TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
ACÓRDÃO
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0000626-24.2016.6.26.0261 – PIRAPOZINHO – SÃO PAULO
Relator: Ministro Sérgio Banhos
Recorrente: Orlando Padovan
Advogados: Hélio Freitas de Carvalho da Silveira – OAB: 154003/SP e outros
Recorrente: Antônio Carlos Colnago
Advogados: Ademar Aparecido da Costa Filho – OAB: 40989/DF e outros
Recorrida: Coligação Juntos Somos Mais Fortes
Advogados: Rogério Leandro Ferreira – OAB: 142624/SP e outro
Recorrido: Ministério Público Eleitoral
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PREFEITO. VICE-PREFEITO. REQUISITO. GRAVIDADE. ART. 22, XVI, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90.
SÍNTESE DO CASO
1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto em face de acórdão regional que manteve a condenação dos recorrentes às sanções de cassação de diplomas de prefeito e vice-prefeito, assim como de declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos, impostas com base no art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90, em virtude da prática de abuso do poder econômico, consistente na distribuição de camisetas e de cerveja a eleitores com o intuito de influenciar no pleito.
ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL
QUESTÕES PRÉVIAS
2. Não há falar em litisconsórcio passivo necessário na espécie, pois as pessoas que os recorrentes sustentam que deveriam integrar a lide são:
a) mero executor das ordens do candidato a prefeito, que não participou da distribuição de camisetas a eleitores, conforme narrativa da petição inicial;
b) proprietário do bar onde ocorreu a distribuição gratuita de bebidas, cuja conduta não foi individualizada na peça inaugural, tendo sido demonstrado apenas no curso da instrução processual que ele realizou a compra da bebida doada a eleitores, de forma que não havia como chamá-lo para compor o polo passivo da demanda; e
c) pessoas cujo envolvimento nas condutas abusivas não ficou comprovado.
3. As conclusões do Tribunal de origem a respeito da não configuração de litisconsórcio passivo necessário na espécie não podem ser modificadas sem o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.
4. Tendo o Tribunal de origem entendido que os argumentos de ilicitude do depoimento pessoal dos réus e de oitiva de testemunhas não arroladas na petição inicial consistem em indevida inovação de tese em embargos de declaração, não há falar em omissão do aresto recorrido do quanto a tais questões, o que afasta a alegação de ofensa aos arts. 275 do Código Eleitoral, 489, § 1º, II, III e IV, e 1.022, II e III, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil, e 93, IX, da Constituição da República, e que impede a aplicação do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil.
5. A alegação de que a Corte de origem deveria ter se pronunciado de ofício sobre as alegações de ilicitude do depoimento pessoal e da oitiva de testemunhas não arroladas na inicial não merece acolhimento, pois, em julgados recentes e alusivos à instância ordinária, esta Corte assentou que é vedada a inovação de tese em embargos, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Nesse sentido: AgR-RCED 8015-38, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 13.5.2016; REspe 709-48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018.
6. Não merecem acolhimento as alegações de ofensa ao art. 941, § 3º, do Código de Processo Civil e de nulidade do acórdão regional em virtude da ausência do voto vencido, pois, de acordo com a Corte de origem, o teor do pronunciamento divergente não foi declarado pela magistrada que o proferiu e já se encerrou o seu biênio de atuação no Tribunal Regional Eleitoral, de forma que se aplica ao caso o entendimento de que não há “como se exigir a prática de ato retroativo de magistrado que não mais integra este Colegiado” (ED-HC 0603989-63, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 24.8.2018).
7. Esta Corte Superior já decidiu que a instauração de inquérito policial sem a supervisão do Tribunal Regional Eleitoral competente por prerrogativa de função não acarreta, por si só, nulidade, quando dessa irregularidade não decorre prejuízo. Nesse sentido: REspe 129-35, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.11.2018.
8. No caso, a análise da alegação de nulidade das provas oriundas do inquérito policial, por falta de supervisão do tribunal competente por prerrogativa de função, esbarra no óbice do verbete sumular 24 do TSE, tendo em vista que a Corte de origem assentou que o prefeito não era investigado no inquérito policial em questão e porque não há no acórdão recorrido elemento que permita inferir em que momento da investigação criminal teria surgido indício de eventual envolvimento da citada autoridade nas condutas supostamente ilícitas, ou mesmo se, após esse momento, teria porventura sido praticado ato de caráter decisório ou adotada em seu desfavor providência que estivesse protegida pela cláusula da reserva de jurisdição, a fim de que se pudesse cogitar a existência de eventual prejuízo.
9. O indeferimento do pedido de perícia em fotografias, filmagens e documentos escritos oriundos do inquérito policial ocorreu por entender o juiz eleitoral pela sua desnecessidade para a solução da controvérsia, eis que os fatos que seriam objetos de análise pericial teriam sido comprovados por outros elementos de convicção, entendimento que está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior. Nesse sentido: REspe 1310-64, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 14.12.2015; AgR-RO 0600870-81, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS em 13.11.2018; e AgR-REspe 244-24, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 2.2.2017.
10. As conversas realizadas em aplicativo de mensagens instantâneas, citadas na fundamentação do acórdão regional, não foram o único elemento utilizado pelo Tribunal de origem para concluir que houve distribuição de camisetas a eleitores, pois tal entendimento foi amparado também nas várias camisetas apreendidas pela polícia em poder de outras pessoas.
11. Conquanto os recorrentes aleguem que as fotografias juntadas aos autos e que o recibo da empresa do ramo de confecção de roupas não teriam sido submetidos a perícia, verifica-se que eles nem sequer sugerem que tais documentos contivessem algum indício de adulteração, trucagem ou montagem, cingindo-se à mera argumentação genérica de que tais elementos deveriam ter sido periciados.
12. O Tribunal a quo, mediante premissas fáticas insuscetíveis de alteração na instância especial, consignou que o delegado de polícia, embora ausente da oitiva de testemunhas, supervisionou a tomada dos depoimentos e determinou as perguntas que seriam formuladas, conferindo os termos digitados.
13. Os recorrentes não indicaram quais pessoas teriam sido ouvidas sem a presença da autoridade policial, limitando-se a afirmar, em tese, a possibilidade de que novas perguntas surgissem a partir das respostas apresentadas pelos depoentes, de forma que não se desincumbiram de demonstrar a existência de prejuízo. Incide, portanto, a orientação remansosa desta Corte de que, “no processo eleitoral, a decretação de nulidade fica condicionada, por força do art. 219 do CE, à efetiva demonstração de prejuízo” (AgR-AI 708-23, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.3.2019).
14. Não merece acolhimento a alegação de ilicitude da prova obtida na busca e apreensão realizada sem prévia ordem judicial na residência de Walter Bezamat Remelli, pois, de acordo com os fatos delineados no acórdão recorrido, o proprietário afirmou em juízo ter autorizado a entrada dos policiais em sua casa, mesmo depois de informado de que não havia mandado, e consta no boletim de ocorrência que a busca só foi realizada após a autorização do proprietário, não havendo provas de eventual abuso de autoridade na citada diligência.
15. A pretensão de que sejam alteradas as conclusões do Tribunal de origem, a fim de declarar a suposta ilicitude da busca e apreensão e dos elementos probatórios nela colhidos, esbarra no óbice ao revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, nos termos do verbete sumular 24 do TSE.
16. A Corte de origem assentou que os recorrentes tiveram a oportunidade de manusear os documentos juntados pela parte contrária por ocasião da audiência de instrução, assim como puderam se manifestar sobre eles nas alegações finais, de forma que não há como reconhecer o alegado cerceamento de defesa na espécie, pois “o cerceamento de defesa resta afastado sempre que oportunizado à parte manifestar-se acerca das provas carreadas aos autos em alegações finais” (REspe 458-67, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 30.8.2016).
17. O entendimento do Tribunal de origem de não analisar as alegações de nulidade do acórdão regional em virtude da colheita do depoimento pessoal de investigado e da oitiva de testemunhas supostamente não arroladas na petição inicial, pelo fato de somente terem sido suscitadas em sede de aclaratórios, está em consonância com recente decisão deste Tribunal, no sentido de que “a pretensão de ver apreciada matéria em sede de embargos de declaração opostos em segundo grau de jurisdição quando ela não foi ventilada em nenhum momento processual anterior, nem mesmo em sede de defesa ou no recurso eleitoral, revela quebra do dever processual de cooperação e da boa-fé (arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil)” (REspe 709-48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018).
18. A eventual colheita de depoimento pessoal do réu em ação de investigação judicial eleitoral não enseja, por si só, a nulidade processual cogitada pelos recorrentes, pois é necessária a demonstração de efetivo prejuízo decorrente da prática do referido ato processual, o que não ocorreu na espécie. Nesse sentido: AgR-REspe 35.932, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJE de 4.8.2010; AgR-RMS 26-41, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27.9.2018.
19. A análise do argumento de que a parte autora, ao cumprir determinação judicial para adequar o rol de testemunhas ao número máximo previsto em lei, teria feito constarem da relação dois nomes que não figuraram na nominata inicial, razão pela qual teriam sido ouvidas testemunhas não arroladas, demandaria o exame das petições iniciais das ações de investigação judicial eleitoral julgadas em conjunto com o presente feito, providência que esbarra no óbice do verbete sumular 24 do TSE.
20. O dissídio jurisprudencial a respeito do caráter de matéria de ordem pública do qual estaria revestida a alegação de nulidade de depoimento pessoal do investigado não foi demonstrado, pois o aresto indicado como paradigma não guarda semelhança fática com a espécie dos autos, já que nele se discutiu a nulidade de interrogatório em ação penal, por ter sido realizado antes da audiência de instrução, configurando-se inversão do rito previsto na lei processual penal, ao passo que, no presente caso, alega-se a nulidade de depoimento pessoal da parte em ação cível-eleitoral.
21. Improcede o arguido malferimento do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral e da Constituição da República, ao ter a decisão regional reconhecido a inconstitucionalidade parcial do citado preceito legal (e determinado novas eleições), disposição que, segundo o recorrentes, seria adequada ao texto constitucional e compatível com a soberania popular. Conforme decidido pela instância revisora, esta Corte também há muito assentou tal inconstitucionalidade parcial, especificamente da locução “após o trânsito em julgado” contida no citado dispositivo, compreensão também externada pelo Supremo Tribunal Federal (TSE: ED-REspe 139-25, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 28.11.2016; AgR-REspe 431-53, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 31.3.2017; e AgR-REspe 245-09, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 9.5.2017; STF: ADI 5.525, rel. Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 29.11.2019. Incidência do Enunciado Sumular 30 do TSE.
MÉRITO
22. O Tribunal de origem reconheceu a prática de abuso do poder econômico consistente na distribuição de camisetas vermelhas a eleitores e na distribuição de cerveja à população em geral em evento realizado na véspera das eleições, confirmando, por conseguinte, a cassação dos diplomas de prefeito e vice-prefeito dos recorrentes e a declaração da sua inelegibilidade pelo período de oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da LC 64/90.
23. A gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato abusivo é requisito essencial para o reconhecimento da prática do abuso do poder econômico, a teor do disposto no art. 22, XVI, da LC 64/90, e “se traduz em fato que altera a legitimidade do pleito ou lhe causa desequilíbrio” (AgR-REspe 661-19, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 5.11.2015).
24. De acordo com a jurisprudência do TSE, o abuso do poder econômico caracteriza-se pela utilização excessiva e desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de modo a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito, em benefício de determinada candidatura.
25. No caso dos autos, conquanto o Tribunal de origem consigne que foram compradas 900 camisetas vermelhas pela chapa majoritária formada pelos recorrentes, verifica-se que o acórdão regional não contém elementos que autorizem concluir que todos esses exemplares tenham sido distribuídos a eleitores. Além disso, o acórdão recorrido não especifica, nem sequer por aproximação, o quantitativo de camisetas distribuídas, nem o período em que teria ocorrido tal distribuição, o que impede a aferição de efetiva expressão econômica da conduta tida como ilícita.
26. O aresto alude a alguns poucos casos, nos quais teria sido apontada a distribuição de camisetas a eleitores, ou, pelo menos, nos quais ocorreu a apreensão de exemplares em poder de terceiros. Todavia, a pequena quantidade de camisetas, que, a partir da leitura do acórdão recorrido, depreende-se terem sido distribuídas, não denota gravidade suficiente para comprometer a legitimidade do pleito ou o equilíbrio da disputa eleitoral.
27. No que se refere à distribuição de 1.200 de latas de cerveja a populares, o acórdão regional assinala que tal evento ocorreu em um bar, na véspera da eleição, ao custo total de R$ 1.908,00, e que a citada despesa foi paga por um dos proprietários do referido estabelecimento comercial. Entretanto, não há informação sobre quantas pessoas estiveram presentes no citado evento, dado que seria relevante para a aferição da amplitude da conduta.
28. A presença no evento de pessoas trajando roupas na cor vermelha, inclusive o uso de bandeiras e a reprodução de música de campanha, consiste apenas em indícios de conotação eleitoral, mormente porque a Corte de origem reconheceu que os candidatos eleitos não estiveram presentes no evento de distribuição de bebidas e que durante ele não houve pedido de votos, assim como não ocorreu a participação de pessoas ligadas à coligação pela qual os recorrentes disputaram o pleito, consignando-se apenas a mera presença do filho do candidato a vice-prefeito.
29. Nas circunstâncias descritas no acórdão regional, a distribuição a eleitores de 1.200 latas de cerveja, realizada e custeada por terceiros, não tem gravidade suficiente para comprometer a legitimidade ou a normalidade do pleito, nem para afetar a igualdade entre os candidatos. Ademais, a quantia de R$ 1.908,00, gasta na compra da bebida pelo proprietário do bar onde ocorreu o evento, tem pequena expressão econômica no contexto do município, o qual tem mais de 26.810 habitantes, de acordo com o acórdão regional.
30. A Corte de origem assentou a gravidade das condutas tidas como abusivas, tendo em conta a probabilidade de elas terem sido decisivas para a vitória dos recorrentes, em virtude da pequena diferença de votos verificada entre o primeiro e o segundo colocados na eleição para prefeito, sem apontar outros elementos que corroborem o entendimento por ela adotado a respeito do caráter grave dos fatos. Tal conclusão está em desacordo com o que dispõe o art. 22, XVI, da LC 64/90, segundo o qual, para a configuração do ato abusivo, será considerada apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, e não a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição. Nesse sentido: REspe 1-14, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 25.2.2019.
31. Diante da ausência, no caso dos autos, de gravidade das condutas apontadas como abusivas, o acórdão recorrido merece ser reformado, a fim de se afastar a condenação dos recorrentes.
CONCLUSÃO
Recurso especial a que se dá provimento.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em conhecer e dar provimento ao recurso especial eleitoral, para reformar o acórdão regional e julgar improcedente o pedido formulado na AIJE, nos termos do voto do relator.
Brasília, 16 de junho de 2020.
MINISTRO SÉRGIO BANHOS – RELATOR
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS: Senhora Presidente, Orlando Padovan e Antônio Carlos Colnago, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Pirapozinho/SP nas Eleições de 2016, interpuseram recurso especial eleitoral (fls. 1.816-1.877) em face de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (fls. 1.553-1.602) que, por unanimidade, recebeu os apelos com efeito suspensivo e declarou a inconstitucionalidade parcial do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, rejeitando as demais questões prévias, e, por maioria, deu parcial provimento ao recurso dos ora recorrentes, a fim de reformar, em parte, a sentença do Juízo da 261ª Zona Eleitoral daquele Estado para afastar o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio e a multa imposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/97, confirmando, porém, o juízo de procedência da ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pela Coligação Juntos Somos Mais Fortes quanto à prática de abuso do poder econômico, mantendo, assim, as sanções de cassação de diplomas e de declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos, aplicadas nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90.
Ademais, a Corte de origem negou provimento aos apelos apresentados pelo Ministério Público Eleitoral e pela Coligação Juntos Somos Mais Fortes, bem como deu provimento ao recurso eleitoral de Cícero Alves Maia, candidato não eleito ao cargo de vereador no mesmo pleito, a fim de julgar totalmente improcedente a ação de investigação judicial eleitoral com relação a ele.
Eis a ementa do acórdão regional (fls. 1.553-1554):
RECURSOS ELEITORAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA COM RELAÇÃO A ORLANDO PADOVAN, ANTONIO CARLOS COLNAGO, RESPECTIVAMENTE, PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS, E CICERO ALVES MAIA, CANDIDATO A VEREADOR NAS ELEIÇÕES 2016, E DE IMPROCEDÊNCIA QUANTO A CLAUDECIR MARAFON, VEREADOR ELEITO. RECEBIDOS OS RECURSOS COM EFEITO SUSPENSIVO. AFASTADAS AS PRELIMINARES ARGUIDAS POR ORLANDO PADOVAN, ANTONIO CARLOS COLNAGO, CICERO ALVES MAIA E CLAUDECIR MARAFON. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO ART. 224,
§ 3º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE CAMISETAS VERMELHAS JUNTAMENTE COM R$ 50,00, BEM COMO PAGAMENTO DE CONTAS E COMPRA DE MEDICAMENTOS EM TROCA DE VOTOS. REALIZAÇÃO DE EVENTO COM FORNECIMENTO GRATUITO DE BEBIDAS. DEPOIMENTOS COLHIDOS EM SEDE POLICIAL E NÃO CONFIRMADOS EM JUÍZO, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. DESCARACTERIZADA A CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO POR FALTA DE PROVAS. CONFIGURADO O ABUSO DE PODER ECONÔMICO NAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS. NÃO RESTOU COMPROVADO O ABUSO DE PODER ECONÔMICO NO PLEITO PROPORCIONAL. A REFORMA DE R. SENTENÇA É MEDIDA QUE SE IMPÕE. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS INTERPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL E PELA COLIGAÇÃO “JUNTOS SOMOS MAIS FORTES”. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO INTERPOSTO POR ORLANDO PADOVAN E ANTONIO CARLOS COLNAGO, A FIM DE AFASTAR O RECONHECIMENTO DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E, CONSEQUENTEMENTE, ELIDIR A MULTA APLICADA. PROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO POR CICERO ALVES MAIA, PARA, COM RELAÇÃO A ELE, JULGAR A PRESENTE AÇÃO IMPROCEDENTE.
