TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

 

ACÓRDÃO

 

REGISTRO DE CANDIDATURA Nº 0600903-50.2018.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relator: Ministro Luís Roberto Barroso

Requerente: Luiz Inácio Lula da Silva

Advogados: Fernando Haddad – OAB: 88022/SP e outros

Requerente: Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PC do B/PROS)

Impugnante: Ministério Público Eleitoral

Impugnante: Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos 17-PSL/28-PRTB

Advogados: Gustavo Bebianno Rocha – OAB: 81.620/RJ e outros

Impugnante: Jair Messias Bolsonaro

Advogados: Gustavo Bebianno Rocha – OAB: 81.620/RJ e outros

Impugnante: Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes

Advogado: Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes – OAB: 63.784/RS

Impugnante: Partido Novo (NOVO) – Nacional

Advogados: Flávio Henrique Unes Pereira – OAB 31.442/DF e outros

Impugnante: Marcos Aurélio Paschoalin

Advogado: Marcos Aurélio Paschoalin – OAB: 177.991/MG

Impugnante: Wellington Corsino do Nascimento

Advogado: Pedro José Ferreira Tabosa – OAB: 32.381/DF

Impugnante: Alexandre Frota de Andrade

Advogado: Cleber dos Santos Teixeira - OAB: 162.144/SP

Impugnante: Kim Patroca Kataguiri

Advogados: Rubens Alberto Gatti Nunes – OAB: 306.540/SP e outro

Impugnante: Marco Vinicius Pereira de Carvalho

Advogado: Marco Vinicius Pereira de Carvalho – OAB: 32.913/SC

Impugnante: Julio Cesar Martins Casarin

Advogados: Alice Elena Eble – OAB: 40.773/SC e outro

Impugnante: Ernani Kopper

Noticiante: Guilherme Henrique Moraes

Advogado: Guilherme Henrique Moraes – OAB: 24.464/MT

Noticiante: Fernando Aguiar dos Santos

Advogado: Fernando Aguiar dos Santos – OAB: 391.939/SP

Noticiante: Marcelo Feliz Artilheiro

Advogado: Marcelo Feliz Artilheiro – OAB: 16.493/SC

Noticiante: Ari Chamulera

Advogados: Thiago de Araújo Chamulera – OAB: 62.203/PR e outro

Noticiante: Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ)

Advogado: Roque Z Roberto Vieira – OAB: 71.572/RJ

Noticiante: Diego Mesquita Jaques

Advogado: Diego Mesquita Jaques – OAB: 38.003/PE

Impugnado: Luiz Inácio Lula da Silva

Advogados: Fernando Haddad – OAB: 88022/SP e outros

Noticiado: Luiz Inácio Lula da Silva

Advogados: Fernando Haddad – OAB: 88022/SP e outros

 


Direito Eleitoral. Requerimento de Registro de Candidatura (RRC). Eleições 2018. Candidato ao cargo de Presidente da República. Impugnações e notícias de inelegibilidade. Incidência de causa expressa de inelegibilidade.
1. Requerimento de registro de candidatura ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018 apresentado por Luiz Inácio Lula da Silva pela Coligação “O Povo Feliz de Novo” (PT/PC do B/PROS).

2. A LC nº 64/1990, com redação dada pela LC nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), estabelece que são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (...) 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (...)”. (art. 1º, I, alínea “e”, itens 1 e 6).

3. O candidato requerente foi condenado criminalmente por órgão colegiado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, caput e V, da Lei nº 9.613/1998). Incide, portanto, a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “e”, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa.

4. A Justiça Eleitoral não tem competência para analisar se a decisão criminal condenatória está correta ou equivocada. Incidência da Súmula nº 41/TSE, que dispõe que “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade”.

5. Uma vez que a existência de decisão condenatória proferida por órgão colegiado já está devidamente provada nos autos e é incontroversa, é caso de julgamento antecipado de mérito, nos termos do art. 355, I, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo eleitoral. Precedentes.

6. Além disso, as provas requeridas por alguns dos impugnantes são desnecessárias, razão pela qual devem ser indeferidas. Não havendo provas a serem produzidas, a jurisprudência do TSE afirma que não constitui cerceamento de defesa a não abertura de oportunidade para apresentação de alegações finais, ainda quando o impugnado tenha juntado documentos novos. Precedentes: AgR-REspe 286-23, Rel. Min. Henrique Neves, j. em 28.11.2016; e REspe 166-94, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 19.9.2000.

7. A medida cautelar (interim measure) concedida em 17 de agosto pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) no âmbito de comunicação individual, para que o Estado brasileiro assegure a Luiz Inácio Lula da Silva o direito de concorrer nas eleições de 2018 até o trânsito em julgado da decisão criminal condenatória, não constitui fato superveniente apto a afastar a incidência da inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Em atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional, a manifestação do Comitê merece ser levada em conta, com o devido respeito e consideração. Não tem ela, todavia, caráter vinculante e, no presente caso, não pode prevalecer, por diversos fundamentos formais e materiais.     

7.1. Do ponto de vista formal, (i) o Comitê de Direitos Humanos é órgão administrativo, sem competência jurisdicional, de modo que suas recomendações não têm caráter vinculante; (ii) o Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional, que legitimaria a atuação do Comitê, não está em vigor na ordem interna brasileira; (iii) não foram esgotados os recursos internos disponíveis, o que é requisito de admissibilidade da própria comunicação individual; (iv) a medida cautelar foi concedida sem a prévia oitiva do Estado brasileiro, por apenas dois dos 18 membros do Comitê, em decisão desprovida de fundamentação. No mesmo sentido há precedente do Supremo Tribunal da Espanha que, em caso semelhante, não observou medida cautelar do mesmo Comitê, por entender que tais medidas não possuem efeito vinculante, apesar de servirem como referência interpretativa para o Poder Judiciário. O Tribunal espanhol afirmou, ainda, que, no caso de medidas cautelares, até mesmo a função de orientação interpretativa é limitada, sobretudo quando as medidas são adotadas sem o contraditório.

7.2. Do ponto de vista material, tampouco há razão para acatar a recomendação. O Comitê concedeu a medida cautelar por entender que havia risco iminente de dano irreparável ao direito previsto no art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que proíbe restrições infundadas ao direito de se eleger. Porém, a inelegibilidade, neste caso, decorre da Lei da Ficha Limpa, que, por haver sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e ter se incorporado à cultura brasileira, não pode ser considerada uma limitação infundada ao direito à elegibilidade do requerente.

8. Verificada a incidência de causa de inelegibilidade, deve-se reconhecer a inaptidão do candidato para participar das eleições de 2018 visando ao cargo de Presidente da República. Para afastar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “e”, da LC nº 64/1990, seria necessário, nos termos do art. 26-C da LC nº 64/1990, que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra a decisão do TRF da 4ª Região suspendesse, em caráter cautelar, a inelegibilidade, o que não ocorreu no caso.

9. Devem ser igualmente rejeitadas as teses da defesa segundo as quais: (i) a causa de inelegibilidade apenas incidiria após decisão colegiada do Superior Tribunal de Justiça; (ii) a Justiça Eleitoral deveria evoluir no sentido de aumentar a profundidade de sua cognição na análise da incidência da inelegibilidade da alínea “e”; e (iii) o processo de registro deve ser sobrestado até a apreciação dos pedidos sumários de suspensão de inelegibilidade pelo STJ e pelo STF.

10. Desde o julgamento do ED-REspe nº 139-25, o Tribunal Superior Eleitoral conferiu alcance mais limitado à expressão “registro sub judice” para fins de aplicação do art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, fixando o entendimento de que a decisão colegiada do TSE que indefere o registro de candidatura já afasta o candidato da campanha eleitoral.  

11. Impugnações julgadas procedentes. Reconhecimento da incidência da causa de inelegibilidade noticiada. Registro de candidatura indeferido. Pedido de tutela de evidência julgado prejudicado.

12. Tendo esta instância superior indeferido o registro do candidato, afasta-se a incidência do art. 16-A da Lei nº 9.504/1997. Por consequência, (i) faculta-se à coligação substituir o candidato, no prazo de 10 (dez) dias; (ii) fica vedada a prática de atos de campanha presidencial pelo candidato cujo registro vem de ser indeferido; e (iii) determina-se a retirada do nome do candidato da programação da urna eletrônica.

 

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em julgar procedentes as impugnações apresentadas pela Procuradoria-Geral Eleitoral, pelo Partido Novo (NOVO) – Nacional, por Kim Patroca Kataguiri, pela Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos, por Wellington Corsino do Nascimento e por Marco Vinícius Pereira de Carvalho e parcialmente procedente a impugnação apresentada por Alexandre Frota de Andrade, declarar a inelegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva, com base no artigo 1º, inciso I, alínea e, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, e indeferir o pedido de registro de candidatura ao cargo de Presidente da República. Além disso, facultar à Coligação O Povo Feliz de Novo a substituição de Luiz Inácio Lula da Silva, no prazo de dez dias; vedar a prática de atos de campanha do candidato com pedido de registro indeferido, em especial a veiculação de propaganda eleitoral relativa à campanha presidencial no rádio e na televisão; determinar a retirada do nome de Luiz Inácio Lula da Silva da programação da urna eletrônica; por fim, julgar prejudicada a tutela de evidência requerida pelo Partido Novo (NOVO) – Nacional.

 

Brasília, 1º de setembro de 2018.
                       

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – RELATOR

 

   QUESTÃO DE ORDEM

 

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Senhora Presidente, pelo que eu entendi, no momento em que Vossa Excelência apregoou os processos, serão julgados todos os casos de impugnação para decisão única?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Isso.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Isso não é uma questão de ordem. Não me parece.

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): A questão de ordem é só para consignar que a defesa entende que os processos não estão prontos para julgamento – apresentamos a defesa e as outras partes não apresentaram manifestação ainda.

Conforme precedentes desta Casa, nesta linha, só há um resultado válido: o indeferimento do registro da candidatura Lula. Se houver o deferimento, ele é nulo, porque as partes não falaram sobre a nossa defesa, conforme precedente desta Casa, inclusive no caso Geraldo Alckmin, julgado antes. Esta é a questão de ordem. Não penso que deva ser um prazo de 5 (cinco) dias nem de 3 (três), pode ser um prazo de até 48 horas. Mas terminamos o rito e o Direito tem seu tempo e seus ritos, como diz Vossa Excelência.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Pois não, Doutor Luiz Fernando Casagrande. Na verdade, não seria propriamente uma questão de ordem, porque nós é que formulamos a questão de ordem. Mas seria, pela ordem, a ponderação que Vossa Excelência faz ao Colegiado.

Ministro Luís Roberto Barroso, Vossa Excelência trouxe o processo desta forma e eu – atendendo ao pedido de Vossa Excelência, como não poderia deixar de fazer, o relator que ordena o processo e faz os encaminhamentos devidos – incluí o feito em pauta, conforme solicitado por Vossa Excelência.

 

ESCLARECIMENTO

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Obrigado, Senhora Presidente. Farei o relatório, ouvirei todas as sustentações e depois enfrentaremos as questões que sejam suscitadas pelos ilustres advogados.

Quero deixar claro que desde o início do processo eleitoral eu estabeleci como critério pessoal – e penso que os demais ministros de uma maneira geral também o fizeram – a definição dos registros de candidatura até a data de hoje, até o momento anterior ao início do horário eleitoral gratuito.

De fato, dos processos sob minha relatoria, já foram apreciados os casos do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), da Coligação formada pelo Partido Verde e Rede Sustentabilidade, bem como do Partido Democracia Cristã (PSDC).

Pelos demais ministros já foram apreciados os pedidos de registro da Coligação Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil, do Partido Novo, do Patriota Nacional, da Coligação Brasil Soberano, da Coligação Mudança de Verdade, do Partido Pátria Livre, da Coligação Essa É a Solução e da Coligação Para Unir o Brasil.

Ficou pendente de apreciação um único caso, que foi o caso da Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos, pela circunstância de que, precisamente nesta semana, houve a troca de relator, em que saiu do Tribunal, por expiração do mandato, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho e entrou o eminente Ministro Og Fernandes. Portanto, não houve condições processuais, em razão da troca, neste único caso, de definição de todos os registros de candidato até o momento anterior ao início do horário gratuito de propaganda na televisão.

Portanto, o critério que adotei – e que a generalidade dos ministros adotou – foi o de ter essa matéria definida até o início da campanha no horário eleitoral gratuito. Critério que apliquei a todos os pedidos que me chegaram às mãos.

 

ESCLARECIMENTO

 

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Senhores Ministros, há três impugnantes com pedido de sustentação oral: o Partido Novo e outro; a Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos e o Ministério Público Eleitoral.

O Ministério Público Eleitoral tem prazo garantido de dez minutos, nos termos do art. 46 da Res.-TSE nº 23.548/2017, por isso vou assegurar o prazo de dez minutos à Procuradora-Geral Eleitoral, Doutora Raquel Dodge.

Aos dois outros impugnantes, vou dobrar o prazo e dividir entre os dois. Ou seja, cada um terá dez minutos para manifestação. E vou assegurar, pela paridade e considerado o precedente do Recurso Especial Eleitoral nº 151-05/AM, julgado em 17.12.2014, a igualdade de prazo. Então, para o impugnado, vou assegurar tam

 

bém os trinta minutos, quinze minutos para cada procurador.

 

QUESTÃO DE ORDEM

 

A DOUTORA MARILDA DE PAULA SILVEIRA (advogada): Senhora Presidente, com todo respeito, o Partido Novo gostaria de observar que, diante da omissão do Regimento do TSE, dever-se-ia aplicar, como se aplicam em todos outros casos aqui do Tribunal – exceto esse único de Coari –, o artigo 132 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que dobra o prazo e divide. Senão, a partir de hoje, todos os recursos deste Tribunal que tiverem mais de uma impugnação e só um recorrido terão prazo equiparado.

Então haverá casos de quarenta minutos de sustentação oral. É por isso que o RI-STF prevê no art. 132.

Desculpe-me, muito obrigada.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Pois não. Parece-me que a proposta da Doutora Marilda de Paula Silveira seria que se assegurassem quantos minutos para o impugnado?

A DOUTORA MARILDA DE PAULA SILVEIRA (advogada): Vinte minutos, conforme o artigo 132 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Dobra e divide por dois.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Qual é a proposta de Vossa Excelência, Senhora Presidente?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Trinta minutos, assegurar o mesmo tempo que estou assegurando para os impugnantes, com base em precedente desta Casa.

 

QUESTÃO DE ORDEM (distribuição de tempo para sustentação)

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Senhora Presidente, sem querer criar um precedente novo e eventual violação a entendimentos anteriores, considero que as circunstâncias deste caso justificam o encaminhamento na forma que Vossa Excelência propõe.

De modo que acompanho Vossa Excelência.

 

QUESTÃO DE ORDEM (distribuição de tempo para sustentação)

 

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, acompanho Vossa Excelência.

 

QUESTÃO DE ORDEM (distribuição de tempo para sustentação)

 

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI: Senhora Presidente, acompanho Vossa Excelência.

 

QUESTÃO DE ORDEM (distribuição de tempo para sustentação)

 

O SENHOR MINISTRO OG FERNANDES: Senhora Presidente, acompanho Vossa Excelência.

 

QUESTÃO DE ORDEM (distribuição de tempo para sustentação)

 

O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Senhora Presidente, acompanho Vossa Excelência.

 

QUESTÃO DE ORDEM (distribuição de tempo para sustentação)

 

O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO: Senhora Presidente, de acordo.

 

QUESTÃO DE ORDEM

 

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Senhora Presidente, com todo respeito, já que foi encaminhada a questão de ordem formulada pela Doutora Marilda, eu gostaria muito que a minha questão de ordem fosse encaminhada também em relação à suspensão do julgamento para intimação dos impugnantes.

Agradeço a atenção de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): A questão é enfrentada no voto do relator, Senhora Presidente.

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Ela precede, na opinião da defesa.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Obrigado, Doutor Luiz Fernando, mas a questão vai ser apreciada de forma específica.

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO: Senhora Presidente, trata-se de Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) apresentado em 15 de agosto de 2018 pela Coligação O Povo Feliz de Novo, integrada pelos partidos: Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Comunista do Brasil – PC do B e Partido Republicano da Ordem Social – PROS, nos termos da Res.-TSE nº 23.548/2017, no qual requer o registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018.

2. O requerimento foi acompanhado pelo formulário Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), que foi autuado como RCand nº 0600901-80.2018.6.00.0000, sob minha relatoria, e deferido por este Tribunal. Considerada a indivisibilidade da chapa majoritária e conforme o disposto no art. 33, § 2º, da Res.-TSE nº 23.548/2017, o presente pedido é associado ao Requerimento de Registro de Candidatura de Fernando Haddad ao cargo de Vice-Presidente da República nas Eleições 2018 (RCand nº 0600902-65.2018.6.00.0000), para julgamento conjunto.

3. Em petição de 15 de agosto (ID 300470), o requerente suscitou dúvida quanto à distribuição dos processos de registro de candidatura (RCand nº 0600901-80.2018.6.00.0000, RCand nº 0600903-50.2018.6.00.0000 e RCand nº 0600902-65.2018.6.00.0000), alegando suposta prevenção do Ministro Admar Gonzaga, em razão da prévia distribuição a ele de duas impugnações ao registro de candidatura do requerente (Pet nº 0600897-43.2018.6.00.0000 e Pet nº 0600898-28.2018.6.00.0000). Nesse contexto, em 16 de agosto de 2018, submeti referidos processos à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a quem compete dirimir dúvida quanto à distribuição, nos termos do art. 9º, e, do RITSE (despacho de ID 300538). No próprio dia 16 de agosto, a Ministra Rosa Weber proferiu decisão (ID 301000) em que manteve os autos sob a minha relatoria, por entender que, nos processos de registro de candidatura, a prevenção se dá para o relator do respectivo DRAP, o qual constitui o processo principal, conforme previsto no art. 33, I e II, da Res.-TSE nº 23.548/2017, de modo que “impugnações autuadas em apartado ao registro de candidatura não têm o condão de definir o juiz natural da causa”.

4. Em 17 de agosto de 2018, foi publicado o edital contendo os pedidos de registro, nos termos do art. 97 da Lei nº 4.737/1965 e do art. 35 da Res.-TSE nº 23.548/2017 (ID 300689).

5. O prazo legal de 5 (cinco) dias, previsto no art. 3º da Lei Complementar nº 64/1990 e no art. 35, § 1º, II, da Res.-TSE nº 23.548/2017, decorreu em 22.8.2018, com a apresentação de diversas impugnações e notícias de inelegibilidade. Em síntese, todas elas apontam que o requerente foi condenado criminalmente pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, pelos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, caput e V, da Lei nº 9.613/1998). Como consequência, alega-se que o requerente estaria inelegível, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010  (Lei da Ficha Limpa), a qual estabelece que:

Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo: (...)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela LC nº 135/2010)
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (Incluído pela LC nº 135/2010) (...)
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; (Incluído pela LC nº 135/2010)

6. Mais especificamente, foram apresentadas as seguintes impugnações, notícias de inelegibilidade e petições a respeito da possível incidência de causa de inelegibilidade sobre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva:

Impugnações

1) Impugnação de ID 300458, apresentada, em 15.8.2018, pela Procuradoria-Geral Eleitoral, em que requer, em síntese: (i) a juntada de prova documental (certidão do TRF da 4ª Região); (ii) a rejeição do requerimento de registro de candidatura; e (iii) a negativa do registro, nos termos do art. 15 da LC nº 64/1990;

2) Impugnação de ID 305095 (inicialmente autuada em apartado como Pet nº 0600898-28.2018.6.00.0000 e distribuída à relatoria do Min. Admar Gonzaga), apresentada, em 15.8.2018, por Alexandre Frota de Andrade, candidato a Deputado Federal pelo Partido Social Liberal – PSL, em que requer, em síntese, a procedência da impugnação para o fim de declarar inelegível o candidato, negando-lhe o pedido de registro de candidatura apresentado;

3) Impugnação de ID 305096 (inicialmente autuada em apartado como Pet nº 0600897-43.2018.6.00.0000 e distribuída por prevenção à relatoria do Min. Admar Gonzaga), apresentada, em 15.8.2018, por Kim Patroca Kataguiri, candidato a Deputado Federal pelo partido Democratas, em que requer, em síntese, (i) o conhecimento, de ofício, da inelegibilidade do impugnado, “concedendo, inaudita altera parte, a tutela de evidência pretendida”; (ii) a declaração de inelegibilidade do Impugnado, negando-lhe o registro de candidatura; e (iii) que se impeça que “o Impugnado pratique atos de campanha na forma do artigo 16-A, da Lei das Eleições”;

4) Impugnação de ID 300602/300605, apresentada, em 16.8.2018 (e ratificada em 17.8.2018 após a publicação do edital), pela Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos, integrada pelo PSL e pelo PRTB, e por Jair Messias Bolsonaro, candidato ao cargo de Presidente da República, em que requerem, em síntese, (i) a procedência da ação de impugnação para que seja reconhecida a inelegibilidade do candidato impugnado e (ii) o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355 do CPC;

5) Impugnação de ID 300969/300970, com pedido de tutela de evidência, apresentada, em 16.8.2018, pelo Partido Novo (NOVO) - Nacional, em que requer, em síntese: (i) “o deferimento de tutela de evidência para suspender os supostos direitos inerentes à sua inexistente pretensão de concorrer sub judice, notadamente: a) a realização de gastos de recursos oriundos de financiamento público (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC), b) a participação em debates (ou mesmo a menção de seu nome como candidato convidado a participar), c) a realização de qualquer tipo de propaganda eleitoral e d) a destinação de tempo para que participe da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão”; (ii) “a notificação do requerido para apresentação de defesa, independentemente do encerramento do prazo para todas as impugnações”; (iii) “a rejeição liminar do requerimento e consequente indeferimento do requerimento do registro de candidatura (RRC), nos termos do art. 322 do CPC, com a imediata suspensão dos supostos direitos inerentes à sua inexistente pretensão de concorrer sub judice”; e (iv) “que o prazo para defesa e o julgamento de cada ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC) tramite individualmente, sem a necessidade de se aguardar todo o transcurso do prazo para impugnação do RRC, tratando-se de questão exclusivamente de direito, pede-se o julgamento antecipado da lide”;

6) Impugnação de ID 301546 (inicialmente autuada como Pet nº 0600912-12.2018.6.00.0000), apresentada, em 19.8.2018, pelo cidadão Ernani Kopper;

7) Impugnação de ID 301636/301637, apresentada, em 20.8.2018, por Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes, candidato a Deputado Estadual pelo Partido Novo, em que requer, em síntese: (i) “a rejeição do requerimento de registro de candidatura, por falta de capacidade eleitoral passiva do impugnado e, também, pelo fato de o pedido de registro ser considerado, tecnicamente, como irregistrável”; (ii) a negativa do registro, nos termos do art. 15 da LC nº 64/1990; e (iii) a procedência da ação de impugnação;

8) Impugnação de ID 304846, apresentada, em 22.8.2018, por Marcos Aurélio Paschoalin, alegando ser candidato a Deputado Federal pelo partido PODE – Podemos de Minas Gerais, em que requer, em síntese: (i) “seja recebida e julgada a presente representação para impugnar o pedido de registro de candidatura, por ilegalidades e de abuso de poder”; (ii) “seja declarada a inelegibilidade do Impugnado, 24 horas após o prazo para apresentação ou não de defesa (§ 7º do art. 96), cumprindo-se a cassação imediata do direito político, nos termos do art. 15, inciso V, da Constituição, por improbidade administrativa, conferida pelo art. 37, § 4º, e, inciso XXI, especialmente ao anuir as ilícitas medidas provisórias 282 e 295, por não promover licitação, e fazer revisão geral da remuneração dos servidores públicos no ano da eleição”; e (iii) “a imposição de multa e a aplicação dos demais instrumentos jurídicos”;

9) Impugnação de ID 305088 (inicialmente autuada em apartado como Pet nº 0600941-62.2018.6.00.0000), apresentada, em 22.8.2018, por Wellington Corsino do Nascimento, candidato a Deputado Federal pelo partido Democratas no Distrito Federal, em que requer, em síntese, (i) “seja julgada procedente a presente impugnação de registro de candidatura para decretar inelegível o Requerido para concorrer ao pleito de 2018 ao cargo de Presidente da República do Brasil, (...) como também, decretá-lo impedido de participar de todo e qualquer ato de campanha política e (ii) o julgamento antecipado da lide;

10) Impugnação de ID 305167 (inicialmente autuada em apartado como Pet nº 0600951-09.2018.6.00.0000), apresentada, em 22.8.2018, por Marco Vinicius Pereira de Carvalho, candidato a suplente de Senador pelo Partido Social Liberal – PSL, e por Júlio César Martins Casarin, candidato a Deputado Estadual pelo Partido Social Liberal – PSL, em que requerem, em síntese, (i) o indeferimento do requerimento de registro de candidatura, por falta de capacidade eleitoral passiva; (ii) a negativa do registro nos termos do art. 15 da LC nº 64/1990; e (iii) o julgamento antecipado da lide.

Notícias de Inelegibilidade

1) Notícia de inelegibilidade de ID 301543, apresentada pelo cidadão Fernando Aguiar dos Santos (Pet nº 0600904-35.2018.6.00.0000);

2) Notícia de inelegibilidade de ID 301545, apresentada pelo cidadão Marcelo Feliz Artilheiro (Pet nº 0600908-72.2018.6.00.0000);

3) Notícia de inelegibilidade de ID 301547, apresentada pelo cidadão Guilherme Henrique Moraes (Pet nº 0600916-49.2018.6.00.0000);

4) Notícia de inelegibilidade de ID 304014/304113, apresentada pelo cidadão Ari Chamulera; e

5) Notícia de inelegibilidade de ID 305124 (inicialmente autuada em apartado como Pet nº 0600932-03.2018.6.00.0000), apresentada pelo cidadão Diego Mesquita Jaques.

Outros

1) Ação de Impugnação de Mandato Eletivo” de ID 305093 305094 (autuada em apartado como Pet nº 0600938-10.2018.6.00.0000), apresentada pela Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ);

2) Ação de Impugnação de Mandato Eletivo” de ID 305094 (autuada em apartado como Pet nº 0600936-40.2018.6.00.0000), apresentada pela Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ).

7. Em 23 de agosto de 2018, foi publicada a intimação do requerente para, no prazo de 7 (sete) dias, apresentar contestação às impugnações ao pedido de registro de candidatura, e se manifestar quanto às notícias de inelegibilidade apresentadas (ID 305381).

8. Em relação às notícias de inelegibilidade, a Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou pareceres (ID 301748 e ID 307400) nos quais apontou que, em todas elas, se noticia o mesmo fato que fundamenta a impugnação apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, qual seja, a condenação criminal do candidato Luiz Inácio Lula da Silva por órgão colegiado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Desse modo, a PGE manifesta-se pelo reconhecimento da causa de inelegibilidade noticiada e consigna que referidas notícias de inelegibilidade não possuem reflexos nas providências já adotadas pelo Ministério Público Eleitoral.

9. Em 30 de agosto de 2018, o impugnado apresentou contestação (ID 312580). Preliminarmente, aduz: (i) ilegitimidade ativa de Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes (candidato a deputado estadual) e Ernani Kopper (cidadão) para apresentarem impugnações (com necessidade de intimação do MPE para analisar se adotará as teses rechaçadas pelo não recebimento dessas manifestações); (ii) ausência de legitimidade e inadequação da via eleita em relação às ações de impugnação de mandato eletivo propostas pela Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ); e (iii) necessidade de intimação de Fernando Aguiar dos Santos e Marcelo Feliz Artilheiro para comprovação “do pleno gozo dos direitos políticos”.

10. Quanto ao pedido de tutela da evidência, sustenta que esse tipo de tutela não tem sido admitido em sede de impugnação a registro de candidatura e que não estão presentes os requisitos para sua concessão, especialmente tendo em vista que a decisão do Comitê de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) (“Comitê da ONU”) teria afastado a evidência (grau máximo de verossimilhança) exigida.

11. No mérito, sua alegação central consiste na tese de que a medida cautelar emitida pelo Comitê da ONU, em 17.8.2018, teria provocado a suspensão da inelegibilidade advinda da decisão condenatória proferida por órgão colegiado, constituindo fato superveniente, suficiente a afastar qualquer óbice à candidatura do requerente. Nessa linha de argumentação desenvolvida nos pareceres elaborados por Marcelo Peregrino Ferreira e Orides Mezzaroba e por André Ramos Tavares, a decisão do Comitê de Direitos Humanos equivaleria à decisão do art. 26-C da LC nº 64/1990, que permite a suspensão cautelar da inelegibilidade.

12. Segundo narra, em junho de 2016, o candidato formalizou representação individual perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU, alegando que a condução da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR violava os arts. 9º, 14, itens 1 e 2, e 17 do PIDCP. Relata que o Estado brasileiro foi formalmente comunicado dessa representação e, em janeiro de 2017, apresentou manifestação. Na sequência, em maio e em outubro de 2017, apresentou novas manifestações para rechaçar alguns pontos da peça do Estado brasileiro e atualizar o desenrolar do feito criminal. Aduz que, em setembro de 2017 e em abril de 2018, o Estado brasileiro enviou ao Comitê “observações adicionais”. Ainda em abril de 2018, o requerente, pela primeira vez, apresentou requerimento de medida de urgência, invocando o direito de ser candidato ao cargo de Presidente da República nas eleições de 2018, indeferido em 22.5.2018. Em 27.7.2018, considerando-se a proximidade do pleito eleitoral e a indefinição de sua situação jurídica, o requerente ingressou com novo pedido de tutela de urgência, deferido pelo Comitê em 17.8.2018.

