index: REPRESENTAÇÃO (11541)-0601693-34.2018.6.00.0000-[Direito de Resposta, Cargo - Presidente da República, Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Internet]-DISTRITO FEDERAL-BRASÍLIA
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
REPRESENTAÇÃO Nº 0601693-34.2018.6.00.0000 – CLASSE 11541 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Representante: Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PCdoB/PROS)
Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão e outros
Representante: Fernando Haddad
Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão e outros
Representado: Olavo Luiz Pimentel de Carvalho
Representada: Twitter Brasil Rede de Informação Ltda.
Advogados: André Zonaro Giacchetta e outros
Representada: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.
Advogados: Isabela Braga Pompilio e outros
1. Trata-se de representação para o exercício do direito de resposta ajuizada pela Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PCdoB/PROS) e Fernando Haddad contra (i) Olavo Luiz Pimentel de Carvalho; (ii) Twitter Brasil Rede de Informação Ltda.; e (iii) Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., impugnando publicações realizadas em rede social, sob o argumento de que as postagens apresentam conteúdos ofensivos, difamatórios e inverídicos, suficientes a ensejar aplicabilidade ao art. 58 da Lei nº 9.504/1997, bem como à incidência da sanção de multa.
Em síntese, os representantes sustentam os seguintes pontos (ID 532761): a) no dia 11 de setembro de 2018, o representado Olavo de Carvalho utilizou seu sítio eletrônico para ofender e difamar o candidato Fernando Haddad, bem como a coligação O Povo Feliz de Novo; b) a publicação informa de maneira difamatória e inverídica que o candidato Fernando Haddad estaria defendendo o incesto em seu livro intitulado ‘Desorganizando o consenso’; c) “por se tratar de figura pública, o representado possui uma grande quantidade de seguidores, os quais são diretamente influenciados pelas suas diversas e reiteradas mentiras” (p. 7); e d) a liberdade de expressão não é garantia absoluta, sendo certo que existindo abuso surge a possibilidade do direito de resposta.
Pleiteiam, ao final, a procedência da representação a fim de exercer o direito de resposta, nos termos do art. 58, § 3º, inciso IV, da Lei nº 9.504/1997, bem como a retirada definitiva da publicação considerada ilícita e a imposição da sanção de multa, nos moldes do art. 57-D, § 2º, do mesmo diploma normativo.
Na data de 15.10.2018, indeferi o pedido de tutela provisória, pois, embora a publicação veiculada apresente teor ofensivo ou negativo, exterioriza o pensamento crítico do representado Olavo Luiz Pimentel de Carvalho acerca de uma obra de autoria do candidato Fernando Haddad, de modo que a liberdade de expressão no campo político-eleitoral abrange não só manifestações, opiniões e ideias majoritárias, socialmente aceitas, elogiosas, concordantes ou neutras, mas também aquelas minoritárias, contrárias às crenças estabelecidas, discordantes, críticas e incômodas (ID 533889).
Contra a decisão de indeferimento da liminar os representantes interpuseram recurso (ID 539852).
As empresas provedoras de aplicação de Internet Twitter Rede de Informação Ltda. e Facebook Serviços Online Brasil Ltda. apresentaram defesa conforme ID 541650 e ID 544297, respectivamente.
O representado Olavo Luiz Pimentel de Carvalho – devidamente citado (ID 538714) – não apresentou defesa.
O Vice-Procurador-Geral Eleitoral opina pela improcedência dos pedidos formulados na representação. O parecer apresenta a seguinte ementa (ID 553886):
Eleições 2018. Presidente da República. Representação eleitoral. Publicações na internet. Conteúdo ofensivo. Ausência de demonstração. Liberdade de expressão.
1. A publicação que exterioriza pensamento crítico sobre obra literária está albergada pelo direito à liberdade de expressão, não ensejando, pois, a concessão de direito de resposta.
2. A retirada de publicação da internet demanda a existência de argumentos que demonstrem a abusividade de seu conteúdo, sob pena de se violar o direito à liberdade de expressão.
Parecer pela improcedência dos pedidos formulados na representação.
É o relatório. Decido.