Opostos embargos de declaração (fls. 1.607-1.627), foram eles rejeitados em decisão assim ementada (fl. 1.780):
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AFASTAMENTO. CONDUTAS CINDÍVEIS E AUTÔNOMAS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
Os recorrentes sustentam, em suma, que:
a) o recurso especial não demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, mas apenas a requalificação jurídica dos fatos consignados no acórdão recorrido, considerando os votos vencedores e os votos vencidos;
b) o acórdão recorrido ofendeu os arts. 275, I e II, do Código Eleitoral, 1.022, II e III, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil, e 93, IX, da Constituição da República, diante da existência de omissões e erros materiais no julgado, razão pela qual deve ser aplicado o disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, ou, caso assim não se entenda, deve ser provido o recurso especial para determinar o retorno dos autos ao TRE/SP, a fim de que a Corte de origem corrija as falhas apontadas nos embargos;
c) houve contrariedade ao art. 941, § 3º, do Código de Processo Civil, uma vez que o voto vencido, que reconhecia a improcedência da demanda, não compôs o acórdão regional originário e tal falha não foi corrigida, a despeito da oposição de embargos de declaração, ensejando a nulidade do acórdão recorrido;
d) a decisão regional ofendeu os arts. 29, X, e 5º, LIII e LVI, da Constituição da República, 157, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Penal e 369 do Código de Processo Civil, assim como afrontou o verbete sumular 702 do Supremo Tribunal Federal, pois considerou válidos os elementos probatórios colhidos em inquérito policial instaurado em desfavor de prefeito e que não foi supervisionado pelo tribunal competente, ensejando a nulidade das provas obtidas;
e) o aresto recorrido contrariou os arts. 5º, LV, da Constituição da República, 22, caput, da Lei Complementar 64/90 e 434, 435 e 437, § 1º, do Código de Processo Civil, por violação ao contraditório e à ampla defesa, porquanto, intempestivamente e em audiência de instrução, foram juntados documentos novos pela parte autora sem a concessão de prazo razoável para análise e manifestação dos representados;
f) houve violação aos arts. 22, caput, V a X, da Lei Complementar 64/90, 5º, II, LV e LVI, da Constituição da República, e 157, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Penal, em virtude da produção de prova ilícita consistente no depoimento pessoal dos réus, contrariando a jurisprudência desta Corte Superior e do Tribunal Regional Eleitoral paulista;
g) o acórdão regional divergiu do entendimento do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul quanto à possibilidade de exame, em embargos declaratórios, da matéria alusiva à nulidade de depoimento pessoal do réu, por tratar-se de matéria de ordem pública, passível de arguição a qualquer momento;
h) a oitiva de testemunha não arrolada na petição inicial afronta o disposto nos arts. 22, caput, da LC 64/90, e 27, § 1º, da Res.-TSE 23.462;
i) a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os envolvidos na suposta prática de abuso do poder econômico infringiu o disposto nos arts. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90, e 114 e 115 do Código de Processo Civil, tendo o acórdão regional divergido da jurisprudência desta Corte Superior (REspe 843-56) e do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (Acórdão 410/2017) quanto ao ponto;
j) houve contrariedade aos arts. 14, § 9º, da Constituição da República, 237 do Código Eleitoral, 19, parágrafo único, e 22, caput, XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90, e 371 do Código de Processo Civil, tendo em vista: i) que há ausência de prova robusta e incontestável do abuso do poder econômico; ii) que os fatos não configuram ilicitude; iii) que a condenação ocorreu com base em meras presunções; iv) que inexiste gravidade apta a impactar a lisura das eleições; e v) que os recorrentes são apenas beneficiários de atos de terceiros;
k) houve dissídio jurisprudencial quanto à impossibilidade de se presumir a responsabilidade do candidato em virtude de proximidade política ou familiar, bem como à indevida declaração de inelegibilidade com base no art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90, em razão de ato de responsabilidade de terceiros;
l) o aresto regional violou o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral e a Constituição Federal ao reconhecer a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado”, contida no citado dispositivo legal, com base no acórdão desta Corte proferido nos ED-REspe 139-25, pois tal norma é compatível com o texto constitucional vigente.
Requerem o conhecimento e o provimento do recurso especial, a fim de que sejam tornados insubsistentes os acórdãos regionais e julgada extinta ou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.
Caso assim não se entenda, pugnam por que seja afastada a inelegibilidade imposta ou, ainda, reconhecida a nulidade do acórdão e da sentença, determinando-se a realização de novo julgamento da demanda pelas instâncias ordinárias.
Por decisão às fls. 1.997-1.999, o Presidente do Tribunal de origem admitiu o recurso especial e concedeu-lhe efeito suspensivo.
A Coligação Juntos Somos Mais Fortes apresentou contrarrazões às fls. 2.008-2.018, nas quais pugnou pela revogação do efeito suspensivo conferido ao recurso especial, com determinação de cumprimento imediato do acórdão regional, e pleiteou o não conhecimento e o não provimento do apelo.
Pela decisão de fls. 2.023-2.024, o Presidente do TRE/SP manteve a decisão que conferiu efeito suspensivo ao recurso especial.
A douta Procuradoria-Geral Eleitoral, no parecer de fls. 2.039-2.047v, opinou pelo não provimento do recurso especial.
Por meio de decisão individual (fls. 2.055-2.111), o Ministro Admar Gonzaga, então relator, negou seguimento ao recurso especial, sobrevindo a interposição de agravo regimental (fls. 2.113-2.163).
A Coligação Juntos Somos Mais Fortes apresentou contrarrazões (fls. 2.170-2.180), nas quais pugnou pelo não acolhimento do agravo regimental e pela concessão de tutela de urgência para a imediata execução da decisão.
Por sua vez, o Ministério Público Eleitoral, nas contrarrazões apresentadas (fls. 2.183-2.191v), requereu o não provimento do agravo interno.
Os autos foram redistribuídos à minha relatoria, em razão do término do biênio do Ministro Admar Gonzaga, conforme certidão à fl. 2.195.
Por decisão às fls. 2.196-2.198, indeferi o pedido de tutela de urgência formulado pela Coligação Juntos Somos Mais Fortes, decorrendo o prazo sem a apresentação de recurso, conforme certidão à fl. 2.199.
Por entender relevantes os argumentos expostos no agravo regimental, proferi decisão às fls. 2.204-2.207, por meio da qual reconsiderei a decisão agravada (fls. 2.055-2.111), a fim de submeter o recurso especial ao plenário desta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS (relator): Senhora Presidente, o recurso especial é tempestivo. O acórdão atinente ao julgamento dos embargos de declaração foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 21.2.2018, quarta-feira, conforme certidão à fl. 1.809, e o apelo foi interposto na mesma data (fl. 1.816) em petição subscrita por advogados habilitados nos autos (procurações às fls. 500 e 862 e substabelecimentos às fls. 1.261-1.262 e 1.628).
No caso, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo manteve a condenação dos recorrentes às sanções de cassação de diplomas e de declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos, aplicadas nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90, em virtude da prática de abuso do poder econômico, consistente na distribuição de camisetas e de cerveja a eleitores.
Nas razões recursais, sustenta-se que o acórdão regional afrontou disposições legais e constitucionais, assim como incorreu em divergência jurisprudencial.
Examino, inicialmente, cada uma das questões prévias deduzidas no recurso especial.
I – Ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário e decadência
Os recorrentes alegam que a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com as diversas pessoas envolvidas nos fatos tidos como abusivos, conforme indicado na narrativa da petição inicial, afrontou o disposto nos arts. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90 e 114 e 115 do Código de Processo Civil, acarretando a decadência para a propositura da ação de investigação judicial eleitoral.
Defendem que “não se pode falar em longa manus se não há uma indicação sequer da atuação direta ou ordem proferida pelos recorrentes” (fls. 1.842-1.843).
Acerca da questão, observo que não assiste razão ao parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral no ponto em que afirma que “a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não exige a formação de litisconsórcio passivo necessário nas hipóteses de abuso de poder econômico” (fl. 2.044), mas apenas nos casos de conduta vedada e de abuso do poder político.
É certo que este Tribunal firmou o “entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados” (REspe 843-56, red. para o acórdão Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 2.9.2016, grifo nosso).
Todavia, conquanto o precedente citado tratasse de hipótese de abuso do poder político, esta Corte Superior já decidiu que a orientação jurisprudencial nele fixada se aplica também às ações de investigação judicial eleitoral que versem sobre a prática de abuso do poder econômico, conforme aresto proferido no REspe 624-54, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 11.5.2018, assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA. OMISSÃO. VÍCIO INEXISTENTE. EMBARGOS REJEITADOS.
[...]
PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUTORES. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA.
4. Em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), impõe-se litisconsórcio passivo necessário entre o autor do ilícito e o beneficiário (precedente). Entendimento que incide nos casos de abuso de poder econômico, político e de uso indevido dos meios de comunicação social, pois, a teor do art. 22, XIV, da LC 64/90, aplica-se a inelegibilidade também a quem praticou o ato.
[...]
CONCLUSÃO. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA.
16. Recursos especiais providos para julgar improcedentes os pedidos, confirmando-se a liminar anteriormente deferida.
Por oportuno, destaco o seguinte trecho do voto condutor do citado precedente:
[...]
Alega-se nulidade por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos recorrentes e três responsáveis pela distribuição de 150 latas de cerveja após comício, em desacordo com o entendimento deste Tribunal firmado no REspe 843-56/MG.
O TRE/SP, apesar de consignar que não conheceria da alegação, avançou no tema e a examinou, de modo que a matéria encontra-se prequestionada. É o que se infere dos seguintes trechos (fI. 478):
[...]
Ato contínuo, afirmou que não seria o caso de aplicar à hipótese em análise o entendimento firmado no REspe 843-56/MG, pois nele se discutiu abuso de poder político, enquanto aqui se apura abuso de poder econômico. Confira-se (fls. 478-479):
[...]
Todavia, a tese fixada pelo TSE no leading case estende-se a todas as condutas apuradas em AIJE (art. 22 da LC 64/90), o que inclui também abuso de poder econômico (caso dos autos) e uso indevido dos meios de comunicação social, visto que, naquele julgado, se consignou que:
[...] o inciso XIV do art. 22 da LC 64/90 dispõe expressamente que “julgada procedente a representação, [...] o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes [...]”. Em outras palavras, assim como nos §§ 4º e 8º do art. 73 é fixada sanção ao autor do ilícito que não o candidato (vindo este a ser o mero beneficiário), no inciso XIV do art. 22 essa distinção também ocorre, estabelecendo-se sanção a quem comete o ilícito em benefício do postulante a cargo eletivo.
Em outras palavras, sendo expressa a previsão de inelegibilidade em desfavor de quem comete o ilícito que não o candidato, não há sentido lógico ou justificativa em não citar os autores da conduta para compor o polo passivo.
Desse modo, merece reparo a conclusão da Corte Regional de que não haveria litisconsórcio passivo apenas porque a espécie cuida de abuso de poder econômico (e não político).
[...]
Portanto, de acordo com a atual jurisprudência desta Corte, aplicável aos feitos atinentes às Eleições de 2016, como é o presente caso, é obrigatória a formação de litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que versem sobre abuso do poder econômico, político e uso indevido dos meios de comunicação social, as quais devem ser propostas em desfavor dos candidatos beneficiários e dos autores da conduta ilícita, tendo em vista que a sanção de inelegibilidade se aplica também a quem praticou o ato.
Fixado esse ponto, observo que os recorrentes alegam que apontaram, em embargos de declaração, outras pessoas que, no seu entender, seriam responsáveis pelas condutas tidas como abusivas, as quais não teriam sido incluídas no polo passivo da demanda, embora a participação delas nos fatos estivesse indicada na narrativa da petição inicial e, segundo alegam, tivesse sido registrada no acórdão regional.
Destaco o seguinte trecho do voto vencido do Juiz Marcus Elidius, relator originário, o qual acolhia os embargos de declaração a fim de reconhecer a decadência e extinguir a ação de investigação judicial eleitoral com resolução de mérito (fls. 1.799-1.803):
[...]
Por fim, verifica-se que a jurisprudência consolidou o entendimento de que há litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiados e os responsáveis pela prática do abuso do poder, visto que a eventual procedência da ação acarretaria efeitos na esfera jurídica de ambos, pois o art. 22, inciso XIV, da Lei das Inelegibilidades, também estabelece sanção a quem comete o ilícito em benefício do postulante a cargo eletivo (Precedentes: TSE, Respe 8547/PI, Rel. Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 19.12.16; TSE, Respe 133-48/PI, Rel. Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 17.10.16; TSE, Respe 843-56/MG, Relator Designado Min. Henrique Neves, DJE 02.09.16).
Esse entendimento também privilegia a verdade material, pois apenas com a participação dos responsáveis pela prática abusiva, concedendo-lhes o direito ao contraditório e à ampla defesa, é possível elucidar todas as circunstâncias em que ocorreram os fatos narrados na inicial.
Nos embargos de declaração foram elencadas 11 (onze) pessoas supostamente envolvidas nas condutas impugnadas, as quais não fazem parte do polo passivo desta ação.
De início, já é possível excluir a necessidade de participação das pessoas abaixo discriminadas, pelas razões a seguir expostas:
1. Estevam Rapchan Manari, João Carlos Assef, Josiane dos Santos e Ilda Jaques: são citados por possível participação na captação ilícita de sufrágio (arregimentação de eleitores e compra de votos), a qual não foi reconhecida no Acórdão embargado;
2. Proprietário da Chácara “Auto Nil”: não foi comprovada a realização de nenhum evento na chácara “Auto NiI”;
3. Carlos Eduardo Martinez Colnago: não foi demonstrada a sua participação na distribuição de bebidas no “Bar do Pedrão”;
4. Dercília Aparecida Vieira: não foi evidenciado o seu envolvimento na distribuição de camisetas;
5. José Andrade dos Santos e Josinaldo Alves da Silva: nos autos não há indícios de participação deles em qualquer das condutas.
O proprietário do “Bar do Pedrão”, onde foi realizada festa com distribuição gratuita de bebida, não teve a sua conduta individualizada na inicial, a qual sequer faz menção ao seu nome, narrando apenas a realização do evento no local.
Somente no curso da instrução processual, foi demonstrado que JOÃO MARINHO SILVA NETO, qualificado como um dos donos do “Bar do Pedrão”, realizou a compra das latinhas de cerveja.
Por conta disso, não havia como o chamar para compor a [sic] polo passivo quando da propositura da demanda.
Conclui-se, então, que a presença de Estevam Rapchan Manari, João Carlos Assef, Josiane dos Santos, Ilda Jaques, Carlos Eduardo Martinez Colnago, Dercília Aparecida Vieira, José Andrade dos Santos, Josinaldo Alves da Silvar, do Proprietário da Chácara “Auto Nil” e do proprietário do “Bar do Pedrão” no polo passivo não acarreta qualquer nulidade ao processo.
Contudo, com relação a Walter Bezamat Remelli, representante da Coligação “Para Nossa Cidade Crescer Ainda Mais”, a qual lançou as candidaturas de ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO para o pleito majoritário, vê-se que a sua atuação foi fundamental para a distribuição de camisetas.
Na própria inicial (fls. 21/23) é relatado que Walter Bezamat Remelli, representante da Coligação “Para Nossa Cidade Crescer Ainda Mais”, a qual lançou as candidaturas de ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO para o pleito majoritário, participou da confecção das blusas vermelhas, pois: 1) em sua casa foi apreendido recibo da “Meeting Uniformes” em nome de ORLANDO PADOVAN, datado de 28/09/2016, no valor de R$ 11.700,00 (onze mil e setecentos reais); 2) Carlos Alexandre Fabrin Boulhosa, proprietário da “Meeting Uniformes”, ouvido no bojo do Inquérito Policial, afirmou ler confeccionado 3 (três) lotes, cada um contendo 300 (trezentas) camisetas vermelhas, a pedido de Walter Bezamat Remelli.
Assim, está claro que ele deveria ter integrado o polo passivo desta demanda como um dos responsáveis pela prática abusiva, o que não aconteceu.
Dessa foram [sic], há de ser reconhecida a nulidade de todos os atos processuais a partir da petição inicial e determinado o retorno dos autos à origem para que a coligação representante providencie o aditamento a inicial para incluir e requerer a citação de Walter Bezamat Remelli. Todavia, deixo de determinar o acima mencionado, tendo em vista que a decadência restou consumada. Explico.
O rito previsto no art. 22, da Lei Complementar nº 64/90, não estabelece prazo decadencial para o ajuizamento da ação de investigação judicial eleitoral. Por Construção jurisprudencial, no, âmbito do c. Tribunal Superior Eleitoral, entende-se que as ações de investigação judicial eleitoral que tratam de abuso de poder econômico e político podem ser propostas até a data da diplomação porque, após esta data, restaria, ainda, o ajuizamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e do Recurso Contra Expedição do Diploma (RCED) (Precedentes: TSE, AgR-RMS 5390/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE 09.05.2014; TSE, REspe nº 12.531/SP, Rel. Min. limar Galvão, DJ 10.9.1995; TSE
RO nº 401/ES Rel. Min. Fernando Neves, DJ 10.9.2000; TSE, RP
nº 628/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 17.12:2002).
Os responsáveis pelo abuso de poder devem ser chamados a integrar a lide dentro do prazo para propositura da ação, o que não ocorreu no presente caso, pois a diplomação dos eleitos aconteceu no dia 16.12.2016. Portanto, de rigor, o reconhecimento da decadência do direito de propor a presente ação.
Diante do exposto, acolho os presentes embargos de declaração, com atribuição de efeito modificativo ao julgado, para, ante a ausência de litisconsórcio passivo necessário, reconhecer a ocorrência [da] decadência do direito de propor a ação e julgar extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil.
[...]
Todavia, prevaleceu o voto divergente do Juiz Marcelo Coutinho Gordo, que rejeitou os embargos de declaração, nos seguintes termos (fls. 1.781-1.782):
[...]
Inclusão ou não de Walter Bezamat Remelli no polo passivo da ação é questão desconhecida até então. Ou seja, não fora veiculada a qualquer tempo e não haveria de sê-lo agora máxime ao argumento de se tratar “de matéria de ordem pública”.
Note-se, ademais, que para chegar a tal conclusão o d. Relator, renovadas as vênias, revolve o exame de provas já efetivado anteriormente, algo também descabido nos limites destes embargos.
E ainda que assim não fosse, já seria imprópria a conclusão de fundo. A menção acerca do nome de Walter Bezamat Remelli na inicial, mormente concebida a imputação de abuso de poder econômico não importa, necessariamente, na sua inclusão no polo da ação. As condutas são cindíveis e autônomas de sorte que o prosseguimento sem ele é, como foi, perfeitamente possível.
A questão é distinta dos casos de abuso de poder político onde o ato é conjunto, não cindível portanto. Tem-se, outrossim, a co-participação do agente na mesma conduta.
[...]
A divergência foi acompanhada pela Juíza Cláudia Lúcia Fonseca Fanucchi, a qual consignou em seu voto que “Walter Bezamet Remelli, sendo representante da Coligação ‘Para Nossa Cidade Crescer Ainda Mais’, à qual pertencem os representados e ainda por possuir cargo em comissão naquele município, é descrito na inicial simplesmente como o cumpridor das ordens, provenientes do então Prefeito de Pirapozinho Orlando Padovan. Também deve-se observar que a representante não imputa a Walter a conduta de distribuição de camisetas” (fl. 1.785).
E, mais adiante, asseverou: “O próprio fato do autor da ação alegar que Walter teria pedido as aludidas camisetas vermelhas em confronto com a afirmação inicial de que o recibo correspondente à compra desses materiais estava no nome do representado Orlando Padovan (fl. 22), confirma que Walter somente foi mencionado na exordial como um verdadeiro longa manus do referido representado” (fl. 1.785).
Ainda no voto convergente proferido pela Juíza Cláudia Lúcia Fanucchi, consignou-se que “os embargantes nem mesmo se incumbiram do ônus de descrever qual seria a conduta supostamente ilícita imputada a Walter Bezamet Remelli ao ponto de ensejar sua inclusão como parte nesta ação” (fl. 1.786).
Como se vê, embora tenha entendido que a alegação referente ao litisconsórcio não fora suscitada em momento anterior e, assim, não poderia ter sido veiculada em sede de embargos de declaração, a Corte de origem analisou as condutas das pessoas elencadas nos aclaratórios e concluiu pela inexistência de litisconsórcio passivo necessário com relação a elas, inclusive quanto a Walter Bezamet Remelli, o qual, de acordo com a corrente vencedora, seria autor de conduta cindível e autônoma, e fora descrito na petição inicial como mero cumpridor das ordens emanadas do recorrente Orlando Padovan, não tendo participado da distribuição de camisetas vermelhas a eleitores.
Ressalto que a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que “as condições da ação (legitimidade passiva, no caso), segundo a Teoria da Asserção, devem ser aferidas em abstrato, sem exame de provas, em consonância com as (simples) alegações postas na inicial” (AgR-AI 587-88, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 9.2.2018).
No presente caso, a Corte de origem assentou que Walter Bezamat Remelli seria mero executor das ordens do candidato Orlando Padovan, conforme a narrativa da petição inicial, de modo que a sua integração à lide como litisconsorte passivo necessário não era necessária.
Quanto ao tema, este Tribunal Superior já decidiu, mutatis mutandis, que é “desnecessária a formação de litisconsórcio entre candidato beneficiário e agente executor da conduta vedada quando atua na qualidade de simples mandatário” (AgR-REspe 634-49, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 30.9.2016). No mesmo sentido: AgR-REspe 311-08, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 16.9.2014.
De outra parte, colhe-se do acórdão regional referente aos embargos que a conduta do proprietário do bar onde ocorreu a distribuição gratuita de bebidas não foi individualizada na petição inicial, a qual não mencionou o seu nome e apenas narrou a realização do evento no local, tendo sido demonstrado, somente no curso da instrução processual, que João Marinho Silva Neto, um dos donos do citado estabelecimento comercial, realizou a compra das latas de cerveja, de forma que não havia como chamá-lo para compor o polo passivo da demanda.