13. O impugnado alega, em síntese, que a medida cautelar proferida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU possui força vinculante, entre outros, pelos seguintes fundamentos: (i) o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi ratificado na ordem internacional e aprovado, por meio de decreto legislativo, na ordem interna, sendo irrelevante a ausência de publicação de decreto presidencial para se atribuir força vinculante ao tratado internacional; (ii) o Estado brasileiro, embora tenha se manifestado no sentido de que o Protocolo Facultativo não está em vigor na ordem interna, reconheceu expressamente que isso não afeta sua validade internacional; (iii) cabe apenas ao Comitê – e não à Justiça Eleitoral – analisar se estão presentes os requisitos procedimentais para o recebimento de comunicação individual, podendo o Estado alegar o não preenchimento dos requisitos de admissibilidade junto ao próprio Comitê; (iv) cumpre à Justiça Eleitoral dar cumprimento à decisão proveniente de outros órgãos de jurisdição que repercutam em situação de inelegibilidade, em razão da incidência da Súmula nº 41/TSE; (v) as medidas cautelares emitidas pelo Comitê são de cumprimento obrigatório por força do princípio do pacta sunt servanda e da obrigação dos Estados em agir de boa-fé no âmbito internacional; e (vi) nem mesmo a suposta incompatibilidade com a Lei da Ficha Limpa poderia justificar a negativa de eficácia à decisão do Comitê da ONU, diante do status supralegal do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

14. Como teses subsidiárias, o candidato impugnado alega que: (i) é necessário aplicar, na interpretação do art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990, a recente leitura constitucional, delineada nos votos de alguns Ministros do STF, no sentido de que a execução provisória da pena deve se dar apenas a partir do julgamento pelo STJ; (ii) a jurisprudência do TSE que tem admitido o aumento da profundidade da cognição da Justiça Eleitoral relativamente à verificação da incidência de determinadas causas de inelegibilidade, como a da alínea g, deve se aplicar igualmente em relação à alínea e, tendo em vista que “a condenação de LULA está longe de ser ‘chapada’ ou incontroversa”; e (iii) caso não seja reconhecida a aptidão da decisão do Comitê para afastar a inelegibilidade no caso, é indispensável que o processo de registro seja sobrestado até a apreciação dos pedidos sumários de suspensão de inelegibilidade pelo STJ e pelo STF.

15. Em relação às demais causas de pedir apresentadas nos pedidos de impugnação, aduz serem totalmente improcedentes. Argumenta que: (i) o requerente não teve os seus direitos políticos suspensos (na forma do art. 14, § 3º, II, CF) em decorrência do início do cumprimento da pena; (ii) a atração da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990 só pode advir de condenação própria em ação por ato de improbidade administrativa, situação que não se comprovou em relação ao candidato; (iii) quanto ao art. 1º, I, i, LC nº 64/1990, o pedido é inepto; (iv) não há norma que exija a presença do pré-candidato em Convenção, não havendo violação ao art. 8º da Lei nº 9.504/1997; e (v) as certidões exigidas pela resolução aplicável foram integralmente apresentadas (ID 304144), estando atendido o previsto no art. 11, § 1º, VIII, da Lei nº 9.504/1997.

16. Quanto à necessidade de alegações finais e manifestação do Ministério Público, argumenta que o caráter sumário das ações eleitorais não pode significar mitigação ao direito à ampla defesa e ao contraditório. Por esse motivo, defende que, apesar de não ser necessária a produção de prova, é preciso que seja aberto prazo para que os impugnantes possam se manifestar sobre os argumentos da defesa, em especial a recomendação do Comitê da ONU, e para que a Procuradoria-Geral Eleitoral possa emitir parecer definitivo. Sustenta que se aplicam ao processo eleitoral os arts. 9º e 10 do CPC, que evitam a decisão surpresa.

17. Ao final, pede, em síntese: (i) a abertura de vistas às partes contrárias para se manifestarem acerca das teses impeditivas e extintivas suscitadas, além da documentação acostada e das preliminares de mérito arguidas, ainda que em sede de alegações finais; (ii) o indeferimento de todos os pedidos de provas requeridos pelos impugnantes, pugnando pelo julgamento antecipado da lide; (iii) abertura de prazo para alegação finais e, após, vistas à PGE para manifestação; (iv) rejeição da tutela de evidência requerida; (v) a extinção das impugnações de ID 301636 e ID 301546, sem resolução de mérito, em razão da ilegitimidade ativa dos impugnantes; (vi) o não recebimento das notícias de inelegibilidade de ID 301543 e ID 301545, em razão da ausência de comprovação de requisito essencial; (vii) o não recebimento das ações de impugnação de mandato eletivo de ID 305093 e ID 305094, por inadequação da via eleita e ilegitimidade ativa; (viii) sejam julgadas improcedentes as impugnações que restarem conhecidas, bem como as notícias de inelegibilidade que restarem recebidas e seja deferido o pedido de registro de candidatura formulado; e (ix) sucessivamente, sejam suspensos os presentes autos até que formulados e apreciados os pedidos sumários de suspensão de inelegibilidade no STJ e no STF.

18. A Seção de Gerenciamento de Dados Partidários (SEDAP) emitiu informação (ID 312661), na qual aponta que foram atendidos os requisitos da Res.-TSE nº 23.548/2017 (tendo em vista que apenas são exigidas certidões criminais do domicílio do candidato), mas anota que há impugnações e notícias de inelegibilidade no processo.

19. A Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou parecer final (ID 312600), manifestando-se no sentido do: (i) reconhecimento da ilegitimidade dos impugnantes Kim Patroca Kataguiri, Alexandre Frota de Andrade, Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes, Wellington Corsino do Nascimento, Marcos Aurélio Pachoalin, Marco Vinicius Pereira de Carvalho e Júlio Cesar Martins Cassarin, por não pertencerem à mesma circunscrição eleitoral do impugnado; (ii) julgamento antecipado do mérito (art. 355, I, do CPC/2015), uma vez que é desnecessária qualquer dilação probatória e a apresentação de alegações finais; (iii) reconhecimento da inelegibilidade do requerente, em razão de condenação criminal por órgão colegiado; e (iv) acolhimento do pedido de tutela da evidência formulado pelo Partido Novo ou, ainda, da tutela de urgência, diante do perigo de prejuízo ao erário, em razão dos valores que serão gastos na campanha de candidato inelegível. Como consequência, requer: (i) a devolução ao Tribunal Superior Eleitoral dos recursos destinados ao financiamento da campanha do candidato impugnado, até sua eventual substituição; (ii) a notificação do partido para proceder à substituição do candidato; (iii) a vedação da prática de atos de campanha, fixando-se multa para a hipótese de descumprimento; (iv) a vedação do uso do tempo no rádio e na televisão para a campanha eleitoral presidencial até a substituição do candidato impugnado; e (v) a retirada do nome do candidato da programação da urna eletrônica.

20. Em 30 de agosto de 2018, os autos vieram-me conclusos.

21. É o relatório.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Senhora Presidente, conforme relatado, o Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018 foi apresentado pela Coligação O Povo Feliz de Novo, integrada pelos partidos: Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Comunista do Brasil – PC do B e Partido Republicano da Ordem Social – PROS. A coligação teve seu Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) deferido no RCand nº 0600901-80.2018.6.00.0000, cabendo, portanto, a análise dos pedidos de registro que lhe são vinculados.

Introdução ao voto

2. Jamais previ ou desejei e, se dependesse de mim, teria evitado que o destino nos trouxesse até aqui. Mas a História tem os seus desígnios. E, nos momentos cruciais, cabe a cada um cumprir o seu papel da melhor maneira que é capaz. Homens públicos não se movem por vontades ou sentimentos privados. Do Bhagavad Gita a Immanuel Kant, a ética, a vida boa consiste em cumprir bem o próprio dever. Aqui estou para cumprir o meu.

3. Não tenho qualquer interesse ou preferência nessa vida que não seja o bem do Brasil. Nem pessoais, nem políticos, nem ideológicos. Minha única preocupação é a defesa das instituições – i.e., da Constituição e da democracia –, para que elas sirvam da melhor forma à nação brasileira.

4. Neste momento complexo e polarizado da vida nacional, sou absolutamente convencido de que a melhor alternativa para o bem do Brasil é que a Justiça Eleitoral esclareça, com celeridade, transparência e colegiadamente, qual será o quadro definitivo de candidatos à presidência da República, antes do começo do Horário Eleitoral Gratuito. Como é notório, esta é uma etapa importante, quando não decisiva da campanha eleitoral.

5. Por essa razão, respeitando todos os prazos obrigatórios legais, estou trazendo este processo para julgamento. Os fatos são notórios. Todos os argumentos dos impugnantes e do impugnado já estão postos. Não há qualquer razão para o Tribunal Superior Eleitoral contribuir para a indefinição e para a insegurança jurídica e política.

6. Destaco aqui, porque um juízo sem favor, que o impugnado, por seus advogados, utilizando todos os limites do prazo, como de seu direito, atuou com seriedade, extraordinária competência e fair-play.

7. Registro, por fim, que a Presidente, com a grandeza que a caracteriza, convocou esta sessão extraordinária a meu pedido, acatando a posição do relator do caso. É que, do contrário, em vez de julgar o registro de candidatura, eu teria de julgar sozinho, monocraticamente, o pedido de tutela de evidência, para decidir sobre a participação do candidato impugnado no Horário Eleitoral Gratuito. Desse modo, trazer este processo a julgamento foi uma decisão a favor da defesa, para permitir a apresentação de suas razões, fazer sua sustentação oral e receber uma decisão colegiada.

8. Antes de enfrentar as impugnações, passo a indicar as premissas da presente decisão, identificando-se o objeto do processo de registro de candidatura e os limites da competência do Tribunal Superior Eleitoral.

I. Algumas Premissas

Uma palavra sobre o Estado Democrático de Direito

 

9. Nos Estados Democráticos, o direito é criado pela política, mediante promulgação da Constituição e elaboração das leis. O poder constituinte originário é a expressão mais plena do poder político. Pela edição da Constituição Federal, o poder político se transforma em poder jurídico e a soberania popular se converte em supremacia da Constituição. A partir daí, a política continua a criar o direito pela via da legislação. Para dar equilíbrio a esse arranjo institucional, a política, após haver criado o direito, submete-se a ele. E o papel dos tribunais é aplicar o direito, tal como inscrito na Constituição Federal e na legislação. Assim, apesar das complexidades da conjuntura atual, considerando-se que a Constituição e a lei impõem uma solução inequívoca neste caso, não há dúvida de qual seja a coisa certa a se fazer.

 

A constitucionalidade e legitimidade democrática da Lei da Ficha Limpa

 

10. Em 4 de junho de 2010, foi editada a Lei Complementar nº 135/2010, apelidada de “Lei da Ficha Limpa”, que alterou a Lei Complementar nº 64/1990 (a “Lei das Inelegibilidades”) para, entre outras inovações, (i) inserir novas causas de inelegibilidade, (ii) aumentar o rol de crimes comuns que geram a inelegibilidade de quem os praticou; (iii) aumentar os prazos de inelegibilidade para 8 (oito) anos; e (iv) dispensar a exigência de trânsito em julgado das decisões judiciais para que incida a inelegibilidade, bastando a condenação por órgão colegiado. A Lei da Ficha Limpa buscou concretizar o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, que prevê que a lei deverá proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício de mandato eletivo. Seu propósito foi o de garantir o bom funcionamento da democracia, estimulando a identificação entre ética e política e assegurando que os mandatos representativos sejam disputados e ocupados por cidadãos íntegros e probos. Portanto, a própria Constituição Federal autorizou que o legislador regulamentasse causas de inelegibilidade baseadas na vida pregressa dos candidatos, restringindo, desse modo, o direito fundamental à elegibilidade.

11. A Lei da Ficha Limpa foi fruto, em verdade, de grande mobilização popular em torno do aumento da moralidade e probidade na política. Mais de 1,5 milhão de assinaturas foram colhidas para que se pudesse apresentar o projeto de lei de iniciativa popular ao Congresso Nacional. Além disso, a Lei foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal por expressiva votação, bem como sancionada pelo Presidente da República. A LC nº 135/2010 desfruta, desse modo, de elevada legitimidade democrática.

12. Não bastasse, a Lei da Ficha Limpa teve sua constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive no que se refere à sua mais significativa alteração: a admissão da incidência das causas de inelegibilidade após decisão do órgão colegiado e, portanto, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória. No julgamento da ADI nº 4.578 e das ADCs nºs 29 e 30 (Rel. Min. Luiz Fux, j. em 16.2.2012), o Supremo afirmou que a Lei da Ficha Limpa é integralmente compatível com a Constituição Federal e que, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), é afastada a razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo quando condenado por decisão prolatada por órgão colegiado.

 

O objeto e os limites dos processos de registro de candidatura

 

13. Uma vez estabelecidas na Constituição e na Lei das Inelegibilidades (com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa) as causas de inelegibilidade e definido o momento a partir do qual elas devem incidir (e.g., após a decisão do órgão colegiado), cabe à Justiça Eleitoral, nos processos de registro de candidatura, apenas enquadrar os fatos na previsão abstrata da norma. A atividade do juiz limita-se, nesse caso, a verificar se os fatos levados à sua apreciação se identificam com a hipótese de incidência prevista na lei. Isto é, se incide sobre o cidadão alguma causa que o impeça de se candidatar a cargo eletivo. Não compete à Justiça Eleitoral questionar se a decisão proferida pelo órgão colegiado está correta ou equivocada. Esse entendimento é pacífico na jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, sendo, inclusive, objeto da Súmula nº 41/TSE, que dispõe que “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade”.

14. O papel do Tribunal Superior Eleitoral nos processos de registro de candidatura sob sua competência originária – como é o caso dos registros dos candidatos aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República – é, assim, limitado. Sua competência envolve apenas, em primeiro lugar, a verificação do preenchimento das condições de elegibilidade, isto é, os requisitos de caráter positivo, previstos no art. 14, § 3º, da Constituição, que incluem: (i) a nacionalidade brasileira; (ii) o pleno exercício dos direitos políticos; (iii) o alistamento eleitoral; (iv) o domicílio eleitoral na circunscrição; (v) a filiação partidária; e (vi) a idade mínima. E, em segundo lugar, a análise da incidência, em cada caso, de quaisquer das causas de inelegibilidade, isto é, os requisitos de caráter negativo previstos na Constituição e na Lei das Inelegibilidades (alterada pela Lei da Ficha Limpa).

 

O devido processo legal nos processos de registro de candidatura

 

15. Para aferir tais requisitos no âmbito dos processos de registro de candidatura, a lei eleitoral prevê um rito específico. A LC nº 64/1990, regulamentada pela Res.-TSE nº 23.548/2017, exige que os candidatos, partidos e coligações apresentem uma série de informações e documentos comprobatórios da elegibilidade do candidato. Além disso, faculta-se que, no prazo de 5 (cinco) dias contados da publicação de edital contendo os pedidos de registro, qualquer candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público apresente impugnação ao registro de candidatura, bem como que qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos possa dar notícia de inelegibilidade1. A esse rito, aplicam-se, de forma supletiva e subsidiária, as regras do Novo CPC, nos termos do parágrafo único do art. 2º da Res.-TSE nº 23.478/2010.

16. O rito específico para o julgamento do processo de registro de candidatura e das eventuais impugnações apresentadas é informado pelo princípio da celeridade, princípio essencial do Direito Processual Eleitoral e que se aplica com maior vigor nos processos de registro de candidatura. Isso porque, em respeito à soberania popular, ao regime democrático, à moralidade para o exercício do mandato eletivo e à própria segurança jurídica, é preciso definir, com a maior brevidade possível, quais candidatos preenchem os requisitos constitucionais e legais para que possam legitimamente disputar as eleições. Não à toa, o art. 16 da LC nº 64/1990 prevê que os prazos relativos ao processo de registro de candidatura “são peremptórios e contínuos e (...) não se suspendem aos sábados, domingos e feriados”.

17. Portanto, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral, com a plena observância do devido processo legal e com a maior celeridade possível, verificar se o candidato ou a candidata reúne todas as condições de elegibilidade e se incorre em quaisquer das causas de inelegibilidade. Caso lhe falte alguma condição de elegibilidade e/ou incida em qualquer causa de inelegibilidade, deve o TSE obrigatoriamente indeferir o registro. Não há outra solução possível.

18. Feitos esses breves esclarecimentos, passo ao exame das impugnações e notícias de inelegibilidade apresentadas. 

II. Julgamento das impugnações e notícias de inelegibilidade

19. Nos termos do relatório, foram apresentadas diversas impugnações e notícias de inelegibilidade em face do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, as quais devem ser julgadas, juntamente com o pedido de registro do candidato, em uma só decisão, conforme prevê o art. 54 da Res.-TSE nº 23.548/20172.

Preliminares

20. De início, não conheço das “ações de impugnação de mandato eletivo” de ID 305093 e ID 305094, ambas apresentadas pela Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ), por ausência de legitimidade ativa e inadequação da via eleita, conforme sustentado na contestação do candidato impugnado.  

21. Em relação às impugnações, afasto a alegação de ilegitimidade ativa de Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes, candidato a Deputado Estadual, para apresentar impugnação, e deixo de acolher a tese manifestada no parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) no sentido de que o direito de impugnação pressupõe que a candidatura do impugnante pertença à circunscrição eleitoral do impugnado. Nos termos do art. 3º da LC nº 64/1990, “caberá a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do pedido de registro do candidato, impugná-lo em petição fundamentada”. Não tendo a lei limitado a legitimidade ativa dos candidatos impugnantes, penso que não cabe à Justiça Eleitoral fazê-lo. Até mesmo porque isso restringiria demasiadamente a possibilidade de apresentação de impugnações em eleições presidenciais, tendo em vista que apenas os candidatos aos cargos de Presidente e Vice-Presidente seriam parte legítima para impugnar os registros de candidatura. Nesse sentido é a jurisprudência tradicional do TSE, que tem afirmado que a legitimidade para a propositura de ação de impugnação independe do cargo disputado (RO nº 161660, Rel. Min. Arnaldo Versiani, j. em 31.8.2010; REspe nº 36150, Rel. Min. Henriques Ribeiro de Oliveira).

22. Entendo, porém, que tem razão a PGE, ao exigir que o impugnante tenha solicitado seu registro de candidatura. A Lei, como se viu, confere legitimidade ativa para apresentar ação de impugnação apenas aos candidatos. Os cidadãos, a seu turno, têm a possibilidade de apresentar notícia de inelegibilidade (art. 42 da Res.-TSE nº 23.548/2017). Como resultado, recebo como notícias de inelegibilidade (i) a Impugnação de ID 304846 apresentada por Marco Aurélio Paschoalin, ante a ausência de comprovação de sua condição de candidato, e (ii) a Impugnação de ID 301546 apresentada pelo cidadão Ernani Kopper. 

23. Ademais, conheço das impugnações de ID 300458 (apresentada pela Procuradoria-Geral Eleitoral), ID 300602/300605 (apresentada pela Coligação“Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos e por Jair Messias Bolsonaro), ID 300969 (apresentada pelo Partido Novo – Nacional), ID 301637 (apresentada por Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes), ID 305088 (apresentada por Wellington Corsino do Nascimento), ID 305095 (apresentada por Alexandre Frota de Andrade), ID 305096 (apresentada por Kim Patroca Kataguiri) e ID 305167 (apresentada por Marco Vinicius Pereira de Carvalho). Seus autores têm legitimidade ativa, uma vez que são candidatos nas eleições de 2018, e as impugnações foram propostas tempestivamente. Em relação às impugnações de ID 300458 (apresentada pela Procuradoria-Geral Eleitoral), ID 305095 (apresentada por Alexandre Frota de Andrade) e ID 305096 (apresentada por Kim Patroca Kataguiri), o fato de elas terem sido protocoladas antes da publicação do edital contendo os pedidos de registro (e, logo, da abertura do prazo para impugnação) não constitui óbice ao seu conhecimento. Isso porque tais ações foram propostas após os impugnantes terem tomado conhecimento do pedido de registro de candidatura do requerente, o que é aferido pelo horário do protocolo. Nesse sentido, o TSE já assentou que “a impugnação ajuizada antes da publicação do edital alusivo ao registro é tempestiva, quando evidenciada a ciência prévia da candidatura pelo impugnante” (REspe nº 26.418, Rel. Min. Luciana Lóssio, j. em 10.10.2013).

24. Em relação às notícias de inelegibilidade, como os noticiantes Fernando Aguiar dos Santos e Marcelo Feliz Artilheiro não fizeram prova de pleno gozo dos direitos políticos, entendo que é o caso de não recebê-las. Ressalto, porém, que não há prejuízo, pois a causa de inelegibilidade noticiada por ambos também é objeto das impugnações e demais notícias de inelegibilidade conhecidas.  

 

Julgamento antecipado do mérito

 

25. Conforme consta do relatório, todas as impugnações e notícias de inelegibilidade apresentadas tratam de uma mesma questão: elas alegam que incide sobre o candidato requerente a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010, tendo em vista ter ele sido condenado criminalmente por órgão colegiado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

26. Foram juntadas ao processo de registro de candidatura, entre outras, as seguintes provas documentais da incidência da inelegibilidade arguida: (i) certidão narratória da Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (TRF 4ª Região) (ID 300458); (ii) sentença condenatória proferida pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba nos autos da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (ID 300612); (iii) acórdão da Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, proferido pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ID 300974 e ID 300613); (iv) acórdão dos primeiros embargos de declaração na Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (ID 300975 e ID 300614); (v) acórdão dos segundos embargos de declaração na Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (ID 300976 e ID 300615); (vi) decisão de indeferimento do pedido de atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário interpostos por Luiz Inácio Lula da Silva relativamente ao acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região (ID 300981); (vii) decisão monocrática do Ministro Felix Fischer, do STJ, de indeferimento do pedido de tutela provisória, visando à atribuição de efeito suspensivo ao REsp interposto pelo requerente contra o acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região (ID 300983); e (viii) acórdão da 5ª Turma do STJ que desproveu o agravo interno interposto em face da decisão monocrática do Ministro Felix Fischer que negou o pedido de tutela provisória (ID 300984).

27. Embora alguns impugnantes tenham protestado pela produção de provas documentais e testemunhais (e.g., Alexandre Frota de Andrade, Marcos Aurélio Paschoalin e Ernani Kopper), entendo que as providências requeridas são desnecessárias, de modo que as indefiro. A incidência da inelegibilidade no caso é matéria eminentemente de direito, a ser examinada a partir do enquadramento dos fatos – a condenação criminal transitada em julgado, comprovada pelos documentos já acostados aos autos – na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010. Portanto, considerado o princípio da celeridade, não há necessidade de realização de dilação probatória. Nesse sentido é a previsão do art. 5º da LC nº 64/1990, que dispõe que “decorrido o prazo para contestação, se não se tratar apenas de matéria de direito e a prova protestada for relevante, serão designados os 4 (quatro) dias seguintes para inquirição das testemunhas do impugnante e do impugnado, as quais comparecerão por iniciativa das partes que as tiverem arrolado, com notificação judicial”. A respeito, confiram-se os seguintes julgados: AgR-AI nº 147-38, Rel. Min. Rosa Weber; AgR-REspe nº 72-10/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, que afastam a alegação de cerceamento de defesa no indeferimento de pedidos de provas nesses casos.

28. Ademais, não há razão para abrir prazo para a apresentação de alegações finais, uma vez que: (i) não havendo provas a serem produzidas, não se justifica nova manifestação das partes; e (ii) os documentos apresentados pelo requerente em sua contestação, notadamente a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, além de se referirem a fatos notórios amplamente debatidos pela mídia, não são capazes de alterar a solução jurídica do caso, de modo que não há prejuízo3.

29. Nos termos do art. 6º da LC nº 64/1990, “encerrado o prazo da dilação probatória, nos termos do artigo anterior, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 5 (cinco) dias”. Nesse sentido, a jurisprudência do TSE afirma que, inexistindo dilação probatória, não constitui cerceamento de defesa a não abertura de oportunidade para apresentação de alegações finais, ainda quando o impugnado tenha juntado documentos novos. Isso porque, nesse caso, as alegações finais são facultativas e a decretação da nulidade depende de demonstração de efetivo prejuízo à parte. Tal entendimento vigora de longa data e foi recentemente reiterado. A respeito, confiram-se: o AgR-REspe 286-23, Rel. Min. Henrique Neves, j. em 28.11.2016; e o REspe 166-94, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 19.9.2000:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DEFERIMENTO. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSO ESPECIAL. COLIGAÇÃO IMPUGNANTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. IMPROCEDÊNCIA.
1. Este Tribunal já decidiu que "o artigo 6º da Lei Complementar nº 64/90 estabelece apenas a faculdade - e não a obrigatoriedade - de as partes apresentarem alegações finais. Em observância do princípio da economia processual, é permitido ao juiz eleitoral, nas ações de impugnação ao registro de candidatura, e passada a fase de contestação, decidir, de pronto, a ação, desde que se trate apenas de matéria de direito e as provas protestadas sejam irrelevantes" (REspe 166-94, rel. Min. Maurício Corrêa, PSESS em 19.9.2000).
2. Se é certo que o impugnante, em regra, tem inequívoco direito de se manifestar sobre documentos apresentados pelo candidato com a contestação, a decretação da nulidade, no caso, esbarra no fato de a Corte de origem ter expressamente indicado que os documentos em questão nada agregariam ao deslinde da causa. A nulidade não deve ser declarada sem que haja demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219, caput, do Código Eleitoral.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(REspe 28623, Rel. Min. Henrique Neves, j. em 28.11.2016; grifou-se)

RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. IMPUGNAÇÃO. VÍCIOS PROCEDIMENTAIS. INEXISTÊNCIA.
1. O artigo 6° da Lei Complementar n° 64/90 estabelece apenas a faculdade - e não a obrigatoriedade - de as partes apresentarem alegações finais. Em observância do princípio da economia processual, é permitido ao juiz eleitoral, nas ações de impugnação ao registro de candidatura, e passada a fase de contestação, decidir, de pronto, a ação, desde que se trate apenas de matéria de direito e as provas protestadas sejam irrelevantes. (...)
Recurso especial não conhecido.
(REspe nº 16694, Rel. Min. Maurício José Corrêa, j. em 19.9.2000)

30. Como resultado, todas as impugnações conhecidas podem ser julgadas no estado em que se encontram. Constatando-se que a questão a ser decidida é meramente de direito e que a incidência da causa de inelegibilidade, em razão da condenação criminal por órgão colegiado, já está devidamente provada nos autos e é incontroversa, impõe-se o julgamento antecipado de mérito. Da mesma forma, o sentido e o alcance a serem dados à manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU constitui matéria exclusivamente de direito. Assim sendo, nos termos do art. 355, I, do CPC4, aplicado subsidiariamente ao processo eleitoral, “o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando (...) não houver necessidade de produção de outras provas”.

31. Ressalte-se aqui, igualmente, que este Tribunal Superior já afirmou que “inexiste cerceamento de defesa quando o magistrado decide julgar antecipadamente a lide, entendendo ser desnecessário produzir quaisquer outras provas, porque todos os elementos fático-probatórios necessários à solução da controvérsia estão presentes nos autos” (REspe nº 5286, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 23.10.2012). Na mesma linha de autorizar o julgamento antecipado do mérito e afastar a alegação de nulidade e cerceamento de defesa ante o indeferimento do pedido de produção de provas, confiram-se os seguintes precedentes do TSE: RO 2148-07, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 2.3.2011; e REspe 5462-63, Rel. Min. Marcelo Henriques, j. em 6.10.2010.

 

Mérito

 

32. Segundo alegam os impugnantes e noticiantes e conforme comprovam os documentos juntados aos autos, o candidato requerente foi condenado criminalmente pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, pelos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, caput e V, da Lei nº 9.613/1998).

33. A LC nº 135/2010 (a Lei da Ficha Limpa) estabelece que são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (...) 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (...)”.

34. Como consequência, verificada a condenação criminal do candidato impugnado por órgão colegiado, há a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa. Deve-se, assim, reconhecer a inaptidão do candidato para participar das eleições de 2018 visando ao cargo de Presidente da República.

35. Como já se disse, não há margem na legislação brasileira para que o Tribunal Superior Eleitoral aplique solução diversa. A lei não confere ao TSE competência para analisar se a decisão criminal condenatória está correta ou equivocada. Muito pelo contrário. Está inclusive sumulado neste Tribunal o entendimento de que “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade” (Súmula nº 41/TSE). Para afastar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “e”, da LC nº 64/1990, seria necessário, nos termos do art. 26-C da LC nº 64/19905, que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra a decisão do TRF da 4ª Região conferisse efeito suspensivo ao recurso e suspendesse, em caráter cautelar, a inelegibilidade. No entanto, embora tal providência tenha sido requerida pelo impugnado por ocasião da interposição de seus recursos especial e extraordinário, não houve, até o presente momento, a suspensão liminar prevista no art. 26-C.

 

A medida cautelar do Comitê de Direitos Humanos da ONU:

Não afastamento da causa de inelegibilidade

 

36. Antes de concluir pelo indeferimento do pedido de registro de candidatura, enfrento a recente manifestação do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) a respeito do direito à elegibilidade do candidato Luiz Inácio Lula da Silva.

37. De acordo com o noticiado pelos meios de comunicação e conforme documentos juntados aos autos pela defesa, em 17 de agosto deste ano, o referido Comitê, criado em virtude do art. 28 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) para monitorar os compromissos assumidos pelos Estados-membros6, concedeu “medida cautelar” (interim measure), em resposta à petição protocolada em 27 de julho na comunicação individual nº 2.841/2016, por Luiz Inácio Lula da Silva. Na decisão, o Comitê, entendendo haver risco iminente de dano irreparável ao direito “de votar e ser eleito” previsto no art. 25 do Pacto7, solicitou ao Estado brasileiro que assegure a Luiz Inácio Lula da Silva: (i) o exercício, mesmo durante a prisão, de seus direitos políticos como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado aos meios de comunicação e aos membros de seu partido; e (ii) o direito de concorrer nas eleições de 2018 até que todos os recursos pendentes sejam julgados em um processo justo e a condenação tenha se tornado definitiva. Um dos peritos independentes que concedeu a medida cautelar esclareceu, publicamente, ainda, que o mérito da questão somente será julgado no ano que vem8.