2. A pretensão dos representantes almeja o exercício do direito de resposta, com fundamento no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, bem como a aplicação da sanção de multa aos representados, sob o argumento de que o réu Olavo Luiz Pimentel de Carvalho publicou em seu perfil, nas plataformas de aplicação de Internet Facebook e Twitter, conteúdos ofensivos, difamatórios e inverídicos.
Por oportuno, a título de amostragem, reproduzo da petição inicial o teor dos conteúdos publicados nas redes sociais (ID 532761):
(i) Estou lendo um livrinho do Haddad, onde ele defende a tese encantadora de que para implantar o socialismo é preciso derrubar primeiro o ‘tabu do Incesto’. Kit gay é fichinha. Haddad quer que os meninos comam suas mães;
(ii) Quem aceitou como presidente um tarado adepto confesso do sexo com cabritas não pode reclamar se, na escolha de cus, ele sobe um pouquinho na escala zoológica e acerta o dos seus eleitores;
(iii) Não acredito que, no mundo real, o É-Dado chegou a obter a cinco por cento dos votos. O resto ele comprou do TSE;
(iv) Depois do maior caso de corrupção empresarial na história do planeta, o PT está praticando a maior fraude eleitoral da história das galáxias;
(v) Na aula de sábado, explicarei direitinho a adesão do Haddad à apologia do incesto. A nota que retirei de circulação dava a impressão de que isso constava no próprio livro dele, mas na verdade é uma ideia do Max Horkheimer à qual ele aderiu um tanto disfarçadamente.
2.1 Afasto, de plano, a preliminar suscitada pela representada Twitter Brasil Rede de Informação Ltda., no tocante à tese relacionada à ausência de interesse processual dos representantes, sob o fundamento de que “toda e qualquer pretensão de direito de resposta e de remoção do conteúdo existente no perfil @TemRazaoOlavo deveria ter sido direcionada ao representado Olavo Luiz Pimentel de Carvalho, que é o efetivo responsável pela publicação dos conteúdos reputados irregulares, e não ao Twitter Brasil”.
Registro que todo provedor que disponibiliza determinada funcionalidade na Internet está sujeito às obrigações previstas na Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e ao diploma normativo regulamentar previsto na Res.-TSE nº 23.551/2017, alcançando as redes sociais.
Com efeito, os provedores de aplicação de Internet – a exemplo do Twitter –, possuem papel relevante na remoção de conteúdos postados que violem regras eleitorais ou ofendam direitos personalíssimos das pessoas que participam do processo eleitoral. A remoção de conteúdo pode se dar, inclusive, espontaneamente, por iniciativa do próprio provedor, quando identificada alguma violação aos termos de uso ou à política da plataforma. Nas demais hipóteses, a obrigação deve ser imposta ao provedor mediante ordem judicial, assegurada a liberdade de expressão, a fim de impedir a censura.
Assim, persiste o interesse processual dos representantes, porquanto os provedores podem ser responsabilizados subsidiariamente em relação a conteúdos publicados de autoria de seus usuários, ante o descumprimento de ordem judicial específica proferida nos termos do art. 19 do Marco Civil da Internet e art. 33, § 5º, da Res.-TSE nº 23.551/2017. Nesse sentido:
ELEIÇÕES 2010. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. INTERNET. BLOG. AÇÃO CAUTELAR. ANONIMATO. PSEUDÔNIMO. SUSPENSÃO LIMINAR. PROVEDOR. RESPONSABILIDADE. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO.
As representações eleitorais que apontem irregularidades na utilização da internet como meio de divulgação de propaganda eleitoral podem ser propostas: (i) – contra a pessoa diretamente responsável pela divulgação tida como irregular, seja por autoria própria, seja pela seleção prévia do conteúdo divulgado; e (ii) – contra o provedor de conteúdo ou hospedagem quando demonstrado que este, em relação ao material incluído por terceiros, foi previamente notificado da irregularidade apontada ou, por outro meio, é possível verificar o seu prévio conhecimento. (iii) Desta última hipótese, excetua-se o armazenamento da propaganda realizada diretamente por candidatos, partidos e coligações, quando o provedor somente poderá retirar a propaganda após prévia apreciação judicial da irregularidade apontada, sendo ele responsável apenas no caso de descumprimento da decisão judicial.