Quanto a tais pontos, os recorrentes alegam que não se pode presumir que Walter Bezamat Remelli tenha agido sob sua ordem e sustentam que a petição inicial indicara que João Marinho Silva Neto participou da distribuição gratuita de bebidas, sendo impossível que os autores da demanda não soubessem quem era o dono do estabelecimento comercial, por se tratar de cidade pequena.
Todavia, para acolher tais alegações recursais e modificar a conclusão à qual chegou o Tribunal de origem, no sentido de ser dispensável a formação de litisconsórcio passivo na espécie, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência que não se admite em recurso especial eleitoral (verbete sumular 24 do TSE).
No que diz respeito ao alegado dissenso jurisprudencial com o acórdão do TSE no REspe 843-56 e o Acórdão 410/2017 do TRE/PB, anoto, conforme tem reiteradamente decido esta Corte, que “fica prejudicada a análise da pretensa ocorrência de dissídio jurisprudencial quando se cuida da mesma tese que respaldou o recurso pela alínea a do inciso I do art. 276 do CE, a qual foi rejeitada por tratar de reexame de provas” (AgR-REspe 1-88, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 22.2.2018).
De qualquer forma, anoto que os precedentes indicados como paradigmas não guardam semelhança fática com a hipótese dos autos, pois nestes o Tribunal de origem entendeu que os candidatos recorrentes foram responsáveis pelos atos abusivos, o que não foi reconhecido nos julgados tidos como paradigmas.
Com efeito, no Acórdão 410/2017, do TRE/PB, tratava-se de AIJE proposta em face de prefeito e vice-prefeito pela prática de conduta vedada e abuso do poder político, na condição de eventuais beneficiários de suposto excesso de gastos com publicidade institucional no primeiro semestre do ano eleitoral, tendo a Corte Regional Eleitoral paraibana concluído pela imprescindibilidade da citação dos secretários municipais, os quais eram ordenadores de despesa por força de lei complementar local e seriam os responsáveis pelos contratos firmados pela prefeitura com agências de publicidade.
Já no REspe 843-56, este Tribunal analisou AIJE por abuso do poder político e econômico, consistente na atuação de secretário municipal de fazenda, que teria concedido gratificações a servidores públicos em troca de votos, sem a participação do candidato beneficiado.
Assim, não há falar em obrigatoriedade de formação de litisconsórcio passivo na espécie e, por conseguinte, não houve decadência da ação de investigação judicial eleitoral, razão pela qual se rejeitam as alegações de ofensa a dispositivos de lei e de dissídio jurisprudencial.
Passo ao exame das demais alegações recursais.
II – Omissão, contradição e erro material no acórdão regional
Os recorrentes apontam ofensa aos arts. 275, I e II, do Código Eleitoral, 489, § 1º, II, III e IV, e 1.022, II e III, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil, e 93, IX, da Constituição da República, sob o argumento de que o Tribunal de origem deixou de sanar as omissões do julgado suscitadas em embargos, acerca das alegações de ilicitude do depoimento pessoal dos réus e da oitiva de testemunhas não arroladas na petição inicial, as quais seriam questões de ordem pública e poderiam ser analisadas de ofício.
Todavia, não há falar em omissão do acórdão regional quanto a tais pontos, pois o Tribunal de origem, ainda que em sentido contrário à pretensão dos recorrentes, analisou as questões deduzidas e assentou a impossibilidade de se pronunciar sobre as alegações de nulidade do depoimento pessoal dos réus e da oitiva de testemunhas supostamente não arroladas na petição inicial, por configurarem indevida inovação recursal em sede de embargos declaratórios.
Ademais, não merece acolhimento a alegação de que o Tribunal de origem deveria se manifestar de ofício sobre as indigitadas questões, pois, em casos recentes e alusivos à instância ordinária, esta Corte assentou que “é vedada a inovação de tese recursal em sede de embargos de declaração, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Precedente: AgR-RCED 8015-38, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 13.5.2016” (REspe 709-48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018).
Anoto que a aplicação do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, alusivo ao prequestionamento ficto, pressupõe que a matéria tenha sido arguida perante o Tribunal a quo e que a instância superior reconheça a existência de vício na falta de exame do tema, situação que não ocorre no presente caso, conforme dito acima.
III – Necessidade de composição do acórdão com o voto vencido
Os recorrentes alegam ofensa ao art. 941, § 3º, do Código de Processo Civil, sob o argumento de que o voto vencido da Desembargadora Marli Ferreira, que teria reconhecido a improcedência da demanda, não compôs o acórdão regional originário, mesmo após a oposição de embargos de declaração, caracterizando-se omissão que ensejaria a nulidade do aresto e determinação para complementação do julgado, ou a realização de novo julgamento na hipótese de ser impossível o saneamento da falha.
Defendem que o voto vencido é importante para o delineamento da moldura fática e para fins de prequestionamento e aduzem que o encerramento do biênio de investidura da magistrada prolatora do voto divergente seria irrelevante, porquanto o que se requer é apenas a documentação da prestação jurisdicional entregue durante o exercício da jurisdição eleitoral.
Quanto ao ponto, destaco o seguinte trecho do voto proferido pelo relator originário, Juiz Marcus Elidius, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, no que foi acompanhado pelos demais juízes da Corte de origem (fl. 1.798):
[...]
Também não há qualquer omissão em razão do voto vencido da Desembargadora Marli Ferreira não integrar o Acórdão. Segundo o art. 941, § 3º, do Código de Processo CiviI, apenas o voto vencido do relator deve necessariamente ser declarado e considerado parte integrante do acórdão.
Frise-se que a Desembargadora Marli Ferreira, na ocasião do julgamento deste recurso, não declarou o seu voto e, atualmente, não compõe mais a Corte deste Tribunal.
[...]
Acerca da questão, destaco que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a inobservância da regra do § 3º do art. 941 do CPC/15 constitui vício de atividade ou erro de procedimento (error in procedendo), porquanto não diz respeito ao teor do julgamento em si, mas à condução do procedimento de lavratura e publicação do acórdão, já que este representa a materialização do respectivo julgamento. Hipótese em que há nulidade do acórdão, por não conter a totalidade dos votos declarados, mas não do julgamento, pois o resultado proclamado reflete, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado” (STJ, REsp 1.729.143, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJE de 15.2.2019, grifo nosso).
Todavia, no caso em exame, não há falar em nulidade do acórdão recorrido, pois ele contém todos os votos declarados no julgamento dos recursos eleitorais, cabendo assinalar, de acordo com o aresto atinente aos embargos de declaração, que a Desembargadora Marli Ferreira não declarou o seu voto vencido e já não integrava a Corte Regional Eleitoral quando da análise do citado recurso integrativo, o que torna inviável a eventual juntada do teor pronunciamento divergente.
Ainda quanto ao ponto, observo que argumento similar ao deduzido pelos recorrentes foi analisado no julgamento dos ED-HC 0603989-63, da relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 24.8.2018, ocasião em que este Tribunal rejeitou a tese de omisssão no acórdão embargado por ausência de voto escrito divergente do eminente Ministro Herman Benjamin, tendo em conta que o biênio de atuação do referido julgador no TSE já se encerrara, “não havendo, portanto, como se exigir a prática de ato retroativo de magistrado que não mais integra este Colegiado”.
Eis a ementa do referido julgado:
ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ELEIÇÕES 2016. CORRUPÇÃO ELEITORAL. COAÇÃO A TESTEMUNHAS. FRAUDE. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA. PRISÃO PREVENTIVA E DEMAIS CAUTELAS REVOGADAS. VÍCIOS. INEXISTÊNCIA. VOTO ESCRITO. ENCERRAMENTO DO BIÊNIO DE MEMBRO DO TSE. COMPOSIÇÃO REGULAR DO ACÓRDÃO. RES.-/TSE Nº 23.172/2009. REJEIÇÃO.
[...]
2. In casu, o Ministério Público Eleitoral aponta omissão no acórdão proferido, por maioria, por esta Corte, referente à ausência do voto escrito do e. Ministro Herman Benjamin, que, ao discordar da fundamentação adotada pelo relator no voto condutor do HC nº 0603989-63/RJ, declarou que acompanharia a divergência e acrescentaria, em momento posterior ao julgamento, as anotações que fundamentariam o seu dissenso.
3. Não compete ao relator substituir ministro que não mais integra esta Corte Superior para adotar providência que somente a este caberia, qual seja, a juntada de voto divergente, cujo conteúdo é dissonante de seu próprio posicionamento.
4. Com efeito, o biênio de atuação do e. Ministro Herman Benjamin perante esta Corte Superior, a teor do que prevê o § 2º do art. 121 da Constituição Federal, se encerrou no dia 27.10.2017, não havendo, portanto, como se exigir a prática de ato retroativo de magistrado que não mais integra este Colegiado.
[...]
6. Embargos de declaração rejeitados.
(ED-HC 0603989-63, rel, Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 24.8.2018.)
Conforme dito acima, no presente caso, não houve declaração do voto vencido e, tal como no precedente citado, já se encerrou o biênio de atuação eleitoral da magistrada que o proferiu, razão pela qual merecem ser rejeitadas as alegações de ofensa ao art. 941, § 3º, do Código de Processo Civil e de nulidade do acórdão regional.
IV – Alegação de ilicitude das provas oriundas do inquérito policial por desrespeito às normas procedimentais
Os recorrentes apontam nulidade das provas oriundas do inquérito policial e utilizadas na ação de investigação judicial eleitoral, sob o argumento de que “houve efetivamente descumprimento de normas e formas de tramitação usual de uma investigação policial, a contaminar a validade das provas ali reunidas” (fl. 1.831) e, por consequência, das provas produzidas na instrução processual, aduzindo que seria caso de aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada.
Examino separadamente as alegações recursais deduzidas neste tópico.
IV.1 – Nulidade de provas oriundas de inquérito policial não supervisionado pelo tribunal competente por prerrogativa de função
Os recorrentes alegam que a decisão regional ofendeu os arts. 5º, LIII e LVI, e 29, X, da Constituição da República, o verbete sumular 702 do Supremo Tribunal Federal, e os arts. 157, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Penal, e 369 do Código de Processo Civil ao considerar válidos, para embasar a condenação, os elementos probatórios colhidos em inquérito policial instaurado para apurar a prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, pois a investigação criminal deveria ter sido supervisionada pelo Tribunal Regional Eleitoral por se tratar de investigado no exercício do cargo de prefeito, de forma que o vício ensejaria o julgamento de improcedência da demanda ou a declaração de nulidade das provas obtidas e o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para proferir nova sentença.
Sobre o ponto, assim consignou o acórdão regional proferido no julgamento dos embargos declaratórios (fls. 1.798-1.799):
[...]
As alegações alusivas ao foro por prerrogativa de função do Prefeito ORLANDO PADOVAN e ao litisconsórcio passivo necessário, a despeito de se tratarem teses defensivas novas, por serem matérias de ordem pública, devem ser enfrentadas.
Ora, é claro que a instauração de inquérito policial para apurar suposto crime eleitoral praticado por prefeito depende de supervisão do Tribunal Regional.
Contudo, neste caso, o inquérito policial foi instaurado em outubro de 2016 (fl. 44), para investigar crime eleitoral supostamente praticado por ANTONIO CARLOS COLNAGO, vice-prefeito eleito em 2016, CÍCERO DA RODOVIÁRIA, candidato a vereador não eleito em 2016, e CLAUDECIR MARRAFON, candidato a vereador eleito em 2016, os quais não possuíam foro por prerrogativa de função, e não, por ORLANDO PADOVAN, prefeito reeleito em 2016.
Acrescente-se que vice-prefeito não possui foro por prerrogativa de função, como se vê no art. 74, inciso I, da Constituição do Estado de São Paulo.
Além do mais, não é possível decretar, em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a nulidade de atos praticados na esfera criminal.
[...]
É certo que, na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, o “inquérito instaurado diante de suposto crime eleitoral cometido por prefeito exige supervisão do órgão a quem compete processar e julgar a respectiva ação penal, sob pena de nulidade de todos os atos” (AgR-REspe 6-10, rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 29.9.2016).
Todavia, esta Corte já decidiu que “a instauração do inquérito policial sem a supervisão do Tribunal Regional, em razão da prerrogativa de foro do investigado, não acarreta, por si só, nulidade” (REspe 129-35, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.11.2018).
Destaco o seguinte trecho do voto condutor do citado aresto:
[...]
5. O Supremo Tribunal Federal tem afirmado em diversos precedentes ser nula a investigação instaurada para apurar fatos atribuídos a autoridade com prerrogativa de foro, sem a supervisão do Tribunal competente para processar e julgar a correspondente ação penal (lnq nº 2411-QO, Tribunal Pleno, ReI. Min. Gilmar Mendes; AP nº 933-QO, 2ª Turma, ReI. Min. Dias Toffoli; AP nº 912-QO, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux). No mesmo sentido se orientam julgados do Tribunal Superior Eleitoral (HC nº 645/RN, Rel. Min. Gilson Dipp; HC nº 429-07/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes; HC nº 106888/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes).
6. O rigor dessa orientação predominante, contudo, tem sido atenuado em casos nos quais, embora instaurado o inquérito sem a autorização e supervisão do Tribunal competente, não se verifica prejuízo decorrente dessa irregularidade. É o que se dá, por exemplo, quando os atos instrutórios e o recebimento da denúncia são ratificados pela autoridade competente (AgR-RE nº 730.579, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).
7. O mesmo rigor foi afastado pelo STF em caso no qual a instauração do inquérito policial e sua tramitação não se deram com a supervisão do Tribunal competente, em razão de equívoco da autoridade policial, sem o propósito de prejudicar o detentor da prerrogativa de foro (STF, lnq. 2952-ED/RR, Rel. Min. Gilmar Mendes). Nesse precedente, teve influência a circunstância de que a supervisão do inquérito, durante o período de tramitação irregular, foi limitada a prorrogações do prazo para investigações. Entendeu-se que “a falta da adequada supervisão do inquérito pela Corte competente não desconstitui atos de investigação que não dependem de intervenção judicial, como a tomada de depoimentos”.
[...]
Ainda quanto ao ponto, anoto que este Tribunal já decidiu que se admite “a convalidação de atos decisórios em matéria criminal, relativa ao eventual desrespeito a foro por prerrogativa de função se, no momento do deferimento da medida de busca e apreensão, não era ainda conhecido o envolvimento de autoridade com foro privilegiado, a atrair a competência do Tribunal Regional para a supervisão do inquérito e deferimento da cautelar” (AgR-REspe 50-98, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 8.11.2016, grifo nosso).
No presente caso, conquanto o recorrente Orlando Padovan, por exercer o cargo de prefeito, seja detentor de foro especial por prerrogativa de função e o indigitado inquérito policial visasse a apurar a suposta prática de corrupção eleitoral em favor da chapa majoritária por ele encabeçada, deve-se ter em conta que, de acordo com o Tribunal de origem, o citado prefeito não era investigado.
Ademais, não há no acórdão recorrido nenhum elemento que permita inferir em que momento da investigação criminal teriam surgido indícios de eventual envolvimento do prefeito nas condutas supostamente ilícitas, ou mesmo se, após esse momento, teria porventura sido praticado ato de caráter decisório ou adotada providência que estivesse protegida pela cláusula da reserva de jurisdição, a fim de que se pudesse cogitar a existência de eventual prejuízo, na linha dos precedentes acima citados.
Assim, para analisar a alegação de nulidade das provas oriundas do inquérito policial por suposta falta de supervisão do Tribunal Regional Eleitoral competente por prerrogativa de função, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral, nos termos do verbete sumular 24 do TSE.
Portanto, não merecem acolhimento as alegações de ofensa aos dispositivos legais e constitucionais citados acima, tampouco se vislumbra nulidade processual quanto ao ponto.
IV.2 – Indeferimento de perícia em fotografias, mídias e conversas de aplicativo de mensagens
Os recorrentes alegam que o Tribunal de origem incorreu em erro de julgamento, pois conversas supostamente realizadas por meio do aplicativo WhatsApp teriam sido utilizadas como razões de decidir para a aplicação das sanções previstas no art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90, configurando-se o uso de prova ilícita para a condenação, na medida em que tais diálogos somente poderiam ter sido analisados após autorização judicial e deveriam ter sido periciados, o que não ocorreu.
Defendem que também as fotografias e as mídias dos autos deixaram de ser submetidas a perícia, a fim de demonstrar a sua veracidade e integridade.
Acerca da questão, o Tribunal de origem assim se pronunciou no julgamento dos recursos eleitorais (fls. 1.567-1.568):
[...]
Em sede recursal, também é colocado que houve cerceamento do direito de defesa, em razão de o Juízo a quo haver negado a realização de perícia nas fotos, filmagens e documentos escritos oriundos do Inquérito Policial; bem como de acareação entre as testemunhas ILDA JAQUES e SANTA JAQUES, e entre a testemunha WALTER BEZAMAT REMELLI e o recorrente CÍCERO ALVES MAIA.
Acerca desses pedidos, o Magistrado pronunciou-se em audiência (fl. 1.129) e na sentença (fl. 1.207):
Fl. 1.129 - “(...) Indefiro o pedido de acareação, haja vista que as controvérsias e divergências serão aferidas por ocasião da sentença e, por certo, a mencionada acareação seria inócua. (...)”
Fl. 1.207 (...)
A prova pericial, na hipótese, além de incompatível com a celeridade do rito eleitoral, ao final se demonstrou desnecessária, já que os fatos restaram comprovados por outros elementos probatórios que supriram a necessidade daquela.
[...]
Não há razões, então, para se falar em cerceamento do direito de defesa, vez que o Juízo de Primeira Instância motivou o indeferimento das diligências, e decidiu a causa com base nos elementos já constantes dos autos, seguindo os ditames do princípio do livre convencimento motivado.
[...]
Como se vê, o indeferimento da realização de perícia nas fotografias, nas filmagens e nos documentos escritos oriundos do inquérito policial ocorreu em virtude da sua desnecessidade, tendo em vista que os fatos que seriam objeto de análise pericial teriam sido demonstrados por outros elementos de convicção.
Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, “cabe ao magistrado a direção do processo, devendo apreciar as necessidades reais da produção de provas para o deslinde da questão, podendo inclusive indeferir as provas que entender desnecessárias ou procrastinatórias, conforme preceitua o art. 130 do Código de Processo Civil” (REspe 1310-64, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 14.12.2015).
No caso, conforme consignado pelo Tribunal de origem, o juiz eleitoral examinou o conjunto fático-probatório dos autos e concluiu que a perícia requerida era desnecessária para a solução da controvérsia.
Assim, o acórdão regional não merece reparos quanto ao tópico, pois está de acordo com o entendimento desta Corte Superior de que “inexiste afronta às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa em razão do indeferimento das diligências pleiteadas, porquanto desnecessárias ao deslinde da causa” (AgR-RO 0600870-81, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS em 13.11.2018).
No mesmo sentido: “Suposto cerceamento de defesa. O Regional, analisando o conjunto probatório dos autos, concluiu pela desnecessidade de realização de prova pericial nas gravações, considerando a sua irrelevância no caso concreto. Como se sabe, compete ao magistrado, enquanto destinatário da prova, indeferir, ‘em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias’ (art. 370, parágrafo único, do CPC). Precedentes” (AgR-REspe 244-24, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 2.2.2017).
No que diz respeito, em específico, ao argumento de que teriam sido utilizadas, para a condenação, conversas realizadas por meio do aplicativo WhatsApp, cuja análise não teria, segundo alegam os recorrentes, sido precedida de autorização judicial, e que não teriam sido periciadas, verifica-se que tal questão não foi objeto de análise e decisão pelo Tribunal de origem, faltando-lhe o indispensável prequestionamento, a teor do verbete sumular 72 do TSE.
Ademais, verifica-se que não consta do acórdão recorrido nenhuma informação que possa indicar que a obtenção das conversas via aplicativo de mensagens tenha ocorrido em desacordo com o devido processo legal.
Assim, é de ser rejeitada a alegação de ilicitude da prova quanto ao ponto.
