suficientes para a identificação dos usuários responsáveis pelas publicações impugnadas” (ID 423580, fl. 6).

Aduziu não ser o responsável pelos conteúdos impugnados e requereu a improcedência da representação.

O Ministério Público Eleitoral apresentou parecer em que requereu a realização de diligências visando a obter dados cadastrais dos usuários responsáveis pela administração da página Cacilda e a citação das pessoas constantes das informações prestadas pelo Facebook (ID 450376).

Ao acolher a manifestação ministerial, o Ministro Carlos Horbach determinou a citação dos responsáveis indicados pelo Facebook, ocasião em que requisitou às companhias telefônicas Claro, Oi e Tim os dados cadastrais dos usuários associados aos números indicados no documento fornecido pelo Facebook (ID 462781).

As diligências requeridas pelo MPE foram realizadas, tendo sido citados os possíveis responsáveis pela publicação (ID 522840), os quais, contudo, não apresentaram defesa.

Posteriormente, foi deferido o pedido de extensão da tutela de urgência para determinar ao Facebook a remoção de conteúdos similares constantes em outras doze postagens, bem como o fornecimento de dados identificadores relativos aos autores das postagens (ID 532501).

O Facebook informou o cumprimento das determinações (ID 533988).

As empresas de telefonia Oi, Tim e Claro prestaram as informações requisitadas (IDs 541608, 544243 e 1352688).

Foi determinada a inclusão, no polo passivo, dos demais representados, com as consequentes citações (ID 547392). Contudo, embora citados (ID 552887), não apresentaram respostas.

Por meio de despacho exarado em 11.11.2019 (ID 18622588), os representantes foram intimados para se manifestarem acerca de eventual perda superveniente do objeto da representação, tendo em vista estar ultimada as eleições de 2018.

Em atendimento ao despacho supra, os representantes defenderam a continuidade da representação no que tange ao pedido de imposição de multa formulado com base no art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997 (ID 19567688).

Encaminhado o feito ao MPE (ID), o órgão ministerial apresentou parecer pela extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação aos pedidos de remoção de conteúdo e direito de resposta, bem como pela improcedência do pedido de imposição da sanção prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei das Eleições (ID 19690888).

É o relatório. Passo a decidir.

Os representantes manejaram a presente representação objetivando a remoção de conteúdo publicado na rede social Facebook alegadamente inverídico e ofensivo, concessão de direito de resposta, bem como a imposição aos responsáveis pela postagem a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997.

O Facebook cumpriu todas as determinações exaradas por esta Corte Superior, inclusive no que tange à remoção do conteúdo impugnado aqui debatido.

Conforme exposto no despacho de 11.11.2019 (ID 18622588), findo o período eleitoral, inexiste interesse processual na apreciação de direito de resposta decorrente de suposta ofensa veiculada na internet durante a campanha eleitoral, razão pela qual, sendo essa a hipótese em comento, é de rigor reconhecer, nesse ponto, a perda superveniente do objeto da representação.

Confira o seguinte julgado desta Corte Superior:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. PUBLICAÇÃO DE CONTEÚDO OFENSIVO E DIFAMATÓRIO. FACEBOOK. PERÍODO ELEITORAL. ENCERRAMENTO. PERDA DO OBJETO. ORDEM JUDICIAL SEM EFEITO. DESPROVIMENTO.

1. A pretensão recursal não comporta êxito, porquanto, segundo o disposto no art. 33, § 6º, da Res.–TSE 23.551/2017, encerrado o período eleitoral, as ordens judiciais de remoção do conteúdo da internet proferidas por esta Justiça especializada, independentemente da manutenção dos danos gerados pelas inverdades divulgadas, deixam de surtir efeito, devendo a parte interessada redirecionar o pedido, por meio de ação judicial autônoma, à Justiça Comum.

2. Recurso inominado desprovido.

(R-RP nº 0601635-31/DF, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 2.4.2019, DJe de 6.5.2019 – grifos acrescidos)

No que tange ao pleito de imposição da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, remanesce o interesse dos representantes, na medida em que o referido preceito visa a obstar a divulgação de conteúdo durante a campanha eleitoral, por meio da internet, cuja autoria não seja conhecida, uma vez que o fim do pleito eleitoral não tem o condão afastar a ocorrência do ilícito e suas consequências.  

Veja-se a redação do citado dispositivo:

Art. 57-D.  É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

[...]

§ 2º  A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (grifos acrescidos)

Como visto, a publicação supostamente inverídica e ofensiva foi veiculada na rede social Facebook.