[...] (AgR-AC nº 1384-43, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.8.2010 – destaquei)
Na mesma linha é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, “em harmonia com o art. 19, § 1º, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), entende ser necessária a notificação judicial ao provedor de conteúdo ou de hospedagem para retirada de material ali publicado por terceiros usuários e apontado como infringente à honra ou à imagem dos eventuais interessados, sendo imprescindível a indicação clara e específica da URL – Universal Resource Locator – correspondente ao material que se pretenda remover. 2. Agravo interno não provido” (AI-AI nº AResp nº 956396/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 27.10.2017).
Desse modo, subsistindo a possibilidade de responsabilização da empresa provedora de Internet, mesmo que de forma subsidiária, persiste o interesse processual dos representantes, razão pela qual rejeito a preliminar.
Passo a analisar a matéria de fundo.
2.2 Constato que a pretensão relacionada à remoção dos conteúdos hostilizados está prejudicada, porquanto o preceito normativo previsto no art. 33, § 6º, da Res.-TSE n° 23.551/2017 estabelece que, “findo o período eleitoral, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da Internet deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum”.
Nesse passo, encerrada as Eleições 2018, não há mais cargo em disputa e tampouco necessidade de intervenção da Justiça Eleitoral para assegurar a legitimidade do pleito. Assim, subsistindo interesse da parte na remoção do conteúdo, deverá ser ajuizada ação judicial autônoma perante a Justiça Comum.
2.3 Na mesma toada, prejudicado também o pedido de direito de resposta, pois encerrado o pleito eleitoral, com a divulgação dos resultados do primeiro e segundo turno, a revelar não mais subsistir o almejado proveito na hipótese de procedência da presente ação, uma vez ausente o interesse-utilidade, em decorrência da perda superveniente do objeto. Nessa linha: REspe nº 6945-25/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 13.9.2011; ED-Rp nº 0601047-24, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 25.10.2018.
2.4 Noutro vértice, no tocante à sanção de multa, inviável sua incidência na hipótese dos autos.
Frise-se que o art. 23, § 6º, da Res.-TSE nº 23.551/2017 é categórico ao estabelecer que “a manifestação espontânea na Internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV, devendo observar, no entanto, os limites estabelecidos no § 1º, do art. 22 desta resolução”.
Com efeito, é forçoso concluir que as manifestações espontâneas de pessoa natural na Internet, realizadas por meio de blogs, redes sociais, ou sítios de mensagens instantâneas, não configuram propaganda eleitoral ilícita passível de responsabilização, mesmo quando o conteúdo veiculado – positivo ou negativo – versar sobre matéria político-eleitoral, de modo a não ensejar a incidência de sanção pecuniária aos usuários da rede.
Na espécie, embora existente publicação carregada com teor ofensivo ou negativo, em verdade, exterioriza o pensamento crítico do representado Olavo Luiz Pimentel de Carvalho acerca de uma obra de autoria do candidato Fernando Haddad, alcançada, portanto, pelo exercício legítimo da liberdade de expressão (art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal).
As liberdades comunicativas no campo político-eleitoral abrangem não só manifestações, opiniões e ideias majoritárias, socialmente aceitas, elogiosas, concordantes ou neutras, mas também aquelas minoritárias, contrárias às crenças estabelecidas, discordantes, críticas e incômodas.
À luz da decisão liminar, penso que o controle sobre quais conteúdos ou nível das críticas veiculadas, se aceitáveis ou não, deve ser realizado pela própria sociedade civil, porquanto a atuação da Justiça Eleitoral, no âmbito da Internet, ainda que envolva a honra e reputação dos políticos e candidatos, deve ser minimalista, sob pena de silenciar o discurso dos cidadãos comuns no debate democrático.
3. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de aplicação de multa aos representados e, considero prejudicados os pedidos quanto ao direito de resposta e remoção das publicações, bem assim o recurso interposto da decisão que indeferiu a liminar (art. 36, § 6º, do RITSE).
Publique-se. Intime-se. Ciência ao MPE.
Brasília, 7 de dezembro de 2018.