IV.3 – Ausência do delegado de polícia em oitivas realizadas no inquérito policial
Os recorrentes alegam que houve inquirição de pessoas no inquérito policial sem a presença do delegado de polícia, o que configuraria indevida transferência para terceiros de atividade privativa da autoridade policial, ensejando nulidade que não é afastada pela supervisão e pela circunstância de o delegado ter preparado as perguntas anteriormente aos atos, já que poderia haver a necessidade de se formular novas perguntas a partir das respostas apresentadas.
Quanto ao ponto, o Tribunal de origem consignou o seguinte (fls. 1.564-1.565):
[...]
Ressalte-se, também, que o fato de o delegado não estar presente no momento da gravação dos depoimentos colhidos em sede policial não ocasiona a nulidade do ato.
Conforme explicado pelo Delegado de Polícia, o Sr. MARCELO SILVA CONSTANTINI, na audiência de instrução (mídia de fl. 1.153), apesar de a gravação ter sido realizada apenas na presença do escrivão, ele supervisionou todo o trabalho, inclusive, determinando as perguntas que seriam formuladas e, ao final, conferindo os termos digitados. Ou seja, os atos foram totalmente acompanhados e monitorados pela Autoridade Policial.
[...]
Anoto que as conclusões da Corte de origem de que o delegado de polícia supervisionou a tomada dos depoimentos e determinou as perguntas que seriam formuladas, conferindo os termos digitados, não podem ser revistas sem o indevido reexame fático-probatório.
Além disso, verifica-se que os recorrentes apontam a nulidade de forma genérica, pois nem sequer indicam quais pessoas teriam sido inquiridas sem a presença do delegado, assim como não demonstram a existência de eventual prejuízo, limitando-se a afirmar, em tese, a possibilidade de que novas perguntas surgissem a partir das respostas apresentadas pelos depoentes.
Todavia, “no processo eleitoral, a decretação de nulidade fica condicionada, por força do art. 219 do CE, à efetiva demonstração de prejuízo” (AgR-AI 708-23, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.3.2019).
Portanto, não há falar em nulidade quanto ao ponto.
IV.4 – Nulidade decorrente da busca e apreensão realizada na residência de Walter Bezamat Remelli
Os recorrentes sustentam que a testemunha Walter Bezamat Remelli se sentiu vítima de abuso de autoridade em virtude do suposto emprego de força excessiva em diligência policial realizada na sua casa, a qual teria ocorrido sem mandado de busca e apreensão e com policiais fortemente armados, com realização de revista íntima de sua esposa.
Acerca de tais alegações, o Tribunal de origem assim se pronunciou no acórdão atinente ao julgamento dos recursos eleitorais (fls. 1.565-1.566):
[...]
No que diz respeito à busca e apreensão efetuada na casa de WALTER BEZAMAT REMELLI, ele próprio, no seu depoimento em Juízo, afirmou ter autorizado a entrada dos policiais em sua casa, mesmo depois de ser informado que não havia mandado.
O Boletim de Ocorrência, mais especificamente à fl. 232, também registra que só foi realizada a busca após a autorização do proprietário.
Ainda em audiência, a testemunha ressaltou que a operação foi constrangedora, vez que os policiais adentraram a casa fortemente armados, vistoriando todos os cantos da residência, e chegando, inclusive, a realizar uma revista íntima em sua esposa. Colocou, também, que esse fato foi representado junto à Corregedoria da Polícia Civil.
No entanto, como não há provas de eventual abuso de autoridade nessa busca e apreensão, ao tempo em que WALTER BEZAMAT REMELLI é enfático ao dizer que anuiu com a entrada dos policiais em sua residência, os objetos apreendidos devem permanecer nos autos.
[...]
Vê-se, portanto, que a Corte de origem entendeu que, no depoimento prestado em juízo, Walter Bezamat Remelli “afirmou ter autorizado a entrada dos policiais em sua casa, mesmo depois de ser informado que não havia mandado” (fl. 1.565), consignando, ademais, que tal circunstância ficou registrada no boletim de ocorrência e que “não há provas de eventual abuso de autoridade nessa busca e apreensão” (fl. 1.565).
A pretensão recursal de que sejam revistas tais conclusões, a fim de declarar a suposta ilicitude da diligência de busca e apreensão e dos elementos probatórios nela colhidos, esbarra no óbice ao revolvimento do acervo fático-probatório dos autos (verbete sumular 24 do TSE).
Diante de tais considerações, é de ser rejeitada a alegação de ilicitude das provas colhidas no inquérito policial e dos elementos probatórios dela derivados, e, por conseguinte, não há falar em nulidade das decisões das instâncias ordinárias.
V – Admissibilidade de documentos juntados na audiência de instrução
Os recorrentes alegam que o decisum atacado contrariou os arts. 5º, LV, da Constituição da República, 22, caput, da Lei Complementar 64/90, e 398, 434, 435 e 437, § 1º, do Código de Processo Civil, por violação ao contraditório e à ampla defesa, já que, em audiência, foram juntados documentos de forma extemporânea pela parte autora do feito, sem a prévia concessão de prazo para análise e manifestação dos réus.
Acerca de tais alegações, destaco o seguinte trecho do aresto atinente ao julgamento dos recursos eleitorais (fls. 1.566-1.567):
[...]
Foram juntados diversos documentos provenientes do Inquérito Policial n. 620-17.2016.6.26.0261 no momento da Audiência de Instrução (Termo de Audiência às fls.1.127/1.130).
Sendo que, na própria audiência, a defesa levantou questão relativa a eventual prejuízo, tendo o Juízo de Primeiro Grau posicionado-se da seguinte maneira (fl. 1.129):
“(...) inicialmente é necessário consignar que as defesas tiveram ciência verbal sobre a juntada de novos documentos e, inclusive, manusearam alguns deles durante a instrução, de sorte que em razão da própria lealdade processual não se pode alegar ausência de acesso aos referidos documentos durante a instrução. (...)”
Como se pode ver, além de as partes terem tido a oportunidade de manusear os documentos durante a audiência, em sede de alegações finais, foi dada oportunidade para ORLANDO PADOVAN, ANTONIO CARLOS COLNAGO, CICERO ALVES MAIA e CLAUDECIR MARAFON se manifestarem acerca dos novos elementos, tudo em conformidade com os princípios do contraditório e da ampla defesa.
[...]
Como se vê, o Tribunal Regional Eleitoral assentou que os recorrentes tiveram oportunidade de manusear os documentos oriundos do inquérito policial que foram juntados aos autos por ocasião da audiência de instrução, assim como puderam se manifestar sobre eles nas alegações finais.
Assim, agiu com acerto a Corte de origem ao rejeitar a alegação de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, “o cerceamento de defesa resta afastado sempre que oportunizado à parte manifestar-se acerca das provas carreadas aos autos em alegações finais” (REspe 458-67, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 30.8.2016).
Ademais, para analisar a alegação recursal de que os indigitados documentos teriam sido usados pela parte autora para inquirir testemunhas na audiência de instrução, seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado pelo verbete sumular 24 do TSE.
Ainda quanto ao ponto, anoto que este Tribunal já decidiu, na linha de julgados do Superior Tribunal de Justiça, que “somente os documentos tidos como indispensáveis, porque ‘substanciais’ ou ‘fundamentais’, devem acompanhar a inicial e a defesa. A juntada dos demais pode ocorrer em outras fases e até mesmo na via recursal, desde que ouvida a parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação premeditada e de surpresa do juízo” (REspe 822-03, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 4.2.2015).
Na espécie, os recorrentes alegam ser intempestiva a juntada dos citados documentos, mas não demonstram que eles devessem acompanhar a petição inicial por eventualmente serem essenciais à propositura da demanda. Além disso, e conforme assinalado no acórdão regional, os recorrentes puderam não apenas manusear tais documentos na audiência, mas também se manifestar sobre eles nas alegações finais.
Assim, não há falar em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa na espécie, tampouco em violação aos dispositivos tidos como afrontados, de modo que é forçoso rejeitar as alegações de nulidade das provas e do acórdão regional quanto ao ponto.
VI – Colheita de depoimentos pessoais dos réus e oitiva de testemunhas não arroladas na petição inicial
Os recorrentes apontam ofensa aos arts. 22, caput, V a X, da Lei Complementar 64/90, 5º, II, LV e LVI, da Constituição da República e 157, caput e §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Penal, sob o argumento de ilicitude da prova consistente na colheita dos depoimentos pessoais dos representados, aduzindo que tal procedimento não tem previsão legal e contrariaria a jurisprudência desta Corte Superior e do TRE/SP.
Defendem que o depoimento pessoal do representado Cicero Alves Maia foi determinante para afastar a versão dos fatos apresentada pela testemunha Walter Bezamat Remelli.
Sustentam, ademais, que ocorreu oitiva de testemunhas não arroladas na petição inicial da ação de investigação judicial eleitoral, em afronta ao disposto nos arts. 22, caput, da Lei Complementar 64/90 e 27, § 1º, da Res.-TSE 23.462 e em ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
Quanto a tais argumentos, a Corte de origem, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, assentou que “a[s] alegações de ilicitude do depoimento pessoal dos réus e de oitiva de testemunha não arrolada na inicial são novas teses defensivas trazidas em sede de embargos, o que não é admitido” (fl. 1.792).
Os recorrentes alegam que as supostas nulidades processuais decorrentes da colheita de depoimento pessoal dos investigados e da oitiva de testemunhas não arroladas na petição inicial seriam matérias de ordem pública, cognoscíveis pelo órgão julgador de ofício ou em razão dos embargos apresentados.
Quanto ao tema, observo que este Tribunal Superior já decidiu que “as matérias de ordem pública, nas instâncias ordinárias, podem ser suscitadas a qualquer tempo, ainda que apenas em âmbito de embargos de declaração” (ED-REspe 10-62, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 19.2.2014).
Todavia, em decisão mais recente, proferida na análise de recurso especial em que se alegava omissão de acórdão regional acerca de matéria dita de ordem pública, a qual fora suscitada apenas em embargos opostos perante Tribunal Regional Eleitoral, esta Corte assinalou que “a pretensão de ver apreciada matéria em sede de embargos de declaração opostos em segundo grau de jurisdição quando ela não foi ventilada em nenhum momento processual anterior, nem mesmo em sede de defesa ou no recurso eleitoral, revela quebra do dever processual de cooperação e da boa-fé (arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil)” (REspe 709-48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018, grifo nosso).
Portanto, agiu bem a Corte de origem ao entender pela inadmissibilidade da inovação de teses recursais em sede de embargos de declaração.
Além disso, por não ter havido pronunciamento do Tribunal de origem acerca de tais temas, incide o óbice do verbete sumular 72 do TSE, pois até “mesmo as matérias de ordem pública necessitam do prequestionamento para serem analisadas em sede de recurso especial eleitoral, o que não ocorreu no caso” (AgR-REspe 227-92, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 24.6.2014).
De qualquer sorte, ressalto que a eventual colheita de depoimento pessoal do réu em ação de investigação judicial eleitoral não ensejaria, por si só, a nulidade processual cogitada pelos recorrentes, pois é necessária a demonstração de efetivo prejuízo decorrente da prática do referido ato processual.
Acerca do tema, este Tribunal já decidiu que “a ocorrência do constrangimento ilegal consubstanciado na obrigação do representado de prestar depoimento pessoal, por si só, não implica nulidade do processo, ‘pois não se pode presumir eventual prejuízo à defesa, mormente se a lei assegura ao interrogado o direito de permanecer perante o juízo em silêncio – princípio do nemo tenetur se detegere’” (AgR-REspe 359-32, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJE de 4.8.2010).
Ademais, também já se decidiu que “não há óbice [...] a que o depoimento pessoal seja prestado, se o investigado consentir com a realização do ato, o que pode ser de seu interesse” (AgR-RMS 26-41, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27.9.2018).
No presente caso, não consta no acórdão regional nenhuma referência aos depoimentos pessoais que os recorrentes alegam ter prestado em juízo, havendo menção apenas ao do investigado Cícero Alves Maia, em relação ao qual nem sequer se alega, nas razões recursais, eventual ausência de consentimento do referido depoente ou violação ao seu direito de permanecer em silêncio.
De outra parte, da leitura das razões recursais, verifica-se que, para chegar à conclusão de que teria ocorrido oitiva de pessoas não indicadas na petição inicial, os recorrentes fazem “comparação entre o rol de testemunhas de fls. 39 e o rol adaptado após despacho judicial” (fl. 1.838) nos presentes autos, “para se limitar as testemunhas do autor ao máximo legal (seis testemunhas)” (fl. 1.838).
Todavia, ao embasar a alegação apenas no rol de testemunhas juntado com a petição inicial destes autos, os recorrentes olvidam que, de acordo com o acórdão regional, foram apensadas ao presente feito, em virtude de conexão, a AIJE 713-77.2016.6.26.0261, proposta pela Coligação Juntos Somos Mais Fortes em desfavor de Cícero Alves Maia, e a AIJE 712-92.2016.6.26.0261, ajuizada pela mesma coligação em face de Claudecir Marafon (fl. 1.573).
Nesse contexto, merece destaque o quanto consignado no parecer ministerial, segundo o qual “a testemunha Santa Jacques foi arrolada na petição inicial do processo nº 713-77.2016.6.26.0261 (fls. 22 do apenso I)” (fl. 2.044).
Assim, a análise da alegação recursal de que a parte autora da demanda, ao cumprir determinação judicial para adequar o rol de testemunhas ao número máximo previsto em lei, teria feito constar da relação dois nomes que não figuraram na nominata inicial (Maria Lima Melo e Santa Jaques) demandaria o revolvimento fático-probatório, em contrariedade ao verbete sumular 24 do TSE.
No que tange ao argumento de dissídio jurisprudencial quanto ao entendimento de que a nulidade de depoimento pessoal seria matéria de ordem pública, verifica-se que os recorrentes se cingiram a transcrever trechos de acórdãos, sem demonstrar a existência de semelhança fática entre os julgados, de modo que foram desatendidos os requisitos do verbete sumular 28 do TSE.
De qualquer modo, anoto que o aresto indicado como paradigma (acórdão do TRE/RS nos ED-RC 25-66) não guarda semelhança fática com o presente caso, pois nele se discutiu a nulidade de interrogatório em ação penal, por ter sido realizado antes da audiência de instrução, configurando-se inversão do rito previsto na lei processual penal, ao passo que, no presente caso, alega-se a nulidade do próprio depoimento pessoal da parte em ação cível-eleitoral.
Desse modo, não vislumbro as apontadas violações de dispositivos legais e constitucionais, tampouco dissídio jurisprudencial quanto ao ponto.
VII – Renovação da eleição majoritária e trânsito em julgado da decisão
Os recorrentes alegam que o aresto regional violou o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral e a Constituição da República ao reconhecer a inconstitucionalidade parcial do citado dispositivo legal com base no acórdão desta Corte proferido nos ED-REspe 139-25, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 28.11.2016.
Defendem que a norma em questão, segundo a qual eventual nova eleição ocorrerá após o trânsito em julgado de decisão que cassar o diploma, é adequada ao texto constitucional vigente, compatibilizando-se com os valores da soberania popular, da prestação jurisdicional célere e da independência dos poderes.
Sobre o tema, destaco o teor do acórdão regional (fls. 1.569-1.572):
[...]
O art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, dispõe o seguinte:
Art. 224, § 3º, do Código Eleitoral. “A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.”
O Tribunal Superior Eleitoral, quando do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral nº 13925 - Salto de Jacuí/RS, de relatoria de Ministro Henrique Neves da Silva, publicado na sessão do dia 28/11/2016, decidiu que “é inconstitucional a expressão 'após o trânsito em julgado' prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, por violar a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular”, ou seja, foram acolhidos, em parte, os embargos de declaração “para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão 'após o trânsito em julgado’ prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral”.
[...]
Apesar de a decisão supra não possuir efeito vinculante, adota-se no presente caso o entendimento firmado pela Corte Superior Eleitoral, possibilitando a realização de novas eleições assim que esgotadas as instâncias ordinárias, sem a necessidade de aguardar o trânsito em julgado.
É importante colocar, também, que o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, é perfeitamente aplicável a este caso concreto, uma vez que há a possibilidade de perda dos mandatos dos candidatos eleitos no pleito majoritário.
[...]
No ponto, anoto que o Supremo Tribunal Federal concluiu em 8.3.2018 a análise da ADI 5.525, da relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, julgando-a parcialmente procedente para declarar inconstitucional a locução “após o trânsito em julgado” contida no 3º do art. 224 do Código Eleitoral, de modo que a questão foi dirimida em sentido contrário à tese defendida pelos recorrentes e com efeito vinculante.
Antes disso e conforme consignado no aresto regional, esta Corte também já decidira pela inconstitucionalidade parcial do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, em específico da expressão “após o trânsito em julgado” nele contida. Nesse sentido: ED-REspe 139-25, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 28.11.2016; AgR-REspe 431-53, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 31.3.2017; e AgR-REspe 245-09, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 9.5.2017.
Assim, o entendimento do Tribunal a quo quanto à matéria está em consonância com a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, acima citada, razão pela qual incide o verbete sumular 30 do TSE, o qual “pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e dissídio jurisprudencial” (AgR-AI 152-60, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 27.4.2017).
VIII – Mérito
Ultrapassadas as questões prévias, passo à análise do mérito e sinalizo, desde já, que o provimento do recurso especial é medida que se impõe.
Os recorrentes alegam que o acórdão regional afrontou os arts. 14, § 9º, da Constituição da República, 237 do Código Eleitoral, 19, parágrafo único, e 22, caput e XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90 e 371 do Código de Processo Civil, sob o argumento de que o abuso do poder econômico não ficou configurado.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo afastou a captação ilícita de sufrágio, mas reconheceu a prática de abuso do poder econômico, consistente na distribuição de camisetas e de cerveja a eleitores, confirmando a cassação dos diplomas de prefeito e vice-prefeito dos recorrentes e a declaração da sua inelegibilidade pelo período de oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90.
Destaco o teor do acórdão regional (fls. 1.573-1.602):
O cerne da presente questão está em saber se foram realizadas, de modo a caracterizar abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio, as seguintes condutas: I. entrega de camisetas vermelhas, juntamente com o valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) e da promessa de pagamento de mais R$ 50,00 (cinquenta reais) no caso de vitória da chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO; II. quitação de contas de água e de luz, bem como compra de medicamentos em troca de votos; e III. realização, no dia 01/10/2016 (véspera da eleições), de evento no “Bar do Pedrão” com a distribuição de bebida gratuita à população.
[...]
A) Entrega de camisetas vermelhas, juntamente com o valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) e da promessa de pagamento de mais R$ 50,00 (cinquenta reais) no caso de vitória da chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO.
Analisando os registros fotográficos juntados aos autos, a exemplo das fls. 411/455 e 635/653, observa-se que no dia da eleição (02/10/2016) diversos eleitores de Pirapozinho/SP foram votar trajando vermelho (cor da chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO) ou amarelo (cor da chapa MARCOS BRAMBILA/MARCOS CAVALLI).
Inclusive na mídia de fl. 654, há vídeo em que o então candidato MARCOS BRAMBILA pede para seus eleitores irem votar vestidos de amarelo.
Na busca e apreensão realizada na casa de WALTER BEZAMAT REMELLI (fls. 230/235) foi encontrado um recibo da “MEETING UNIFORMES” (fls. 237/238) em nome de ORLANDO PADOVAN, datado de 28/09/2016, no valor de R$ 11.700,00 (onze mil e setecentos reais).
No Relatório de Investigação de fls. 242/250, consta[m] as seguintes informações:
“(...)
Após analisar a impressão no recibo e a impressão colhida na fábrica, chegamos a conclusão que foram feitas pelo mesmo carimbo, contudo, a impressão do recibo apresenta-se menos nítida aparentando que foi feita às pressas.
(...)”
Neste relatório é colocado, também, que CARLOS ALEXANDRE FABRIN BOULHOSA, proprietário da “MEETING UNIFORMES”, afirmou ter confeccionado 3 (três) lotes, cada um contendo 300 (trezentas) camisetas vermelhas, a pedido de WALTER BEZAMAT REMELLI.