38. A tese central do candidato requerente é a de que tal medida cautelar (interim measure) teria provocado a suspensão da inelegibilidade advinda da decisão condenatória proferida por órgão colegiado, constituindo fato superveniente, suficiente a afastar qualquer óbice à candidatura do requerente, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Sobre o tema, a defesa apresentou pareceres dos doutores Marcelo Peregrino Ferreira e Orides Mezzaroba, André Ramos Tavares e Fábio Konder Comparato. Apesar de relevantes, suas considerações, em especial a defesa da força vinculante das orientações emitidas pelo Comitê e a necessidade de suspensão da inelegibilidade com fundamento no art. 26-C da LC nº 64/1990, não podem ser acolhidas, pelos argumentos que passo a expor.

39. Há, no caso, diversos argumentos de natureza formal que afastariam, de plano, qualquer alegação no sentido de que o Tribunal Superior Eleitoral estaria obrigado a seguir a orientação do Comitê da ONU. Cito, em especial, (i) a ausência de força vinculante das recomendações emitidas pelo Comitê de Direitos Humanos9; (ii) a não incorporação do Primeiro Protocolo Facultativo ao PIDCP na ordem interna brasileira; e (iii) aspectos procedimentais da medida cautelar concedida.

40. Em primeiro lugar, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é órgão administrativo, sem competência jurisdicional, composto por 18 peritos independentes. Por esse motivo, suas recomendações, mesmo quando definitivas – o que não é o caso –, não têm efeito vinculante10. Em segundo lugar, o Primeiro Protocolo Facultativo ao PIDCP, que prevê a possibilidade de o Comitê de Direitos Humanos da ONU receber comunicações individuais, não foi incorporado na ordem interna brasileira (o que não impede, por certo, que ele seja levado em conta como uma manifestação de vontade no plano internacional11). Embora ratificado internacionalmente e aprovado pelo Decreto Legislativo nº 311/2009, referido protocolo não foi promulgado e publicado por meio de Decreto Presidencial. De acordo com a jurisprudência ainda prevalente no Supremo Tribunal Federal, trata-se de etapa indispensável à incorporação dos tratados internacionais no âmbito interno, conferindo-lhes publicidade e executoriedade12.

41. Por fim, há aspectos procedimentais da medida cautelar (interim measure) emitida em 17.8.2018, que obstaculizam sua incorporação automática e acrítica. A orientação foi proferida: (i) no âmbito de comunicação protocolada antes do esgotamento de todos os recursos internos disponíveis, o que é requisito de admissibilidade da própria comunicação individual, nos termos dos arts. 2º13 e 5º, 2, b14, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; (ii) sem a prévia oitiva do Estado brasileiro em relação à petição de 22.7.201815, o que impede que o Comitê tenha à sua disposição todos os elementos de fato e de direito para a análise da questão16; (iii) por apenas dois dos 18 membros do Comitê, os relatores especiais sobre novas comunicações e medidas provisórias, Sara Cleveland (EUA) e Olivier de Frouville (França); (iv) sem fundamentação a respeito do risco iminente de dano irreparável ao direito previsto no art. 25 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP); e (v) com previsão de julgamento final do mérito da questão, pelo Comitê, somente no ano que vem, i.e., após as eleições, quando os fatos já estarão consumados e serão de difícil ou traumática reversão.

42. No Direito Comparado, há, inclusive, precedente recente do Supremo Tribunal da Espanha, em decisão proferida em caso semelhante ao presente, que reforça o argumento da ausência de força vinculante da decisão do Comitê17. Nesse caso, o Comitê de Direitos Humanos da ONU proferiu medida cautelar similar à ora discutida, objetivando garantir o exercício dos direitos políticos previstos no art. 25 do Pacto pelo deputado catalão Jordi Sánchez, que se lançou candidato à Presidência do governo da Catalunha, embora detido sob a acusação de ser o responsável por atos de violência ocorridos durante o referendo de independência da Catalunha. Em 12.4.2018, o Supremo Tribunal de Espanha negou pedido do Deputado de saída da prisão para participação da sessão de investidura, afirmando que as recomendações do Comitê de Direito Humanos da ONU não possuem efeito vinculante, apesar de servirem como referência interpretativa para o Poder Judiciário. O Tribunal afirmou, ainda, que, no caso de medidas cautelares, até mesmo a função de orientação interpretativa é mais limitada, sobretudo quando as medidas são adotadas sem o contraditório, quando se desconhece a versão do Estado.

43. Portanto, consigno que a Justiça Eleitoral não está obrigada a dar cumprimento à orientação do Comitê de Direitos Humanos da ONU. No entanto, em atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional e à necessidade de se instaurar um diálogo com os órgãos internacionais de proteção de direitos humanos para garantir a proteção de direitos fundamentais, entendo que o Tribunal Superior Eleitoral tem o dever de considerar os argumentos expostos pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, embora não esteja vinculado à determinação emitida18.

44. É possível aplicar a denominada doutrina da “margem de apreciação estatal"19, criada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Segundo essa doutrina, ao enfrentar uma medida estatal que alegadamente viola tratado internacional, deve-se atribuir aos Estados certa margem de apreciação na concretização das medidas que interfiram sobre sua ordem interna, de modo a preservar um espaço de liberdade para que os Estados integrem e concretizem as normas internacionais20. Ao exercer o dever de consideração do mérito da decisão dos tribunais e órgão internacionais de proteção de direitos humanos, os tribunais internos devem estar atentos não apenas à Constituição, manifestação mais plena da soberania popular, mas também às suas especificidades culturais e às inclinações da vontade política do seu povo que componham a cultura constitucional local21.

45. Pois bem. No caso, a medida cautelar emitida pelo Comitê tem como fundamento o risco de violação ao art. 25, b, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que prevê que “todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas: (...) b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores” (grifou-se). Entendo, porém, que não podem ser consideradas restrições infundadas ao direito de se eleger a incidência da causa de inelegibilidade instituída pelo art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa.

46. Como se viu, a LC nº 135/2010: (i) originou-se de projeto de lei de iniciativa popular que contou com mais de 1,5 milhão de assinaturas e foi aprovada com votação expressiva no Congresso Nacional; (ii) tem lastro no art. 14, § 9º, da Carta de 1988, que impõe a proteção da moralidade como valor para o exercício de mandato eletivo, considerada a vida pregressa do candidato; e (iii) teve sua constitucionalidade assentada pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a condenação criminal por um órgão colegiado, ainda sem o trânsito em julgado, constitui forte indício de fato desabonador da moralidade do cidadão para o exercício do mandato, autorizando a restrição ao direito à elegibilidade. Além disso, referida causa de inelegibilidade tem sido aplicada pela Justiça Eleitoral, de forma igualitária e impessoal, a todos os cidadãos condenados em decisão proferida por órgão judicial colegiado.

47. Portanto, a medida cautelar, na parte em que determina que o requerente não seja impedido de concorrer nas eleições de 2018 até o julgamento de todos os recursos pendentes de sua condenação criminal, não pode produzir efeitos em nossa ordem jurídica interna. Isso porque ela conflita com a LC nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), norma que, além de declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, seguramente atende às nossas particularidades culturais e à vontade política popular. Há de se reconhecer uma margem de apreciação estatal no caso, diante da impossibilidade de este Tribunal afastar a aplicação da legislação interna vigente, fruto da expressão da soberania popular, e alinhada às exigências constitucionais de moralidade e probidade para o exercício de cargos eletivos.

48. Em suma, apesar do respeito e consideração que merece, a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) quanto ao direito à elegibilidade do candidato Luiz Inácio Lula da Silva não pode ser acatada pelo Tribunal Superior Eleitoral, por motivos formais e materiais que se cumulam e podem ser assim resumidos:

(i) O protocolo que legitimaria a atuação do Comitê não foi incorporado ao ordenamento jurídico interno brasileiro; vale dizer, suas normas não estão em vigor entre nós;

(ii) Não foram esgotados os recursos internos disponíveis, conforme exigido pelos arts. 2º e 5º, 2, b, do Protocolo;

(iii) Não houve contraditório; isto é: ao governo brasileiro não foi concedida a oportunidade para apresentar informações sobre o pedido de medidas cautelares de 22.7.2018, apesar de a medida cautelar ter sido proferida 21 dias após a apresentação do pedido22;

(iv) A decisão, proferida por apenas dois dos 18 peritos independentes do Comitê, que só ouviram um dos lados da questão, teria a pretensão de se sobrepor às decisões condenatórias proferidas pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, bem como à decisão do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que afastaram a ilegalidade da prisão após decisão condenatória em 2ª instância, e isso sem qualquer fundamentação;

(v) A medida cautelar conflita com a Lei da Ficha Limpa, que, por ser compatível com a Constituição de 1988 e ter se incorporado à cultura brasileira, não pode ser considerada uma restrição infundada ao direito de se eleger previsto no art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; e

(vi) O Brasil é um Estado Democrático de Direito, com todas as instituições em funcionamento regular e Poder Judiciário independente. Juízes de 1ª e 2ª instância no país são providos nos seus cargos por critérios seletivos de caráter técnico, sem qualquer vinculação política. O requerente pode sustentar, valendo-se de todos os recursos cabíveis, a ocorrência de erro judiciário. Mas não se afigura plausível o argumento de perseguição política.

49. Ademais, o não cumprimento da recomendação proferida resta plenamente justificado diante do abalo institucional que poderia gerar. Afinal, a medida cautelar concedida interfere diretamente nas eleições do País, sem que haja qualquer pronunciamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre o mérito da comunicação individual levada à sua apreciação. O fato de o Comitê afirmar que sua decisão final sobre a existência ou não de violação ao art. 25 do PIDCP somente será proferida no próximo ano, quando as eleições brasileiras já terão se encerrado e o novo Presidente já terá tomado posse, cria o chamado periculum in mora inverso. Vale dizer: a orientação produziria uma situação consumada, de difícil ou traumática reversão, o que constitui mais um fundamento para não lhe dar cumprimento.

50. Por fim, destaco que a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, além de não ostentar caráter vinculante, não é equiparável a uma decisão judicial de afastamento da inelegibilidade proferida nos termos do art. 26-C23 da LC nº 64/1990. Isso porque a competência para a suspensão da inelegibilidade é atribuída com exclusividade aos órgãos colegiados dos tribunais aos quais couber a apreciação dos recursos interpostos contra o acórdão condenatório, quais sejam, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. Ademais, como ressaltado, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é um órgão administrativo, sem competência jurisdicional, circunstância que também afasta a equiparação pretendida pelo candidato.

 

Teses subsidiárias da defesa

 

51. Conforme relatado, o candidato traz três teses subsidiárias em sua defesa, que merecem ser enfrentadas. A primeira tese é a de que a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “e”, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa, deve ser interpretada de modo a considerar a incidência da causa de inelegibilidade somente após a eventual confirmação da condenação pelo Superior Tribunal de Justiça. O candidato argumenta que essa compreensão deve ser adotada em razão de alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, em julgamentos em que se discutia a constitucionalidade da execução provisória da pena, haverem proposto que o início do cumprimento da pena se desse apenas depois de decisão do Superior Tribunal de Justiça. A pretensão deve ser rejeitada.

52. Primeiramente, não há que se confundir a execução provisória da pena, questão relativa à execução penal, com a causa de inelegibilidade decorrente da condenação criminal por órgão colegiado. A inelegibilidade estará presente, a partir da condenação por órgão colegiado, independentemente de haver sido ou não determinada a execução provisória da pena. Vale dizer: o candidato seria inelegível mesmo que estivesse solto. Em segundo lugar, ainda que por argumentação se admitisse a vinculação entre ambos os institutos, o Supremo Tribunal Federal já assentou, em diferentes oportunidades, que a execução provisória da pena pode ser iniciada a partir do julgamento colegiado em segundo grau. Assim foi decidido no HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki (j. em 17.2.2016), no exame das medidas cautelares nas ADCs nº 43 e 44, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio e, novamente, em sede de repercussão geral, no ARE nº 964.246, Rel. Min. Teori Zavascki. No próprio HC nº 152.752 (Rel. Min. Edson Fachin, j. em 4.4.2018), em que Luiz Inácio Lula da Silva foi paciente, a questão foi discutida de forma exaustiva, afastando-se a proposta de que a execução provisória se iniciasse somente após decisão do Superior Tribunal de Justiça. Da mesma forma, este Tribunal Superior Eleitoral vem entendendo pela possibilidade da execução provisória da pena, nos mesmos moldes assentados pelo STF (HC 0600008-89, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 12.4.2018). Dessa forma, deve ser afastada a pretensão de ver aplicada interpretação do art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990, apoiando-se em corrente de pensamento que não prevaleceu, quer no Supremo Tribunal Federal, quer nesta Corte Superior.

53. A segunda tese é a de que a jurisprudência do TSE deveria evoluir no sentido de aumentar a profundidade da cognição da Justiça Eleitoral na análise da incidência da inelegibilidade da alínea “e”, tal como tem sido feito com relação a outras causas de inelegibilidade. Ao contrário do alegado na contestação, os requisitos previstos no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990 são eminentemente objetivos e não comportam qualquer margem de interpretação pelo juízo eleitoral. A referida norma prevê de forma expressa a incidência da hipótese de inelegibilidade àqueles que (i) tenham condenação pelos crimes nela especificados (ii) “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. A hipótese do art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990 se resolve, portanto, pela mera subsunção do fato à norma, não contendo termos ou conceitos indeterminados que necessitem de interpretação ou integração à luz de outras regras de direito. 

54. Tal hipótese difere, assim, dos requisitos previstos em outras alíneas que admitem uma cognição maior, por exemplo, com relação: (i) à configuração de ato doloso de improbidade administrativa (alíneas g e l) – hipótese que demanda a interpretação à luz das normas de direito administrativo, (ii) à existência de enriquecimento ilícito (alínea l) – que deve ser aferida diante das peculiaridades do caso concreto narradas na decisão da Justiça comum; e (iii) ao órgão competente para julgamento das contas (alínea g) – que depende do cargo ocupado pelo agente público e da interpretação da norma à luz do disposto no art. 71 da Constituição.

55. Desse modo, se o requerente tem uma condenação pelos crimes nele enumerados que tenha sido proferida por órgão judicial colegiado, deve a Justiça Eleitoral aplicar a inelegibilidade. Incide plenamente a Súmula nº 41/TSE, que dispõe que “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade”.

56. Por fim, a terceira tese subsidiária é a de que, caso não seja reconhecida a aptidão da decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU para afastar a inelegibilidade, é indispensável que o processo de registro seja sobrestado até a apreciação dos pedidos sumários de suspensão de inelegibilidade pelo STJ e pelo STF. Como relatado pelo próprio requerente na contestação (ID 312580, fl. 156), já foi indeferida pelo Superior Tribunal de Justiça cautelar fundada no art. 26-C da LC nº 64/1990. De fato, eventual decisão do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça no sentido de suspender a inelegibilidade do requerente poderia influenciar no julgamento deste processo, uma vez que, como já exposto, a Justiça Eleitoral está limitada à análise da existência ou não dos requisitos para o deferimento do registro de candidatura. No entanto, a não formulação e/ou apreciação de pedidos com fundamento no art. 26-C da LC nº 64/1990 não impede a análise do mérito do pedido de registro de candidatura, tendo em conta a necessária celeridade que informa este tipo de processo. Ademais, não é legítimo que o requerente busque o sobrestamento deste processo até que formule, dentro da sua conveniência, novos pedidos cautelares.

 

Improcedência das impugnações fundadas em outras causas de pedir

 

57. Quanto aos pedidos de impugnação fundados no art. 14, § 3º, II, da CF24; art. 1º, I, i e l25 da LC nº 64/1990; art. 8º da Lei 9.504/199726 e art. 11, § 1º, VII, da Lei nº 9.504/199727, assiste razão à defesa quanto à sua improcedência.

58. Em primeiro lugar, o art. 15, III, da Constituição28 veda expressamente a cassação de direitos políticos anteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória e enquanto seus efeitos durarem. Por esse motivo, o candidato preenche a condição de elegibilidade prevista no art. 14, § 3º, da Constituição de 1988, pois: (i) a condenação criminal ainda não transitou em julgado, como amplamente debatido nesse voto e (ii) o início do cumprimento da pena privativa de liberdade em nada interfere no ponto.

59. De outro lado, não há provas nos autos de que o candidato: (i) tenha atuado em funções de direção em “estabelecimento de crédito, financiamento ou seguro” sujeito à liquidação e (ii) tenha tido seus direitos políticos suspensos em decorrência de condenação com trânsito em julgado ou por órgão colegiado, em sede de ação de improbidade administrativa tendo como causa de pedir lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. As impugnações pautadas nas hipóteses previstas no art. 1º, I, i e l, da LC nº 64/1990 são, portanto, descabidas, por não terem os impugnantes se desincumbido do ônus de provar os fatos constitutivos do direito alegado29.

60. Quanto à ausência de Lula na convenção partidária, ressalto que o art. 8º da Lei nº 9.504/1997 não traz qualquer determinação de comparecimento do candidato ao ato e sequer aponta a impossibilidade de participação nas eleições daquele que não comparecer. Por fim, considerando que as certidões exigidas pela resolução aplicável foram integralmente apresentadas (IDs 300479-300487 e 304348), deve ser afastada a alegação de ofensa ao art. 11, § 1º, VII, Lei nº 9.504/1997.

 

Conclusão

 

61. Pelo exposto, diante (i) da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa; (ii) da impossibilidade de dar cumprimento à medida cautelar expedida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, pelos fundamentos acima; e (iii) da improcedência de todas as demais teses de defesa, voto pela procedência das impugnações formuladas e pelo reconhecimento da incidência da causa de inelegibilidade informada nas notícias de inelegibilidade. Como consequência, indefiro o pedido de registro de candidatura do candidato Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República nas eleições de 2018.

III. Requerimento de Registro de Candidatura

62. Passo ao exame dos demais requisitos relativos ao requerimento de registro de candidatura. Verifico que o formulário RRC foi devidamente preenchido, contando com as seguintes informações: (i) dados pessoais; (ii) dados para contato; (iii) dados do candidato, incluindo nome de urna, cargo eletivo que ocupa e a quais eleições já concorreu; e (iv) declaração de ciência de que deve prestar contas à Justiça Eleitoral (Res.-TSE nº 23.548/2017, art. 26). Ademais, conforme informação da Seção de Gerenciamento de Dados Partidários (SEDAP) (ID 312661), foram anexados os documentos exigidos, quais sejam: (i) relação atual de bens (ID 300491); (ii) fotografia recente (ID 300441); (iii) certidões criminais do domicílio do candidato (ID 300138, ID 304346, ID 300479, ID 300480 e ID 30081); (iv) prova de alfabetização (ID 300488); (v) cópia do documento oficial de identificação (ID 300489); e (vi) propostas defendidas pelo candidato (ID 301122) (Res.-TSE nº 23.548/2017, arts. 28 e 26, § 3º). Finalmente, com base nas informações constantes dos bancos de dados da Justiça Eleitoral, foi aferido o devido cumprimento dos requisitos legais referentes a: (i) filiação partidária, (ii) domicílio eleitoral, (iii) quitação eleitoral e (iv) inexistência de crimes eleitorais (Res.-TSE nº 23.548/2017, art. 29) (conforme informação de ID 312661).

63. Analisando-se as informações e os documentos apresentados, concluo que estão preenchidas as condições de elegibilidade previstas no art. 14, § 3º, da Constituição Federal. O requerente (i) tem nacionalidade brasileira, (ii) está em pleno exercício dos direitos políticos, (iii) é alistado como eleitor, (iv) possui domicílio eleitoral na circunscrição do pleito, (v) possui filiação partidária e (vi) atende à idade mínima de trinta e cinco anos, aferida na data da posse, para concorrer aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.

64. Contudo, a partir dos documentos apresentados, identifico a incidência de causa de inelegibilidade. Conforme analisado acima, há registro de condenação criminal em decisão proferida por órgão colegiado, de modo que o requerente encontra-se inelegível, nos termos do art. 1º, I, alínea e, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990.

65. Por fim, não verifico a ocorrência de homonímia (Res.-TSE nº 23.548/2017, art. 53).

IV. Efeitos da Decisão

66. Uma vez indeferido o pedido de registro de candidatura, impõe-se discutir os efeitos dessa decisão, à luz do que prevê o art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, incluído pela Lei nº 12.034/200930. O art. 16-A da Lei das Eleições autoriza o candidato cujo registro esteja sub judice a “efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição”.

67. No passado, o Tribunal Superior Eleitoral atribuía uma interpretação ampla à expressão “registro sub judice”, no sentido de candidatura cujo indeferimento fosse passível de alteração. Dessa forma, enquanto não transitada em julgado a decisão de indeferimento, o candidato permanecia na disputa eleitoral "por sua conta e risco". Nesse sentido: AgR-REspe nº 335-19/PE, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, j. em 28.10.2008; MS nº 87.714, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, j. em 4.10.2012; AgR-Rcl nº 876-29, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, j. em 4.10.2012.

68. Mais recentemente, porém, o Tribunal Superior Eleitoral conferiu alcance mais limitado à expressão, assentando que, após o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral que indefere o registro de candidatura, a candidatura não pode mais ser considerada sub judice, afastando-se a incidência do art. 16-A (ED-REspe nº 139-25, Rel. Min. Henrique Neves, j. em 28.11.2016). Nesse sentido, confiram-se os seguintes trechos da ementa do julgado:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO. CANDIDATO A PREFEITO. INDEFERIMENTO. EMBARGOS. OMISSÕES. ART. 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. [...]
2. A determinação da realização de nova eleição na hipótese em que o candidato eleito tem o registro de sua candidatura indeferido não é inconstitucional, pois privilegia a soberania popular e a democracia representativa.
3. A decisão da Justiça Eleitoral que indefere o registro de candidatura não afasta o candidato da campanha eleitoral enquanto não ocorrer o trânsito em julgado ou a manifestação da instância superior, nos termos do art. 16-A da Lei 9.504/97.
4. As decisões da Justiça Eleitoral que cassam o registro, o diploma ou o mandato do candidato eleito em razão da prática de ilícito eleitoral devem ser cumpridas tão logo haja o esgotamento das instâncias ordinárias, ressalvada a obtenção de provimento cautelar perante a instância extraordinária.
5. Na linha da jurisprudência desta Corte, consolidada nas instruções eleitorais, a realização de nova eleição em razão da não obtenção ou do indeferimento do registro de candidatura deve se dar após a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral. Interpretação sistemática dos arts. 16-A da Lei 9.504/97; 15 da Lei Complementar 64/90; 216 e 257 do Código Eleitoral.
6. É inconstitucional a expressão "após o trânsito em julgado" prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, por violar a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular.
7. Embargos de declaração acolhidos, em parte, para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão "após o trânsito em julgado" prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral. (...) (grifou-se)

69. Este precedente já revela que a interpretação da expressão “registro sub judice” não pode ocorrer de forma isolada. Ao contrário, deve harmonizar os interesses em conflito e garantir a coerência do sistema das inelegibilidades, sobretudo levando em conta: (i) a superveniente edição da Lei Complementar nº 135/2010, conhecida por Lei da Ficha Limpa; (ii) a abreviação do período de campanha eleitoral, empreendida pela minirreforma eleitoral do ano de 2015 (Lei nº 13.165/2015); e (iii) a declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal, da expressão “após o trânsito em julgado”, prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015, para a realização de nova eleição em razão da não obtenção ou do indeferimento do registro de candidatura.

70. Em primeiro lugar, a LC nº 135/2010 introduziu profundas modificações no sistema de inelegibilidades. Passou a ser suficiente, para a caracterização da causa de inelegibilidade, a existência de condenação proferida por "órgão colegiado", dispensando-se o trânsito em julgado. Assim ocorre, por exemplo, nos casos em que o candidato é condenado em decisão transitada em julgado ou "proferida por órgão colegiado" em processo criminal (art. 1º, I, e), em ação de improbidade administrativa (art. 1º, I, l) ou em ação que apure ilícitos eleitorais (art. 1º, I, d e j).

71. Por essa razão, o art. 1531 da LC nº 135/2010 dispõe que “transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por "órgão colegiado" que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido”. A exequibilidade da decisão no âmbito de processos de registro de candidatura ou de ação de investigação judicial eleitoral da qual resulta a inelegibilidade passou a ser imediata a partir da publicação do julgamento por órgão colegiado.

72. Dessa forma, a fim de que seja mantida a coerência do sistema, impõe-se reconhecer que o candidato deixa de ser considerado sub judice a partir do momento em que sobrevém decisão de órgão colegiado da Justiça Eleitoral (Tribunal Regional Eleitoral ou Tribunal Superior Eleitoral) em que o registro da candidatura é indeferido. Em outras palavras, se o candidato, até a decisão do órgão colegiado da Justiça Eleitoral, relativa ao registro de sua candidatura, não obtiver o afastamento da inelegibilidade no processo que a ela deu origem (art. 26-A32 da LC nº 64/1990) ou, pelo menos, a suspensão dos efeitos da decisão colegiada naquele mesmo processo (art. 26-C33 da LC nº 64/1990), não mais ostentará a condição de candidato sub judice, sendo-lhe, assim, inaplicável o art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, que autoriza a realização de atos relativos à campanha eleitoral e a manutenção de seu nome na urna eleitoral. Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes34:

Os efeitos atinentes à negativa e ao cancelamento de registro e à invalidação de diploma só surgem com o trânsito em julgado da sentença proferida pelo juiz eleitoral de 1º grau ou com a publicação do acórdão proferido por órgão colegiado no exercício de sua competência originária ou recursal. Para fins de cumprimento e concretização da decisão, não é necessário que se aguarde o trânsito em julgado do ato colegiado, bastando sua publicação. Tal solução harmoniza-se com as modificações introduzidas pela LC nº 135/10, que alterou substancialmente a sistemática relativa às inelegibilidades.
Assim, até antes do trânsito em julgado da sentença ou da publicação do acórdão denegatório de pedido de registro de candidatura prolatado pelo órgão colegiado, poderá o candidato prosseguir em sua campanha (LE, art. 16-B, introduzido pela Lei nº 12.891/2013), inclusive arrecadando recursos e realizando propaganda eleitoral, além de ter seu nome mantido na urna eletrônica.
Após a publicação do acórdão, a manutenção da campanha do candidato só poderá ocorrer se: (1) for concedida antecipação da tutela da pretensão recursal (CPC, arts. 300, § 2º, 303 e 1.019, I); (2) for concedida tutela provisória de natureza cautelar (CPC, art. 300, caput e § 2º c.c. art. 305) conferindo efeito suspensivo ao recurso aviado para o tribunal ad quem. Nesses casos, é mister que se demonstre que a eficácia imediata da decisão recorrida pode provocar “risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação” ao direito ou situação jurídica da parte, e a “probabilidade de provimento do recurso”. Esse último requisito é expresso pela viabilidade do recurso interposto ou a ser interposto, de sorte que, sendo inviável o recurso, quer por razão de ordem material, quer processual, referido requisito não se configura.

73. De outro lado, a minirreforma eleitoral realizada pela Lei nº 13.165/2015 abreviou a duração do período de campanha eleitoral, uma vez que fixou o dia 15 de agosto do ano das eleições como prazo final para o registro das candidaturas35. Considerando-se que o prazo para substituição de candidaturas se encerra 20 dias antes das eleições (art. 13, § 3º36 da Lei nº 9.504/1997), a Justiça Eleitoral dispõe de apenas 30 a 40 dias para apreciar um pedido de registro de candidatura em todas as suas instâncias. Essa circunstância torna materialmente impossível que o trânsito em julgado da decisão de indeferimento do registro ocorra antes do advento da data-limite para substituição dos candidatos, o que lança um quadro de insegurança sobre a situação jurídica dos candidatos.

74. Nesse contexto, interpretar a expressão “registro sub judice” do art. 16-A da Lei nº 9.504/1997 como a candidatura cujo indeferimento é passível de revisão significa, na prática, afirmar que a Justiça Eleitoral está impossibilitada de obstar a participação de um candidato inelegível. Essa conclusão não pode ser aceita, uma vez que acarreta elevados custos: (i) institucionais e ao processo eleitoral, em razão da invalidação de votos recebidos pelo candidato inelegível (art. 175, § 3º37, do Código Eleitoral) e da violação à soberania popular; e (ii) financeiros, em razão da eventual necessidade de realização de novas eleições, a depender da expressividade dos votos anulados (art. 224, caput e seu § 3º do Código Eleitoral38).

75. É preciso considerar, ainda, que o STF, no julgamento da ADI 5525, sob a minha relatoria, declarou a inconstitucionalidade da locução “após o trânsito em julgado” prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral (com redação dada pela Lei nº 13.165/2015) para a realização de nova eleição em razão da não obtenção ou do indeferimento do registro de candidatura. No julgamento, o STF entendeu que aguardar o trânsito em julgado para convocar novas eleições após o indeferimento do registro de candidatura violaria a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular. Assim, determinou-se que basta a manifestação do órgão colegiado, ou do Tribunal Superior Eleitoral para que seja realizado novo pleito, a partir da interpretação sistemática dos arts. 16-A da Lei nº 9.504/1997; 15 da Lei Complementar nº 64/1990; 216 e 257 do Código Eleitoral. Se para realizar novas eleições basta a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, com muito mais razão deve-se permitir a negativa de registro, impedindo-se que a candidatura seja considerada sub judice para fins de assegurar os atos relativos à campanha eleitoral e a manutenção do nome da urna. Ademais, a necessidade de execução imediata dos julgados do TSE não é novidade, já tendo sido afirmada por esta Corte Superior em diversos julgados, a exemplo do RO nº 2246-61-ED/AM, em que fui designado redator para acórdão, j. em 22.8.2017; e RO nº 1220-86/TO, Red. p/ acórdão Min. Luiz Fux, j. em 22.3.2018.

76. Portanto, a interpretação que afasta o caráter sub judice do candidato que teve o seu registro indeferido por decisão colegiada do Tribunal Superior Eleitoral privilegia a transparência, a estabilidade e a segurança do processo eleitoral, além de atender ao direito do eleitor de conhecer com antecedência os candidatos aptos a disputar o pleito.

77. Cabe, por fim, breve consideração acerca do pedido formulado pela Procuradoria-Geral Eleitoral em seu parecer final (ID 312600), no sentido de que seja determinada “a devolução ao Tribunal Superior Eleitoral [dos] recursos destinados ao financiamento da campanha do candidato impugnado, até sua eventual substituição”.