Em atendimento às diligências determinadas ao longo da marcha processual, tanto o Facebook quanto as empresas de telefonia Oi, Tim e Claro prestaram as informações requisitadas pela relatoria desta representação relativas à identificação dos usuários responsáveis pelo conteúdo impugnado (IDs 423580, 423581, 533988, 541608, 544243 e 1352688).

Noto que os dados cadastrais e os registros de acesso fornecidos pelo Facebook e pelas empresas de telefonia permitem a identificação dos responsáveis.

Portanto, na espécie, não há falar em anonimato.

Assim, ainda que o conteúdo objeto da representação tenha sido produzido com o fim de “[...] agredir, injuriar e difamar as representantes, mediante afirmações inverídicas” (ID 403101, fl. 11), como consta da inicial, é inaplicável a multa do art. 57-D, § 2º, da Lei das Eleições ao caso.

Aliás, essa foi a conclusão desta Corte Superior no julgamento do já mencionado R-RP nº 0601635-31/DF, cuja ementa foi colacionada alhures. Para conferir, veja-se o seguinte trecho do voto condutor:

O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Senhora Presidente, o recurso inominado não merece provimento.

Eis o teor da decisão agravada:

[...]

No que diz respeito ao pedido de aplicação de multa, verifico que as representantes fundamentam a incidência da sanção na violação aos arts. 57-B, §§ 2º e 5º, e 57-D, caput e § 2º, da Lei no 9.504/1997, que vedam o falseamento de identidade e o anonimato dos usuários de aplicação de Internet. Entretanto, cumpre esclarecer que não houve comprovação do alegado.

Também não há falar em anonimato no Facebook, porquanto os dados cadastrais e os registros de acesso permitem a identificação dos responsáveis pelo conteúdo questionado (IDs 519280 e 560255). A propósito, veja-se o que já assentado por esta Corte:

Peço vênia, ainda, para destacar que o anonimato não se confunde com o uso de pseudônimos, nos termos do art. 19 do Código Civil, aos quais, inclusive, é dada a mesma proteção que o nome.

[...]

No caso da internet, em que pese a existência de programas desenvolvidos para evitar a identificação do usuário, não é raro que se obtenha pela identificação do endereço de acesso (Internet Protocol – IP) o local (computador) utilizado pelo responsável por práticas ilícitas. Por isto é que, na maior parte das vezes, o uso de pseudônimo na internet não garante o anonimato, ao contrário do que normalmente se imagina. (AgR-AC nº 1384-43/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.8.2010)

Nesse sentido, o § 2º do art. 33 da Res.-TSE nº 23.551/2017 dispõe que a afirmação da existência de anonimato somente poderá ser feita após apuração judicial de autoria, in verbis:

[...]

Dessa feita, não constatados o falseamento de identidade ou o anonimato e vedada a adoção de interpretação extensiva para incidência de multa, é inviável o deferimento do pedido de aplicação de sanção aos responsáveis pela divulgação do conteúdo apontado como ofensivo.

Ademais, a Res.-TSE no 23.551/2017, em seu § 6º do art. 23, afasta a responsabilidade das pessoas naturais que, espontaneamente, se manifestarem na Internet em matéria político-eleitoral – sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de Internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado.

Da mesma forma, no tocante à representada Facebook, também não deve incidir a sanção prevista na legislação eleitoral, já que não houve descumprimento de decisão judicial que autorize a aplicação da reprimenda. (grifos acrescidos)

Portanto, em caso similar – inclusive em relação às eleições de 2018 –, o Plenário do TSE concluiu pela impossibilidade de incidência da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei das Eleições, ante a inexistência de anonimato.

Desse modo, especialmente em prol dos princípios da isonomia, da segurança jurídica e da proteção da confiança, esta Corte Superior deve adotar a mesma compreensão, a fim de que as mesmas conclusões sejam aplicadas a situações fáticas semelhantes, capituladas nos mesmos dispositivos legais e relativas ao mesmo pleito, evitando-se a existência de decisões conflitantes.

Pontuo que a representada Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. prontamente cumpriu todas as determinações exaradas por esta Corte Superior, de modo a fornecer os dados disponíveis para a identificação dos demais representados, não havendo sequer de se cogitar em sancioná-la. 

Ante o exposto, julgo extinto o feito, sem resolução do mérito, ante a perda superveniente do objeto da representação, no que tange aos pedidos de remoção de conteúdo e direito de resposta, e improcedente o pedido de imposição da sanção prevista no art.57-D, § 2º, da Lei das Eleições. Torno sem efeito a tutela de urgência anteriormente concedida, conforme o art. 33, § 6º, da Res.-TSE no 23.551/2017.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília,  5  de março de 2020.

 

Ministro Og Fernandes

Relator