Por sua vez, WALTER BEZAMAT REMELLI, em seu depoimento em juízo (mídia de fl. 1.154), confirmou ter comprado essas camisetas, no entanto não reconheceu o recibo de fls. 237/238. Ele afirmou que adquiriu as blusas atendendo a uma solicitação de CICERO ALVES MAIA, sem o conhecimento de ORLANDO PADOVAN; que, com relação a essa negociação, não foi emitido recibo; e que o valor total da transação foi R$ 10.800,00 (dez mil e oitocentos reais), pois cada peça custou R$ 12,00 (doze reais).
No Relatório de Investigação de fls. 88/97, constam fotos de diversas camisetas vermelhas, todas no mesmo padrão. Algumas dessas camisetas foram apresentadas na Delegacia por MARCILIO MELO DOS SANTOS (2 camisetas), ROSALINA ALBINO DE BARROS (1 camiseta), ELIEGE CRISTINA DE BARROS (1 camiseta), MARIA LÚCIA BARROS (1 camiseta) e pelo advogado ROGÉRIO LEANDRO FERREIRA (3 camisetas), e outras, foram apreendidas nas residências de JOSIANE DOS SANTOS (6 camisetas) e de DERCILIA APARECIDA VIEIRA (3 camisetas), no carro de CARLOS EDUARDO MARTINS COLNAGO (2 camisetas) e na propriedade de CICERO ALVES MAIA (25 camisetas).
Nesse relatório também está a foto da camiseta que DERCILIA APARECIDA VIEIRA usou no dia da eleição e que foi apreendida nessa ocasião.
CICERO ALVES MAIA, em seu depoimento pessoal (mídia de fl. 1.154), negou a versão de WALTER BEZAMAT REMELLI, e disse que as 25 (vinte e cinco) camisetas encontradas na sua propriedade foram compradas por ele, sem nota fiscal.
No Relatório de Investigação de fls. 1.011/1.021, pode-se ver que houve conversas, via aplicativo WhatsApp, nas quais CLAUDECIR MARRAFON e ELEONA DE CAMPOS NEVES pedem a ROSANGELA FRANCISCA MARTINÊS, esposa de ANTONIO CARLOS COLNAGO, camisetas.
Na residência de JOSIANE DOS SANTOS (relatório de investigação de fls. 307/318), foi encontrada uma lista com nomes de diversas pessoas, e os respectivos números de RG, CPF e título de eleitor.
Na casa e no comércio de CICERO ALVES MAIA (relatório de fls. 345/388), foram encontradas diversas listas, algumas com nomes de pessoas associados a valores, outras com nomes de eleitores e os respectivos números de RG, CPF e título de eleitor.
Já na residência de CLAUDECIR MARAFON (relatório de fls. 389/398), foram apreendidas lista com nomes de eleitores, acompanhados dos números dos títulos, e relação de cabos eleitorais.
Na casa de ILDA JAQUES (relatório de fls. 399/408), foi encontrada relação com nomes associados a valores, essas pessoas, supostamente, teriam sido arregimentadas para trabalhar na campanha de CICERO ALVES MAIA e de ORLANDO PADOVAN/ CARLÃO.
Em sede policial, MIKAELE ANDREIA DA SILVA LOIOLA (fl. 47), MARIA LÚCIA BARROS (fls. 48/49), ELIEGE CRISTINA DE BARROS (fls. 50/51) e ROSALINA ALBINO DE BARROS (fl. 52) afirmaram que receberam camisetas vermelhas para serem usadas no dia da eleição, juntamente com o valor de R$ 50,00 (cinquenta reais), em troca do voto na chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO, e que lhes foram prometidos mais R$ 50,00 (cinquenta reais) no caso de vitória.
ISABELE CRISTINA LUCAS (fls. 319/320) narrou que foi procurada por “NALDO”, candidato a vereador, para trabalhar nas eleições, no entanto não recebeu nenhuma camiseta, tampouco lhe foi oferecido qualquer valor; que ela forneceu os dados do seu título de eleitor; e que, apesar de não ter havido pedido expresso, para ela, ficou claro que a intenção era pagar pelo seu voto. Nesse mesmo sentido foi o depoimento de CRISLEINE CRISTINA MAGALHÃES SOUZA (fls. 322/323).
MARA MICHELE DA SILVA CARVALHO (fl. 321) disse que foi ao comitê no intuito fornecer o seu nome e o de seu marido (ALEX DA SILVA) para trabalhar nas eleições, mas, ao invés disso, a cada um deles foi oferecido o valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) para votar em ORLANDO PADOVAN/CARLÃO e no “CÍCERO DA RODOVIÁRIA” (CICERO ALVES MAIA).
Com relação aos depoimentos de VANETE DE OLIVEIRA MARTINS, SELVA DE OLIVEIRA MARTINS, EDNA DE OLIVEIRA SOARES e ELIANA OLIVEIRA DA SILVA ANADÃO (fls. 986/993), é interessante transcrever trecho da sentença ora recorrida:
“- VANETE DE OLIVEIRA MARTINS: Disse que forneceu seus dados para sua tia, ELIANA, que a contratou para trabalhar como cabo eleitoral do requerido Claudecir, pela quantia de R$ 50,00, e que, além do dinheiro, recebeu uma camiseta vermelha para trabalhar no dia das eleições, circulando com ela.
- SELAVA [sic] DE OLIVEIRA MARTINS: Contou que sua irmã, ELIANA, pediu os seus dados para que seu genro, Renato, trabalhasse nas eleições em prol do candidato Claudecir, e que recebeu uma camiseta vermelha para trabalhar no dia das eleições.
- EDNA DE OLIVEIRA SOARES: Discorreu que trabalhou nas eleições para o requerido Claudecir, e entregou os números de títulos eleitorais de familiares (Selva, Vanete, Francisco, Tatiana, Edna e Marcos) para Claudecir. Negou que ele tivesse distribuído camisetas, mas afirmou que, após as eleições, Claudecir foi até o bairro para pagar as pessoas que tinham trabalhado para ele, entregando R$ 50,00 para VANETE e para o marido da depoente.
- ELIANA OLIVEIRA DA SILVA ANADÃO: Expôs que trabalhou nas eleições pedindo votos para os requeridos Claudecir e Orlando, e entregou os números de títulos eleitorais de familiares (SELVA, VANETE, Francisco, Tatiana) para EDNA, que os repassou para, Claudecir Disse que ficou sabendo que SELVA e VANETE receberiam R$ 50,00.”
Contudo, é importante salientar que esses depoimentos colhidos em sede policial não foram ratificados em juízo, sob o crivo do contraditório.
Ouvida em juízo como testemunha, MARIA ILMA MELO, mãe de MARCÍLIO MELO DOS SANTOS (mídia de fl. 1.154), em depoimento confuso, relatou que foi até a rodoviária procurar “CIDA TUBALDINI”, já que tinha interesse em trabalhar na eleição; que, como não encontrou “CIDA TUBALDINI”, informou o seu nome e o de seu filho, bem como os números dos seus títulos de eleitor a “Joni”, filho de CICERO ALVES MAIA; que foi acordado que ela receberia R$ 50,00 (cinquenta reais) logo após a votação e, como contrapartida, teria que trabalhar pedindo votos para CICERO ALVES MAIA no dia da eleição; que nessa ocasião lhe foi dito que com o número do título era possível aferir se o eleitor votou em CICERO ALVES MAIA, já que dava para saber o número de votos recebidos em cada seção eleitoral; que o valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) não foi pago espontaneamente após as eleições, tendo ela, inclusive, entrado em contato telefônico com CICERO ALVES MAIA; que o filho dela, o qual é especial e toma remédio controlado, foi até a rodoviária nervoso cobrar o dinheiro, e, por conta disso, foram entregues a ele R$ 50,00 (cinquenta reais); e que não trabalhou para ninguém no dia da eleição, apenas vendeu suco em frente a um dos locais de votação.
MARIA ILMA MELO também informou que na véspera da eleição ANTONIO CARLOS COLNAGO (“CARLÃO”) e CICERO ALVES MAIA foram até a sua casa e entregaram a ela 2 (duas) camisetas vermelhas, uma para ela e outra para o seu filho, e disseram que ela receberia R$ 100,00 (cem reais) logo após a eleição caso votasse na chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO, mas que essa quantia jamais foi paga.
Em audiência, foi confirmado que o número do celular da testemunha MARIA ILMA MELO é o mesmo que consta ao lado do seu nome na lista de “CIDA TUBALDINI” (fI. 365), apreendida nas buscas realizadas na casa e no comércio de CICERO ALVES MAIA.
SANTA JAQUES, irmã de ILDA JAQUES, foi ouvida como testemunha (mídia de fI. 1.154), apesar de ter declarado não falar com ANTONIO CARLOS COLNAGO há aproximadamente 10 (dez) anos, em razão de um desentendimento entre eles, e de ter apoiado a chapa MARCOS BRAMBILA/MARCOS CAVALLI. Segundo ela, sua irmã ILDA JAQUES colaborou com a campanha de ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO, arregimentando pessoas para trabalhar balançando bandeiras em eventos de campanha e usando camiseta vermelha nas reuniões de bairro e no dia da eleição; que sua irmã tinha uma lista de pessoas que trabalhariam como cabos eleitorais, com seus nomes e os respectivos números de documentos; que o “CARLÃO” (ANTONIO CARLOS COLNAGO) levava camisetas para sua irmã distribuir; que nunca viu nenhum candidato entregar dinheiro para sua irmã; e que acredita que houve compra de votos e que os números dos títulos eram anotados sob o argumento de que era possível saber em quem determinada pessoa votou.
ILDA JAQUES (ouvida como informante, mídia de fl. 1.154), por sua vez, disse que trabalhou apenas para CICERO ALVES MAIA, e o fez por gratidão e amizade; que “CARLÃO” (ANTONIO CARLOS COLNAGO) sempre ia até a sua residência; que é amiga de todos os candidatos ao pleito majoritário há muitos anos; que foi até a casa de CICERO ALVES MAIA buscar 8 (oito) camisetas que ela havia pedido; que essas camisetas eram para as pessoas de sua família usarem na passeata; que ela teve que comprar uma blusa vermelha para ela; que arregimentou apenas pessoas da sua família; e que não fez campanha para nenhum candidato a prefeito.
ROSIMEIRE DA SILVA, ouvida como informante (mídia de fl. 1.154), disse que foi voluntária na campanha de CICERO ALVES MAIA, e que recebeu 2 (duas) camisetas para trabalhar.
ANA BEATRIZ DA CRUZ, ouvida como informante por ser menor de idade (mídia de fl. 1.154), colocou que, no dia do evento no “Bar do Pedrão”, ofereceram para a sua irmã dinheiro e 2 (duas) camisetas para que ela votasse na chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO. Na audiência, a menor declarou-se simpatizante da chapa MARCOS BRAMBILA/MARCOS CAVALLI.
ODETE BOTELHO SENA, ouvida como testemunha (mídia de fl. 1.154), funcionária pública municipal, que exerce cargo em comissão na Prefeitura Municipal, atuando como Diretora de Secretaria, informou que apoiou a chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO, tendo, inclusive, ajudado no recrutamento de fiscais; que é necessário pedir aos fiscais o número do título de eleitor, a fim de verificar se o domicílio eleitoral deles é mesmo em Pirapozinho/SP e para que eles sejam alocados próximos aos seus respectivos locais de votação; que foi solicitado aos candidatos nomes de pessoas interessadas a trabalhar como fiscais, acompanhados dos seus endereços, números do RG e do título de eleitor, e a respectiva seção eleitoral; que foram recrutados mais de 100 (cem) fiscais; que a intenção era ter 3 (três) fiscais em cada seção; que os candidatos, nas reuniões, entregaram a ela listas com nomes de possíveis fiscais; que essas listas possuíam por volta de 10 (dez) nomes; e que em nenhum momento solicitou ou distribuiu camisetas.
VALDIR ASSEF, coordenador da campanha de ORLANDO PADOVAN/CARLÃO, ouvido sem compromisso (mídia de fl.1.154), colocou que nas reuniões de campanha jamais foi comentada a realização de evento com distribuição de bebidas; e que não foi autorizada a distribuição de camisetas.
JOSÉ JOÃO DESIDÉRIO, ouvido como informante por ser aliado político e amigo de ORLANDO PADOVAN, informou que não foi autorizada a confecção e distribuição de camisetas, que sua esposa comprou duas blusas vermelhas, uma para ele e outra para ela; e que nas reuniões da coligação jamais foi mencionada a realização de churrasco.
LEANDRO UDENAL GUIDETTI, investigador de polícia, também prestou depoimento em juízo (mídia de fl. 1.154) e colocou que, tendo em consideração as diligências das quais participou, pôde apurar que pessoas foram contratadas para trabalhar nas eleições, por intermédio de ILDA JAQUES (colaboradora da campanha de CICERO ALVES MAIA), e de EDNA e ELIANA (colaboradoras da campanha de CLAUDECIR MARAFON); que houve distribuição de camisetas; que os pagamentos de valores às pessoas contratadas foram feitos por ILDA JAQUES, EDNA e ELIANA; e que nenhuma das pessoas ouvidas em sede policial relatou ter recebido vantagem direto de ORLANDO PADOVAN.
Bem, pelo depoimento da testemunha WALTER BEZAMAT REMELLI, representante da COLOGAÇÃO [sic] “PARA NOSSA CIDADE CRESCER AINDA MAIS” (certidão de fl. 1.047), a qual lançou as candidaturas de ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO para o pleito majoritário, fica claro que houve a compra de camisetas vermelhas pela chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO.
As conversas via WhatsApp em que CLAUDECIR MARRAFON e ELEONA DE CAMPOS NEVES pedem a camisetas ROSANGELA FRANCISCA MARTINÊS, esposa de ANTONIO CARLOS COLNAGO, bem como as diversas camisetas vermelhas apreendidas pela polícia, comprovam que o material foi distribuído para eleitores.
Apesar de no bojo do Inquérito Policial terem sido feitas declarações dando conta do pagamento de determinado valor em troca de votos, esse fato não foi suficientemente provado, até mesmo porque esses depoimentos não foram confirmados em Juízo.
O que se sabe, através dos testemunhos prestados sob compromisso, e aqui se destaca o depoimento do investigador de polícia, LEANDRO UDENAL GUIDETTI, é que foram contratadas pessoas para trabalhar nas eleições, o que é perfeitamente possível e lícito.
A testemunha SANTA JAQUES relata que ILDA JAQUES, sua irmã, arregimentou pessoas para trabalhar balançando bandeiras e usando camisetas vermelhas, contudo não afirma que viu ou presenciou compra de votos.
Em verdade, a testemunha MARIA ILMA MELO é a única que, em juízo, disse que lhe foi oferecido dinheiro em troca de voto, no entanto seu depoimento é extremamente confuso.
As listas encontradas nas buscas e apreensões realizadas no Inquérito Policial também não atestam a compra de votos, pois é plausível que elas se refiram a pessoas convidadas para atuarem como cabos eleitorais ou como fiscais no dia da eleição.
Na audiência de instrução, ODETE BOTELHO SENA é enfática ao dizer que foram solicitadas aos candidatos listas com nomes de eleitores que pudessem atuar como fiscais, e acrescenta que é natural anotar o número do título de eleitor dessas pessoas, a fim de verificar qual o seu domicílio eleitoral e de definir a seção em que cada fiscal vai trabalhar de acordo com o seu local de votação.
A conduta de distribuir camisetas vermelhas, para serem usadas no dia da eleição ou nas passeatas e demais ato de campanha, não apresenta o fim especial de agir, consistente na vontade de obtenção do voto, elemento subjetivo essencial para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, conforme já colocado anteriormente.
Assim, a despeito de restar configurado o oferecimento de vantagem ao eleitor, o que é terminantemente proibido pelo art. 39, § 6º, da Lei das Eleições, in verbis, não resta configurada a captação de sufrágio (art. 41-A, da Lei das Eleições).
Art. 39, § 6º, da Lei das Eleições. “É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.”
[...]
B) Realização, no dia 01/10/2016 (véspera das eleições), de evento no “Bar do Pedrão” com a distribuição de bebida gratuita à população.
Em sede policial CLAUDINEI TAVARES DOS SANTOS (fl. 53) informou que no “Bar do Pedrão”, em 01/10/2016, foi distribuída bebida de graça; que o dono do estabelecimento, conhecido como “PEDRÃO” e o seu filho, JOÃO, disseram que ORLANDO PADOVAN e CARLÃO estavam pagando pela “cervejada”. ALEX DOS SANTOS GAMA (fls. 59/60) também confirmou que houve esse evento.
ARIEL MATHEUS DE OLIVEIRA SANTOS (fls. 107-108), menor de idade, relatou que no “Bar do Pedrão” foi realizada a “cervejada de graça do PADOVAN”; e que no aplicativo WhatsApp o evento era denominado “Festa do 25”.
No entanto, nenhum desses depoimentos foi confirmado em juízo.
No histórico do Boletim de Ocorrência de fls. 103/106, consta o seguinte:
“Presente os Policiais Militares Lima e Edinei informando que foram acionados via COPOM para comparecerem na Rua Rui Barbosa, defronte ao Banco Bradesco, onde estava ocorrendo uma briga generalizada. No local havia uma aglomeração de pessoas do Partido “25”, que consumiam bebidas alcóolicas no 'Bar do Pedrão', ao lado do banco”. (...)” (Grifou-se).
Foi juntado à fls. 223/224, cupom fiscal emitida pelo Supermercado Econômico, referente à compra de 1.200 latas da cerveja SUBZERO.
No Relatório de Investigação de fls. 997/1.006 foi ressaltado que:
“1 - Dos documentos analisados e apreendidos, seguem algumas notas de compra de mantimentos para o estabelecimento (bebidas), sendo que nenhuma destas notas explica a compra vultosa de 1.200 unidades de latas de cerveja, ainda o material serve apenas para demonstrar que o estabelecimento quando executa suas compras as fazem de quantidades moderadas e sempre comprando diretamente com fornecedores, nunca no varejo comum, vê-se que um dos donos do estabelecimento, “JOÃO MARINHO SILVA NETO”, RG: 42.823.971 SSP/SP apresentou uma nota de compra no valor de R$ 1.908,00, valor da compra de 1.200 latas de cerveja, não apresentando conteúdo probatório de saída de mercadoria. Nem tinha o produto em estoque”.
(...)
3 - Também foi questionado quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão em que local estaria o estoque de 1.200 unidades de latas de cerveja, o que foi retornado instantaneamente por “JOÃO” é que esta já havia sido vendido, 1.200 latas, então foi questionado sobre anotações de venda de bebida, saída, fato que não foi apresentado nenhum controle de saída de bebidas, nem tampouco informado se havia se conseguido no fim de semana com vendas das bebidas um montante de dinheiro, novamente fato não confirmado, nem o dinheiro em espécie, nem depósito ou pagamento algum que justificasse a entrada de capital proveniente da venda de 1.200 latas de cerveja.
4 - Foi diligenciado junto ao mercado Econômico, e neste foi localizado o gerente “DIEGO FERNANDO ALVES”, ao qual quando questionado sobre a compra de bebidas, um número de 100 fardos contendo 12 latas em cada um, este de pronto recordou-se, dizendo que quem realizou a compra foi o “JOÃO” do bar e espetinho “PEDRÃO”. Disse ainda que foi pago o valor em dinheiro, e também foi questionado a “DIEGO” se é comum comerciantes comprarem no mercado quantidades elevadas de bebidas para ter em estoque, o que foi negado por “DIEGO”, ainda foi conseguido informação junto ao funcionário “LUIZ”, que é encarregado de estoque, este dizendo que foi o próprio “JOÃO” que retirou as bebidas no estoque, juntamente com um homem que não conhece, dizendo que utilizaram uma caminhonete branca, modelo novo. Informo que ambos citados foram ouvidos em termo de declarações.
Nesse mesmo relatório, mais especificamente à fl. 1.004, foi registrado que muitas das pessoas presentes no evento estavam trajando camisetas e itens na cor vermelha.
Termos de Assentada de DIEGO FERNANDO ALVES e de LUIZ MARTINS DOS SANTOS, às fls. 1.007/1.009. Ressalte-se que essas declarações também não foram ratificadas em juízo.