78. Nos limites da cognição exercida no processo de registro de candidatura, a providência requerida não me parece compatível, até porque a realização da campanha eleitoral, enquanto não apreciado o requerimento de registro de candidatura, encontra suporte no art. 16-B39 da Lei nº 9.504/1997. Isso não impede, por natural, que a Procuradoria-Geral Eleitoral, em ação própria, busque o ressarcimento pretendido, na qual poderá se dar a discussão relativa à sua tese do abuso de direito, assegurando-se dilação probatória e amplo contraditório incompatíveis com os estreitos limites do processo de registro de candidatura.

V. Conclusão

79. Diante do exposto, voto no sentido de: (i) receber as notícias de inelegibilidade apresentadas por Guilherme Henrique Moraes (ID 301547), por Ari Chamulera (ID 304014/304113) e por Diego Mesquita Jaques (ID 305124); (ii) receber como notícias de inelegibilidade as impugnações apresentadas por Marcos Aurélio Paschoalin (ID 304846) e por Ernani Kopper (ID 301546); (iii) não receber as notícias de inelegibilidade apresentadas por Fernando Aguiar dos Santos (ID 301543) e Marcelo Feliz Artilheiro (ID 301545); (iv) extinguir sem julgamento do mérito as ações de impugnação de mandato eletivo ajuizadas pela Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (ID 305093 e 305094); (v) julgar procedentes as impugnações apresentadas pela Procuradoria-Geral Eleitoral (ID 300458), pelo Partido Novo (NOVO) – Nacional (ID 300969/300970), por Kim Patroca Kataguiri (ID 305096), pela Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (ID 300602/300605), por Wellington Corsino do Nascimento (ID 305088), por Marco Vinícius Pereira de Carvalho (ID 305167) e por Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes (ID 301637); e (vi) julgar parcialmente procedente a impugnação apresentada por Alexandre Frota de Andrade (ID 305095).

80. Desse modo, declaro a inelegibilidade do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, com base no art. 1º, I, e, itens 1 e 6, da LC nº 64/1990, e, por consequência, indefiro o seu registro de candidatura para concorrer ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018 pela Coligação O Povo Feliz de Novo, integrada pelos partidos: Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Comunista do Brasil – PC do B e Partido Republicano da Ordem Social – PROS.

81. Publicada a presente decisão colegiada em sessão, afasto a aplicação do art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, nos termos da fundamentação. Por consequência: (i) faculta-se à Coligação substituir o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, no prazo de 10 (dez) dias, na forma do art. 13, §§ 1º a 3º, da Lei nº 9.504/1997; (ii) fica vedada a prática de atos de campanha presidencial pelo candidato cujo registro vem de ser indeferido; e (iii) determina-se a retirada do nome do candidato da programação da urna eletrônica.

É como voto.

 

 

Res.-TSE no 23.548/2017, Art. 38. Cabe a qualquer candidato, partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do edital relativo ao pedido de registro, impugná-lo em petição fundamentada (Lei Complementar nº 64/1990, art. 3º, caput). (...)
Art. 42. Qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos pode, no prazo de 5 (cinco) dias contados da publicação do edital relativo ao pedido de registro, dar notícia de inelegibilidade ao tribunal eleitoral competente, mediante petição fundamentada.

Res.-TSE nº 23.548/2018, Art. 54. O pedido de registro do candidato, a impugnação, a notícia de inelegibilidade e as questões relativas à homonímia devem ser julgados em uma só decisão.

Os arts. 9º e 10 do CPC positivam o princípio da não surpresa, a fim de evitar prejuízos à parte que não teve oportunidade de se manifestar em relação a fundamento que afaste o direito que lhe é caro, conferindo à parte a possibilidade de influenciar a decisão do juiz de forma favorável a si. Confiram-se: Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

CPC, Art. 355.  O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.

5 LC nº 64/1990, Art. 26-C.  O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso. (Incluído pela LC nº 135, de 2010)
§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus. (Incluído pela LC nº 135, de 2010)
§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente. (Incluído pela LC nº 135, de 2010)
§ 3º A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo. (Incluído pela LC nº 135, de 2010)

6 Artigo 28. 1. Constituir-se-á um Comitê de Diretores Humanos (doravante denominado o "Comitê" no presente Pacto). O Comitê será composto de dezoito membros e desempenhará as funções descritas adiante. 2. O Comitê será integrado por nacionais dos Estados Partes do presente Pacto, os quais deverão ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direito humanos, levando-se em consideração a utilidade da participação de algumas pessoas com experiências jurídicas. 3. Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a título pessoal.

7 Artigo 25. Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos;
b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

8 Jota, ‘Não temos interesse no resultado eleitoral, apenas no direito à participação’. Disponível em: <https://www.jota.info/eleicoes-2018/nao-temos-interesse-resultado-apenas-participacao-todos-21082018>

9 Conforme previsto no PIDCP e no Primeiro Protocolo Facultativo ao PIDCP, ao monitorar o cumprimento do Pacto pelos Estados Partes, o Comitê exerce as seguintes competências: (i) análise dos relatórios apresentados periodicamente pelos signatários, emitindo observações finais, que salientem os aspectos positivos e os problemas detectados (art. 40 do PIDCP); (ii) análise das comunicações de descumprimento feitas por outro Estado Parte (art. 41 do PIDCP); e (iii) exame de petições individuais em que se noticie violação de qualquer dos diretos enunciados no PIDCP (Art. 1º do Primeiro Protocolo Facultativo ao PIDCP).

10 Nesse sentido, v. Flávia Piovesan. Direito Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 18ª edição, 2018, p. 266.

11 A ausência de incorporação do Protocolo ao ordenamento jurídico interno não significa que o Estado Brasileiro não esteja com ele obrigado internacionalmente. A sua ratificação junto à ONU, em 25.7.2009, implicou, no cenário internacional, na assunção de direitos e obrigações pelo Brasil. Essa questão, no entanto, não deve ser solucionada pelo Judiciário, a quem cabe, unicamente, aplicar o direito interno vigente.

12 ADI 1.480, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 13.5.1998: “O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.”

13 Decreto Legislativo nº 311/2009, que aprova o texto do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: Artigo 2º. Ressalvado o disposto no artigo 1º os indivíduos que se considerem vítimas da violação de qualquer dos direitos enunciados no Pacto e que tenham esgotado todos os recursos internos disponíveis podem apresentar uma comunicação escrita ao Comitê para que este a examine.

14 Artigo 5º, (...) 2. O Comitê não examinará nenhuma comunicação de um indivíduo sem se assegurar de que: a) A mesma questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou de decisão; b) O indivíduo esgotou os recursos internos disponíveis. Esta regra não se aplica se a aplicação desses recursos é injustificadamente prolongada.

15 De acordo com os documentos apresentados pela defesa, o Estado brasileiro foi formalmente comunicado da representação individual nº 2.841/2016 em 4.11.2016 e, em janeiro de 2017, apresentou manifestação (ID 312583 e 312584). Posteriormente, em setembro de 2017 e em abril de 2018, o Brasil enviou ao Comitê “observações adicionais” em resposta a novas alegações apresentadas pelo ora requerente (ID 312585 e 312586).

16 Rule 92: The Committee may, prior to forwarding its Views on the communication to the State party concerned, inform that State of its Views as to whether interim measures may be desirable to avoid irreparable damage to the victim of the alleged violation. In doing so, the Committee shall inform the State party concerned that such expression of its Views on interim measures does not imply a determination on the merits of the communication.

17 Nesse sentido, confira a Causa Especial nº 20907/2017, relator D. Pablo Llarena Conde, Tribunal Supremo, Sala de ló Penal, j. em 12.4.2018. O inteiro teor da decisão pode ser acessado em: <http://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Poder-Judicial/Sala-de-Prensa/Notas-de-prensa/El-juez-Pablo-Llarena-deniega-el-permiso-solicitado-por-Jordi-Sanchez-para-acudir-al-Pleno-de-investidura-o-comparecer-por-via-telematica>

18 Nesse sentido, confira: Daniel Sarmento, O Direito Constitucional e o Direito Internacional: diálogos e tensões. In: Flávia Piovesan e Jânia Maria Lopes Saldanha, Diálogos Jurisdicionais e Direitos Humanos, 2016, p. 122.

19 O. Pollicino, Margine di apprezzamento, art. 10, c.1, Cost. e bilanciamento “bidirezionale”: evoluzione o svolta nei rapporti tra diritto interno e diritto convenzionale nelle due decisioni nn. 311 e 317 del 2009 della Corte costituzionale?, In :www.forumcostituzionale.it, 2009.

20 A. Ruggeri, Rapporti tra CEDU e diritto interno: Bundesverfassungsgericht e Corte costituzionale allo specchio, In: www.diritticomparati.it, 2011.

21 Confira-se Daniel Sarmento. Op. cit., p.123-124.

22 No Brasil, a concessão de medida cautelar em ações constitucionais, salvo situações de excepcional urgência, exige sejam ouvidos os interessados, no prazo de 5 (cinco) dias. Lei nº 9.868, de 10.11.98, art. 10.

23 LC nº 64/1990, Art. 26-C.  O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

24 Constituição de 1988, Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:
II - o pleno exercício dos direitos políticos;

25 LC nº 64/1990, Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade;
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;   (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

26 Lei nº 9.504/1997, Art. 8º. A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação.  (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

27 Lei nº 9.504/1997, Art. 11.  Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
§ 1º O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:
VII - certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição da Justiça Eleitoral, Federal e Estadual; (...).

28 LC nº 64/1990, Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

29 CPC, Art. 373.  O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; (...).

30 Lei nº 9.504/1997, Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

31 LC nº 64/1990, Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado o registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput, independentemente da apresentação de recurso, deverá ser comunicada, de imediato, ao Ministério Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral competente para o registro de candidatura e expedição de diploma do réu.

32 LC nº 64/1990, Art. 26-A. Afastada pelo órgão competente a inelegibilidade prevista nesta Lei Complementar, aplicar-se-á, quanto ao registro de candidatura, o disposto na lei que estabelece normas para as eleições. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

33 LC nº 64/1990, Art. 26-C.  O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.     (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

34 José Jairo Gomes, Direito Eleitoral, 2018, pp. 452/453.

35 Lei nº 9.504/1997, Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

36 Lei nº 9.504/1997, Art. 13, § 3º. Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo.

37 Código Eleitoral, Art. 175, § 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.

38 Código Eleitoral, Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. [...]
§3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

39 Lei nº 9.504/1997, Art. 16-B. O disposto no art. 16-A quanto ao direito de participar da campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito, aplica-se igualmente ao candidato cujo pedido de registro tenha sido protocolado no prazo legal e ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral.

 

QUESTÃO DE ORDEM

 

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Consulto o Ministro Edson Fachin sobre duas questões. Primeiro, se prosseguimos desde logo ou fazemos pequeno intervalo de quinze minutos?

A outra questão diz com um requerimento formulado da tribuna, no sentido de que se aprecie a questão primeira, que diz com as alegações finais e o julgamento do indeferimento do registro, assim como submeti ao Tribunal a questão proposta pela Doutora Marilda de Paula Silveira, anteriormente. Quando formulado o requerimento, ouvi o relator e ele, porque enfrenta expressamente a matéria no voto, optou por proferir todo o seu voto.

Consulto, portanto, Vossa Excelência com relação ao breve intervalo agora e como Vossa Excelência se pronuncia com relação ao enfrentamento, ou se prefere, como o eminente relator, proferir o voto na íntegra?

 

VOTO (questão de ordem)

 

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Pois não, Senhora Presidente. Em relação ao intervalo, fica ao critério da disposição de todos e de Vossa Excelência. Estou ao dispor para prosseguir. Mas também não obsto a que façamos mais um intervalo, se assim entender Vossa Excelência.

Quanto à questão do prazo das alegações finais, não estou necessariamente de acordo com as motivações que constam do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, uma vez que, ao motivar o afastamento do pleito para que houvesse esse lapso temporal de 5 (cinco) dias, em tese previsto normativamente, Sua Excelência utilizou alguns argumentos com os quais eu poderei estar de acordo ou não quando eu examinar o mérito.

Mas há de se reconhecer – e nisso Vossa Excelência tem razão – que há precedente do eminente Ministro Henrique Neves da Silva assentando a facultatividade desse prazo e condicionando-o à existência de dilação probatória ou de provas protestadas. E, neste caso, por parte do impugnado, não houve pedido de prova, a não ser aquelas carreadas aos autos.

Portanto, percebe-se, nessa dimensão, que a matéria, de modo geral, se enfeixa na perspectiva do precedente do Ministro Henrique Neves da Silva.

Reconheço, não há dúvida alguma, que há tema de complexidade aqui, com relação aos fundamentos utilizados, quer pelas ilustradas sustentações orais, quer pelo eminente relator.

Evidentemente, caberá ao Colegiado apreciar, mas, para afastar esse precedente que trata da facultatividade do prazo, de algum modo teríamos de demonstrar que há complexidade inerente à matéria. E eu precisaria adentrar a essa demonstração ou não da complexidade. A rigor, isso está em meu voto.

Creio ser melhor que eu profira meu voto, uma vez que este tema poderá eventualmente ser apreciado pelo Colegiado mais adiante, porque não haveria preclusão em relação a essa questão, no meu modo de ver.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Há inclusive precedente específico nessa linha, quando houve o julgamento da chapa Dilma/Temer. O julgamento havia começado, sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin, quando houve um questionamento e nós suspendemos o julgamento. Ou seja, não seria algo inusitado.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, estou aberto a ouvir os demais. Vossa Excelência está me ouvindo porque sou o próximo a proferir voto.

Adianto que examinei os dois argumentos centrais e estou pronto a externar meu ponto de vista. Mas não tenho óbice a que o Tribunal entenda que, diante do que aqui foi suscitado, dos poderosos e importantes argumentos que foram trazidos pelo relator, se o Colegiado entender por conceder lapso temporal, eu não objetaria.

Mas entendo que a posição do relator está centrada também nesse precedente. E não houve, no caso, dilação probatória, não houve provas protestadas. Há, sem dúvida nenhuma, complexidade que poderia recomendar que o Tribunal concedesse os 5 (cinco) dias e pautasse o julgamento para a quinta-feira que vem.

Eu não objetaria a isso. Se Vossa Excelência entender de ouvir os demais ministros, estou à disposição. Mas anuncio que estou pronto a proferir voto quanto à matéria de fundo.

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Senhora Presidente, eu gostaria de dizer ao Ministro Edson Fachin que não estamos, na verdade, a pedir alegações finais, propriamente. Como apresentamos fato impeditivo do direito do autor, expresso no Código de Processo Civil, que ele deve voltar a falar sobre a nossa defesa.

O prazo foi de 5 (cinco) dias para alegações finais, mas eu sugiro um prazo de 48 horas para que todos os impugnantes pudessem falar. Porque, caso contrário, o precedente do Ministro Caputo Bastos, depois reiterado em outros julgados, se Vossas Excelências indeferissem as impugnações, quaisquer dos impugnantes que não estão aqui poderiam dizer: “não falei sobre a defesa”, e o julgamento seria nulo. Há vários precedentes do STF, STJ e TSE citados na peça.

Agradeço a atenção de Vossas Excelências.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, como eu disse, o argumento é ponderável. Nada obstante, há um sentimento que deriva da ordem normativo-jurídico-eleitoral de celeridade e, como eu disse e repito, estou obviamente à disposição para proferir o voto quanto ao mérito.

Penso que essa heterodoxia do lapso temporal, com toda vênia ao ilustre advogado, se for para deferir, creio que devamos nos ater à legislação e deferir os 5 (cinco) dias. Porque encontrarmos um meio termo, encontraremos uma razão para que haja uma impugnação, acerca desta deliberação, pois este Tribunal estaria de algum modo quase que legislando.

Então, quanto ao lapso temporal, manifesto desde já minha objeção: ou concluímos o julgamento hoje – e reitero que estou pronto para proferir o voto – ou então concedemos o prazo que está estabelecido na ordem normativa, que é de 5 (cinco) dias. Quanto a isso, já adianto o meu posicionamento, Senhora Presidente, acerca de não acolher a proposta de um tempo intermediário. Ou deliberamos por seguir o julgamento, ou deferimos os 5 (cinco) dias.

 

VOTO (questão de ordem)

 

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI: Senhora Presidente, não vejo prejuízo e voto no sentido de prosseguir o julgamento.

 

VOTO (questão de ordem)

 

O SENHOR MINISTRO OG FERNANDES: Senhora Presidente, acompanho integralmente o que disse o Ministro Edson Fachin.

Se Vossa Excelência entender que deve o Colegiado tomar uma posição de mais garantismo aos fatos aqui tratados pela defesa, eu acompanho. No entanto, a exemplo do que disse o Ministro Edson Fachin e, agora, o Ministro Jorge Mussi, eu estou preparado. Se Vossa Excelência quiser continuar, a noite será longa.

 

VOTO (questão de ordem)

 

O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Senhora Presidente, eu também, assim como o Ministro Edson Fachin, entendo que a questão, pelo que entendi, seria: o ilustre advogado está pleiteando eventual direito de terceiros, de falar sobre um documento trazido pela parte impugnada.

Fosse o caso de avaliar algo, seria uma eventual concessão das alegações finais. Mas, quanto a esta parte, conforme aduziu o ministro relator, entendo que, não tendo havido sequer requerimento de dilação probatória ou a apresentação de documento pela parte impugnada, mas apenas pela parte impugnante, não vejo razão, primeiro, para se abrir prazo de dilação probatória e, não tendo sido aberto esse prazo de dilação probatória – não tendo sido aduzido ou trazido a parte aos autos outros elementos que já não estejam à disposição do relator –, entendo que não há necessidade, conforme precedentes da Corte, o primeiro deles de 2002, da relatoria do sempre eminente e saudoso Ministro Maurício Corrêa, que foi reafirmado há pouco tempo pelo ex-ministro e também eminente doutor Henrique Neves da Silva, entendo que não há necessidade, até porque é aplicável à questão o brocardo de que "não há que se alegar nulidade sem demonstração de prejuízo", conforme dispõe o art. 219 do Código Eleitoral.

Nesse contexto, portanto, entendo ser dispensável o prazo de 5 (cinco) dias de alegações finais, por absoluta desnecessidade.

É assim que voto, Senhora Presidente.

 

VOTO (questão de ordem)

 

O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO: Senhora Presidente, eu também guardo a compreensão de que o impugnado, com o devido respeito, está sustentando eventual cerceamento de defesa, em desfavor dos impugnantes, à moda de uma perspectiva de contraditório meramente formal, que não entendo contemplado pela ordem constitucional, a preconizar o contraditório material.

Demais disso, por força do que se contém no § 2º do art. 282 do Código de Processo Civil, aplicado supletiva e subsidiariamente ao processo eleitoral:

Art. 282.  Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.

[...]

§ 2o Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.

Na mesma trilha exegética, faço referência ao parágrafo único do art. 219 do Código Eleitoral:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

Parágrafo único. A declaração de nulidade não poderá ser requerida pela parte que lhe deu causa nem a ela aproveitar.

Essa parte final é bastante relevante.

Por fim, fazer menção – e por lealdade dizer que recolho esses excertos jurisprudenciais do material complementar produzido pela douta Procuradoria-Geral Eleitoral – a ao menos seis precedentes na linha da flexibilização desse rito, além dos dois mencionados, um da lavra do eminente Ministro Maurício Corrêa, de saudosa memória, e o outro, mais recente, do eminente Ministro Henrique Neves da Silva.

Há um precedente, ainda da década de oitenta, da lavra do eminente relator, Ministro Sebastião Reis, o REspe nº 6.951, sobre a interpretação de uma resolução, em tudo assemelhada à que estamos a interpretar; há outro precedente de Serra/ES, o REspe nº 13.641, da lavra do eminente Ministro Eduardo Alckmin, de 1996; ainda desta semana, um precedente do Ministro Og Fernandes, uma decisão monocrática em que Sua Excelência, na fundamentação, alude a esse precedente de Santa Catarina, exatamente para justificar a flexibilização; e eu mesmo proferi uma decisão monocrática idêntica – substancialmente idêntica – ainda no dia 9.8.2018, no RO nº 866-35, de São Luís/MA.

Esses precedentes todos somados à interpretação que fiz do Código de Processo Civil e do Código Eleitoral me animam, a mais não poder, a acompanhar às inteiras o eminente ministro relator, na proposta de prosseguir o julgamento, quanto ao enfrentamento de mérito.

É como voto, Senhora Presidente.

 

VOTO (questão de ordem)

 

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Senhores Ministros, como foi lembrado da tribuna, eu entendo, e sempre reitero, que o Direito tem seu tempo e seus ritos, suas formas e institutos em prol, basicamente, da segurança jurídica. Sem esta, não temos uma vida em sociedade que se sustente.

O Ministro Celso de Mello, que já foi tão lembrado hoje, costuma repetir, no Supremo Tribunal Federal, Cícero, quando dizia que “sejamos servos da lei para sermos livres”.

Então, eu tenho grande preocupação com a segurança jurídica, com a observância dos ritos e das formas, mesmo que, de uma forma mais ortodoxa, eu prefira, às vezes, seguir de maneira mais lenta.

O Direito Eleitoral, pelas suas especificidades, mais do que nunca está atrelado ao tempo. E, nesse sentido, esta Corte, com sua atual composição, diante dessas eleições e da diminuição do calendário eleitoral, está empreendendo esforço enorme para responder de forma célere a todas essas demandas. Só nesse registro são dezessete candidaturas.

Fiz esses registros apenas para dizer que o eminente relator está observando a lei e as formas. Não bastasse a invocação do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ou supletiva, todos os precedentes que agora foram lembrados pelo Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Pessoalmente, eu guardo reserva com relação a esses precedentes, mas não tenho nenhuma dificuldade em acatá-los neste julgamento, como tenho feito em tantos outros, justamente como um norte, um farol iluminando a nossa caminhada.

Mas, neste caso, quero deixar registrado: o que, de fato, me leva a fazer essa observação, normalmente eu não faria, é o princípio da igualdade.

Quando chegaram os treze pedidos de registro de candidaturas, a nossa ideia, desde logo, foi enfrentar todos aqueles sem impugnação. Sobraram três pedidos com impugnação. E a ideia era trazê-los todos juntos hoje, como pleiteado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, na medida em que começa a propaganda eleitoral. Infelizmente isso não foi possível.

Pessoalmente, se dependesse de mim, faria esse julgamento na terça-feira, dia 4.9.2018, ou na quinta-feira, dia 6.9.2018. Não é a posição prevalecente. Repito, única e exclusivamente, para assegurar a todos a igualdade de tratamento. Embora não exista qualquer ilegalidade ou descumprimento de rito, seja no comportamento ou no caminho adotado pelo Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, no processo em que houve impugnação à candidatura do candidato Geraldo Alckmin, seja no processo em que há impugnação de candidatura de Jair Bolsonaro. Porque, de fato, ocorreram situações diferentes da que agora estamos a enfrentar.

Há mais um detalhe: neste processo, havia pedido de tutela de evidência nas impugnações, o que não existiu nos outros processos.

Essa situação, de fato, nos obrigava a reunir o Colegiado para o enfrentamento. Eu ficaria no exame da tutela de evidência e deixaria o julgamento do todo para terça ou quinta-feira. Mas, em um Colegiado, a maioria prevalece.

 

 

VOTO (vencido em parte)

(síntese)

 

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, o presente voto, ao dispor aos eminentes pares e às partes a respectiva íntegra, expressa fundamentação nos termos do inciso IX do art. 93 da Constituição da República Federativa do Brasil, e se contém em aproximadamente 22 (vinte e duas) páginas. A síntese e conclusão podem ser apresentadas, sem prejuízo da explicitação no voto contida, à luz do procedimento que se fundamenta nos termos do insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, em cuja abrangência se insere a celeridade de julgamento, mediante sucinta formulação que tem em conta as seguintes premissas e arremate:

1.1. Premissas:

Primeira: A existência de uma causa de inelegibilidade impede o deferimento do pedido de registro de candidatura. Esse é o direito brasileiro, em sentido estrito, a seguir explicitado neste voto, como primeira parte relevante de análise.

Segunda: A Medida Provisória concedida pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos paralisa a eficácia da decisão que indefere o registro e garante ao requerente, de forma provisória, o direito de gozar e exercer seus direitos políticos como candidato à eleição presidencial.

Terceira: A decisão do Comitê de Direitos Humanos afirma que “o Comitê solicita que o Estado-parte tome todas as medidas necessárias para assegurar que o autor goze e tenha o exercício de seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato às eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à mídia e aos membros de seu partido político; assim como para abster-se de impedir que o autor concorra às eleições para as eleições presidenciais de 2018, até que os pedidos de revisão de sua condenação tenham sido apreciados em um processo judicial justo e que a condenação se torne final”.

Quarta: A decisão produz efeitos internos no Brasil, porque é o próprio texto constitucional que define o momento a partir do qual um tratado de direitos humanos passa a ter efeito, isto é, o do depósito do instrumento de ratificação, momento a partir do qual o Estado brasileiro se torna parte de um tratado internacional. Além disso, porque o direito de petição ao Comitê é protegido pela própria Constituição, não há como o Poder Judiciário deixar de reconhecer a decisão que veio de ser proferida.

1.2. Base constitucional: cláusula constitucional de abertura (art. 5º, § 2º, da CRFB); a regulação constitucional das inelegibilidades (art. 14, § 9º, da CRFB); a competência constitucional para celebrar e aprovar tratados (arts. 49, I; e 84, VIII); base convencional: o direito de participação política (art. 25 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos); o direito de petição ao Comitê (art. 1º do Protocolo Facultativo); base legal: lei de inelegibilidades e Código Eleitoral.

1.3. Base doutrinária. O voto se assenta no pensamento de diversos autores autoras nele citados; mencionam-se aqui especialmente os seguintes: Antônio Augusto Cançado Trindade, José Francisco Rezek, João Grandino Rodas, Valério Mazzuoli e Stephen Breyer.

1.4. Base em precedentes. O voto se estriba em precedentes que formam jurisprudência deste Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, dos órgãos internacionais de proteção à pessoa humana, e da própria Corte Internacional de Justiça; especificamente citam-se os seguintes: a REspe n. 204-91/PR, Rel. Min. Herman Benjamin; REspe 139-25, Rel. Min. Henrique Neves; ADI 1.480, Rel. Min. Celso de Mello; CR 8.279, Rel. Min. Celso de Mello; RE 71.154, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro; os Comentários Gerais nº 31 e 33 do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; o Caso Paindiong et al. v. Filipinas, julgado pelo Comitê de Direitos Humanos; e o caso sobre o Projeto Gabíkovo-Nagymaros, julgado pela Corte Internacional de Justiça.

1.5 Conclusão do voto: Em suma, assento a inelegibilidade do interessado, com o consequente indeferimento do pedido de registro da candidatura respectiva, contudo, se impõe, em caráter provisório, reconhecer, em face da medida provisória concedida no âmbito do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e do parágrafo 2º do art. 5º da Constituição da República, que ao requerente foi garantido o direito, mesmo estando preso, de se candidatar às eleições presidenciais de 2018.

 

Relatório

 

Em 15.8.2018 houve o protocolo do Requerimento de Registro de Candidatura (doc. 300441).

Na mesma data a Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou Impugnação ao Registro de Candidatura (doc. 300458) e, em outro movimento, o Requerente suscitou dúvida quanto à distribuição ao e. Min. Luís Roberto Barroso em razão de anterior distribuição da Pet. Nº 0600897-43.2018.6.00.0000 ao e. Min. Admar Gonzaga (doc. 300470).

Em 16.8.2018 a Procuradoria-Geral Eleitoral apontando que o Requerente tomou ciência da Impugnação por ela apresentada e, caso não ocorra o indeferimento liminar do Registro de Candidatura, seja considerada a data para início do prazo de apresentação de defesa (doc. 300537).

Na mesma data os autos foram enviados à Presidência deste Tribunal para sanar dúvida levantada quanto à distribuição (doc. 300538) que foi resolvida em favor da relatoria do Min. Roberto Barroso (doc. 300994) e o Requerente apresentou pedido de substituição de documentos (doc. 300942).

Foram protocoladas Impugnações ao Pedido de Registro de Candidatura pela Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (doc. 300602), pelo Partido Novo, cumulada com pedido de tutela de evidência (doc. 300970).

Em 17.8.2018 foi publicado o Edital nº 13/2018 dando publicidade ao Requerimento de Registro de Candidatura (doc. 300688), a Coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos” ratificou a Impugnação anteriormente proposta (doc. 301307), foram apresentadas 4 Notícias de Inelegibilidade (docs. 301543, 301545, 301546 e 301547).

Em 20.8.2018 foi apresentada Impugnação ao Registro de Candidatura pelo candidato a deputado federal Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes (doc. 301637) e a Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou manifestação pelo provimento das 4 notícias de inelegibilidade apresentadas (doc. 301748).

Em 21.8.2018 foi apresentada nova Notícia de Inelegibilidade (doc. 304014) e o Requerente apresentou certidão faltante de Distribuição da Justiça Comum do Estado de São Paulo (doc. 304346).

Em 22.8.2018 foram apresentadas três novas Impugnações ao Requerimento de Registro de Candidatura pelos candidatos a Deputado Federal Alexandre Frota de Andrade (doc. 305095), Kim Patroca Kataguiri (doc. 305096) e pelo candidato a suplente de Senador Marco Vinicius Pereira de Carvalho (doc. 305167) e três novas Notícias de Inelegibilidade (docs. 305088 e 305093 e 305123).

Em 23.8.2018 o Requerente e a Coligação O Povo Feliz de Novo foram intimados para, querendo, contestarem as impugnações e notícias de inelegibilidade, todas, no prazo de 7 (sete) dias (art. 4º da LC 64/90, doc. 305381).

Em 25.8.2018 a Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pelo acolhimento das outras 4 Notícias de Inelegibilidade (doc. 307400).

Por fim, no dia 29.8.2018 o Partido Novo Nacional reiterou pedido de tutela de urgência formulado em sua Impugnação (doc. 310520).