ANA BEATRIZ DA CRUZ, ouvida como informante por ser menor de idade, relatou que foi até o “Bar do Pedrão” com sua irmã, pois suas amigas disseram que lá estavam sendo distribuídas gratuitamente 5.000 (cinco mil) latinhas de cerveja; que no local haviam 4 (quatro) freezers, todos cheios de latinhas de cerveja da marca “Antártica SUBZERO”; que as latinhas eram distribuídas livremente, até mesmo para menores de idade; que o “DÚ”, filho do CARLÃO (ANTONIO CARLOS COLNAGO), estava no evento; que no local estava tocando “músicas do 25”; que a maioria das pessoas estava vestida de vermelho; que a foto de fl. 70 foi tirada no dia dessa festa e estava no seu celular; que no evento não houve pedidos de votos; que o ORLANDO PADOVAN e o CARLÃO (ANTONIO CARLOS COLNAGO) não estavam presentes; e que apenas “ouviu dizer” que esse evento tinha sido patrocinado pela chapa ORLANDO PADOVAN/CARLÃO.
Nos autos, não há qualquer informação relativa à quantidade de pessoas presentes na festa, tampouco foi relatada a presença de candidatos no local. ANA BEATRIZ DA CRUZ somente afirmou que viu “DÚ”, filho do CARLÃO (ANTONIO CARLOS COLNAGO), no evento.
Além do mais, o dono do estabelecimento “Bar do Pedrão”, o qual poderia trazer importantes esclarecimentos a este processo, não foi ouvido em juízo.
Tem-se, então, que a compra das 1.200 latas de cerveja por JOÃO MARINHO SILVA NETO no Supermercado Econômico e não, junto a um fornecedor, e a ausência de qualquer registro de venda dessa mercadoria no “Bar do Pedrão” são circunstâncias que corroboram com a tese de que houve sim doação de bebidas à população em geral.
Através das fotos supostamente tiradas no dia do evento (fls. 65/70), pode-se ver pessoas vestidas de vermelho, inclusive segurando bandeiras, o que denota a finalidade eleitoreira da festa.
Apesar de não estar comprovada a participação de qualquer candidato ou pessoa ligada à coligação, é certo, até mesmo por Pirapozinho/SP ser uma cidade pequena (aproximadamente 26.810 habitantes), que eles tiveram conhecimento do fato e, não há dúvidas, de que foram beneficiados com o fornecimento gratuito de bebidas na ocasião.
Trata-se, mais uma vez, de oferecimento de vantagem a eleitor, o que é vedado pelo art. 39, § 6º, da Lei das Eleições.
C) Quitação de contas de água e de luz, bem como compra de medicamentos e passagens em troca de votos.
[...]
D) Conclusão.
ORLANDO PADOVAN/CARLÃO venceram o pleito majoritário de 2016 com 6.507 (seis mil, quinhentos e sete) votos, ao passo em que os segundos colocados (MARCOS BRAMBILA/MARCOS CAVALLI) obtiveram 6.475 (seis mil, quatrocentos e setenta e cinco) votos, ou seja, a diferença foi de apenas 32 (trinta e dois) votos.
Não há dúvidas de que a distribuição de camisetas vermelhas, bem como a realização de evento com o fornecimento gratuito de bebidas para a população em geral beneficiaram os então candidatos ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO, sendo, inclusive, muito provável, que tais condutas tenham sido decisivas para a vitória, dada a pequena diferença de votos.
Trata-se, pois, de típico caso de abuso de poder econômico, com gravidade suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral e comprometer a lisura do pleito.
É pacífico na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que a “lei não exige, para a configuração do abuso de poder, a anuência do candidato quanto à prática abusiva, mas simplesmente a comprovação dos benefícios por ele hauridos”.
Ao tempo em que o mero benefício é suficiente para cassar os registros ou diplomas dos candidatos beneficiários pelo abuso de poder econômico, a sanção de declaração de inelegibilidade exige que se impute ao cidadão a prática do ato ilícito ou a anuência a ele. Nesse sentido:
[...]
Nas diligências realizadas em sede policial, foi apreendido recibo da “MEETING UNIFORMES” (fls. 237/238) em nome de ORLANDO PADOVAN, datado de 28/09/2016, no valor de R$ 11.700,00 (onze mil e setecentos reais), contudo ORLANDO PADOVAN e WALTER BEZAMAT REMELLI, na audiência de instrução, não reconheceram esse documento.
Em juízo, WALTER BEZAMAT REMELLI confirma a compra das 900 (novecentas) camisetas, mas, para eximir o candidato eleito ORLANDO PADOVAN, diz que fez essa aquisição a pedido de CICERO ALVES MAIA, que, dentre os representados, é o único candidato não eleito.
De outro lado, as mensagens enviadas a ROSANGELA FRANCISCA MARTINÊS, esposa de ANTONIO CARLOS COLNAGO, por CLAUDECIR MARAFON e ELEONA DE CAMPOS NEVES, pedindo camisetas, atestam que ela estava envolvida na distribuição do material.
Ora, diante da análise dos elementos probatórios, não há como negar a participação de ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO na distribuição das camisetas.
No que diz respeito ao evento realizado no “Bar do Pedrão”, não há nenhuma prova que ateste o envolvimento direto de ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO. No entanto, como já foi colocado, não havia como eles não terem conhecimento.
Assim, em decorrência da caracterização do abuso de poder econômico, ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO devem ser condenados às sanções de cassação dos seus respectivos diplomas e de declaração de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2016, nos termos do art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/1990. Porém, a multa no valor de 1.000 (mil) UFIR aplicada pelo Juízo a quo deve ser elidida em razão da descaracterização da conduta prevista no art. 41-A, da Lei das Eleições.
Ocorre que, se de um lado não há dúvidas de que a distribuição de camisetas e o fornecimento gratuito de bebidas comprometeram o equilíbrio do pleito majoritário, de outro, não há como afirmar que o mesmo aconteceu nas eleições proporcionais.
Em sendo assim, no que tange às eleições proporcionais, não há como reconhecer o abuso de poder econômico.
Por conta disso, esta Ação de Investigação judicial Eleitoral deve ser julgada improcedente em relação a CICERO ALVES MAIA e CLAUDECIR MARAFON.
Descaracterizada a captação ilícita de sufrágio e configurado o abuso de poder econômico no pleito majoritário, a reforma da sentença ora combatida é medida que se impõe.
Diante do exposto, recebo os recursos com efeito suspensivo, afasto as preliminares arguidas por ORLANDO PADOVAN, ANTONIO CARLOS COLNAGO, CICERO ALVES MAIA e CLAUDECIR MARAFON, bem como acolho a preliminar de inconstitucionalidade parcial do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral.
Já no mérito, nego provimento aos recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pela COLIGAÇÃO “JUNTOS SOMOS MAIS FORTES”, dou provimento parcial ao recurso interposto por ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO, a fim de afastar o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio e, consequentemente, elidir a multa aplicada, e dou provimento ao recurso interposto por CICERO ALVES MAIA, para, com relação a ele, julgar a presente ação improcedente.
[...]
DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE COM O RELATOR SORTEADO
Vistos...
Pedi vista para melhor me apropriar de toda matéria deduzida nos autos e, nesse passo, adotado o relatório já lançado pelo Digno Relator sorteado, acompanho na íntegra a tese registrada no voto n° 360, com a seguinte observação em relação aos fatos referentes à distribuição de bebidas imputada na exordial.
Com efeito, da análise detida do conjunto probatório que instruiu os presentes autos, malgrado não se comprova nos autos a presença dos candidatos recorridos no local e dia do evento, resta patente a anuência destes de modo a atrair, por si só, a aplicação das penalidades por ato de abuso do poder.
Ora, as provas colacionadas na presente ação - consubstanciadas em fotografias retiradas no dia dos fatos, que mostra os participantes vestindo, na sua grande maioria, a cor vermelha da campanha dos recorrentes e mostrando o número 25 (fls. 09 e 14); no relatório de investigação policial, que, além dos relatos colhidos, demonstra que o candidato Antonio Carlos Colnago tem relação de longa amizade com o proprietário do “Bar do Pedrão” (fls. 997/1006); e no depoimento de Ana Beatriz da Cruz que, como trazido pelo nobre Relator, confirmou a presença do filho do citado candidato, que a maioria das pessoas estava vestida de vermelho e que no local estava tocando “músicas do 25” - comprovam, estreme de dúvidas, que o evento em questão era da campanha dos recorrentes para a promoção da sua candidatura.
Ademais, “nos termos do art. 22, XIV, da LC n° 64/90, a condenação do candidato pela prática de abuso de poder prescinde da demonstração de sua responsabilidade ou anuência em relação à conduta abusiva, sendo suficiente a comprovação de que ele tenha auferido benefícios em razão da prática do ilícito” (g.n.), conforme se evidencia no caso em testilha.
E, nesse sentido, bem caminhou o Relator sorteado ao dispor que “apesar de não estar comprovada a participação de qualquer candidato ou pessoa ligada à coligação, é certo, até mesmo por Pirapozinho/SP ser uma cidade pequena (aproximadamente 26.810 habitantes), que eles tiveram conhecimento do fato e, não há dúvidas, de que foram beneficiados com o fornecimento gratuito de bebidas na ocasião. Trata-se, mais uma vez, de oferecimento de vantagem a eleitor, o que é vedado pelo art. 39, § 6º, da Lei das Eleições. (...) Não há dúvidas de que a distribuição de camisetas vermelhas, bem como a realização de evento com o fornecimento gratuito de bebidas para a população em geral beneficiaram os então candidatos ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO, sendo, inclusive, muito provável, que tais condutas tenham sido decisivas para a vitória, dada a pequena diferença de votos. (...) Ao tempo em que o mero benefício é suficiente para cassar os registros ou diplomas dos candidatos beneficiários pelo abuso de poder econômico, a sanção de declaração de inelegibilidade exige que se impute ao cidadão a prática do ato ilícito ou a anuência a ele”.
Destarte, e louvando a erudição do voto aqui prestigiado, com o presente diminuto acréscimo, tenho por incensurável a decisão adotada que ora acompanho.
Vê-se, portanto, que o Tribunal a quo reconheceu a prática de abuso do poder econômico consistente na distribuição de camisetas vermelhas a eleitores e na distribuição de cerveja à população em geral em evento realizado na véspera das eleições, confirmando, por conseguinte, a cassação dos diplomas de prefeito e vice-prefeito dos recorrentes e a declaração da sua inelegibilidade pelo período de oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90.
Todavia, entendo que as condutas impugnadas na espécie carecem de gravidade, a qual é requisito essencial para o reconhecimento da prática do abuso do poder econômico, a teor do disposto no art. 22, XVI, da Lei Complementar 64/90, e “se traduz em fato que altera a legitimidade do pleito ou lhe causa desequilíbrio” (AgR-REspe 661-19, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 5.11.2015).
A propósito, cumpre lembrar que o abuso do poder econômico se caracteriza pela utilização excessiva e desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de modo a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito, em benefício de determinada candidatura.
No caso, conquanto o Tribunal de origem afirme que foram compradas 900 camisetas vermelhas[1] pela chapa majoritária formada pelos recorrentes, verifica-se que o acórdão regional não contém elementos que autorizem concluir que todos esses exemplares tenham sido distribuídos a eleitores.
Além disso, o acórdão recorrido não especifica, nem sequer por aproximação, o quantitativo de camisetas distribuídas, nem o período em que teria ocorrido tal distribuição, o que impede a aferição de efetiva expressão econômica da conduta tida como ilícita.
Com efeito, o aresto alude a alguns poucos casos, nos quais teria sido apontada a distribuição de camisetas a eleitores, ou, pelo menos, nos quais ocorreu a apreensão de exemplares em poder de terceiros[2]
No entanto, a pequena quantidade de camisetas, que, a partir da leitura do acórdão recorrido, depreende-se terem sido distribuídas, não denota gravidade suficiente para comprometer a legitimidade do pleito ou o equilíbrio da disputa eleitoral.
A propósito, anoto que a circunstância assinalada no acórdão recorrido, de que diversos eleitores foram votar trajando roupas na cor vermelha (alusiva aos recorrentes) ou amarela (referente aos candidatos adversários), não pode ser imputada de forma apriorística aos candidatos, pois se trata de manifestações comuns em períodos eleitorais, mormente em eleições municipais polarizadas.
No que se refere à distribuição de 1.200 de latas de cerveja a populares, o acórdão regional assinala que tal evento ocorreu em um bar, na véspera da eleição, ao custo total de R$ 1.908,00, e que a citada despesa foi paga por um dos proprietários do referido estabelecimento comercial.
Entretanto, não consta no acórdão recorrido informação sobre quantas pessoas estiveram presentes no evento em que ocorreu a distribuição gratuita de bebida, dado que seria relevante para a aferição da amplitude da conduta, mormente porque o quantitativo de latas de cerveja distribuídas não necessariamente corresponde ao número de populares que tenham recebido tal benesse.
Ademais, a presença no evento de pessoas trajando roupas na cor vermelha, inclusive o uso de bandeiras e a reprodução de música de campanha, consiste apenas em indícios de conotação eleitoral, mormente porque a Corte de origem reconheceu que os candidatos eleitos não estiveram presentes no evento de distribuição de bebidas e que durante ele não houve pedido de votos, assim como não ocorreu a participação de pessoas ligadas à coligação pela qual os recorrentes disputaram o pleito, consignando-se apenas a mera presença do filho do candidato a vice-prefeito.
Não bastasse isso, observa-se que a quantia de R$ 1.908,00, atinente ao gasto realizado por terceiro – proprietário do bar onde ocorreu o evento – na compra das 1.200 latas de cerveja distribuídas a populares, tem pequena expressão econômica no contexto do município, o qual tem mais de 26.810 habitantes, de acordo com o acórdão regional.
Assim, é imperativo reconhecer que, nas circunstâncias descritas no acórdão regional, a distribuição a eleitores de 1.200 latas de cerveja, realizada e custeada por terceiros, não tem gravidade suficiente para comprometer a legitimidade ou a normalidade do pleito, nem para afetar a igualdade entre os candidatos.
Ressalto que o Tribunal a quo assentou a gravidade dos atos apontados como abusivos nos seguintes termos (fl. 1.594):
ORLANDO PADOVAN/CARLÃO venceram o pleito majoritário de 2016 com 6.507 (seis mil, quinhentos e sete) votos, ao passo em que os segundos colocados (MARCOS BRAMBILA/MARCOS CAVALLI) obtiveram 6.475 (seis mil, quatrocentos e setenta e cinco) votos, ou seja, a diferença foi de apenas 32 (trinta e dois) votos.
Não há dúvidas de que a distribuição de camisetas vermelhas, bem como a realização de evento com o fornecimento gratuito de bebidas para a população em geral beneficiaram os então candidatos ORLANDO PADOVAN e ANTONIO CARLOS COLNAGO, sendo, inclusive, muito provável, que tais condutas tenham sido decisivas para a vitória, dada a pequena diferença de votos.
Trata-se, pois, de típico caso de abuso de poder econômico, com gravidade suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral e comprometer a lisura do pleito.
Como se vê, a Corte de origem entendeu pela gravidade das condutas tidas como abusivas, tendo em conta a probabilidade de elas terem sido decisivas para a vitória dos recorrentes, em virtude da pequena diferença de votos verificada entre o primeiro e o segundo colocados na eleição para prefeito.
Todavia, o art. 22, XVI, da Lei Complementar 64/90 dispõe que, para a configuração do ato abusivo, será considerada apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, e não a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição.
Nesse sentido: “Conforme a jurisprudência desta Corte e nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, para que fique configurada a prática de abuso de poder, é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve-se levar em conta o critério qualitativo – a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos –, e não o quantitativo, qual seja a eventual diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos” (REspe 1-14, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 25.2.2019).
No caso, o Tribunal de origem entendeu pela gravidade das condutas impugnadas considerando a pequena diferença de votos verificada entre os candidatos primeiro e segundo colocados no pleito, sem apontar outros elementos que corroborarem a conclusão por ele adotada a respeito do caráter grave dos fatos.
Assim, tendo em vista as circunstâncias assinaladas acima, entendo que a distribuição de camisetas a eleitores e a distribuição gratuita de bebidas a populares não ostentam, no caso em exame, gravidade suficiente para afetar a legitimidade e a normalidade do pleito ou para desequilibrar a disputa.
Com efeito, o acórdão recorrido merece reforma, a fim de se afastar a condenação dos recorrentes, em virtude da ausência de gravidade das condutas impugnadas.
IX – Conclusão
Pelo exposto, voto no sentido conhecer do recurso especial interposto por Orlando Padovan e Antônio Carlos Colnago, por ofensa ao art. 22 da Lei Complementar 64/90, a fim de dar-lhe provimento para reformar o acórdão regional e julgar improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.
[1] No ponto, observo que o Tribunal de origem menciona valores divergentes quanto ao custo de aquisição do total de 900 camisetas vermelhas, quais sejam R$ 11.700,00, conforme recibo de empresa do ramo de confecção emitido em nome do candidato Orlando Padovan, apreendido em diligência de busca e apreensão realizada na casa de Walter Bezamat Remelli, representante da coligação pela qual os recorrentes concorreram ao pleito, ou R$ 10.800,00, de acordo com o depoimento do referido representante.
[2] Colhe-se do acórdão regional que: i) a testemunha Maria Ilma Melo informou que, na véspera da eleição, o candidato a vice-prefeito Antonio Carlos Colnago e a vereador Cícero Alves Maia foram até a casa dela e lhe entregaram duas camisetas vermelhas; ii) Santa Jaques informou que o candidato a vice-prefeito Antonio Carlos Colnago levava camisetas para sua irmã Ilda Jaques distribuir; todavia, ela declarou também que Ilda Jaques colaborava na campanha dos recorrentes e que esta, ouvida em juízo como informante, afirmou que trabalhou apenas para o candidato a vereador Cícero Alves Maia e que teve que comprar uma blusa vermelha para si; iii) a informante Rosimeire da Silva afirmou que foi voluntária na campanha do candidato a vereador Cícero Alves Maia e recebeu duas camisetas para trabalhar; iv) a informante Ana Beatriz da Cruz disse que, no dia do evento em que ocorreu distribuição de bebidas, foram oferecidas duas camisetas à irmã dela; v) o investigador de polícia Leandro Udenal Guidetti afirmou em juízo que houve distribuição de camisetas, não constando referência a quantidade.
Ademais, o seguinte trecho do voto condutor do acórdão regional menciona camisetas apreendidas em poder de terceiros: “No Relatório de Investigação de fls. 88/97, constam fotos de diversas camisetas vermelhas, todas no mesmo padrão. Algumas dessas camisetas foram apresentadas na Delegacia por MARCILIO MELO DOS SANTOS (2 camisetas), ROSALINA ALBINO DE BARROS (1 camiseta), ELIEGE CRISTINA DE BARROS (1 camiseta), MARIA LÚCIA BARROS (1 camiseta) e pelo advogado ROGÉRIO LEANDRO FERREIRA (3 camisetas), e outras, foram apreendidas nas residências de JOSIANE DOS SANTOS (6 camisetas) e de DERCILIA APARECIDA VIEIRA (3 camisetas), no carro de CARLOS EDUARDO MARTINS COLNAGO (2 camisetas) e na propriedade de CICERO ALVES MAIA (25 camisetas)” (fl. 1.578).
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO: Senhora Presidente, cumprimento o relator, a quem estou acompanhando.
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, eminentes pares, saúdo o eminente Ministro Relator, as sustentações que aqui foram levadas a efeito da tribuna e por parte do Senhor Vice-Procurador-Geral Eleitoral.
Senhora Presidente, eu vou juntar uma declaração de voto que explicita os argumentos que trarei agora à colação. E principio apenas rememorando que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, ao reputar circunstâncias aptas a influenciar o pleito, determinou a cassação dos diplomas do prefeito e do vice, bem como a declaração de inelegibilidade.
O eminente Ministro Relator, Ministro Sérgio Banhos, em seu substancioso voto, acolhe o recurso para julgar improcedente a pretensão que foi veiculada naquela ação de investigação judicial eleitoral, entendendo pela ausência de gravidade das condutas imputadas.