 

Passo ao exame da matéria

 

A existência de uma causa de inelegibilidade impede o deferimento do pedido de registro de candidatura. Esse é o direito brasileiro, em sentido estrito, a seguir explicitado neste voto, como primeira parte relevante de análise.

O art. 1º, inciso I, alínea e, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010, dispõe que são inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A certidão anexada ao documento 300470 traduz que o requerente incorre nessa causa de inelegibilidade, o que constitui impedimento ao deferimento do registro de candidatura. Com efeito, ali consta sua condenação a doze anos e um mês de reclusão, em regime inicialmente fechado, com julgamento definitivo dos embargos de declaração, no dia 18.4.2018, com encerramento do julgamento em segundo grau de jurisdição.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29 e 30, bem como na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/AC, reconheceu a constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/2010, ressaltando que “a razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional”. Assim, “a presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal”(ADC nº 29, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 16.2.2012, DJe-127 div. 28-6-2012 pub. 29-6-2012 RTJ VOL-00221-01 PP-00011).

Nem sequer seria possível afirmar que a Lei da Ficha Limpa poderia ser afastada em razão de uma violação de um direito fundamental, pois o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, autorizou a previsão legal de hipóteses de inelegibilidade decorrentes de decisões não definitivas, sob pena de esvaziar-lhe o conteúdo, de modo que a Lei da Ficha Limpa não apenas é compatível com a Constituição como concretiza comando expresso de seu texto.

A constitucionalidade das causas de inelegibilidade trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010 foi reiterada por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 929.670/DF, fixando, o Supremo Tribunal federal, a tese de que “a condenação por abuso de poder econômico ou político em ação de investigação judicial eleitoral transitada em julgado, ex vi do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, em sua redação primitiva, é apta a atrair a incidência da inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea d, na redação dada pela Lei Complementar n. 135/2010, aplicando-se a todos os processos de registro de candidatura em trâmite” (ATA Nº 5, de 1º.3.2018. DJe nº 45, divulgado em 8.3.2018).

O correspondente acolhimento da tese da constitucionalidade das causas de inelegibilidade previstas na Lei Complementar nº 64/90, com as modificações introduzidas em 2010, está presente em farta jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive em relação a fatos ocorridos antes de sua vigência:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INDEFERIMENTO. LC Nº 135/2010. CONSTITUCIONALIDADE. RETROATIVIDADE. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, E, 1, DA LC Nº 64/90. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1.  Nas Eleições 2016, este Tribunal Superior decidiu pela aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores à sua vigência, segundo o que decidido pelo STF no julgamento das ADCs nos 29 e 30 e da ADI nº 4.578 (REspe nº 75-86/SC, de minha relatoria, redator designado Min. Rosa Weber, PSESS em 19.12.2016).

2.  Na espécie, o candidato foi condenado pelo crime previsto no art. 121 do Código Penal, com trânsito em julgado em 1º.9.2003 e extinção da pena em 22.6.2010, o que leva à conclusão da inelegibilidade do agravante, nos moldes da Súmula nº 61/TSE.

3.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 11647, Relatora Ministra Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJe - Diário de Justiça eletrônico, Tomo  68, Data 5.4.2017, Página 26-27)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, E, 1, DA LC 64/90. CONDENAÇÃO CRIMINAL. DECISÃO COLEGIADA. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.

1. No julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF consignou que a aplicação da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC 64/90, sem o trânsito em julgado de condenação criminal, não viola o princípio da presunção de inocência.

2. As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, incluindo-se esta Justiça Especializada, conforme dispõe o art. 102, § 2º, da CF/88.

3. Na espécie, o recorrente foi condenado por órgão judicial colegiado pela prática de crime contra a administração e o patrimônio públicos. Desse modo, o indeferimento do seu pedido de registro de candidatura deve ser mantido por incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC 64/90.

4. Agravo regimental não provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 173-58, Relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 4.10.2012)

Assentada essa circunstância, impende agora fazer a análise dos efeitos do art. 16-A da Lei nº 9.504/97 que tem a seguinte redação:

Art. 16-A.  O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Parágrafo único.  O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato.

Esta norma foi introduzida pela Lei nº 12.034/2009 consistindo em mais uma reforma eleitoral, tendo incorporado ao texto da Lei das Eleições diversas orientações jurisprudenciais do TSE. Naquilo que interessa ao presente caso, a referida lei se utilizou de equivalente preceito contido no art. 43 da Resolução TSE nº 22.717/2008, com a seguinte redação:

Art. 43. O candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão por sua conta e risco e, enquanto estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna eletrônica, ficando a validade de seus votos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Aliás, trata-se de disposição normativa existente desde 2004, contida na Resolução TSE nº 21.608/2004, consagrando a chamada “teoria da conta e risco”, refletindo consolidada orientação jurisprudencial desta Corte.

Era nítida a intenção deste Tribunal Superior em preservar o direito dos candidatos com registro provisoriamente indeferido, haja vista a possibilidade de reversão da decisão, em instância superior. Afinal, o reconhecimento apenas tardio do direito do candidato, caso inexistente a referida garantia, teria o efeito de suprimir-lhe o jus honorum, irrecuperável pela passagem do período eleitoral sem o exercício pleno da propaganda eleitoral, ou mesmo pela impossibilidade de repetição do momento da eleição.

A técnica utilizada foi a previsão de efeito suspensivo automático ao recurso do candidato atingido pelo indeferimento.

A despeito dessa orientação jurisprudencial, há ampla jurisprudência desta Corte, no sentido de que o limite para se prestigiar a garantia do candidato ao jus honorum é a manifestação do TSE, em analogia ao que dispõe o art. 216 do Código Eleitoral:

Art. 216. Enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda sua plenitude.

De fato, os recursos eleitorais sempre foram desprovidos de efeito suspensivo, cuja regra só foi afastada com a edição da Lei nº 13.165/2015 que emprestou efeito suspensivo automático aos recursos eleitorais interpostos para as instâncias ordinárias (art. 257, § 2º, do Código Eleitoral) que resultassem em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo.

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

(...)

§ 2o  O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Assim, o Código Eleitoral reconhece ao candidato diplomado o direito de exercer seu mandato até que eventual recurso contra a expedição do seu diploma seja examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Da mesma forma, o art. 16-A da Lei nº 9.504/97 assegura ao candidato, cujo registro tenha sido indeferido pela Justiça Eleitoral, a prática dos atos típicos de campanha, apenas condicionando a validade dos votos ao provimento do recurso.

Por essa razão, o TSE firmou a tese de que, “em regra, execução de acórdão em processo de registro de candidatura ocorrerá somente após decisum desta Corte Superior” (REspe nº 204-91/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe, Data 22.6.2018).

No mesmo sentido, o TSE tem decidido que “a edição da regra do art. 16-A da Lei das Eleições, que impõe a manutenção da campanha do candidato cujo registro foi indeferido até a apreciação da matéria por instância superior, converge no sentido de se aguardar o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral, tal como ocorre no caso de aplicação do art. 216 do Código Eleitoral” (trecho do voto do Relator Ministro Henrique Neves da Silva no REspe nº 139-25, publicado em sessão, em 28.11.2016). Consta da ementa deste julgado:

3. A decisão da Justiça Eleitoral que indefere o registro de candidatura não afasta o candidato da campanha eleitoral enquanto não ocorrer o trânsito em julgado ou a manifestação da instância superior, nos termos do art. 16-A da Lei 9.504/97.

4. As decisões da Justiça Eleitoral que cassam o registro, o diploma ou o mandato do candidato eleito em razão da prática de ilícito eleitoral devem ser cumpridas tão logo haja o esgotamento das instâncias ordinárias, ressalvada a obtenção de provimento cautelar perante a instância extraordinária.

5. Na linha da jurisprudência desta Corte, consolidada nas instruções eleitorais, a realização de nova eleição em razão da não obtenção ou do indeferimento do registro de candidatura deve se dar após a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral. Interpretação sistemática dos arts. 16-A da Lei 9.504/97; 15 da Lei Complementar 64/90; 216 e 257 do Código Eleitoral.

Como consequência, o indeferimento do registro de candidatura, no âmbito desta Corte, realmente tornaria defensável o imediato cumprimento da decisão, quanto à inaplicabilidade do art. 16-A da Lei das Eleições.

Esse é o exame e o cenário jurídico do direito interno, em sentido estrito.

Há, contudo, como já se indicou, um segundo ponto: apresenta-se um fato novo, que se alega apto a afastar os efeitos da decisão de inelegibilidade. Esse afastamento ocorre porque há uma decisão proferida pelo Comitê de Direitos Humanos, organização internacional criada pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

A interrogação que daí emerge é a seguinte: tal decisão, proferida por uma organização vinculada a um tratado de que a República Federativa do Brasil é parte, é válida e eficaz e consequentemente suspende a eficácia da decisão que indefere o registro de candidatura?

Vamos apresentar a resposta que entendo ser a adequada, circunscrita, como não poderia deixar de ser, ao arcabouço normativo que está na Constituição Federal brasileira.

A decisão expressamente afirma que “o Comitê solicita que o Estado-parte tome todas as medidas necessárias para assegurar que o autor goze e tenha o exercício de seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato às eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à mídia e aos membros de seu partido político; assim como para abster-se de impedir que o autor concorra às eleições para as eleições presidenciais de 2018, até que os pedidos de revisão de sua condenação tenham sido apreciados em um processo judicial justo e que a condenação se torne final”.

Para justificar o afastamento dessa decisão, objeções foram levantadas. A primeira sustenta que a decisão não possui efeitos internos no Brasil, porquanto a atuação do Comitê teria por fundamento o Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, tratado que não teria sido internalizado por meio de um indispensável decreto presidencial. A segunda defende que a decisão não possui efeitos vinculantes para o Estado brasileiro e que ostenta natureza jurídica de mera recomendação, uma vez que o Comitê nem sequer órgão judicial seria.

Indaga-se: tais razões têm suporte no Direito? Examinemos. De um lado, é o próprio texto constitucional brasileiro que define o momento a partir do qual um tratado de direitos humanos passa a ter efeito, isto é, o do depósito do instrumento de ratificação; de outro, a vinculação das decisões decorre não apenas de interpretação feita pelo próprio Comitê, mas da própria razão de ser do regime internacional de proteção da pessoa humana.

A grande força do argumento que defende que o Protocolo Facultativo não é aplicável internamente está em precedentes do Supremo Tribunal Federal, segundo os quais, tal como em um projeto de lei, apenas com a manifestação do Presidente da República é que um tratado passaria a valer internamente.

Esse entendimento tem origem no julgamento da medida cautelar na ação direta 1.480, em 4.9.1997, no qual a Corte Suprema debatia a constitucionalidade do Decreto Legislativo e do Decreto Presidencial que incorporaram ao direito nacional a Convenção 158 da OIT, que dispõe sobre a proteção ao trabalhador contra a despedida arbitrária. Ao defender a possibilidade de controle de constitucionalidade de tratados internacionais, o Min. Celso de Mello afirmou que “o iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação do Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno”.

Utilizando dessa mesma afirmação, o Tribunal, em 17.6.1998, confirmou a decisão monocrática do Ministro Celso de Mello que tinha negado a execução de carta rogatória fundada no Protocolo de Medidas Cautelares do Mercosul. Na decisão monocrática da Carta Rogatória 8.279, o relator explicou que, porque o Protocolo não tinha sido promulgado pelo Decreto Presidencial, o tratado não tinha aplicação no âmbito doméstico: “a aprovação congressual, de um lado, e a promulgação executiva, de outro, atuam, nessa condição, como pressupostos indispensáveis da própria aplicabilidade, no plano normativo interno, da convenção internacional celebrada no Brasil (...)”.

A justificar a imprescindibilidade do Decreto Presidencial para que um tratado produza efeitos no âmbito interno, o Tribunal, por meio de uma analogia com um projeto de lei, acolheu a posição de parte da doutrina e, ainda, utilizou o célebre precedente do Supremo Tribunal Federal no RE 71.154, relatado pelo saudoso Min. Oswaldo Trigueiro (DJ 27.8.1971).

Na doutrina, a orientação acolhida pelo Tribunal remonta à primeira Constituição Republicana. Ela decorre de uma interpretação de seus arts. 48, n. 16, e 34 que dispunham ser da competência privativa do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras” e do Presidente da República “entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso”.

Ao interpretar esses dispositivos, o legislador ordinário, por meio da Lei 23, de 30 de outubro de 1891, equiparou o ato de aprovação de um tratado ao projeto de lei, conforme previsão constante do art. 9º, § 3º. Assim, como em um projeto de lei, o decreto executivo equivaleria à sanção e, pela publicação, daria a conhecer o teor do tratado que agora deveria ser cumprido em todo o território nacional. Seguiu-se, daí, o que parte da doutrina brasileira, como João Grandino Rodas e Francisco Rezek, chamou de prática constitucional assente. Rezek, por exemplo, afirma que “um tratado regularmente concluído depende dessa publicidade para integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e à garantia de vigência pelo Judiciário” (REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 385). Já Rodas defende que “o Brasil, após a Independência, continuou a seguir a tradição lusitana de promulgar os tratados ratificados por meio de um decreto do Executivo. Embora as Constituições Brasileiras da República incluindo a vigente, não façam qualquer referência, esse costume vem sendo mantido” (RODAS, João Grandino. Tratado Internacionais. São Paulo: Editora RT, 1991, p. 54). É, pois, em função de uma prática, que se equipara o Decreto à sanção e, por consequência, atribui-se a ele sua força executiva.

Já no precedente do Supremo Tribunal Federal, firmou-se a orientação segundo a qual “aprovada essa convenção [Lei Uniforme sobre o Cheque, adotada pela Convenção de Genebra] pelo Congresso Nacional, e regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legislação interna”. Nesse recurso, o Tribunal examinava se era preciso editar nova lei para que um tratado tivesse aplicação interna. Ao dispensar a edição de nova lei, a Corte dava, assim, um passo decisivo para reconhecer a plena aplicação dos tratados internalizados, dispensando-se, pois, nova elaboração de lei, naquilo a que parte da doutrina designou como sendo um dualismo moderado.

Esse posicionamento doutrinário, no entanto, está longe de ser pacífico e a compreensão jurisprudencial não tem, com a devida vênia, o alcance que se lhe emprestou.

O ponto central da divergência doutrinária reside na singela constatação de que o texto constitucional não contém nenhuma das palavras que pudesse autorizar a redução de uma competência congressual que é privativa e definitiva. Ademais, o ato de aprovação pelo Congresso Nacional é, nos termos da Constituição de 1988, uma verdadeira espécie legislativa e, ao contrário do que se dava em experiências constitucionais anteriores, é promulgado no Diário Oficial da União. Em outras palavras, se é para conhecer do ato internacional, o Decreto Legislativo satisfaz essa exigência. No caso do Decreto 311, de 17 de junho de 2009, em particular, foi precisamente, o que ocorreu.

No que tange ao precedente do STF, o próprio Relator Oswaldo Trigueiro explicou que “a aprovação dos tratados obedece ao mesmo processo de elaboração da lei, com a observância de idênticas formalidades de tramitação”. A competência do Congresso, porém, como advertiu o relator, é definitiva, o que significa que a sanção presidencial é dispensável, “porque, quando celebra um tratado e o submete à aprovação legislativa, o Presidente obviamente manifesta sua concordância”.

A analogia com o projeto de lei é, portanto, maléfica para tentar investigar a razão que justifica a elaboração de um Decreto Presidencial para promulgar os tratados.

A leitura dos “consideranda” dos decretos presidenciais é um guia melhor. A partir deles, é possível perceber que, entre os “consideranda” está a notícia de depósito de uma carta de adesão, como se lê, por exemplo, no Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, que promulgou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: “considerando que a Carta de Adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi depositada em 24 de janeiro de 1992”.

De fato, a prática constitucional brasileira sempre utilizou para o depósito das cartas de adesão a aprovação congressual, não o Decreto Presidencial. Ou seja, o Decreto Presidencial dá publicidade não ao tratado, mas à notícia do depósito do instrumento de ratificação.

Essa publicidade é importante para que os que estão no território brasileiro saibam que, a partir do depósito, o Estado passa a ser parte em um determinado tratado. No âmbito internacional, a publicidade interna não é condição para a produção de efeitos. Não é difícil de imaginar, no entanto, que, se a publicação for condição para a produção de efeitos no âmbito doméstico, haverá casos em que um tratado é válido internacionalmente, mas não é internamente exigível. Também não é difícil conceber que, em uma situação como essa, o Brasil estaria a descumprir o tratado, uma vez que, como exige a Convenção de Viena em seu Artigo 27, “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Em casos tais, o próprio Comitê de Direitos Humanos, em seu Comentário Geral nº 31, afirma que, em caso de inconsistência entre o Pacto e o direito interno dos Estados, “o artigo 2 exige que a lei ou a prática doméstica sejam alteradas para atender às exigências impostas pelas garantias substanciais do Pacto”.

Por isso, afirmar que apenas com o Decreto Presidencial um tratado passa a ter validade é negar vigência a dispositivo de Convenção que está em vigor no Brasil. Nenhum juiz, muito menos o Supremo Tribunal Federal, está autorizado a agir dessa forma. Não por acaso, no Decreto Presidencial 4.316, de 30 de julho de 2002, que promulgou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o então Presidente da República expressamente consignou que “o Protocolo entra em vigor, para o Brasil, em 28 de setembro de 2002, nos termos de seu art. 16, parágrafo 2”, ou seja, o protocolo facultativo entrou em vigor três meses após a data do depósito de seu instrumento de ratificação.

É no mesmo sentido a posição de Valério Mazzuoli:

(...) a vigência de um tratado no plano interno prescinde do decreto presidencial de promulgação. Ora, a Constituição de 1988 diz competir privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, não se referindo aos tratados celebrados pelo Brasil. E se a Carta silenciou a respeito, é porque achou desnecessária a promulgação interna do compromisso internacional que, tecnicamente, já começou a vigorar no País – desde que já em vigor no plano internacional – a partir da troca ou depósito de seus instrumentos de ratificação (se outra data não tiver sido prevista pelo tratado). Seria um contrassenso admitir que um Estado seja obrigado a executar um tratado no plano internacional, desde a sua ratificação, e que esse mesmo tratado não possa ser aplicado internamente por faltar-lhe a promulgação executiva. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: Editora RT, 2011, p. 380-381).

Ainda que se defenda que é dos poderes implícitos do Presidente da República que surge a necessidade do Decreto, é o próprio texto constitucional que está a exigir solução diversa. Nos termos dos dois primeiros parágrafos do art. 5º da CRFB, há apenas uma condição para que os tratados que definam normas de direitos fundamentais tenham sua aplicabilidade imediatamente reconhecida: a de que o Estado brasileiro seja deles parte.

“Ser parte”, de acordo com a Convenção de Viena, significa que um Estado consentiu em se obrigar pelo tratado. Nos termos do Artigo 16, é o depósito do instrumento de ratificação que estabelece consentimento de um Estado em vincular-se pelo tratado. Especificamente em relação ao Decreto Legislativo 311, o depósito a cargo do Governo brasileiro ocorreu em 25.9.2009.

Assim, nos exatos termos do art. 5º, § 2º, da CRFB, desde então, têm aplicabilidade as normas previstas no referido Protocolo. A produção de efeitos a partir do depósito do instrumento de ratificação é, portanto, exigência da própria constituição para os tratados, como ocorre no caso concreto, de direitos humanos. É incompatível com o texto constitucional condicionar a produção de efeitos internos dos tratados de direitos humanos à promulgação presidencial.

A segunda objeção apresentada para afastar a incidência da decisão do Comitê é a que repousa sobre o caráter não vinculante das deliberações dessa organização.

O principal argumento dos que defendem esse posicionamento é o de que não há, no texto do tratado, determinação expressa sobre a força normativa da decisão. A afirmação leva em conta não apenas o histórico da negociação, mas compara o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. A Convenção expressamente prevê, em seu artigo 68, que os Estados se comprometem a cumprir a decisão da Corte em todos os casos em que sejam parte. É por essa razão que alguns autores definem que a natureza dos comitês criados pelos tratados do sistema global é a de organizações “quase-judiciais”, uma vez que, à diferença da Corte Interamericana, não há norma expressa no Pacto que vincule os Estados ao cumprimento das deliberações do Comitê.

Logo, o Estado brasileiro, por meio de ente integrante do Poder Judiciário, pode, sem dúvida, não seguir a decisão contida na medida provisória do Comitê; nada obstante, em tal caso, se deve assumir que o Brasil deliberou descumprir regra vigente no Direito internacional e assumiu não cumprir norma válida e eficaz no direito interno. O que significa que não há aqui uma opção redutora da complexidade do problema, como se o debate somente encobrisse uma determinada candidatura. O nominalismo e suas razões são péssimos conselheiros ao julgador. Se o ordenamento há de ser, mesmo, igual para todos, inexiste diante da norma escolhas apriorísticas que se agasalham fora da normatividade, ainda que sustentem o oposto.

Portanto, posto que o requerente está inelegível, a partir da decisão do Comitê que aportou ao debate processual, não mais se trata de indagar quem está no objeto do julgamento, mas sim do que agora se trata no cerne da controvérsia. O pretenso candidato, assentada sua inelegibilidade, já foi julgado e condenado com a confirmação da sentença condenatória por juízo colegiado de segundo grau; não há trânsito em julgado, em face de recursos interpostos, mas à luz da orientação majoritária no STF cumpre pena em execução antecipada da decisão condenatória.

É diante dessa inequívoca realidade que se interroga, doravante, os limites e as possibilidades da decisão do Comitê em pauta.

Agora, e daqui em diante, quem está em julgamento é a validade e os efeitos dessa decisão para o processo eleitoral brasileiro, e não mais um candidato que é mesmo inelegível.

Pergunta-se, pois, reiterando-se: pode aquele Comitê suspender no Brasil efeitos de inelegibilidade? Tal decisão vincula o Estado brasileiro?

Averiguemos esse ponto.

É o próprio Comitê, no entanto, que esclarece o sentido de sua competência quando do exame de comunicações individuais. No Comentário Geral nº 33 (CCPR/C/GC/33), de 25 de junho de 2009, “a opinião do Comitê acerca do Protocolo Facultativo representa uma determinação autorizada do órgão encarregado pelo próprio Pacto Internacional da interpretação desse instrumento”.

Perceba-se que os Comentários Gerais do Comitê de Direitos Humanos são ferramentas de importância basilar para a concretização normativa dos direitos humanos previstos no texto do Pacto. Como explica Cançado Trindade:

Os referidos comentários gerais foram concebidos como elementos de interpretação das disposições comentadas do Pacto e expressão da experiência acumulada pelo Comitê ao considerar determinadas questões do ângulo do Pacto; as interpretações neles contidas, no entanto, têm relevância para a aplicação do Pacto de modo geral, e inclusive na solução de tais casos concretos.

(CANÇADO TRINDADE. Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional de Direitos Humanos. V. II. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999. p. 68).

Essa interpretação do Comitê é corroborada pela regra da boa-fé, prevista na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que dispõe que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. Ela decorre, ainda, do artigo 2 do Pacto, que expressamente estabelece a obrigação dos Estados em (a) garantir que toda pessoa tenha direito a um recurso efetivo em face de violações do Pacto e (b) garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar procedente tal recurso.

Com efeito, o procedimento de comunicações individuais, previsto pelo Protocolo Facultativo, garante precisamente aos indivíduos sujeitos à jurisdição de um Estado-parte o direito de comunicar uma violação das obrigações do tratado. Essa comunicação, por sua vez, tem nítida feição de um recurso subsidiário, na medida em que o peticionamento está condicionado ao esgotamento dos recursos internos. A natureza recursal dessa comunicação decorre da possibilidade, prevista no Artigo 5º do Protocolo, de se afastar a regra do esgotamento, nos casos em que a espera dos recursos seja injustificada. Nessa situação, impedir o recebimento da comunicação seria, precisamente, retirar das pessoas qualquer recurso eficaz em face de uma eventual violação dos direitos garantidos pelo Pacto. Por essa razão, novamente o próprio Comitê, no Comentário Geral nº 33, afirma que “em qualquer caso, os Estados-parte devem utilizar qualquer meio a sua disposição para cumprir com as observações feitas pelo Comitê”.

Especificamente em relação às medidas provisórias, o Comitê expressamente reconheceu que seu cumprimento está diretamente relacionado com o dever de boa-fé. “A falha em implementar as medidas provisórias é incompatível com a obrigação de respeitar de boa-fé o procedimento de comunicações individuais criado pelo Protocolo Facultativo”, conforme consta de seu parágrafo 19. Essa compreensão, por sua vez, remonta à decisão proferida no Caso Piandiong et al. v. Filipinas (Caso n. 869/1999; CCPR/C/70/D/869/1999), no qual o Comitê consignou que os Estados se comprometeram em reconhecer sua competência para examinar a comunicações individuais. Como as medidas provisórias visam a assegurar eventual utilidade da decisão a ser futuramente proferida, viola o dever de boa-fé o descumprimento da medida, uma vez que, na prática, a competência do Comitê seria esvaziada.

É certo que esse posicionamento do Comitê recebeu críticas dos próprios Estados Parte. Após a primeira versão desse Comentário Geral, o Comitê convidou os Estados-parte a avaliar o Comentário. Responderam ao pedido vinte Estados. Nenhum desses estados defendeu a posição adotada pelo Comitê. Ao contrário, para a maioria dos Estados as observações do Comitê não são legalmente vinculantes.

Os pontos que foram então levantados pelos Estados remetem precisamente à história da formação do tratado e à ausência, no texto, de dispositivo que expressamente autorizasse essa interpretação. De acordo com as informações apresentadas pelos Estados Unidos, por exemplo, nada há no tratado que assemelhe o Comitê a um órgão judicial: ele não produz provas, não ouve testemunhas, não faz audiências e se limita a adotar conclusões que futuramente são encaminhadas ao Estado Parte. Além disso, ainda de acordo com a visão norte-americana, os trabalhos preparatórios (“travaux preparatories”) indicariam que o propósito dos Estados foi o de criar uma organização que não tivesse nenhum caráter judicial. Em síntese, não haveria no texto do tratado base normativa para emprestar às decisões do Comitê força vinculante. As decisões seriam, assim, no máximo, uma recomendação. Caso os Estados quisessem dar a elas a força vinculante que não possuem, o procedimento correto seria a elaboração de um novo protocolo facultativo.

Um ponto de vista semelhante a este está na declaração que foi apresentada pela Nova Zelândia. Para esse país, é correto pressupor uma responsabilidade legal para agir de boa-fé, mas não é possível equiparar essa obrigação a uma imposição legal. O dever de boa-fé imporia aos Estados a obrigação de examinar de boa-fé cuidadosamente as conclusões a que chegou o Comitê, o que não equivale a atribuir-lhes força vinculante.

No que tange às medidas provisórias, os Estados expressamente consignaram que a aplicação dessas medidas decorre apenas das regras de procedimento adotadas pelo Comitê e que não há no Protocolo Facultativo qualquer indicação que dê base para essa atuação.

As razões apresentadas pelos Estados são relevantes, mas o critério pelo qual um tratado deve ser interpretado só pode ser, nos termos do Artigo 31 da Convenção de Viena, o “sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”. Por isso, são as conclusões do Comitê em seu Comentário Geral que mais se ajustam à finalidade do tratado, ao menos no que tange às medidas provisórias.

A fim de tentar desvendar a teleologia do sistema de comunicações individuais a partir dos trabalhos preparatórios, é preciso, advertir que as comunicações individuais não foram debatidas no tópico relativo à composição do Comitê, mas ao cabimento de um direito de peticionamento ao órgão. A partir da leitura das atas reunidas pelo Secretário-Geral da ONU em 1º.7.1955 (A/2929), percebe-se que a discussão acerca da instituição de um direito de petição tinha por objetivo assegurar a eficácia dos direitos garantidos pelo Pacto. Na ocasião, diversos Estados manifestaram preocupações quanto ao alcance de eventual competência do Comitê para processar tais pedidos. Como aspectos negativos, por exemplo, citaram a possibilidade de abuso do direito, a eventual sobrecarga de trabalho no Comitê e a impossibilidade de se considerar que as pessoas fossem sujeitos de direito internacional.

Outros Estados, contudo, defenderam que, nos termos do Pacto, os indivíduos eram, de fato, sujeitos de direito. Alegava-se que os Estados Parte, nesse ponto, estavam obrigados a adotar medidas específicas em favor de seus próprios cidadãos. Além disso, também se afirmou que “sem a previsão de um mecanismo adicional além das comunicações Estado-a-Estado, os Pactos não seriam efetivamente implementados” (p. 237). Aduziu-se, ainda, que o Pacto reconhece que os direitos ali estabelecidos derivam da própria dignidade humana, comum a todas as pessoas, por isso dever-se-ia reconhecer o direito humano básico de protestar, caso se entenda que a dignidade tenha sido vulnerada.

O sistema de comunicações individuais tinha, portanto, um propósito nítido: o de dar efetividade aos direitos previstos no Pacto, tal como a previsão de um recurso eficaz garante, no âmbito interno, a efetividade dos direitos na jurisdição do Estado. Nos trabalhos preparatórios, o direito de petição era comparado precisamente com o direito a um recurso efetivo previsto no “âmbito doméstico”. Como se observa, a dúvida dos Estados não recaía sobre a legitimidade desse mecanismo, mas sobre sua eficácia. Por isso, é à luz dessa finalidade específica de tornar efetivos os direitos previstos no Pacto que se deve interpretar suas disposições. Como expôs a Corte Internacional de Justiça no caso Projeto Gabíkovo-Nagymaros, “o princípio da boa-fé obriga que as Partes apliquem o tratado de forma razoável e de modo a que seu propósito possa ser realizado” (Case Concerning The Gabíkovo-Nagymaros Project, Hungria v. Eslováquia, julgamento de 25.9.1997, par. 142).

Porque o Comitê deve garantir a efetividade dos direitos do Pacto, e particularmente do próprio sistema de comunicações individuais, deve-se reconhecer que há espaço no mandato que lhe foi outorgado pelo Pacto e por seu protocolo para determinar, como decorrência do próprio tratado, que os Estados cumpram de boa-fé suas conclusões.