Portanto, o que nós estamos a discutir, em meu modo de ver, no mérito, é a gravidade das condutas, ou seja, essa densificação mediante um juízo valorativo de condutas tidas como demonstradas. E é isso que vou examinar, não sem antes dizer que acompanho o desate que Sua Excelência o eminente Ministro Relator fez quanto às preliminares.
Quais são os dois fatos demonstrados? Houve distribuição de um número situado num universo de 900 camisetas, cuja aquisição está provada. Portanto, houve a aquisição de 900 camisetas, no valor – segundo recibo emitido, que verifiquei nos autos, por Meeting Uniformes e referido em fls. 1.577, onde está a referência no acórdão regional –, no valor de R$ 11.700,00 (onze mil e setecentos reais). Portanto, não há qualquer equivocidade na aquisição de 900 camisetas, na cor da campanha, por um valor, se não exato, mas em torno de R$ 11.000,00 (onze mil reais).
Então, este fato está provado. A questão está em examinar se esse fato se projeta no pleito de modo a influenciar e receber um juízo de valor negativo.
O que que se levou em conta, em meu modo de ver? E o eminente Ministro Relator certamente irá retificar se a minha compreensão não estiver adequada. Levou-se em conta a falta de prova de distribuição de todas as 900 peças do vestuário. E, portanto, esta circunstância, não demonstrada a distribuição, não geraria uma gravidade tal, porque o universo da distribuição não restou demonstrado.
A questão que se coloca para refletir é precisamente o sentido e o alcance da aquisição de 900 camisetas, precisamente, na cor da campanha e no momento que antecede o pleito eleitoral.
Portanto, quando menos, ao lado da prova inequívoca da aquisição, extrai-se uma circunstância, quando menos indiciária e de uma determinada força lógica, de que essa aquisição se destinava ao pleito eleitoral.
Nesta medida, é possível até reconhecer que as camisetas poderiam ter algum outro tipo de serventia após o esgotamento do período eleitoral, até porque se trata de uma peça de vestuário. Mas há que se admitir que, provada a aquisição, deduz-se que é razoável supor tratar-se de material de campanha e que se destina à utilização nesse período, pelo menos do ponto de vista de compor o quadro para saber se há ou não gravidade.
Nós todos temos presente a vedação do § 3º do art. 39 da Lei nº 9.504, que traduz um obstáculo – legítima distribuição de benesses aos eleitores. E é preciso também localizar que essas camisetas, novecentas, foram adquiridas em um município cujo número de cidadãos lá residentes são de aproximadamente 26 mil habitantes – para ser preciso, o dado que colhi dos autos, 26.810 (vinte e seis mil e oitocentos e dez) –, sendo que o eleitorado representa aproximadamente 70% desse número total de habitantes.
Pois bem, temos, então, esse fato das camisetas, que traduz, até esse momento, uma dúvida. Vamos agora às latas de cerveja. Chegamos, portanto, nas 1.200 latas de cervejas, que foram adquiridas pelo valor de R$ 1.908,00 (um mil e novecentos e oito reais), na véspera do pleito, num evento que ocorreu no Bar do Pedrão, ao qual compareceram as pessoas trajando as camisetas da cor da campanha, no uso da respectiva bandeira e com a execução, segundo também se demonstrou nos autos, das respectivas músicas ou canções da campanha.
Portanto, 1.200 latas de cerveja no evento da véspera, 900 camisetas, o que fez o Tribunal Regional de São Paulo? Entendeu que enquadravam-se na vedação legal, à qual me referi já, o § 6º do art. 39 da mencionada lei, e que haveria aptidão para influenciar a vontade livre dos eleitores e desequilibrar a disputa eleitoral. Onde está uma circunstância que, por si só, não teria o condão de me levar, e já adianto, com toda a vênia, a dissentir da conclusão do eminente Ministro Relator, onde está um elemento que, isoladamente, não tem força para compreender-se a partir dele esse desequilíbrio, essa influência da vontade livre, mas que, nesse contexto, é relevante.
E aqui colho o seguinte, mencionado pelo eminente Ministro Relator em fls. 58 e que está em fls. 1.594 do acórdão do Tribunal Regional de São Paulo: “Orlando e Carlão venceram o pleito majoritário com 6.507 votos e Marcos e Marcos - um Marcos e outro Marcos - obtiveram 6.475 votos”.
Portanto, a diferença foi de 32 votos. Esta diferença, ou seja, o resultado da eleição isoladamente não tem força para caracterizar gravidade tomada para sancionar com a cassação e com a sanção de inelegibilidade, mas em um universo tal como aqui se coloca, de 26 mil habitantes, 70% desse número corresponde a universo eleitoral – bastariam aqui apenas os votos válidos –, evidentemente que há outros votos a serem somados, mas 6.507 mais 6.475, chega-se quase a 13 mil eleitores.
Num universo de 13 mil eleitores, a diferença foi de 32 votos. Portanto, com todas essas circunstâncias que lustram bem o caso e considerando, portanto, que houve prova da aquisição das 900 camisetas, o evento eleitoral na véspera, no Bar do Pedrão, com 1.200 latas de cerveja e os demais elementos que defluem dos autos, eu peço todas as vênias à análise acutíssima que o eminente Ministro Sérgio Banhos fez, mas, em se tratando de recurso especial eleitoral, a posição que trago a este Colegiado, pedindo mais uma vez toda a vênia ao eminente Ministro Relator, é no sentido de prestigiar a avaliação feita pelo acórdão regional eleitoral.
Nem de longe, eu diria que não há sustentação sólida no provimento do recurso, ao contrário, este é um daqueles elementos que se pode colocar sobre a mesa e fazer juízo de valor com imensa razoabilidade em sentidos diversos. O sentido que eu estou acolhendo e que encontra um elemento decisivo em um universo indiciário foi precisamente a diferença de 32 votos.
E, por essa razão, somando, portanto, com os dois fatos provados: a aquisição de camisetas, a distribuição dessas benesses, mais o evento eleitoral, eu estou, Senhora Presidente, votando no sentido de manter o acórdão regional e, por via de consequência, manter a cassação dos recorrentes, entendendo que há gravidade apta para tanto.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, trata-se de recurso especial eleitoral interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que manteve a condenação dos recorrentes às sanções de cassação de diplomas de prefeito e vice-prefeito, assim como de declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos, impostas com base no art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90, em virtude da prática de abuso do poder econômico, consubstanciado na distribuição de 900 camisetas e de 1.200 latas de cerveja a eleitores, com o intuito de influenciar no pleito.
O Relator, Ministro Sérgio Banhos, após afastar as preliminares apresentadas, proferiu voto no sentido de dar provimento ao recurso para, reformando o pronunciamento do Regional, julgar improcedente os pedidos veiculados na ação de investigação judicial eleitoral, ante a ausência de gravidade das condutas imputadas.
Assenta que, (i) “conquanto o Tribunal de origem consigne que foram compradas 900 camisetas vermelhas pela chapa majoritária formada pelos recorrentes, verifica-se que o acórdão regional não contém elementos que autorizem concluir que todos esses exemplares tenham sido distribuídos a eleitores. Além disso, o acórdão recorrido não especifica, nem sequer por aproximação, o quantitativo de camisetas distribuídas, nem o período em que teria ocorrido tal distribuição, o que impede a aferição de efetiva expressão econômica da conduta tida como ilícita.”, (ii) relativamente à distribuição de 1.200 latas de cerveja, em evento realizado em um bar, na véspera da eleição, ao custo total de R$ 1.908,00, não teria gravidade suficiente para comprometer a legitimidade do pleito de forma a afetar a isonomia entre os candidatos.
Relativamente às preliminares, acompanho o Relator. Todavia, peço as mais respeitosas vênias ao Relator, Ministro Sérgio Banhos, para apresentar divergência quanto à compreensão da gravidade da conduta.
O Tribunal Regional de São Paulo, mantendo parcialmente a sentença, assentou configurado o abuso de poder econômico consubstanciado na distribuição de 900 camisetas vermelhas, no valor de R$ 11.700,00 (onze mil e setecentos reais), e 1.200 latas de cerveja, ao custo total de R$ 1.908,00 (hum mil e novecentos e oito reais), na véspera do dia das eleições.
Relativamente às camisetas, depreende-se que foram efetivamente compradas 900 camisetas, no valor total de R$ 11.700,00 (onze mil e setecentos reais), conforme recibo emitido por Meeting Uniformes, que foi referenciado no acórdão a fl. 1577, as quais foram distribuídas a diversos eleitores.
No ponto, compreendo que a falta de prova da distribuição de todas as 900 peças de vestuário não seria fator determinante para afastar a gravidade da conduta, haja vista que a compra de material de campanha se destina à utilização nesse período. Com efeito, trata-se de material de nenhuma serventia, após o esgotamento do período eleitoral, de modo que a prova da gravidade não pode estar condicionada ao quantitativo referente à efetiva apreensão.
Ademais, a aquisição dessa quantidade de peças de vestuário, com nítido caráter eleitoral, desafia, de início, a vedação de distribuição de benesses aos eleitores extraída do art. 39, § 6º, da Lei nº 9.504/97. Ademais, percebe-se que a conduta não se amolda à realidade de uma campanha eleitoral no Município de Pirapozinho ante a relação que se estabelece entre o número de camisetas (900) adquiridas e o número de cidadãos lá residentes (aproximadamente 26.000 habitantes).
Inescapável, assim, a conclusão de que a conduta foi dirigida ao rompimento da igualdade entre os candidatos naquele certame por meio da entrega de benesses aos eleitores, conduta que se reveste, em si mesma, de suficiente grau de reprovabilidade e gravidade.
No que toca à distribuição indiscriminada de 1.200 latas de cerveja, na véspera do pleito, haure-se que ocorreu evento de cunho eleitoral, no “Bar do Pedrão”, em favor dos ora recorrentes, ao qual compareceram pessoas trajando roupas na cor vermelha, inclusive com o uso de bandeiras e a reprodução de música de campanha.
O evento ganha relevo quando inserido no contexto do pequeno município de Pirapozinho, com aproximadamente 26.000 habitantes. Registre-se que o eleitorado representa aproximadamente 70% desse número.
O Regional paulistano fez ver que, além de as condutas descritas se enquadrarem na vedação legal contida no art. 39, § 6º, da Lei 9.504/97, tal ato teve aptidão para influenciar a vontade livre dos eleitores e desequilibrar a disputa eleitoral. Ficou claro no acórdão que a distribuição de benesses favoreceu os candidatos Orlando Padovan e Antonio Carlos Colnago, tendo em vista a pequena diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados no pleito (32 votos), em município com aproximadamente 26.810 habitantes.
Frise-se que, conquanto o resultado da eleição não seja, isoladamente, elemento caracterizador da gravidade do ato abusivo, a soma deste dado aos fatos descritos no acórdão se revela importante para desvelar o desequilíbrio na disputa eleitoral e o prejuízo à lisura do pleito, tal como concluiu o Tribunal de origem.
Ante o exposto, pedindo vênias ao Relator, compreendo que se deve prestigiar o acórdão regional a fim de manter a cassação dos recorrentes, haja vista a gravidade dos atos imputados.
ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS (relator): Senhora Presidente.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Pois não.
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS (relator): Muito rapidamente, agradecendo a sempre ilustrada participação do Ministro Fachin. Devo confessar que a solução que entendi pertinente ao caso, em um primeiro momento, foi exatamente essa do Ministro Fachin. Mas eu me fiz duas perguntas depois. O fato de 900 camisas terem sido adquiridas significa que elas foram confeccionadas? E quantas foram confeccionadas? Dessas, quantas foram distribuídas? Me perguntei também: das 1.200 cervejas que foram compradas, quantas foram distribuídas?
Esses elementos, para mim, eram essenciais no acórdão para que eu pudesse entender que a gravidade estava configurada pelos argumentos trazidos pela maioria daquele Tribunal. Por isso, fui para uma solução mais difícil, mas é porque não obtive no acórdão a resposta a essas duas indagações.
São esses os esclarecimentos, Senhora Presidente.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Obrigada, Ministro Sérgio.
PEDIDO DE VISTA
O SENHOR MINISTRO OG FERNANDES: Que caso difícil, Presidente! Nós estamos aqui a exercer um juízo jurídico por aproximação à ideia do que seria plausível em relação ao abuso e à possibilidade de que este evento, marcado para a véspera do pleito, pudesse desequilibrar a balança das eleições.
E entre o in dubio pro sufragio e sendo o raciocínio de REspe, a aplicação da Súmula 24, eu não tenho, a essa altura, uma avaliação concreta, que intimamente me convença para que eu possa tentar convencer a quem me ouve sobre a minha verdade, em torno desse tema.
De modo que eu vou, com a licença de todos, pedir vista dos autos para um exame mais substancial das peças, louvando aqui os votos que foram apresentados e que me trouxeram essa verdadeira barafunda de raciocínios em torno do caso.
Peço vista, Senhora Presidente.
EXTRATO DA ATA
REspe nº 0000626-24.2016.6.26.0261/SP. Relator: Ministro Sérgio Banhos. Recorrente: Orlando Padovan (Advogados: Hélio Freitas de Carvalho da Silveira – OAB: 154003/SP e outros). Recorrente: Antônio Carlos Colnago (Advogados: Ademar Aparecido da Costa Filho – OAB: 40989/DF e outros). Recorrida: Coligação Juntos Somos Mais Fortes (Advogados: Rogério Leandro Ferreira – OAB: 142624/SP e outro). Recorrido: Ministério Público Eleitoral.
Decisão: Após o voto do relator, conhecendo e dando provimento ao recurso especial eleitoral para reformar o acórdão regional e julgar improcedente o pedido formulado na ação de investigação judicial eleitoral, no que foi acompanhado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, e o voto do Ministro Edson Fachin, negando provimento ao recurso especial, pediu vista o Ministro Og Fernandes.
Aguardam os Ministros Luis Felipe Salomão e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e a Ministra Rosa Weber (presidente).
Usaram da palavra pelos recorrentes, Orlando Padovan e outro, o Dr. Guilherme Barcelos e, pelo recorrido Ministério Público Eleitoral, o Dr. Humberto Jacques de Medeiros.
Composição: Ministra Rosa Weber (presidente), Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Humberto Jacques de Medeiros.
SESSÃO DE 18.12.2019.
REGISTRO
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Registro a presença, pelos recorrentes, dos Drs. Guilherme Barcelos e Anderson Alacon. Sejam bem vindos à nossa sessão virtual.
VOTO-VISTA (vencido)
O SENHOR MINISTRO OG FERNANDES: Senhor Presidente, trata-se do julgamento do recurso especial (fls. 1.816-1.877) interposto por Orlando Padovan e Antônio Carlos Colnago, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Pirapozinho/SP no pleito de 2016, contra o acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (fls. 1.553-1.602) que reconheceu a prática de abuso do poder econômico, mantendo as penalidades de cassação dos diplomas e de declaração de inelegibilidade pelo período de 8 anos, aplicadas nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/1990.
Na sessão jurisdicional de 18.12.2018, o Ministro Sérgio Banhos, relator do processo, votou pelo provimento do apelo nobre para reformar o acórdão regional e julgar improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), por entender que os fatos narrados na exordial, consubstanciados na aquisição de 900 camisetas e na distribuição gratuita de 1.200 latas de cervejas a apoiadores da chapa vencedora do pleito, não apresentavam gravidade suficiente para configurar abuso do poder econômico e para aplicar, por conseguinte, a penalidade de cassação dos mandatos dos eleitos.
Após o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou a conclusão do eminente relator, o Ministro Edson Fachin abriu divergência para manter, na íntegra, o acórdão do TRE/SP. Em seu voto divergente, o Ministro consignou não haver dúvidas quanto à presença dos requisitos necessários para a configuração da prática do abuso do poder econômico, notadamente a gravidade da conduta perpetrada pelos candidatos cassados.
Na sequência, pedi vista dos autos para melhor examinar a questão.
Passo a votar.
O cerne da controvérsia cinge-se a saber se a distribuição de 900 camisetas na cor da campanha, no valor de R$ 11.700,00, pelos candidatos Orlando Padovan e Antônio Carlos Colnago, eleitos, respectivamente, prefeito e vice-prefeito do Município de Pirapozinho/SP, bem como a de 1.200 latas de cerveja, no valor de R$ 1.908,00, em um bar da cidade, por um dos apoiadores da chapa vencedora, às vésperas das eleições de 2016, configurou abuso do poder econômico, nos termos do art. 22, XIV, da LC nº 64/1990.
O acórdão do TRE/SP assentou que, “diante dos elementos probatórios, não há como negar a participação de Orlando Padovan e Antônio Carlos Colnago na distribuição das camisetas” (fl. 1.598).
Quanto à distribuição de bebida, concluiu que, embora não houvesse prova atestando o envolvimento direto dos candidatos cassados, “não havia como eles não terem conhecimento do evento” realizado em benefício da campanha (fl. 1.598).
Como elemento agravante das condutas realizadas, citou o fato de os candidatos cassados terem vencido
[...] o pleito majoritário de 2016 com 6.507 (seis mil, quinhentos e sete) votos, ao passo em que os segundos colocados (MARCOS BRAMBILA/MARCOS CAVALLI) obtiveram 6.475 (seis mil, quatrocentos e setenta e cinco) votos, ou seja, a diferença foi de apenas 32 votos. (fl. 1.594)
E concluiu:
Não há dúvidas de que a distribuição de camisetas vermelhas, bem como a realização de evento com o fornecimento gratuito de bebidas para a população em geral beneficiaram os então candidatos ORLANDO PADOVANI e ANTÔNIO CARLOS COLNAGO, sendo, inclusive, muito provável, que tais condutas tenham sido decisivas para a vitória, dada a pequena diferença de votos.
Trata-se, pois de típico caso de abuso de poder econômico, com gravidade suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral e comprometer a lisura do pleito.
De início, deixo de acolher a alegação de que o evento em que foi distribuído bebida alcoólica aos simpatizantes dos candidatos cassados não era por eles conhecido, tendo em vista que “a lei não exige, para a configuração do abuso de poder, a anuência do candidato quanto à prática abusiva, mas simplesmente a comprovação dos benefícios por ele hauridos” (REspe nº 1-62/RN, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3.11.2015, DJe de 2.12.2015).
Anoto, também, que o abuso do poder econômico se caracteriza pela utilização excessiva e desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de modo a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinado candidato, ainda que a conduta ilícita não seja a ele atribuída. Nesse sentido: REspe nº 100/CE, rel. Min. Sérgio Banhos, DJe de 11.9.2019; AIJE nº 0601664-88/DF, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 25.9.2019
No caso, a distribuição das 900 camisas da cor da campanha dos candidatos cassados ocorreu em um universo de, aproximadamente, 13 mil eleitores, o que representa cerca de 7% do eleitorado. Em acréscimo, destaco que tal conduta assumiu relevo na disputa eleitoral, porquanto realizada às vésperas do pleito, tendo ainda como agravante o uso extensivo da vestimenta doada em evento no qual foram distribuídas cerca de 1.200 latas de cerveja aos simpatizantes dos candidatos cassados.
Se não bastasse o inequívoco impacto na disputa eleitoral das condutas perpetradas, afirmado categoricamente pelo TRE/SP, extraio do acórdão recorrido que os custos envolvidos na empreitada ilícita somaram R$ 13.608,00, o que, segundo dados públicos extraídos do endereço eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral (http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/divulgacandcontas#/candidato/2016/2/68853/250000069142), representam mais de 20,16% dos recursos declarados pelo candidato em sua campanha eleitoral, que foi da ordem de R$ 67.500,00.
Assevero, com base no acórdão recorrido, que as eleições no município foram decididas em favor dos candidatos cassados pela ínfima diferença de 32 votos, revelando, também por esse motivo, o quão graves foram as circunstâncias dos fatos.