Sem, por ora, adentrar na força vinculante das conclusões finais, não há como deixar de concordar com as conclusões do Comitê no que toca às medidas provisórias. Uma coisa é defender que a decisão do Comitê não é vinculante, outra é permitir que o Estado retire do indivíduo o direito que lhe foi assegurado. Afinal, se o objetivo do sistema de comunicações individuais é garantir a efetividade dos direitos do Pacto, negar força a uma liminar é simplesmente impedir que o Comitê venha a deliberar sobre uma comunicação apresentada. Nada pode ser mais contraditório do que atribuir ao Comitê uma competência que venha a ser unilateralmente esvaziada.

Não bastassem as razões que decorrem do próprio Pacto, a Constituição Federal dispõe expressamente, em seu art. 5º, § 2º, que os direitos decorrentes dos tratados integram os demais direitos atribuídos à pessoa humana. O direito à comunicação ao Comitê é, portanto, um direito garantido pela própria Constituição brasileira. Eis aí a força normativa da decisão do Comitê. Uma interpretação em sentido diverso, com a devida vênia, pode atender a sentimento de ocasião, legítimos na arena social e política, entretanto os limites para o aplicador da norma somente podem decorrer dos sentidos da própria norma. Fora disso, há hipertrofia da atividade judicante.

A incidência da cláusula constitucional de abertura impõe reconhecer que esse direito detém, no mínimo, conforme entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, força supralegal. Noutras palavras, a norma convencional prevalece sobre a legislação infraconstitucional, de modo a paralisar sua eficácia. Embora inelegível por força da Lei da Ficha Limpa, não há como o Poder Judiciário deixar de reconhecer que a consequência de uma medida provisória do Comitê de Direito Humanos é a de paralisar a eficácia da decisão que nega o registro da candidatura.

Essa não é uma opção do julgador: essa foi escolha do legislador constituinte, do Congresso Nacional e do Estado brasileiro que firmou e ratificou o Pacto.

Em suma, assento a inelegibilidade do interessado, com o consequente indeferimento do pedido de registro da candidatura respectiva, contudo, se impõe, em caráter provisório, reconhecer, em face da medida provisória concedida no âmbito do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e do parágrafo 2º do art. 5º da Constituição da República, que ao requerente foi garantido o direito, mesmo estando preso, de se candidatar às eleições presidenciais de 2018.

A segurança jurídica não é princípio que possa ser desenhado apenas quando remete a compreensões que, majoritariamente ou não, se condensam como precipitado insolúvel nos dissensos sociais. A segurança está acima das convicções individuais ou coletivas, especialmente quando as escolhas dos caminhos foram previamente feitas pelo legislador constitucional. O Judiciário não reescreve a Constituição nem edita leis. Cumpre as regras e faz cumpri-las, independentemente da visão, do olfato, do paladar, da audição e do tato que estão fora dos limites constitucionais.

No entanto, entendo que, mesmo divergindo, um magistrado não pode desrespeitar norma constitucional, nomeadamente o parágrafo 2º do art. 5º da CRFB, e por consequência, decisão que tem na própria Constituição fundamentos para vinculação do Estado brasileiro (aí incluído o Poder Judiciário). Concordando-se ou não com o teor da decisão, posta a sua vinculação, impende cumprir enquanto perdurar a medida provisória. Ao Estado brasileiro, representado na ordem internacional, por força de texto constitucional, pelo Presidente da República, cabem as funções que poderiam ou poderão suscitar revisão ou revogação ou demais providências cabíveis. Ao Estado brasileiro, por meio de indesviável manifestação do Poder Legislativo, cabe a palavra final, segundo comando expresso da Constituição ao prever que o Congresso Nacional tem competência exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Esta é uma Corte Eleitoral que decide de acordo com a lei e não produz leis ad hoc para questões mais sensíveis e fundamentais. Isso nem de longe poderia autorizar que os juízes tenham motivação política. Como lembra o Justice Breyer da Suprema Corte dos Estados Unidos:

os juízes podem até ter tido alguma experiência política e podem ter pessoalmente uma ou outra opção política. Mas quando vestem a toga, eles são politicamente neutros. Eles não favorecem uma ou outra parte (...) se um juiz pensa que está agindo por ideologia, ele sabe que é errado e tentará evitar (BREYER, Stephen. The Court and The World: American Law and the New Global Realities. New York: Radom House, 2016, p. 277).

Reconhecendo ser esse o dever constitucionalmente dirigido à magistratura, submeto-me ao dever indeclinável de cumprir a lei, e peço vênia ao Relator que dissente, mas não vejo, neste momento, espaço constitucional para, subtraindo ao requerente um direito fundamental, amparar o afastamento tout court da decisão que veio de tomar o Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

É como voto.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI: Senhora Presidente, eminentes pares, senhores advogados a quem cumprimento na pessoa da Doutora Marilda de Paula Silveira, Doutora Maria Claudia Bucchianeri e Doutor Luiz Fernando que estiveram na tribuna na noite de hoje.

A hipótese cuida de 16 impugnações ao registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018, sendo uma ajuizada pelo Ministério Público, oito por candidatos, partidos e coligações e sete por eleitores.

No presente voto, adentro, de início, a relevância jurídico-social e a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, examino em seguida a suposta causa de inelegibilidade imputada ao candidato e, por último, sendo o caso, aprecio os efeitos jurídicos oriundos da restrição à capacidade eleitoral passiva.

1. Lei da Ficha Limpa: Relevância e Constitucionalidade

Longínquo anseio da sociedade civil brasileira gravitava em torno de um imprescindível avanço quanto ao rigor dos requisitos para a candidatura a cargos eletivos, banindo-se do jogo democrático aqueles que ostentassem condutas antecedentes pouco republicanas e incompatíveis com o exercício do mandato, de forma a elevar a um novo patamar de legitimidade as eleições realizadas em nosso país.

Essa avidez social não passou despercebida pelo constituinte reformador, que, por meio da Emenda Constitucional de Revisão 4/942, expressamente autorizou o legislador complementar a introduzir novas hipóteses limitadoras do direito de concorrer a cargos eletivos, considerada a vida pregressa do candidato, surgindo dessa iniciativa o novo texto do § 9º do art. 14 da CF/88, in verbis:

Art. 14. [omissis]

[...]

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

(Redação conferida pela Emenda Constitucional de Revisão 4/94) (sem destaque no original)

Sobre o tema, lapidar a lição do e. Ministro Luiz Fux e de Carlos Eduardo Frazão na obra Novos Paradigmas do Direito Eleitoral, segundo a qual:

Trata-se, à evidência, de arranjo institucional do processo político delineado pelo titular do poder constituinte que claramente optou por prestigiar, nesta quadra histórica, a moralidade no prélio eleitoral [...].

[...] o próprio constituinte vislumbrou que a competição eleitoral não pode prescindir da observância de certos padrões mínimos de conduta por parte de seus players (e futuros agentes políticos): não se há de falar em legitimidade democrática quando as condutas atribuídas aos titulares dos mandatos eletivos ultrajam os patamares éticos e morais erigidos pelo legislador ordinário.

(sem destaque no original)

A fim de suprir a lacuna e dar concretude ao texto constitucional encartado no aludido § 9º, editou-se a LC 135/2010 (conhecida como Lei da Ficha Limpa), fruto de intensa mobilização popular, que, modificando a LC 64/90, incluiu novas hipóteses de inelegibilidade com substrato no critério balizador constitucional da probidade administrativa e da moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato.

Esse diploma legal traduziu-se em verdadeiro marco histórico no processo de moralização da política e de enaltecimento do sistema democrático representativo, porquanto promoveu a retirada da disputa eleitoral de pessoas que, em decorrência de condutas pretéritas, fossem potencialmente nocivos e inaptos à gerência da res publica.

A respeito dessa conquista, o e. Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto4, com sua habitual lucidez, em artigo intitulado “Ficha Limpa: A Moralidade Administrativa Revigorada pela Democracia”, destaca que:

O processo democrático que redundou na sua vinda à baila, de firme e decisiva participação popular, fez despertar, de um sono profundo, a consciência cívica necessária a um deflagrar de novos rumos civilizatórios, próprios da edificação de uma cena político-administrativa daqui por diante mais comprometida com a ética e com legítimos valores republicanos.

Tão logo veio a lume, inúmeros questionamentos surgiram em torno da novel legislação, destacando-se: a) seriam constitucionais as causas de inelegibilidade ali previstas?; b) elas poderiam alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência?; c) a incidência da inelegibilidade a partir de condenação judicial colegiada, mas ainda sem trânsito em julgado, fere o princípio da presunção de inocência?

Tais controvérsias foram submetidas à análise do c. Supremo Tribunal Federal nas ADCs 29 e 30/DF e na ADI 4.578/DF, apreciadas em conjunto, declarando-se a constitucionalidade in totum da Lei da Ficha Limpa.

A c. Suprema Corte assentou que a incidência da LC 135/2010 a fatos geradores pretéritos não traduz hipótese de retroatividade autêntica, vedada pelo ordenamento pátrio, mas sim de retrospectividade, em que a norma jurídica atribui efeitos futuros a situações já existentes, não havendo falar, por conseguinte, em ofensa à segurança jurídica. Confiram-se, no particular, trechos ilustrativos do voto do relator, o e. Ministro Luiz Fux:

Primeiramente, é bem de ver que a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não viola o princípio constitucional da irretroatividade das leis. [...]

[...]

A aplicabilidade da Lei Complementar n.º 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo.

(ADCs 29 e 30/DF e ADI 4578/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 29.6.2012) (sem destaques no original)

Essa tese foi reiterada ao se concluir, em 2017, o julgamento do RE 929.670/DF, entendendo-se que a alínea d do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com texto conferido pela LC 135/2010, que disciplina a inelegibilidade oriunda de condenação por prática de ilícitos eleitorais, é plenamente aplicável a fatos anteriores à sua entrada em vigor.

Por outro vértice, a respeito do suposto ultraje ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista a norma obstar a candidatura em casos de condenações não definitivas, o c. Supremo Tribunal Federal ponderou a necessidade de se harmonizarem garantias, compatibilizando-se o direito individual previsto no art. 5º, LVII, da CF/88 com a evolução social que exige o aprimoramento ético e moral na política.

Segundo aquela Corte, o cânone da presunção de inocência – concebido à luz do direito penal – pode ser relativizado na seara eleitoral a fim de materializar os objetivos inerentes ao art. 14, § 9º, da CF/88. Citem-se, a seguir, os principais extratos do voto do Relator quanto ao tema:

Questiona-se, então: é razoável a expectativa de candidatura de um indivíduo já condenado por decisão colegiada? A resposta há de ser negativa. [...]

[...]

A presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar nº 135/10.

[...]

Demais disso, é de meridiana clareza que as cobranças da sociedade civil de ética no manejo da coisa pública se acentuaram gravemente. Para o cidadão, hoje é certo que a probidade é condição inafastável para a boa administração pública e, mais do que isso, que a corrupção e a desonestidade são as maiores travas ao desenvolvimento do país. [...]

[...]

Nessa ordem de ideias, conceber-se o art. 5º, LVII, como impeditivo à imposição de inelegibilidade a indivíduos condenados criminalmente por decisões não transitadas em julgado esvaziaria sobremaneira o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, frustrando o propósito do constituinte reformador de exigir idoneidade moral para o exercício de mandato eletivo, decerto compatível com o princípio republicano insculpido no art. 1º, caput, da Constituição Federal.

(ADCs 29 e 30/DF e ADI 4578/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 29.6.2012) (sem destaques no original)

Além disso, para reforçar a legitimidade da Lei da Ficha Limpa, em especial no ponto em que não exige a coisa julgada para a incidência de inelegibilidade, rememorou-se a regra do art. 26-C da LC 64/90, que faculta àqueles que porventura se considerem injustiçados pelo provimento colegiado inaugurador do empecilho à capacidade eleitoral passiva requererem cautelarmente sua suspensão, desde que haja presença de fumus boni iuris. Colham-se do voto do relator trechos abaixo:

Resta evidente, portanto, que são rígidos os requisitos para o reconhecimento das inelegibilidades, mesmo que não haja decisão judicial transitada em julgado. Mais ainda, foi prudente o legislador ao inserir expressamente a possibilidade de suspensão cautelar da inelegibilidade por nova decisão judicial colegiada. Não haveria meio menos gravoso de atender à determinação do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. [...]

Ademais, a própria Lei Complementar nº 135/10 previu a possibilidade de suspensão cautelar da decisão judicial colegiada que ocasionar a inelegibilidade, ao inserir na Lei Complementar nº 64/90 o art. 26-C [...]

(ADCs 29 e 30/DF e ADI 4578/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 29.6.2012) (sem destaques no original)

Com espeque em todos esses desdobramentos, o c. Supremo Tribunal Federal declarou a LC 135/2010 constitucional, merecendo ênfase o desfecho do voto do relator:

A balança, no caso, há de pender em favor da constitucionalidade das hipóteses previstas na Lei Complementar nº 135/10, pois, opostamente ao que poderia parecer, a democracia não está em conflito com a moralidade – ao revés, uma invalidação do mencionado diploma legal afrontaria a própria democracia, à custa do abuso de direitos políticos. [...]

(ADCs 29 e 30/DF e ADI 4578/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 29.6.2012) (sem destaques no original)

Nesse cenário, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral conferir máxima efetividade à Lei da Ficha Limpa, sob pena de malferir inúmeros princípios e garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito. Sobre esse aspecto, impecáveis as palavras do e. Ministro Luiz Fux e de Carlos Eduardo Frazão na obra Novos Paradigmas do Direito Eleitoral:

Justamente por isso, o intérprete/aplicador deve potencializarsempre que possível, a teleologia subajecente à LC nº 135/2010, de ordem a maximizar os mandamentos constitucionais de moralidade e de ética que presidem o processo eleitoral. É preciso, pois, cautela para com a fixação de exegeses que vulnerem o escopo da norma, sob pena de, permissa venia aos que divergem, encerrar verdadeira fraude à manifestação legítima e soberana da sociedade brasileira, que contou com ampla aquiescência dos membros do Parlamento.

(sem destaque no original)

Ressalte-se, ainda, que decisão proferida pela c. Suprema Corte em âmbito de controle concentrado tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, incluindo-se esta Justiça Especializada, a teor do art. 102, § 2º, da CF/88.

Em suma, a Lei da Ficha Limpa, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo c. Supremo Tribunal Federal, representa essencial mecanismo de iniciativa popular para proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do pretenso candidato, e aplica-se de modo pleno e irrestrito a todos os cidadãos que desejam postular candidatura a cargo eletivo perante a Justiça Eleitoral.

Sendo notórias a relevância e a constitucionalidade da LC 135/2010, cabe examinar a inelegibilidade atribuída ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o que se fará no tópico a seguir.

2. Caso dos Autos: Inelegibilidade por Condenação Criminal por Órgão Colegiado (Art. 1º, I, e, 1 e 6, da LC 64/90)

Consoante o art. 1º, I, e, 1 e 6, da LC 64/90, com texto da LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), são inelegíveis, para qualquer cargo, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, os que forem condenados – por decisão proferida por órgão judicial colegiado ou transitada em julgado – pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, e, ainda, de lavagem ou de ocultação de bens, direitos e valores. Eis o teor dos dispositivos:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

[...]

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

[...]

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; [...]

Na espécie, é incontroverso que o candidato impugnado ostenta condenação penal em segundo grau – inclusive com majoração da pena imposta na sentença – pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (art. 317 do Código Penal8 e art. 1º da Lei 9.613/98, respectivamente) no curso da Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR.

O primeiro delito – corrupção passiva – encontra-se inserido no título XI do Código Penal, atinente aos Crimes Contra a Administração Pública, atraindo, portanto, a causa de inelegibilidade do item 1 da alínea e do inciso I do art. 1º da LC 64/90.

O segundo – lavagem de dinheiro – está previsto na Lei 9.613/98, que cuida dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, e encontra correspondência no item 6 do mencionado dispositivo.

A fim de que não restem dúvidas acerca do enquadramento do candidato nas referidas inelegibilidades, saliente-se haver referência expressa aos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro não apenas na fundamentação da sentença como também em sua parte dispositiva.

Como já se frisou no início deste tópico, é incontroverso que a sentença foi mantida por unanimidade de votos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 24.1.2018 quanto à prática dos aludidos crimes (Apelação Criminal 5046512-94.2016.4.04.7000).

Desse modo, a inelegibilidade do candidato Luiz Inácio Lula da Silva é cristalina, patente e induvidosa, não cabendo à Justiça Eleitoral discutir o acerto ou o desacerto da condenação (Súmula 41/TSE).

Como disse o eminente relator, “não estamos a discutir se foi certa ou errada a decisão do órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região”, porque o foro próprio será o Superior Tribunal de Justiça por meio da Quinta Turma, preventa para a matéria, e também qualquer exame sobre a parte criminal esbarra na Súmula-TSE nº 41, que estabelece:

Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade.

Acrescente-se, ainda, que os efeitos dessa condenação encontram-se plenamente vigentes, haja vista a inexistência de decisum emanado do Poder Judiciário suspendendo o decreto penal condenatório.

No ponto, frise-se que a decisão liminar – interim measure – exarada pelo Comitê de Direitos Humanos (CDH) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) não possui efeito vinculante e, além disso, limitou-se a assegurar ao candidato a prática de atos de campanha enquanto não decidido o seu registro, óbice superado nesta assentada.

Quanto à ausência de efeito vinculante, é necessário ressaltar que:

a) o Comitê de Direitos Humanos não possui competência jurisdicional, a incidir em processo de registro de candidatura, por se tratar de órgão meramente administrativo;

b) o candidato, a despeito de dispor da via judicial – Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça – para buscar a suspensão da inelegibilidade, não o fez, de modo que não se esgotaram os recursos disponíveis em âmbito interno;

c) a liminar foi concedida sem que se concedesse oitiva prévia ao Estado brasileiro.

d) a inelegibilidade do requerente decorre da Lei da Ficha Limpa, que, como se demonstrou à exaustão, foi declarada constitucional pela c. Suprema Corte.

Além disso, é relevante salientar que, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, eventual pendência do julgamento de embargos declaratórios nos autos da ação penal é incapaz de afastar a inelegibilidade, mormente porque, em regra, essa espécie de recurso não imprime efeitos modificativos e destina-se apenas a suprir omissão, contradição ou obscuridade. Confiram-se, por todos:

[...] 7. Segundo a jurisprudência do TSE, para que incida a causa de inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I do art. 1º da LC 64/90, basta que haja condenação criminal emanada de órgão judicial colegiado, não suspendendo a inelegibilidade a oposição de Embargos Declaratórios àquela decisão, ainda que pendentes de julgamento. [...]

(AgR-REspe 52-17/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 16.6.2017) (sem destaque no original)

Por todos esses fundamentos, reitere-se a inelegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva para se candidatar ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018.

Declarada a restrição à capacidade eleitoral passiva do candidato, cabe definir, no tópico subsequente, os efeitos jurídicos do indeferimento do registro.

3. Consequências Jurídicas

Analisam-se as consequências jurídicas que emanam da inviabilidade da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.

O candidato defende seu direito de prosseguir na campanha – inclusive com nome e foto na urna eletrônica – com base no art. 16-A da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 12.034/2009, que assim dispõe:

Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Todavia, a irresignação não merece prosperar.

A despeito da previsão expressa contida no mencionado dispositivo, sua parte final estabelece ressalva no sentido de que fica “a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.

A teor do entendimento do c. Supremo Tribunal Federal e desta Corte, é possível vislumbrar que a “instância superior” equivale ao próprio Tribunal Superior Eleitoral.

Com efeito, a título demonstrativo, no julgamento do ED-REspe 139-25/RS, o relator (e. Ministro Henrique Neves da Silva), ao analisar o art. 224 do Código Eleitoral, traçou detalhado histórico acerca das hipóteses de negativa de registro de candidatura e suas consequências, concluindo que, indeferido o registro por esta Corte, executa-se imediatamente o decisum. Confira-se trecho de seu judicioso voto:

Consoante se verifica do teor dos §§ 2º e 3º do mencionado art. 167, consignou-se a possibilidade de a nova eleição ser realizada a partir do momento em que há pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre o registro de candidatura, por ser esta Corte a última instância para a análise das questões infraconstitucionais, como já havia sido consignado no Processo Administrativo 20.159. [...]

A partir da edição da LC 135/2010, a regra do art. 15 da Lei Complementar 64/90 foi alterada, e a execução da decisão que reconhece a inelegibilidade está condicionada apenas ao pronunciamento do órgão colegiado.

De igual forma, a edição da regra do art. 16-A da Lei das Eleições, que impõe a manutenção da campanha do candidato cujo registro foi indeferido até a apreciação da matéria por instância superior, converge no sentido de se aguardar o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral, tal como ocorre no caso de aplicação do art. 216 do Código Eleitoral.

(ED-REspe 139-25/RS, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, publicado em sessão em 28.11.2016) (sem destaques no original)

Por sua vez, a c. Suprema Corte, na ADI 5.525/DF, em que se questionava a constitucionalidade do art. 224 do Código Eleitoral, concluiu no mesmo sentido: o marco para executar decisões que importem indeferimento ou cassação de registro é o do julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral, seja atuando esta Corte em única ou última instância, independentemente de oposição ou pendência de eventuais embargos declaratórios. Veja-se:

Portanto, interpretando conforme a Constituição, considero consentâneo com os princípios e valores constitucionais que a decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário, em regra, seja executada imediatamente, independentemente do julgamento dos embargos de declaração.

(ADI 5.525/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgada em 8.3.2018) (sem destaques no original)

Saliente-se por oportuno que, após esses dois emblemáticos julgados, este Tribunal voltou a tratar do tema em 29.5.2018, no AgR-AI 281-77/MT, em que o e. Ministro Luís Roberto Barroso – por sinal, relator da ADI 5.525/DF – reforçou o entendimento contido nos dois precedentes acima mencionados, isto é, de que o Tribunal Superior Eleitoral é a instância ad quem para executar decisão de indeferimento de registro de candidato.

A fim de que não pairem quaisquer dúvidas acerca da possibilidade de execução imediata das decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, seja em única ou última instância, confira-se o voto condutor no já citado AgR-AI 281-77/MT:

A Corte afirmou que “a decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma, ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário, em regra, deve ser executada imediatamente, independentemente do julgamento dos embargos de declaração”.

[...] a partir de uma análise mais detida dos debates ocorridos no julgamento da ADI nº 5525, entendo que a compreensão de “decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral” deve ser aquela que já vigorava neste Tribunal Superior Eleitoral, consolidada no julgamento do ED-REspe nº 13.925/RS, Rel. Mm. Henrique Neves [...]

Assim, as novas eleições devem ser convocadas após a manifestação de última instância da Justiça Eleitoral, independente do julgamento de embargos de declaração. Quanto a esse ponto, o entendimento consolidado do TSE é o de que tal marco é representado pela última instância ordinária da Justiça Eleitoral, em caso de cassação de mandato.

(AgR-AI 281-77/MT, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 14.6.2018) (sem destaques no original)

Diante dessas considerações, o art. 16-A da Lei 9.504/97, ao permitir a prática de atos de campanha e a inclusão na urna eletrônica enquanto o registro estiver sub judice, deve ser compatibilizado com a ressalva final de seu texto – em que se emprega a expressão “instância superior” – e com a jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral quanto à execução imediata das decisões de indeferimento de candidatura proferidas por esta Corte em única ou última instância.

A contrario sensu, condicionar a execução da decisão de indeferimento do registro ao eventual julgamento de outros recursos – seja na ação penal ou no próprio processo de registro – ensejaria afronta aos princípios da duração razoável do processo e da celeridade (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), inerentes a esta Justiça Especializada.

Entender de modo diverso também violaria os princípios e garantias ínsitos à democracia, ao voto direto, à proteção da confiança e à boa-fé, além de esvaziar por completo o escopo da Lei da Ficha Limpa.

Isso porque o cidadão-sufragista é a espinha dorsal de todo o processo eleitoral e é imprescindível conferir-lhe ampla e irrestrita clareza quanto à elegibilidade dos postulantes a cargos eletivos, o mais cedo possível, para que sua escolha espontânea não venha a ser anulada com a posterior exclusão de candidato que ostenta causa de inelegibilidade amplamente conhecida, como no caso que verte.

Não se pode olvidar que, no presente ano de 2018, cerca de 147 milhões de brasileiros – autênticos titulares do poder – estão aptos a se apresentar às urnas no dia sete de outubro a fim de exercer o aspecto mais relevante da cidadania: a eleição de seus representantes por meio do voto.

Daí a responsabilidade da Justiça Eleitoral em conferir segurança à disputa, verificando a priori, como ora se faz, a aptidão de candidatos que postulam cargos políticos para que a democracia se realize integralmente, alcançando um resultado soberano, justo e válido.

Por isso que tenho dito que a Justiça não é bela apenas quando manuseia o código e o aplica, mas é bela sim e chega a ser até grandiosa, quando mergulha nas profundezas e na razão moral e ética do fato que julga.

Assim, ancorado nos princípios democrático, do voto direto, da proteção da confiança, da duração razoável do processo e da celeridade, e, ainda, levando-se em conta a inequívoca constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e os legítimos anseios por eleições disputadas apenas por candidatos que atendam aos requisitos legais e constitucionais (considerada sua vida pregressa), indefiro o registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.

4. Conclusão

Ante o exposto, voto pelo acolhimento das impugnações e pelo indeferimento do registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018.

Considerando a publicação deste aresto na própria assentada de julgamento (art. 46, § 2º, da Res.-TSE 23.548/2017), voto por sua imediata execução, retirando-se o nome e a foto do candidato da urna eletrônica e vedando-se a prática de atos de propaganda.

É como voto.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO OG FERNANDES: Senhora Presidente, Senhores Ministros, Senhora Procuradora-Geral Eleitoral – Doutora Raquel Dodge –, senhoras e senhores, advogadas e advogados. Começo por lembrar versos de Chico Buarque de Holanda:

A História é um carro alegre

Cheio de um povo contente

Que atropela indiferente

Todo aquele que a negue

Permito-me, neste momento, contraditar os belos versos de Chico Buarque. Nem sempre a História é um carro alegre. Esta data – este momento em que o Tribunal Superior Eleitoral está a marcar a História do Judiciário brasileiro –, não é um momento de alegria, é um instante de apenas exação do nosso dever.

O ex-presidente da Corte Constitucional Mexicana, já falecido, Ministro Juan Diaz Romero, certa ocasião, disse que nós, juízes, temos, tal como os professores, as mães e os psicólogos, o compromisso de ver muito de perto os bons e os maus comportamentos, a boa ou a má conduta humana.

Nós temos isso, mas, se estamos aqui, é porque prestamos um compromisso e juramos defender e fazer cumprir a Constituição brasileira e as leis do país.

Sobre o tema aqui em discussão, penso que a primeira análise que posso fazer é que estamos, no fundo, discutindo poder. E a melhor forma de empalmar o poder é por meio da paz.

Faz algum tempo, objetivamente em 1988, o Brasil ingressou nesse caminho da solução do poder pela paz. E justiça é o outro nome da paz. Em um Estado democrático, a obediência ao Direito é obediência a si mesmo.

O que se julga nesta sessão não é a indiscutível popularidade de uma liderança política nem questões postas na seara penal. Estamos a decidir a igualdade de todos perante a lei e a Constituição. E isso implica resistir a um Estado anticonstitucional ou aconstitucional, na expressão feliz de Luigi Ferrajoli. Noutros termos, se a lei vale para uns, há de valer para todos.

Tomo por empréstimo a frase do Ministro Luís Roberto Barroso, ao dizer que “o que desafia a seriedade com que deve ser tratada a Constituição Federal é o raciocínio fundado em que não vale o escrito”. Igualdade é rima rica para liberdade.

Tratamos, principalmente, sobre a aplicação da Lei Complementar nº 64/90, com a redação formulada pela Lei Complementar nº 135/2010, conhecida nacionalmente como a Lei da Ficha Limpa, que refundou a normativa brasileira sobre inelegibilidade, a partir da eficácia nascente da proposta popular, com mais de 1.600.000 (um milhão e seiscentas mil) pessoas deste país.

Lembro que, àquela altura, o Congresso Nacional não tinha uma metodologia específica a respeito de como introduzir, no cenário congressual, a Lei da Ficha Limpa.

Isso resultou em um incomparável número de assinaturas de congressistas – em outras palavras, do sentimento popular ali representado – que adotaram a iniciativa dentro do modelo estabelecido regimentalmente, como momento de harmonia entre as aspirações populares e o sentimento de uma República representativa.

Até este momento, dos votos que ouvi, parece haver mais consenso do que dissenso. O conflito básico, objeto de alguma controvérsia, até onde vai a minha apreensão, é sobre a aplicação da recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) e a sua eventual força normativa dentro do ordenamento brasileiro, do cenário interna corporis brasileiro.

Vou me cingir, sucintamente, a tratar desse tema. Penso que a recomendação não tem força normativa suficiente para empecer o raciocínio argumentativo elaborado, tal como foi no voto do ministro relator. Colho o que foi dito pelo Ministro Luís Roberto Barroso:

[...]

7. A medida cautelar (interim measure) concedida em 17 de agosto pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, no âmbito da comunicação individual, para que o Estado brasileiro assegure a Luiz Inácio Lula da Silva o direito a concorrer nas eleições de 2018 até o trânsito em julgado da decisão criminal condenatória, não constitui fato superveniente apto a afastar a incidência da inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97. Em atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional, a manifestação do Comitê merece ser levada em conta, com o devido respeito e consideração. Não tem ela, todavia, caráter vinculante e, no presente caso, não pode prevalecer, por diversos fundamentos formais e materiais.

[...]

Diz ainda o Ministro Luís Roberto Barroso:

[...]

7.1 Do ponto de vista formal, (i) o Comitê de Direitos Humanos é órgão administrativo, sem competência jurisdicional, de modo que suas recomendações [repito] não têm caráter vinculante; (ii) O Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional, que legitimaria a atuação do Comitê, não está em vigor na ordem interna brasileira; (iii) não foram esgotados os recursos internos disponíveis, o que é requisito de admissibilidade da própria comunicação individual; (iv) a medida cautelar foi concedida sem a prévia oitiva do Estado brasileiro e por apenas dois dos 18 membros do Comitê, em decisão desprovida de fundamentação.

[...]

Neste ponto, cabe raciocínio: os peritos poderiam modificar, em tese, todo o processo eleitoral brasileiro? Os peritos internacionais modificariam todo o processo legislativo e toda a construção que o Brasil vem a fazer desde a Constituinte até hoje?

Diz ainda o eminente ministro relator:

[...]

7.2 Do ponto de vista material, tampouco há razão para acatar a recomendação. O Comitê concedeu a medida cautelar por entender que havia risco iminente de dano reparável ao direito previsto no art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que proíbe restrições infundadas ao direito de se eleger. Porém, a inelegibilidade, neste caso, decorre da Lei da Ficha Limpa, que, por haver sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e ter se incorporado à cultura brasileira, não pode ser considerada uma limitação infundada à elegibilidade do requerente.

[...]

Minhas últimas palavras, em face de meu posicionamento diante da controvérsia: aqui se disse que houve diversas decisões autorizando outros candidatos a perseverarem na campanha, após acolhimento da impugnação de elegibilidade. Penso que essa argumentação não pode prosperar. Vai de encontro à própria razão do Direito como parceiro das mutações sociais e dos avanços da legislação eleitoral.

Houve, sim, mudanças jurisprudenciais, e já há dois anos. E essas mudanças, a meu sentir, não geram insegurança jurídica, geram ajustes. É o espírito das leis.

Peço, enormemente, vênias ao Ministro Edson Fachin pela belíssima manifestação que fez para todos aqui. Mas cuido que, nesta assentada e neste momento, assiste entendimento mais consentâneo a respeito das matérias tratadas pelo eminente Ministro Luís Roberto Barroso, razão pela qual eu o acompanho integralmente.

É como voto, Senhora Presidente.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Senhora Presidente, eu sei que já vamos no adiantado da hora, mas não poderia deixar de louvar, em primeiro lugar, a condução de Vossa Excelência neste processo. Outro dia, aliás, em ambiente público, ouvi merecidos elogios a Vossa Excelência por parte de advogados.

Ao eminente relator também não se pode dizer que não foi ortodoxo nos prazos necessários ao deslinde da controvérsia que se põe hoje em julgamento.

Quanto aos advogados, hoje tivemos a prova da qualidade dos advogados que pleiteiam nesta Corte. Digo também da elegância, da lhaneza e da lealdade.

Assento ainda que, nem de longe, percebi qualquer movimento que pudesse ter significado de chicana por parte dos patronos do impugnado. Essa crítica, para aqueles que fazem crítica fácil e de plantão, não pode ser atribuída aos eminentes patronos, que sequer utilizaram prazos integrais que lhe foram conferidos, como revelado da tribuna.

A Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PC do B/PROS) e Luiz Inácio Lula da Silva requereram o registro de candidatura deste último, visando à habilitação para concorrer ao cargo de Presidente da República nas Eleições de 2018.

O requerimento foi alvo de várias impugnações e notícias de inelegibilidade, nas quais se alega, em suma, que o impugnado foi condenado por órgão colegiado, nos autos da Apelação Criminal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, em razão da prática de crime contra a administração pública e de ocultação de bens, de modo que incide a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64/90.

Há também pedido de tutela de evidência, formulado pelo Diretório Nacional do Partido Novo, visando a obstar: a) a realização de gastos de recursos oriundos de financiamento público (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC); b) a participação em debates [ou mesmo a menção de seu nome como candidato convidado a participar; c) a realização de qualquer tipo de propaganda eleitoral; e d) a destinação de tempo para que participe da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

Adoto, no tocante às alegações defensivas, o bem lançado relatório do eminente Ministro Luis Roberto Barroso.

Analiso as questões alusivas ao registro de candidatura, começando pela matéria preliminar.

 

MATÉRIA PRELIMINAR

Cerceamento de defesa – Ausência de prazo para alegações finais

 

Foi apontado o suposto cerceamento de defesa, em razão da não abertura de prazo para as alegações finais, as quais estão previstas no art. 6º da Lei Complementar 64/90.

De fato, o referido dispositivo prescreve que, “encerrado o prazo da dilação probatória, nos termos do artigo anterior, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 5 (cinco) dias”.

Porém, a interpretação do preceito deve levar em conta a lógica e a organicidade do rito da ação de impugnação ao registro de candidatura, que prevê a existência de dilação probatória, “se não se tratar apenas de matéria de direito e a prova protestada for relevante” (art. 5º, caput) e condiciona a faculdade de alegações finais quando “encerrado o prazo de dilação probatória” (art. 6º, caput).

Dessa forma, apenas nos casos em que for necessária a dilação probatória – entre os quais não se enquadra a análise de inelegibilidade a partir de condenação criminal aferível mediante certidões e cópias dos provimentos jurisdicionais exarados pela Justiça Comum –, será igualmente necessária a abertura de prazo para as alegações finais, pois somente nessa hipótese haverá matéria relevante que tenha eventualmente assomado aos autos, após o oferecimento da inicial e da defesa.

Por outro lado, se a matéria for unicamente de direito ou possa ser provada apenas por elementos documentais (caso dos autos), afigura-se desnecessária a abertura de prazo para o oferecimento de alegações finais.

Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DEFERIMENTO. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSO ESPECIAL. COLIGAÇÃO IMPUGNANTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. IMPROCEDÊNCIA.

1. Este Tribunal já decidiu que "o artigo 6º da Lei Complementar nº 64/90 estabelece apenas a faculdade - e não a obrigatoriedade - de as partes apresentarem alegações finais. Em observância do princípio da economia processual, é permitido ao juiz eleitoral, nas ações de impugnação ao registro de candidatura, e passada a fase de contestação, decidir, de pronto, a ação, desde que se trate apenas de matéria de direito e as provas protestadas sejam irrelevantes" (REspe 166-94, rel. Min. Maurício Corrêa, PSESS em 19.9.2000).

2. Se é certo que o impugnante, em regra, tem inequívoco direito de se manifestar sobre documentos apresentados pelo candidato com a contestação, a decretação da nulidade, no caso, esbarra no fato de a Corte de origem ter expressamente indicado que os documentos em questão nada agregariam ao deslinde da causa. A nulidade não deve ser declarada sem que haja demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219, caput, do Código Eleitoral.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-REspe-286-23, rel. Min. Henrique Neves, PSESS em 2.11.2016, grifo nosso.)

Ademais, entendo correta a posição do Ministro relator, o qual observou que o impugnado pleiteia a tutela sobre direito alheio, o direito ao contraditório dos impugnantes.

Ante o exposto, rejeito essa preliminar de cerceamento de defesa, porquanto se afigura desnecessário oportunizar o oferecimento de alegações finais no caso.

 

MÉRITO

O processo de registro de candidatura e o papel da Justiça Eleitoral

 

Antes de adentrar propriamente o mérito das impugnações, cumpre tecer algumas considerações a respeito do processo de registro de candidatura e do papel exercido pela Justiça Eleitoral na análise dos pedidos de pretensos candidatos.

O registro de candidatura é o procedimento por meio do qual se avalia a viabilidade jurídica de candidaturas apresentadas à Justiça Eleitoral, seja sob o ângulo da regularidade dos atos partidários – conforme destaquei no processo anterior –, seja sob a ótica do preenchimento de requisitos pessoais para a postulação da candidatura almejada.

Com ou sem impugnação, é poder-dever do magistrado eleitoral competente aferir, no âmbito do processo de registro de candidatura (RRC), a presença das condições de elegibilidade e a inexistência de causas de inelegibilidade, bem como, no bojo do demonstrativo de regularidade de atos partidários, averiguar se a agremiação partidária está regular e autorizada pelos convencionais, que fazem o papel de eleitor soberano no âmbito partidário.

Esse relevante ofício atribuído à Justiça Eleitoral tem como baliza manter a Constituição da República Federativa do Brasil, expressão máxima do poder soberano do povo, que se sobrepõe a qualquer vontade dos poderes constituídos e de manifestações subsequentes do próprio povo.

Pois foi exatamente esse poder original, incondicionado, decorrente da atuação de representantes do povo em Assembleia Nacional Constituinte, que estabeleceu que a postulação a candidaturas, quaisquer que sejam, depende do preenchimento de certos requisitos positivos (condições de elegibilidade) e da não incidência de alguns requisitos negativos (inelegibilidades), os quais são aferidos em processos específicos, da competência da Justiça Eleitoral.

Nessa linha, o art. 14, § 3º, da Constituição Federal estipula que são condições de elegibilidade: (i) a nacionalidade brasileira; (ii) o pleno exercício dos direitos políticos; (iii) o alistamento eleitoral; (iv) o domicílio eleitoral; (v) a filiação partidária e (vi) a idade mínima, de acordo com o cargo em disputa.

A própria Constituição prevê hipóteses de restrição temporária à capacidade eleitoral passiva, relacionadas ao grau de instrução, ao exercício sucessivo de mandatos e às relações de parentesco, outorgando, por oportuno, ao legislador complementar a fixação de outras hipóteses de inelegibilidade,a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Em razão dessa reserva legal, foi editada a Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, a qual, desde o seu texto original, contemplava várias hipóteses de inabilitação para candidatura, a exemplo da perda de mandato parlamentar ou executivo (alíneas b e c), da condenação em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político (alínea d), da declaração de indignidade de oficialato (alínea f), da rejeição de contas (alínea g), da condenação por ato abusivo praticado no exercício de cargo da administração pública (h) e da condenação criminal (alínea e).

Com o advento da Lei Complementar 135/2010, diploma legislativo que contou com elevado prestígio popular e expressiva aprovação no Congresso Nacional, promoveram-se profundas alterações no sistema de inelegibilidades, entre as quais a previsão, como regra, do prazo linear de 8 anos – sobre o qual guardo reservas –, a possibilidade da incidência da restrição a partir de decisão de órgão colegiado e a previsão de novas hipóteses de inelegibilidade.

Na análise das várias hipóteses de inelegibilidade descritas na referida lei complementar, extrai-se que os fatos ensejadores da inelegibilidade podem decorrer de juízos políticos, condenações da Justiça Eleitoral, condenações da Justiça Comum, decisões de tribunais de contas, decisões de órgãos profissionais e, até mesmo, de atos unilaterais de mandatários.

No caso específico das decisões oriundas de órgãos do Poder Judiciário, a repartição constitucional de competências e as limitações próprias da cognição judicial em sede de registro de candidatura impedem que a Justiça Eleitoral examine o mérito das condenações, seja para corroborá-las, seja para infirmá-las.

Essa orientação está há muito consolidada na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se vê:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, l, DA LC 64/90. DESPROVIMENTO.

1. Segundo a jurisprudência, não cabe à Justiça Eleitoral analisar o acerto ou desacerto da decisão do Tribunal de Justiça que concluiu pela existência de ato doloso de improbidade administrativa com enriquecimento ilícito e dano ao erário, sob pena de indevida usurpação de competência (RO 8924-76/SC, Rel. Min. Arnaldo Versiani, PSESS de 1º.10.2010; AgR-REspe 1055-41/PA, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 29.9.2010).

2. Na espécie, reconhecida a existência de todos os elementos conformadores da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC 64/90, o indeferimento do pedido de registro de candidatura é medida que se impõe.Agravo regimental não provido.

(AgR-REspe nº 608-45, rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS de 4.10.2012, grifo nosso.)

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO CRIMINAL. TRÂNSITO EM JULGADO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO PRIVADO. ART. 1º, I, E, 2, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90.

[...]

4. Nos termos da Súmula 41/TSE, não compete à Justiça Eleitoral apreciar o acerto ou o desacerto das decisões de outros órgãos do Judiciário que possam configurar causas de inelegibilidade, de forma que o reconhecimento de duplicidade de ações criminais e a eventual desconstituição de sentença condenatória só podem ser pleiteadas na Justiça Comum.

5. Não tendo havido debate nem decisão do Tribunal de origem acerca da alegada ocorrência de transação penal antes da edição da Lei Complementar 135/2010 e da suposta natureza culposa do crime, o recurso especial não pode ser conhecido nesse particular, a teor da Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal.

6. É inelegível, nos termos do art. 1º, I, e, 2, da Lei Complementar 64/90, o candidato condenado pela prática de crime contra o patrimônio privado, por meio de decisão transitada em julgado, até o prazo de oito anos após o cumprimento da pena.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-REspe nº 160-51, rel. Min. Henrique Neves, PSESS de 19.12.2016, grifo nosso.)

Registro. Inelegibilidade. Condenação criminal.

1. A Lei Complementar nº 135/2010 aplica-se às eleições de 2010, porque não altera o processo eleitoral, de acordo com o entendimento deste Tribunal na Consulta nº 1120-26. 2010.6.00.0000 (rel. Min. Hamilton Carvalhido).

2. As inelegibilidades da Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que o respectivo fato seja anterior à sua entrada em vigor, pois as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, não havendo, portanto, falar em retroatividade da lei.

3. Tendo sido o candidato condenado, por órgão judicial colegiado, pela prática do crime capitulado no art. 1º, IV, do Decreto-Lei nº 201/67, incide, na espécie, a causa de inelegibilidade a que se refere o art. 1º, inciso I, alínea e, da Lei Complementar nº 64/90, acrescentada pela Lei Complementar nº 135/2010.

4. Não compete à Justiça Eleitoral verificar a prescrição da pretensão punitiva e declarar a extinção da pena imposta pela Justiça Comum.

Agravo regimental não provido.

(RO nº 4174-32, rel. Min. Arnaldo Versiani, PSESS em 28.10.2010, grifo nosso)

O entendimento acima está cristalizado no verbete sumular 41 desta. Corte, a saber: “Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade.

Portanto, ao apreciar o requerimento de registro de candidatura e eventual ação de impugnação, não cabe à Justiça Eleitoral se manifestar acerca do mérito dos fatos ensejadores da inelegibilidade. A competência se restringe a examinar a adequação do pretenso candidato às regras constitucionais e infraconstitucionais alusivas à elegibilidade, tomando como base suporte fático-jurídico já consolidado, não mais sujeito à pesquisa no âmbito do processo de registro de candidatura.

Nessa linha, para a solução do presente feito, são absolutamente neutras as alegações colhidas dos presentes autos, de que o impugnado seria responsável por tantos outros ilícitos, cíveis administrativos e penais, ou mesmo – em defesa – de que seria vítima de grave injustiça, fruto de condenação criminal sem provas e sem a observância de garantias inerentes ao devido processo legal.

Em outros termos, no processo de registro de candidatura, não se investiga a culpa ou a inocência do pretenso candidato em relação a fatos cuja competência para processo e julgamento é constitucionalmente atribuída a outros órgãos do Poder Judiciário. Se a condenação foi justa ou injusta, cabe ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, se e quando provocados, deliberar a respeito.

Nessa linha:

ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. GOVERNADOR. CONDENAÇÃO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. ÓRGÃO COLEGIADO. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. INELEGIBILIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. ARTIGO 1º. INCISO I. ALÍNEA L. DANO AO ERÁRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PRAZO. INCIDÊNCIA. SEGURANÇA JURÍDICA. FIXAÇÃO DE TESE. PLEITO 2014.

1. Os conceitos de inelegibilidade e de condição de elegibilidade não se confundem. Condições de elegibilidade são os requisitos gerais que os interessados precisam preencher para se tornarem candidatos. Inelegibilidades são as situações concretas definidas na Constituição e em Lei Complementar que impedem a candidatura.

2. No processo de registro de candidatura, a Justiça Eleitoral não examina se o ilícito ou irregularidade foi praticado, mas, sim, se o candidato foi condenado pelo órgão competente.

3. A Justiça Eleitoral não possui competência para reformar ou suspender acórdão proferido por Turma Cível de Tribunal de Justiça Estadual ou Distrital que julga apelação em ação de improbidade administrativa.

[...]

(RO nº 154-29, rel. Min. Henrique Neves, RJTSE de 26.8.2014, grifo nosso.)

Assim, a despeito da excelência dos argumentos vertidos nos autos no tocante à condenação mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o exame a ser feito neste momento é estrito, apenas vinculado à conformação do substrato fático (condenação criminal) aos elementos necessários à incidência da inelegibilidade descrita no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64/90.

Feitos esses registros, passo ao exame do mérito das impugnações.

 

MÉRITO

 Da alegada incidência da inelegibilidade descrita no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64/90

 

Conforme relatado, as diversas impugnações narram, em síntese, o mesmo fato, qual seja: o pretenso candidato foi condenado criminalmente pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da Apelação Criminal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, à pena de 12 anos e 1 mês de reclusão, em regime inicialmente fechado, e a 280 dias-multa, à razão unitária de 5 salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso, em razão da prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, V, da Lei 9.613/98).

No caso, a existência da condenação está devidamente comprovada, mediante documento público que goza de presunção de veracidade e legitimidade, nos seguintes termos (pp. 6-8 do documento 300.458):

CERTIFICO, em razão do meu cargo e a pedido da parte interessada, que tramita perante este Tribunal a Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000, processo originário da 13ª Vara Federal de Curitiba, em que figuram, como APELANTES, dentre outros, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (070.680.938-68), e APELADOS, dentre outros, as mesmas partes. Consta dos autos que a inicial acusatória foi acostada ao evento 1 dos autos da ação penal originária, com documentos no evento 3, contendo as seguintes capitulações: 1) LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, pela prática, no período compreendido entre 11/10/2006 e 23/01/2012, por 7 vezes, em concurso material, do delito de corrupção passiva qualificada, em sua forma majorada, previsto no art. 317, caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código Penal;(...); 3) LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, (...) pela prática, no período compreendido entre 08/10/2009 e a presente data, por 3 vezes, em concurso material, do delito de lavagem de capitais, previsto no art. 1º c/c o art. 1º § 4º, da Lei nº 9.613/98; 4) LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (...), pela prática, no período compreendido entre 01/01/2011 e 16/01/2016, por 61 vezes, em continuidade delitiva, do delito de lavagem de capitais, previsto no art. 1º c/c o art. 1º § 4º, da Lei nº 9.613/98. Em sentença, publicada em 12/07/2017, foi julgada parcialmente procedente a pretensão punitiva, para (a) absolver LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA das imputações de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o armazenamento do acervo presidencial, por falta de prova suficiente da materialidade (art. 386, VII, do CPP)(...), (f) condenar LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, (i) por um crime de corrupção passiva do art. 317 do CP, com a causa de aumento na forma do §1º do mesmo artigo, pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência de valores oriundos do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobras, à pena de 6 anos de reclusão, além de multa de 150 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos (em 06/2014); (ii) por um crime de lavagem de dinheiro do art. 1º, caput, inciso V, da Lei n.º 9.613/1998, envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas, à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão, além de multa de 35 diasmulta, no valor unitário de 5 salários mínimos (12/2014). Foi aplicado o concurso material, totalizando 9 anos e 6 meses de reclusão, a serem cumpridos em regime inicialmente fechado, além de multa total de 185 dias-multa, no valor de 5 salários mínimos o dia-multa, nas respectivas datas. Imposta, ainda, como condição para progressão de regime, a reparação do dano, na forma do art. 33, § 4º do CP. Consta, ainda, da sentença, decretação de (a) interdição LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA para o exercício de cargo ou função pública ou de diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da mesma lei pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade, com base no art. 7º, II, da Lei nº 9.613/1998; (b) confisco e sequestro do apartamento 164-A, triplex, Edifício Salina, Condomínio Solaris, no Guarujá, matrícula 104.801 do Registro de Imóveis do Guarujá, por ser produto de crime de corrupção e de lavagem de dinheiro, com base no art. 91, II, 'b', do CP. Para reparação do dano, foi limitado o montante àquele destinado à conta corrente geral de propinas do Grupo OAS com agentes do Partido dos Trabalhadores, consistente em R$ 16 milhões, a ser corrigido monetariamente e agregado de 0,5% de juros simples ao mês a partir de 10/12/2009, descontados os valores confiscados relativamente ao apartamento. Por força dos apelos, subiram os autos a esta Corte. Em sessão realizada em 24/01/2018, a 8ª Turma, por unanimidade, rejeitou as preliminares e conheceu em parte da apelação do réu LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e, nessa extensão, deu-lhe parcial provimento para 9.10. Mantidas as condenações de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, (...) pelo delito de corrupção. (...) 9.11. Preservada a condenação de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA por único ato de corrupção passiva. (...) 9.15. Preservada a absolvição de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, (...) dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro quanto ao armazenamento do acervo presidencial. 9.16. Não conhecimento das apelações de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (...) no ponto em que postulam a reforma da sentença para que se faça constar que os fatos relacionados ao acervo presidencial não constituem crime, por falta de interesse jurídico recursal. Reformadas as sanções aplicadas, foi o réu condenado: (a) LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: 12 (doze) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicialmente fechado, e 280 (duzentos e oitenta) diasmulta, à razão unitária de 05 (cinco) salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso.(...) 9.18 Provido parcialmente o apelo da defesa de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA tão somente para aplicar a atenuante do artigo 65, I, do Código Penal no patamar de 1/6 (um sexto)(...). 9.19. Hígida a pretensão punitiva, pois não decorridos os prazos prescricionais entre os marcos interruptivos. 9.20. Preservada a sentença no tocante ao valor definido a título de reparação do dano. 9.21. Mantida, forte no art. 7º, II, da Lei nº 9.613/1998, a interdição de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, para o exercício de cargo ou função pública ou de diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da mesma lei pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade. 9.22. Determinada a execução das penas após esgotada a jurisdição de segundo grau ordinária. Foram opostos embargos de declaração por LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA. Em sessão realizada em 26/03/2018, os embargos foram julgados, restando não conhecidos no ponto em que alega omissão sobre tese sustentada por coapelante, no tópico em que sustenta contradição entre o presente julgado e o entendimento exposto em ação penal referida, por se tratarem de inovação, e também no requerimento de prequestionamento. Na porção remanescente, os embargos foram parcialmente providos apenas para sanar erros materiais no voto, sem, todavia, alterar a conclusão e o provimento do julgado. O réu opôs novos embargos, não conhecidos em sessão do dia 18/04/2018. Pleiteando a reforma do acórdão, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA interpôs recurso especial, que foi admitido, e recurso extraordinário, que não foi admitido, ensejando a interposição de agravo para o Supremo Tribunal Federal. Atualmente, encontra-se ABERTO, com data inicial em 06/08/2018, o prazo de 15 dias da Intimação Eletrônica - Expedida/Certificada para Contrarrazões ao(s) agravo(s) pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela - PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS, bem como o prazo da Intimação Eletrônica - Expedida/Certificada - Despacho/Decisão - Refer. ao Evento 326 (Despacho/Decisão - Interlocutória Reconsiderando) para o Apelante LUIZ INACIO LULA DA SILVA. ERA O QUE HAVIA A CERTIFICAR. O REFERIDO É VERDADE E DOU FÉ. Dada e passada nesta cidade de Porto Alegre, aos 13 de agosto de 2018.

Ademais, em praticamente todas as impugnações, foram juntadas cópias do acórdão indicado na certidão acima, de modo que não há dúvida acerca do suporte fático, cujo enquadramento, na hipótese de inelegibilidade descrita no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64/90, se preconiza.

Eis o teor da alínea e:

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;     

3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. de redução à condição análoga à de escravo;

9. contra a vida e a dignidade sexual; e

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;      

São requisitos para a incidência da inelegibilidade: (a) condenação criminal proferida por órgão colegiado ou transitada em julgado; (b) enquadramento em um dos crimes descritos nos itens; (c) não se tratar de crime culposo, de menor potencial ofensivo ou de ação penal de iniciativa privada (art. 1º, § 4º, Lei Complementar 64/90).

Considera-se órgão colegiado qualquer tribunal, ainda que atue em sua competência originária, não se exigindo, bem por isso, a confirmação de condenação criminal em grau de recurso1.

Além disso, entende-se por decisão de órgão colegiado aquela oriunda do plenário da respectiva Corte ou do órgão fracionário que analisa a ação penal ou o recurso, sendo dispensável o aguardo do esgotamento da instância, ou seja, sendo desnecessário aguardar o julgamento de embargos de declaração2.

No caso dos autos, é incontroverso que o impugnado foi condenado por sentença confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não havendo maiores dúvidas sobre o preenchimento do requisito.

Sobre o tema, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 4578 e das ADCs 29 e 303, assentou a plena constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade descritas na Lei Complementar 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010, rejeitando, inclusive, a tese de que a incidência da inelegibilidade a partir da decisão colegiada violaria a presunção de inocência. O Tribunal Superior Eleitoral também se manifestou nesse sentido4.

No que toca aos crimes que autorizam a inelegibilidade, o item 1 da referida alínea faz referência aos delitos contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público.

Os crimes contra a administração pública são os constantes dos arts. 312 a 359 do Código Penal, entre os quais se enquadra o delito de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), pelo qual o impugnado foi condenado.

O item 6 da referida alínea alude aos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, os quais estão previstos na Lei 9.613/98, com as modificações da Lei 12.683/2012. Conforme se observa da prova documental carreada aos autos – correta ou não a decisão -, o impugnado foi condenado pela prática do crime do art. 1º, caput, V, da Lei 9.613/98, de modo que se tem como satisfeito esse requisito.

Com relação ao prazo de inelegibilidade, o dispositivo indica que ele incide a partir da decisão colegiada e se estende até oito anos após o cumprimento da pena. De igual modo o enunciado 61 da súmula da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral5 e, no caso, de acordo com a prova documental juntada aos autos e com informações de conhecimento público, o investigado cumpre pena, em caráter provisório, em razão do entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da prisão de condenados em 2º grau de jurisdição.

Também não se passaram mais de oito anos da publicação do acórdão que manteve a condenação, nem houve cumprimento integral da pena, de modo que também se considera satisfeito o requisito.

Ademais, certa ou não a decisão, fato é que o crime não foi imputado na forma culposa, nem se trata de delito de menor potencial ofensivo ou de ação penal de iniciativa privada, como também não houve suspensão da condenação pelo órgão competente para o julgamento de recurso.

Estão preenchidos, portanto, todos os requisitos da inelegibilidade descrita no art. 1º, I, e, 1 e 6, da Lei Complementar 64/90, o que, por si só, constitui óbice ao deferimento do registro de candidatura, como há muito esta Corte já vem assentando:

Registro. Inelegibilidade. Condenação criminal.

1. A Lei Complementar nº 135/2010 aplica-se às eleições de 2010, porque não altera o processo eleitoral, de acordo com o entendimento deste Tribunal na Consulta nº 1120-26. 2010.6.00.0000 (rel. Min. Hamilton Carvalhido).

2. As inelegibilidades da Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que o respectivo fato ou condenação seja anterior à sua entrada em vigor, pois as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, não havendo, portanto, falar em retroatividade da lei.

3. Tendo sido o candidato condenado, por órgão judicial colegiado, pela prática de crime contra a Administração Pública e formação de quadrilha, incide, na espécie, a causa de inelegibilidade a que se refere o art. 1º, inciso I, alínea e, 1 e 10, da Lei Complementar nº 64/90, acrescentada pela Lei Complementar nº 135/2010.

Agravo regimental não provido.

(RO nº 186-84, rel. Min. Arnaldo Versiani, PSESS de 13.10.2010, grifo nosso.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, E, 1, DA LC 64/90. CONDENAÇÃO CRIMINAL. DECISÃO COLEGIADA. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.

1. No julgamento das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF consignou que a aplicação da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC 64/90, sem o trânsito em julgado de condenação criminal, não viola o princípio da presunção de inocência.

2. As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário, incluindo-se esta Justiça Especializada, conforme dispõe o art. 102, § 2º, da CF/88.

3. Na espécie, o recorrente foi condenado por órgão judicial colegiado pela prática de crime contra a administração e o patrimônio públicos. Desse modo, o indeferimento do seu pedido de registro de candidatura deve ser mantido por incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, 1, da LC 64/90.

4. Agravo regimental não provido.

(AgR-REspe nº 173-58, rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS de 4.10.2012, grifo nosso)

ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. QUESTÕES RELATIVAS ÀS CONTAS REJEITADAS DOS EXERCÍCIOS DE 2003 E 2004 SUPOSTAMENTE APTAS A AFASTAR CAUSA DE INELEGIBILIDADE. INOVAÇÕES EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. INCABÍVEIS. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO ATENDIMENTO A PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS E DESCUMPRIMENTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS E ATOS DOLOSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA g, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. DESNECESSIDADE DE IMPUTAÇÃO EM SEDE DE AÇÃO PENAL OU CIVIL PÚBLICA. PRECEDENTES. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. INCIDÊNCIA IMEDIATA. PRECEDENTES. CONDENAÇÃO, PERPETRADA POR ÓRGÃO COLEGIADO DO PODER JUDICIÁRIO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA e, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

[...]

6. A condenação do Candidato, por órgão colegiado do Poder Judiciário, por crime contra a Administração Pública é apta a atrair a incidência da causa de inelegibilidade objeto do art. 1º, inciso I, alínea e, da Lei Complementar nº 135/2010.

7. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-REspe nº 466-13, rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 22.2.2013, grifo nosso.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, E, DA LC 64/90. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. NÃO EXAURIMENTO DO PRAZO DE OITO ANOS APÓS EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 23.10.2016.

2. É inelegível, por oito anos, quem tiver contra si condenação penal transitada em julgado por prática de crime contra a administração pública, a teor do art. 1º, I, e, 1, da LC 64/90.

3. No caso, o candidato foi condenado pelo delito de descaminho - art. 334 do Código Penal - e sua punibilidade foi extinta em 17.12.2010.

4. A incidência da LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) a condenações criminais transitadas em julgado antes de sua vigência não ofende o princípio da segurança jurídica, conforme decidido pelo c. Supremo Tribunal Federal na ADC 29/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 29.6.2012.

5. Os votos divergentes proferidos naquela oportunidade não elidem o consenso da maioria, cujo entendimento vincula os demais órgãos do Poder Judiciário, conforme art. 102, § 2º, da CF/88.