No ponto, friso que não desconheço que, desde a edição da LC nº 135/2010, que incluiu o inciso XVI no art. 22 da LC nº 64/1990, o legislador abandonou a ideia associada à potencialidade e se concentrou, para fins de definição da prática de abuso, apenas na gravidade da conduta realizada. Todavia, a meu ver, o critério quantitativo de votos, embora tenha perdido o protagonismo, não restou abandonado para fins de configuração da prática de abuso de poder. A esse respeito, Rodrigo López Zilio¹, em artigo intitulado “Potencialidade, Gravidade e Proporcionalidade”, leciona:
Por conseguinte, na análise da “gravidade das circunstâncias” do ato de abuso, conforme estabelecido pelo inciso XVI do art. 22 da LC n. 64/90 (com redação dada pela LC n. 135/10), revela-se adequado e necessário aferir a forma, natureza, finalidade e os efeitos do ato praticado – sendo indispensável, na avaliação da extensão do dano causado, a visualização dos critérios cronológico (temporal), quantitativo e em relação ao impacto junto ao eleitorado. Neste diapasão, ainda, o critério quantitativo de votos entre os candidatos é elemento a ser devidamente sopesado, não de modo isolado, mas a partir de uma avaliação conjuntural com as demais circunstâncias inerentes à qualidade do ato praticado. (grifos acrescidos)
Nesse sentido, cito precedente deste Tribunal:
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. PRELIMINARES. OMISSÕES. ILICITUDE DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL. REJEIÇÃO. TEMA DE FUNDO. REUNIÕES. HORÁRIO DE EXPEDIENTE. AMEAÇA. PERDA. CARGO. PROVAS ROBUSTAS. GRAVIDADE CONFIGURADA. DESPROVIMENTO.
[...]
A gravidade da conduta (art. 22, XVI, da LC 64/90) é clarividente também por sua repercussão no equilíbrio da disputa, pois as reuniões contaram no total com ao menos 40 funcionários, incitando-se o engajamento de amigos e familiares, e os recorrentes sagraram-se vencedores com apenas 68 votos a mais que a chapa derrotada (1.423 contra 1.355).
[...]
(REspe nº 178-79/MG, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13.8.2019, DJe de 10.10.2019)
Ante o exposto, pedindo vênia ao eminente relator, Ministro Sérgio Banhos, e ao eminente Ministro Luís Roberto Barroso, acompanho a divergência aberta pelo eminente Ministro Edson Fachin para negar provimento ao recurso especial e, assim, manter a cassação dos mandatos e a decretação da inelegibilidade de Orlando Padovan e de Antônio Carlos Colnago, respectivamente, prefeito e vice-prefeito eleitos no Município de Pirapozinho/SP no pleito de 2016.
É como voto.
¹ ZÍLIO, Rodrigo Lopez: Potencialidade, gravidade e proporcionalidade: uma análise do art. 22, inciso XVI, da Lei nº 64/90. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 4, n. 6, p. 189-208, jan/jun 2012.
VOTO (ratificação)
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS (relator): Muito obrigado. Em primeiro lugar, Senhor Presidente, gostaria de agradecer as palavras carinhosas do Ministro Og Fernandes e dizer que a recíproca é verdadeira.
Eu, em homenagem às partes tendo em vista que o Ministro Alexandre de Moraes e o Ministro Carlos Horbach não participaram da sessão inaugural, eu, efetivamente, não lerei o voto que tem mais de sessenta páginas, mas fiz um pequeno resumo, uma pequena suma de três páginas, simplesmente para trazer o contraponto, reavivar, relembrar o contraponto aos muito bem postos argumentos trazidos pelo Ministro Og Fernandes que se somaram àqueles do Ministro Edson Fachin.
DECLARAÇÃO DE VOTO (ratificação)
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS: Senhor Presidente, tendo em vista os substanciosos votos divergentes até agora proferidos, julgo necessário reforçar alguns dos pontos que me levaram a concluir pelo provimento do recurso especial sob análise.
No que diz respeito à distribuição de camisetas vermelhas, entendo que o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da aquisição das peças de vestuário e da realização do respectivo gasto não se afigura suficiente para a configuração do abuso do poder econômico na espécie, pois, a meu juízo, o benefício supostamente auferido pela chapa eleita não foi suficientemente demonstrado.
Com efeito, os elementos consignados no acórdão regional não indicam, nem sequer por aproximação, a quantidade de camisetas vermelhas que teriam sido efetivamente distribuídas a eleitores, nem o período em que teria ocorrido tal distribuição.
A ausência de tais informações inviabiliza a aferição da efetiva expressão econômica da conduta tida como abusiva, eis que, conforme assinalei no voto proferido na assentada anterior, o acórdão regional cingiu-se a aludir a alguns poucos casos em que apontada a distribuição de camisetas ou nos quais ocorreu a apreensão de exemplares em poder de terceiros, sem perquirir quantos eleitores teriam sido de fato beneficiados.
Em tal contexto, entendo que não é possível afirmar que a distribuição de camisetas tenha tido gravidade suficiente para comprometer a lisura do pleito ou o equilíbrio entre os candidatos, pois para isso deveriam estar delineados no acórdão regional não apenas os valores envolvidos na aquisição das referidas peças, mas também a quantidade, ainda que aproximada, de eleitores que receberam a benesse, o que não consta no aresto.
Por outro lado, também são imprecisas as circunstâncias fáticas referentes ao evento em que houve distribuição de bebidas à população. Conquanto o acórdão regional assinale que foram distribuídas 1.200 de latas de cerveja a populares, ao custo total de R$ 1.908,00, pagos por um dos proprietários do estabelecimento comercial em que ocorreu o evento, remanesceu não informada a quantidade de populares que tenham recebido latas de cerveja durante a festa.
Ainda quanto ao ponto, observo que o aresto regional assinala não haver nos autos informação sobre quantas pessoas estiveram presentes no evento (fl. 1.591). Essa informação, assim como o quantitativo de populares beneficiados, seria relevante para a aferição da amplitude da conduta, mormente porque – reitero – o quantitativo de latas de cerveja distribuídas não necessariamente corresponde ao número de populares que tenham recebido tal benesse.
Além disso, a circunstância assinalada no acórdão recorrido (fl. 1.592) de que, no evento, era possível ver pessoas vestidas de vermelho, inclusive segurando bandeiras, assim como a informação de que tais pessoas eram a grande maioria dos participantes (fl. 1.601) permitem inferir a presença majoritária de populares que já eram simpatizantes da candidatura dos recorrentes, de sorte que se pode cogitar de reduzido benefício eleitoral, acaso existente, advindo da distribuição gratuita de bebidas.
De outra parte, reafirmo que, a meu sentir, a Corte de origem concluiu pela gravidade das condutas tidas como abusivas, tendo em conta a probabilidade de elas terem sido decisivas para a vitória dos recorrentes, em virtude da pequena diferença de votos verificada entre o primeiro e o segundo colocados na eleição para prefeito, sem apontar outros elementos que corroborem o entendimento por ela adotado a respeito do caráter grave dos fatos.
Conforme assinalado, a ausência de dados a respeito da quantidade efetiva ou, até mesmo, aproximada de pessoas beneficiadas pelas condutas impugnadas nos autos aponta para a ausência de robustez dos fatos, de sorte que não há como deles se extrair a conclusão pela gravidade das circunstâncias dos atos supostamente abusivos.
Dito de outro modo, a pequena diferença de votos não pode ser potencializada para, à falta de elementos fáticos essenciais e não indicados no aresto regional, assentar-se a gravidade das condutas impugnadas.
Com efeito, na situação fática retratada no aresto regional, evidencia-se a existência de dúvida razoável a respeito da configuração do abuso do poder econômico, de sorte que, no deslinde da controvérsia, deve prevalecer o princípio in dubio pro sufragio, privilegiando-se a vontade popular manifestada nas urnas.
No ponto, observo que a decisão regional pelo reconhecimento do abuso de poder não foi unânime, pois ficou vencida a Desembargadora Marli Ferreira, que, embora não tenha declarado o teor do voto divergente, dava integral provimento ao recurso de Orlando Padovan e Antônio Carlos Colnago para afastar as condenações impostas na sentença.
Também corrobora a compreensão acerca da existência de dúvida razoável a respeito da configuração do ilícito a circunstância de que o Presidente do Tribunal de origem, ao realizar o juízo primeiro de admissibilidade do recurso especial, reconheceu a presença dos requisitos de plausibilidade do direito e de risco de dano irreparável, concedendo o efeito suspensivo pleiteado pelos ora recorrentes.
Com as vênias devidas, reafirmo a compreensão de que a distribuição de camisetas a eleitores e a distribuição gratuita de bebidas a populares não ostentam, no caso em exame, gravidade suficiente para afetar a legitimidade e a normalidade do pleito ou para desequilibrar a disputa.
Por tudo isso, mantenho o voto pelo provimento do recurso especial.
VOTO
O SENHOR MINISTRO CARLOS HORBACH: Então, Senhor Presidente, eu, tendo em vista a incompletude do quadro fático delineado no acórdão recorrido, tal como destacado agora há pouco nas considerações do Ministro Sérgio Banhos, eu, enfim, pedindo vênia à divergência do Ministro Edson Fachin e do Ministro Og Fernandes, eu acompanho Sua Excelência o eminente relator.
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Presidente, faço aqui um breve resumo até para desencadear o meu raciocínio.
O recurso interposto da decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, manteve decisão de primeira instância, que condenou os recorrentes à sanção de cassação de diploma de prefeito e vice-prefeito, assim como inelegibilidade, em virtude da prática do abuso de poder econômico. Qual abuso de poder econômico? Distribuição de 900 camisetas e de 1.200 latas de cerveja a eleitores com intuito de influenciar no pleito.
Presidente, cumprimento o eminente relator e os divergentes.
Presidente, eu fui promotor eleitoral em uma cidade muito parecida com a cidade agora analisada, Pirapozinho, São Paulo, quase com o mesmo número de eleitores, que foi minha primeira comarca, Aguaí. A cidade de Pirapozinho na eleição teve 16.155 eleitores.
Quem já acompanhou e fiscalizou uma eleição no interior sabe, efetivamente, com todas as vênias às posições em contrário, que 900 camisetas e 1.200 cervejas constituem abuso de poder econômico. Sabe que 900 camisetas vermelhas e 1.200 cervejas influenciam em um pleito eleitoral, em que a diferença entre os candidatos, como ressaltado pelo eminente Ministro Og Fernandes, foi de 0,21%, ou seja, 32 votos.
Eu fico às vezes preocupado e na sessão passada também votei nesse sentido, com o percentual analisado em municípios menores, pois podem nos levar a uma conclusão de que a conduta não tem gravidade. E eu fiz enquanto o Ministro Og votava e depois o Ministro Sérgio Banhos, uma regrinha de três para demonstrar a gravidade dessa conduta que eu não tenho nenhuma dúvida rompeu a igualdade, influenciou no voto.
Se nós pegássemos o maior eleitorado do Estado de São Paulo, que é a própria capital, se nós fizéssemos essa regra de três com os eleitores da capital, as 900 camisetas vermelhas e não é porque a cor é vermelha, Senhor Presidente, podia ser amarelo, azul, branco. As 900 camisetas de Pirapozinho equivaleriam a 456.729 camisetas na capital. O mesmo percentual. É possível dizer que 456.729 camisetas doadas não influenciam, não tem gravidade? E a cerveja? Mil e duzentas latas de cerveja em Pirapozinho, seriam 608.973 latas de cerveja na capital.
Ora, percentualmente, volto a dizer, com todo o respeito às posições em contrário, é um número que demonstra abuso do poder econômico, é um número que demonstra a gravidade da conduta. O fato e o acórdão comprova isso, inclusive com nota fiscal das camisetas, a cerveja, o fato de você comprovar que as 1.200 cervejas foram bebidas ou não, ou se todos usaram a camiseta ou não, isso seria uma prova diabólica a ser demonstrada. Impossível de se exigir do Ministério Público Eleitoral.
Efetivamente, a conduta que caracterizou o abuso de poder econômico foi a compra, o pagamento, distribuição das 900 camisetas e 1.200 cervejas que, a meu ver, já teriam a gravidade necessária para romper a igualdade da disputa, para influenciar nos votos, para caracterizar abuso de poder econômico mesmo que a diferença não tivesse sido só 32 votos. Os 32 votos de diferença, a meu ver, acentuam essa gravidade da conduta.
Então, pedindo todas as vênias ao eminente Ministro Relator e a quem o acompanhou, eu, aqui, acompanho a divergência aberta pelo eminente Ministro Edson Fachin e seguida pelo Ministro Og Fernandes no sentido da manutenção do acórdão recorrido.
MATÉRIA DE FATO
O DOUTOR GUILHERME BARCELOS (advogado): Senhor Ministro Presidente, pela ordem.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Pois não, Doutor Guilherme Barcelos, uma questão de fato?
O DOUTOR GUILHERME BARCELOS (advogado): Sim, de fato, de fato.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Por favor.
O DOUTOR GUILHERME BARCELOS (advogado): É apenas para esclarecer, diante dos votos que já foram apresentados, que a campanha adversária, derrotada no processo eleitoral de 2016 e autora da AIJE, coautora da AIJE, gastou 20 mil reais a mais do que a campanha ora recorrente, o que, nem de longe, representa o valor dessas cervejas e camisetas.
Era apenas isso, Excelência.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Senhor Presidente, consoante o art. 22, XVI, da LC 64/90, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
A esse respeito, esta Corte Superior já decidiu que “o abuso de poder (i.e., econômico, político, de autoridade e de mídia) reclama, para a sua configuração, uma análise pelo critério qualitativo, materializado em evidências e indícios concretos de que se procedera ao aviltamento da vontade livre, autônoma e independente do cidadão-eleitor de escolher seus representantes” (AgR-REspe 11-70/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 13/2/2017).
2. Na espécie, observando os limites da moldura fática do aresto regional, afigura-se notória a fragilidade probatória acerca do referido pressuposto. De acordo com o TRE/SP, a condenação fundou-se na suposta gravidade quanto à: a) distribuição de 1.200 latas de cerveja em bar na véspera do pleito (fls. 34-38 do acórdão); b) entrega de camisetas vermelhas – cor utilizada na campanha – a eleitores (fls. 22-34).
3. Em relação à primeira conduta, o próprio TRE/SP, apesar de se reportar a declarações que em tese confirmariam os fatos, assentou que “nenhum desses depoimentos foi confirmado em juízo” (fl. 35).
Impende ressaltar que, a teor da jurisprudência do TSE, “as declarações prestadas apenas em fase inquisitorial não constituem prova suficiente para condenação por compra de votos ou abuso de poder, porquanto produzidas de forma unilateral e sem observância ao contraditório e à ampla defesa, e, por isso, requerem outros elementos” (REspe 817-19/SP, redator para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 25/2/2019).
Também segundo a Corte local, “o dono do estabelecimento ‘Bar do Pedrão’, o qual poderia trazer importantes esclarecimentos a este processo, não foi ouvido em juízo” (fl. 38).
Ademais, novamente reproduzindo trecho do acórdão, saliento que “não há qualquer informação relativa à quantidade de pessoas presentes na festa, tampouco foi relatada a presença de candidatos no local” (fl. 37).
Da mesma forma, as fotografias colacionadas aos autos são frágeis sob o ponto de vista probatório, pois o Tribunal a quo consignou se tratar de “fotos supostamente tiradas no dia do evento” (fl. 38).
Com as vênias dos que entenderem em sentido diverso, tenho que, além de não demonstrada a presença dos candidatos, chama a atenção a falta de outros elementos essenciais para delimitar a gravidade, a exemplo do contexto em que se deu a distribuição, da existência ou não de pedido de votos, de quantas pessoas estavam presentes e se elas já eram apoiadoras da candidatura dos recorrentes.
Ainda quanto a esta primeira conduta, relembro que o TSE, no REspe 624-54/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 11/5/2018, envolvendo caso similar de distribuição de bebidas alcoólicas, decidiu por unanimidade afastar a condenação imposta, conforme se extrai do seguinte trecho da ementa:
[...] 10. A teor do art. 22, XVI, da LC 64/90, para a configuração do abuso considerar-se-á a gravidade das circunstâncias do caso.
11. Na espécie, a distribuição de 150 latas de cerveja não gerou desequilíbrio da disputa e comprometimento da paridade de armas, pois, em primeiro lugar, o valor econômico da conduta cerca de R$ 350,00 é irrisório no contexto de campanha majoritária em que se arrecadaram aproximadamente R$ 21.000,00, ainda mais considerando que os segundos colocados captaram o triplo desse montante (R$ 66.500,98).
12. Ademais, é incontroverso que não houve pedido de votos por parte das três pessoas que entregaram a bebida.
13. Inequívoco também que os candidatos não estiveram presentes no local e que o fato ocorreu logo após comício de sua campanha, de modo que os eleitores que compareceram ao evento já tinham, em princípio, voto definido.
14. Assim, seja sob o aspecto quantitativo ou qualitativo, a conduta em exame não é suficientemente grave para desconstituir a vontade da maioria popular sufragada na eleição majoritária de Sandovalina/SP em 2016.
4. No que tange à confecção de 900 camisetas vermelhas ao custo total de R$ 11.700,00, aplicam-se os mesmos fundamentos já expostos, na linha do voto do d. Ministro Sérgio Banhos.
Com efeito, relativamente às declarações reproduzidas às fls. 24-27 do aresto, o TRE/SP assentou de modo expresso que “esses depoimentos colhidos em sede policial não foram ratificados em juízo, sob o crivo do contraditório” (fl. 27).
Quanto às oitivas em juízo, extrai-se da moldura fática do acórdão que: a) o próprio TRE/SP reconheceu que Maria Ilma Melo prestou “depoimento confuso” (fl. 27); b) Santa Jaques declarou que não tinha contato com o candidato a vice-prefeito “há aproximadamente 10 [...] anos, em razão de um desentendimento entre eles”, e que apoiou a “chapa de Marcos Brambila/Marcos Cavalli”, adversários políticos dos recorrentes (fls. 28-29); c) as demais pessoas ou foram ouvidas na condição de informantes ou não acrescentaram dados decisivos ao caso dos autos.
Desse modo, não é possível afirmar quantas camisetas foram distribuídas, em qual contexto os fatos ocorreram e se a entrega contemplou apenas quem já apoiava a candidatura ou se a hipótese foi de distribuição indiscriminada.
Mais uma vez, portanto, a fragilidade do acervo probatório considerado pelo TRE/SP obsta a cassação dos diplomas e a inelegibilidade.
5. Ante o exposto, acompanho o Relator e voto pelo provimento do recurso especial para assentar a improcedência dos pedidos na AIJE.
É como voto.
VOTO (ratificação)
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Senhores Ministros, eu também gostaria de aditar ao meu voto que me impressionei com os substanciosos argumentos da divergência do Ministro Luiz Edson Fachin, corroborada pelo Ministro Og Fernandes e ilustrada, com números bem impressionantes, pelo Ministro Alexandre de Moraes. E, portanto, não considero de pouca relevância nem de pouco impacto sobre o resultado eleitoral.
Porém, como agora destacou o Ministro Luis Felipe Salomão, eu trabalhei sobre a moldura que veio do acórdão recorrido, nós estamos em recurso especial e, por esta razão, não me animei a revolver os fatos como fizeram, penso que com brilhantismo, os demais colegas, mas sem a minha concordância no particular.
EXTRATO DA ATA
REspe nº 0000626-24.2016.6.26.0261/SP. Relator: Ministro Sérgio Banhos. Recorrente: Orlando Padovan (Advogados: Hélio Freitas de Carvalho da Silveira – OAB: 154003/SP e outros). Recorrente: Antônio Carlos Colnago (Advogados: Ademar Aparecido da Costa Filho – OAB: 40989/DF e outros). Recorrida: Coligação Juntos Somos Mais Fortes (Advogados: Rogério Leandro Ferreira – OAB: 142624/SP e outro). Recorrido: Ministério Público Eleitoral.
Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros Edson Fachin, Og Fernandes e Alexandre de Moraes, conheceu e deu provimento ao recurso especial eleitoral, para reformar o acórdão regional e julgar improcedente o pedido formulado na AIJE, nos termos do voto do relator.
Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Renato Brill de Góes.
SESSÃO DE 16.6.2020.*
* Sem revisão das notas orais dos Ministros Sérgio Banhos, Og Fernandes e Carlos Horbach.