6. A repercussão geral reconhecida no RE/STF 929.670/DF ainda pende de análise. Assim, prevalece o que decidido na ADC 29/DF acerca da incidência da LC 135/2010 a fatos anteriores à sua entrada em vigor.

7. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe nº 188-40, rel. Min. Herman Benjamin, PSESS de 3.11.2016, grifo nosso.)

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. CARGO. VEREADOR. CONDENAÇÃO CRIMINAL POR DECISÃO COLEGIADA. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344). CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, E, 1, DA LC Nº 64/90. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O delito de coação no curso do processo constitui crime contra a administração pública, porquanto inserido no Capítulo III do Código Penal, intitulado "Dos Crimes Contra a Administração da Justiça", o qual está contido no Título XI do Codex cognominado "Dos Crimes Contra a Administração Pública".

2. In casu, extrai-se da moldura fática do aresto regional que a condenação do candidato pela prática do ilícito deu-se por órgão colegiado, o que se amolda à norma insculpida no art. 1°, I, e, 1, da LC n° 64/90, que exige a condenação por meio de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, como no caso in concrecto.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe nº 55-52, rel. Min. Luiz Fux, PSESS de 19.12.2016.)

Como se vê, não há nenhum ineditismo, senão o cargo em disputa, no reconhecimento da inelegibilidade em hipóteses como a dos autos, em que o pretenso candidato foi condenado por órgão colegiado em razão de crime contra a administração pública e de lavagem de dinheiro ou ocultação de capitais. Repito, sem embargo aqui do acerto ou do desacerto da decisão condenatória.

Este Tribunal sempre aplicou as disposições da Lei Complementar 64/90, com a redação da Lei Complementar 135/2010, porquanto este é o comando que exsurge diretamente do texto constitucional, especificamente o art. 14, § 9º, da Constituição da República Federativa, em que se estipulam requisitos mínimos para a postulação da candidatura, entre eles os alusivos à moralidade e à vida pregressa.

Reconhecida a incidência da inelegibilidade, cumpre analisar a tese da eventual aplicação de regras de direito internacional em favor do impugnado.

 

MÉRITO – A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU e a arguição de fato superveniente que afastaria a inelegibilidade

 

Em sua defesa, o impugnado apresenta a decisão proferida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, na qual se observa a seguinte recomendação: “Requereu ao Brasil tomasse todas as medidas necessárias para assegurar que Lula pode fruir e exercer seus direitos políticos enquanto estiver preso, como candidato nas eleições presidenciais de 2018. Isso inclui ter acesso apropriado aos meios de comunicação de massa e aos membros do seu partido político. O Comitê também requereu que o Brasil não o impeça de participar das eleições presidenciais de 2018, até que os recursos apresentados à Justiça tenham sido julgados em processos justos6.

Alega tratar-se de fato superveniente, ou seja, advindo após a formalização do registro, apto a afastar a inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei 9.504/97.

De início, ressalto, na linha exposta pelos próprios pareceristas indicados na defesa, que a medida em destaque não pode ser considerada medida judicial, de efeito cogente, porquanto não foi exarada por órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário brasileiro.

Tal circunstância, por si só, já exclui a aplicação do disposto no art. 26-C da Lei Complementar 64/90, o qual exige que a suspensão da inelegibilidade seja exarada pelo “órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas”, o que evidentemente não é o caso do Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Afastada essa hipótese, resta indagar se a observância dos requerimentos acima obrigaria, necessariamente, o deferimento do registro de candidatura do impugnado, derrogando-se o disposto no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, no art. 1º, I, e, da lei Complementar 64/90 e desafiando a autoridade das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4578 e nas ADCs 29 e 30.

A despeito do brilho reluzente dos argumentos aduzidos pela defesa e também dos sólidos subsídios constantes dos pareceres, entendo que não é possível subordinar os comandos constitucionais ao requerimento exarado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Sem maiores considerações teóricas, observo que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, cuja promulgação em território nacional foi determinada pelo Decreto 592, de 6 de julho de 1992, goza de status supralegal, estando entre a Constituição da República, à qual está subordinado, e as leis ordinárias. Nesse sentido, destaco a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional.

2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.

3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

4.    Habeas corpus concedido.

(HC 95.967, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em DJe de 28.11.2008, grifo nosso.)

EMENTA: HABEAS CORPUS. SALVO-CONDUTO. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL. DÍVIDA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou a orientação de que só é possível a prisão civil do "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (inciso LXVII do art. 5º da CF/88). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco Aurélio.

2. A norma que se extrai do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal é de eficácia restringível. Pelo que as duas exceções nela contidas podem ser aportadas por lei, quebrantando, assim, a força protetora da proibição, como regra geral, da prisão civil por dívida.

3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decreto 678 de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da Magna Carta. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional -- à falta do rito exigido pelo § 3º do art. 5º --, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida.

4. No caso, o paciente corre o risco de ver contra si expedido mandado prisional por se encontrar na situação de infiel depositário judicial.

5. Ordem concedida.

(HC 94013, rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJe de 13.3.2009, grifo nosso.)

Cito, ainda, trecho do alentado voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, no julgamento do REspe 471-53, ocorrido em 2.12.2014, in verbis:

Em primeiro lugar, rejeito a alegada ofensa ao art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos. É que, diversamente do que preconiza o Agravante, o reconhecimento da causa impeditiva ao ius honorum (no caso, da alínea g) decorre de mandamento constitucional insculpido no § 9° do art. 14.

Deveras, a própria Constituição da República traz em seu bojo verdadeiro estatuto constitucional do processo político, contendo disposições que estabelecem mecanismos de participação direta dos cidadãos, habilitadoras e limitadoras ao exercício do ius suifragi e do ius honorum (e.g., condições de elegibilidade e hipóteses de inelegibilidades), bem como preceitos que interditam modificações das regras do jogo democrático em período próximo ao das eleições (e.g., princípio da anualidade/anterioridade eleitoral) etc.

Dentro desse arcabouço normativo, o constituinte originário - e posteriormente o revisor (ECR n° 04/94) - erigiu um verdadeiro imperativo para o legítimo exercício dos cargos político-eletivos: o cidadão ostenta o direito fundamental à capacidade eleitoral passiva (elegibilidade), desde que reúna todas as condições de ele gibilidade, sem pari passu incorrer nas causas de inelegibilidade.

E, neste pormenor, a norma contida no art. 14, § 90, da Carta de 1988, é inequívoca: ela autoriza que o legislador infraconstitucional veicule, por meio de lei complementar, novas hipóteses de inelegibilidade que tenham por desiderato a proteção da probidade administrativa, da moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Daí que se revela defeso habilitar um cidadão a concorrer a cargos político-eletivos, cujas condutas não se amoldem a estes imperativos de conduta fixados in abstracto e prima facie pelo legislador constituinte.

Dito noutros termos, não se pode examinar o conteúdo da capcidade eleitoral passiva (ius honorum) desconsiderando esses mandamentos de moralidade e probidade na gestão da res publica. E, como é sabido, estas exigências vêm sendo vocalizadas pela sociedade civil organizada brasileira - e paulatinamente incorporadas na legislação pátria -, cujo exemplo mais recente (e emblemático) foi a apresentação do Projeto de Lei Complementar que ensejou a edição da Lei da Ficha Limpa (LC n° 135/2010).

Oportuno mencionar, a propósito, que o salutar aumento da participação cívica, com uma intensa rede de interação entre os diferentes segmentos representativos da sociedade civil, estimula a produção do cognominado "capital social", formulado inicialmente por James Coleman e difundido na obra do cientista político de Harvard Robert Putnam (COLEMAN, James S. Social Capital in the Creation of Human Capital. American Journal of Sociology (Supplement), Vol. 94, 1988, p. S100-S101; PUTNAM, Robert. Bowling Alone: America's Declining Social Capital. Journal of Democracy, Vol. 6, n° 1, January, 1995), indispensável para o adequado funcionamento e manutenção da estabilidade das instituições democráticas.

É de meridiana clareza que as cobranças da sociedade civil de ética no manejo da coisa pública se acentuaram gravemente. Para o cidadão, hoje é certo que a probidade é condição inafastável para a boa administração pública e, mais do que isso, que a corrupção e a desonestidade são as maiores travas ao desenvolvimento do país.

Destarte, ao editar a Lei Complementar n° 135/2010, o legislador ordinário emprestou significativa proeminência aos cânones de moralidade, ética e probidade encartados no § 90 do art. 14 da Lei Maior, de sorte a ampliar, sobremodo, as exigências para o exercício da capacidade eleitoral passiva. Tal circunstância presidiu, em larga medida, a compreensão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do pronunciamento da constitucionalidade de suas disposições, dentre as quais a da alínea g, nos autos das ADCs n° 29 e n° 30. A propósito, transcrevo excedo da ementa dos referidos arestos:

[...]

 Pois bem. Se é certo que a cognominada Lei da Ficha Limpa concretiza, no plano infraconstitucional os mandamentos de moralidade e probidade para a gestão da coisa pública, ex vi do art. 14, § 9º, descabe cogitar que as hipóteses de inelegibilidade nela veiculadas, notadamente a alínea g, vulneram o art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, tal como aduz o ora Agravante. Na realidade, defender a tese oposta (i.e., de que a inelegibilidade da alínea g estaria com a sua eficácia paralisada em razão das disposições convencionais) criaria um imbróglio metodológico: implicaria a subtração da eficácia do imperativo constitucional do art. 14, § 9º, da Constituição de 1988, em flagrante descompasso com os postulados da força normativa e da máxima efetividade das normas constitucionais, que, na esteira do escólio de Konrad Hesse (HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mondes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p.20), em textual:

"[ ... ] Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa. Tal como acentuado, constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos, e econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual (geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral.".

Dessa forma, ao contrário do que supõe o Agravante, as hipóteses de inelegibilidade no ordenamento jurídico pátrio são fixadas de acordo com os parâmetros constitucionais de probidade, moralidade e de ética, e veiculadas por meio de reserva de lei formal (lei complementar). Do contrário, a prevalecer a tese de que a restrição ao direito de ser votado se submete às normas convencionais, negligenciando o art. 14, § 9º, haveria a subversão da hierarquia das fontes, de maneira a outorgar o status supraconstitucional à Convenção Americana, o que, como se sabe, não encontra esteio na jurisprudência remansosa do Supremo Tribunal Federal que atribui o caráter supralegal aos tratados internacionais que versem direitos humanos (ver por todos RE n° 466.343, Rei. Min. Cezar Peluso). Daí por que, na hipótese vertente, resta inviável o pretendido controle, de vez que, a teor da interpretação dada pela Corte Suprema, o tratado internacional não se sobrepõe à Constituição.

Além disso, e sob um enfoque de modelagem interinstitucional, encampar referida tese estar-se-ia tolhendo, pela via da hermenêutica, a atuação confiada pelo constituinte ao legislador infraconstitucional de estabelecer qualquer causa restritiva ao ius honorum. Vale dizer: toda e qualquer hipótese de inelegibilidade veiculada por norma infraconstitucional (no caso, através de lei complementar) seria atentatória ao art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, a despeito de a Constituição facultar tal prerrogativa ao legislador ordinário. Ora, chancelar essa consequência, concessa venha, não encontra lastro constitucional, e não pode ser admitida. Exatamente porque as inelegibilidades infraconstitucionais nomeadamente a alínea g, derivam da própria Lei Fundamental, e não da Convenção, é que não se aplica in casu o precedente firmado no caso López Mendoza v. Venezuela.

Também em desabono à pretensão veiculada pelo Agravante, e como bem destacado na decisão vergastada, as questões relacionadas à aplicação retroativa, à ofensa ao princípio do Juiz Natural e à presunção de não culpabilidade dos atos reputados ao gestor público restaram devidamente equacionadas nos autos das ADCs n o 29 e n° 30, ambas de minha relatoria, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade da aplicação da novel disciplina normativa das inelegibilidades introduzidas pela LC n o 135/2010.

Assim, não se pode deixar de conferir a plena eficácia às regras que alteraram as disposições contidas na Lei das Inelegibilidades, impondo-se o afastamento da preliminar ora suscitada.

Na realidade, a despeito da candente discussão acerca da observância dos seus requisitos de internalização, as disposições do referido Pacto devem ter tratamento similar, do ponto de vista hermenêutico, às disposições acerca da elegibilidade constantes do art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Com efeito, a despeito da supralegalidade dos tratados que versam sobre direitos humanos, o art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) não tem força normativa suficiente para derrogar o texto originário da Constituição da República em matéria de elegibilidade.

Eis o teor do referido dispositivo:

Artigo 23.  Direitos políticos

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a. de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b. de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Com o devido respeito, pretender a superação da ordem constitucional em favor do disposto no item 2, de modo a infirmar todos os óbices às candidaturas que não sejam fundados em motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal, impediria muitas hipóteses de inelegibilidade, constitucionais e infraconstitucionais, há muito sedimentadas no direito brasileiro e sufragadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

A vingar a interpretação nesse sentido, não subsistiriam, v.g., as inelegibilidades decorrentes do exercício sucessivo de mandatos (CF, art. 14, § 5º), de parentesco (CF, art. 14, § 7º), de condenações eleitorais (art. 1º, I, d, h, j e p, da Lei Complementar 64/90), de rejeição de contas públicas (art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/90), de improbidade administrativa (art. 1º, I, l, da Lei Complementar 64/90), de renúncia de mandato (art. 1º, I, k, da Lei Complementar 64/90), de demissão no serviço público (art. 1º, I, o, da Lei Complementar 64/90). Ou seja, o cerne da tão festejada Lei Complementar 64/90, com as alterações trazidas pela Lei Complementar 135/2010, restaria derrogado pelo Pacto.

No entanto, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 4578 e das ADCs 29 e 30, assentou a plena constitucionalidade do referido diploma legislativo, inclusive no tocante à instituição de novas hipóteses de inelegibilidade, fundadas em imperativos de moralidade.

Assim, como não se pode opor a parte final do item 2 do art. 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos às hipóteses de restrição à elegibilidade que constem do próprio texto originário da Constituição, também não se pode dar maior prevalência, no caso concreto, à decisão emanada pelo Comitê de Direitos da ONU, sob pena de o direito convencional se sobrepor à autoridade do Texto Maior, o que não se admite nem sequer por hipótese, data venia.

Na mesma linha desses precedentes referenciais, entendo que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – e, por conseguinte, os atos do Comitê de Direitos Humanos da ONU – ostenta a natureza de norma intermediária e, bem por isso, não pode contrariar o texto originário da Constituição, mormente no que este estipula requisitos mínimos de probidade e moralidade para o exercício dos mandatos.

Isso porque, a despeito de a inelegibilidade do impugnado decorrer de lei complementar – o que poderia, em tese, justificar o respectivo afastamento com base em ordem de órgão internacional fundada em pacto cuja supralegalidade é reconhecida –, é certo que a própria Constituição impõe ao legislador complementar a instituição de novas hipóteses de inelegibilidade “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato.

Nesse contexto, por mais respeitável que seja a decisão exarada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, a sua execução, no caso concreto, nega, esvazia em absoluto, a eficácia do citado dispositivo constitucional. Assim, não se trataria apenas de afastar o preceito contido no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64/90, situado em tese abaixo do Pacto, mas de negar cumprimento à própria Constituição da República, no ponto em que estipula balizas axiológicas muito precisas acerca da disposição de novas hipóteses de inelegibilidade.

Nesse ponto, é importante registrar – até para esclarecimento – que o óbice à candidatura do impugnado nada tem a ver com o seu recolhimento ao cárcere. A inelegibilidade decorre do desvalor alusivo à condenação criminal e pela inadequação, considerados os vetores da probidade e da moralidade, de exercício de mandato por réu condenado, por órgão colegiado, em razão da prática de crime contra a administração pública.

Em termos mais diretos: o impugnado estaria inelegível mesmo que não tivesse sido implementada a execução provisória da pena.

De igual sorte, no tocante às referências constantes da documentação que acompanha a defesa, no sentido de que a inelegibilidade não poderia ser aplicada em relação a condenações criminais não transitadas em julgado, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade7, declarou a plena adequação da Lei Complementar 135/2010 com a Constituição da República, rejeitando expressamente a alegação de que as disposições do referido diploma normativo estariam em descompasso com o princípio da presunção de inocência.

Tal orientação do Pretório Excelso goza de efeito vinculante para todos os demais órgãos do Poder Judiciário, consoante constou do texto originário da Constituição, especificamente no seu art. 102, § 2º, disposição contra a qual o Pacto não pode se opor.

Por fim, ainda em relação a esse ponto, ressalto que uma das recomendações – alusiva à garantia ao impugnado de efetivo acesso aos meios de comunicação e a seus colegas de partido – não é da competência da Justiça Eleitoral, considerado o disposto no art. 66 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais).

De resto, coloco-me em pleno acordo com os demais fundamentos aduzidos pelo eminente relator sobre o tema.

Por essas razões, ante a inexistência de alteração fática ou jurídica superveniente apta a afastar a inelegibilidade, mantenho a posição acima, no sentido do indeferimento do registro.

 

MÉRITO

(In)aplicabilidade do art. 76, c.c. o art. 77, § 4º, da Constituição da República de 1988

(Impugnação do Partido Novo)

 

O Partido Novo (NOVO), ao fundamentar o seu pedido de tutela de evidência, defendeu a aplicação ao caso do art. 76, c.c. o art. 77, § 4º, da Constituição da República, dispositivos que justificariam, dada a relevância atribuída pela Constituição ao cargo de presidente, a não admissão de registro de candidatura por quem tenha algum impedimento legal.

Na mesma linha do eminente relator, apesar de reconhecer o brilho dos argumentos constitucionais lançados na peça de impugnação e na manifestação feita da Tribuna pela ilustre causídica – com o brilho e o poder argumentativo que lhe é peculiar –, entendo que a solução deste caso depende tão somente da aplicação da jurisprudência já consolidada deste Tribunal acerca do alcance do art. 16-A da Lei 9.504/97 ao processo de registro de candidatura, sendo desnecessário o exame de questões constitucionais complexas, inéditas, que poderiam dificultar a entrega célere da prestação jurisdicional.

Nessa linha, sem embargo de reflexão futura acerca do tema, em caso no qual tal manifestação seja absolutamente necessária, entendo que o conhecimento dessa alegação resta prejudicado pelo próprio sentido do meu voto.

 

MÉRITO

Execução do acórdão e efeitos da decisão

 

Reconhecida a inelegibilidade e assentado o óbice à candidatura, cumpre me manifestar acerca do momento de execução do presente acórdão, bem como, em razão da repercussão do caso no tocante aos atos de campanha, especificar estritamente quais são os seus efeitos.

A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a execução dos acórdãos do TSE pressupõe tão somente a respectiva publicação, sendo dispensável o esgotamento dos recursos no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral. Nessa linha:

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO DE JULGADO. ELEIÇÃO 2014. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. INELEGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. EFEITO MODIFICATIVO. REGISTRO DEFERIDO. ACÓRDÃO PUBLICADO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA. DESPROVIMENTO.

1. Em regra, a execução dos acórdãos proferidos pelo TSE está vinculada apenas a sua publicação, não sendo necessário aguardar a oposição e o julgamento de eventuais embargos de declaração, os quais não são dotados de efeito suspensivo.

2. Se a decisão que indefere o registro de candidatura deve ter imediata eficácia, nos termos do art. 15 da LC nº 64/90, com maior razão a decisão da Justiça Eleitoral que reforma o indeferimento, prestigiando-se, portanto, a livre vontade do eleitor. Precedente.

3. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental e desprovido.

(Pet nº 530-73, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 5.2.2016, grifo nosso.)

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO DE JULGADO. ELEIÇÃO 2012. PREFEITO. VICE-PREFEITO. CASSAÇÃO. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. DESPROVIMENTO.

1. Na dicção do art. 216 do Código Eleitoral, "enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude". Uma vez publicado o acórdão do TSE que manteve a decisão regional na qual se determinou a cassação dos diplomas de prefeito e vice-prefeito no âmbito de RCED, a comunicação deve ser imediata e, em regra, não está vinculada ao julgamento dos embargos de declaração.

2. Admite-se, na jurisprudência, a concessão de efeito suspensivo a recursos desprovidos de tal atributo, pela via cautelar ou mandamental e desde que demonstrada a probabilidade de êxito recursal, não sendo esta a hipótese dos autos, pois os agravantes não obtiveram nenhuma medida que suspendesse os efeitos do acórdão deste Tribunal.

3. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental e desprovido.

(Pet nº 1852-65, rel. Min.. Dias Toffoli, DJe de 16.3.2015, grifo nosso.)

Portanto, uma vez publicado o acórdão em sessão, é possível a plena execução da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que indefere o pedido de registro de candidatura, não sendo necessário aguardar o julgamento de eventuais embargos de declaração, recurso que é, ademais, desprovido de efeito suspensivo.

No que diz respeito aos efeitos desta decisão, entendo que eles devem ser plenos, desde a publicação do acórdão, extraindo-se daí todas as consequências do indeferimento, no tocante à interdição de atos de campanha, à não inclusão do respectivo nome na urna e à intimação da coligação para, querendo, exercer a faculdade de que trata o art. 13 da Lei 9.504/97.

A esse respeito, destaco que o disposto no art. 16-A da Lei 9.504/978 não impede a execução de acórdão do Tribunal Superior Eleitoral que indefere o registro de candidatura de candidato à presidência da República, seja por se tratar da derradeira instância da jurisdição eleitoral, seja pelo fato de que as decisões desta Corte, no modelo constitucional pátrio, são em regra irrecorríveis.

A exceção – no caso dos processos de registro de candidatura – corre por conta da interposição de recurso extraordinário, apelo desprovido de efeito suspensivo e que, bem por isso, não tem como impedir a produção dos efeitos da mais elevada Corte Eleitoral, a qual tem entre seus membros três ministros oriundos do Supremo Tribunal Federal.

Além disso, o próprio art. 16-A, ao condicionar a validade dos votos à decisão de instância superior, autoriza a leitura de que, se o registro de candidatura for analisado antes da eleição e até mesmo do prazo de substituição pelo Tribunal Superior Eleitoral, não cabe permitir a continuidade da campanha e a manutenção do nome na urna, o que poderia levar o eleitor a externar votos que, nos termos legais, serão considerados inválidos. Ou seja, se votação futura já pode ser considerada nula, porquanto já existe decisão “de instância superior”, não faz sentido permitir que a nulidade se implemente.

Cumpre salientar que esta Corte já assentou que “a decisão da Justiça Eleitoral que indefere o registro de candidatura não afasta o candidato da campanha eleitoral enquanto não ocorrer o trânsito em julgado ou a manifestação da instância superior, nos termos do art. 16-A da Lei 9.504/97” (ED-REspe 139-25, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 28.11.2016, grifo nosso).

Por óbvio, não faria sentido que a decisão oriunda do Tribunal Superior Eleitoral, órgão de composição heterogênea, com membros da cúpula do Poder Judiciário e de advogados abonados pela Suprema Corte, tomada em caráter urgente com vistas a oferecer segurança jurídica ao eleitorado, devesse aguardar a chancela do Supremo Tribunal Federal para a produção de seus efeitos.

Essa situação levaria a verdadeira perplexidade, decorrente da não execução de decisão que, em regra, é irrecorrível pela simples circunstância da interposição do recurso extraordinário.

Além disso, sujeitar-se-ia a manifestação de todo eleitorado brasileiro a quadro deveras instável, em que seria impossível a certeza acerca de quem são os candidatos aptos a concorrer ao mais elevado cargo da República Federativa do Brasil. Com efeito, não é possível tamanha sobreposição do interesse difuso de eleições legítimas e normais (art. 14, § 9º, da Constituição Federal) pelo interesse individual de, a qualquer custo, manter-se inelegível na campanha eleitoral (art. 16-A da Lei 9.504/97) e eventualmente conduzir porção significativa do eleitorado a ter o seu voto anulado.

Assim, entendo, na mesma linha do eminente relator, que, desde a publicação deste acórdão, devem incidir todos os efeitos do indeferimento do registro de candidatura, inclusive a proibição de o impugnado se apresentar como candidato na propaganda eleitoral, sob pena de eventual apuração de fraude eleitoral, nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal (cite-se, por exemplo: AgR-REspe 975-40, rel. Min. Rosa Weber, DJe de 11.4.2018; REspe 631-84, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 5.10.2016).

No ponto, ressalvo meu ponto de vista em relação ao que consta do item 65 do voto de Sua Excelência, no que considera afastado o art. 16-A da Lei 9.504/97 também em relação a registros de candidatura julgados pelos colegiados dos tribunais regionais eleitorais. Por ora, e nos termos da fundamentação acima, considero que as graves medidas de impedimento de campanha e de retirada do nome da urna demandam manifestação de instância superior, ou seja, do Tribunal Superior Eleitoral.

Pelo exposto, voto no sentido de acompanhar o relator e julgar procedentes as impugnações apresentadas, indeferindo o registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República, em razão da incidência da inelegibilidade descrita no art. 1º, I, e, 1 e 6, da Lei Complementar 64/90, julgando prejudicados os pedidos de tutela de evidência e/ou urgência formalizados nos autos.

Ademais, também na linha do eminente relator, voto no sentido da execução imediata do presente acórdão, a partir da respectiva publicação em sessão, determinando, entre outros efeitos: a) a proibição de atos de campanha pelo impugnado, ressalvada a sua participação na propaganda eleitoral na condição de filiado; b) a não inclusão do nome do impugnado na urna eletrônica; c) a intimação da coligação para, querendo, exercer a faculdade de que trata o art. 13 da Lei 9.504/97.

A única divergência que faço, Senhora Presidente e eminentes pares, é sobre o que consta do item 65 do voto do eminente relator, quanto à imposição de se reconhecer que o candidato deixa de ser considerado sub judice, a partir do momento em que sobrevém decisão de órgão colegiado da Justiça Eleitoral (Tribunal Regional Eleitoral ou Tribunal Superior Eleitoral), em que o registro de candidatura é indeferido.

Apenas uma divergência pontual com relação a esse item. Acompanho em todo o resto o eminente relator.

É assim que voto, Senhora Presidente.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Ministro Admar Gonzaga, eu precisaria, por gentileza, que Vossa Excelência explicitasse a divergência do voto do relator. Apenas o ponto de divergência.

O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Leio do voto de Sua Excelência, o eminente relator, no item 65:

[...]

72. Dessa forma, a fim de que seja mantida a coerência do sistema, impõe-se reconhecer que o candidato deixa de ser considerado sub judice, a partir do momento em que sobrevém decisão de órgão colegiado da Justiça Eleitoral (Tribunal Regional Eleitoral ou Tribunal Superior Eleitoral).

[...]

Não é assim que eu voto. Voto assim, apenas neste caso, por estarmos julgando registro de candidatura em relação ao cargo de Presidente da República, na primeira e derradeira instância da Justiça Eleitoral. Na hipótese, por exemplo, de uma impugnação de registro de governador ou de prefeito, penso que se impõe, no mínimo, revisão por instância superior desta Justiça Especializada.

Portanto, entendo que nos demais casos é aplicável o art. 16 da Lei nº 9.504/97, e não aquela redação antiga, do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90. Inclusive, Sua Excelência faz transcrição de trabalho doutrinário do eminente Doutor José Jairo Gomes, mas, quanto a isso, tenho alguma reserva por enquanto.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Compreendi, Ministro Admar Gonzaga. Em função da quantidade de itens, de impugnações e de pedidos, precisaríamos, apenas para efeito de registro, saber se Vossa Excelência faz alguma alteração na parte dispositiva?

O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: No voto do relator? De forma alguma.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Não. Apenas quanto ao fundamento.

O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Apenas em face de um dos fundamentos.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): A nossa colocação é apenas de registro. Obrigada.

 

1 “A colegialidade exigida não diz respeito a órgão recursal, a exemplo dos julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em sua competência originária” (Recurso Especial Eleitoral nº 15804, Acórdão, Relator(a) Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação:  PSESS – Publicado em Sessão, Data 23.10.2012).

2In casu, constata-se que o embargante, a pretexto de discutir supostos vícios, possui, em realidade, a nítida finalidade de obter o reexame da matéria quanto ao entendimento desta Corte Superior de que para que incida a causa de inelegibilidade prevista na alínea "e" do inciso I do art. 1º da LC 64/90, basta que haja condenação criminal emanada de órgão judicial colegiado, não suspendendo a inelegibilidade a oposição de Embargos Declaratórios àquela decisão, ainda que pendentes de julgamento” (Recurso Especial Eleitoral nº 5654, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação:  DJe - Diário de Justiça eletrônico, Data 14.9.2017).

3 AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/2010 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional. 3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/2010 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral. 5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/2010, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico. 7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/2010, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/2010 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 55, § 4º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé. 11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. 12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado. 13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c", "d", "f", "g", "h", "j", "m", "n", "o", "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado. 14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).

(ADI 4578, rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe em 29.6.2012, grifo nosso.)

4 “A presunção de inocência, consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, não pode "frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal", tampouco pode configurar óbice à validade da Lei Complementar nº 135/2010, conforme decidido nas ADCs nos 29 e 30 e na ADI nº 4.578/DF” (Recurso Especial Eleitoral nº 13577, Acórdão, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação:  PSESS - Publicado em Sessão, Data 6.11.2012).

5 O prazo concernente à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC 64/90 projeta-se por oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa.

6 Tradução livre.

7 Cf. as já citadas ADI 4578 e nas ADCs 29 e 30

8 Art. 16-A.  O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO: Senhora Presidente, Vossa Excelência disse na última sessão que votar mais para o final do julgamento tem as suas vantagens, ainda mais quando os votos antecedentes sustentam uma verticalidade invulgar.

Assim como os demais colegas, eu gostaria de saudar, inicialmente, a primorosa condução desse julgamento por Vossa Excelência. Saudar também os eminentes advogados que ocuparam a tribuna e realizaram excepcionais sustentações orais – a Doutora Marilda, o Doutor Tiago, a Doutora Maria Cláudia, o Doutor Luiz Fernando. Também saudar, e homenagear, a eminente Procuradora-Geral Eleitoral, pelas mesmas razões. E mencionar a inegável honra de participar desse julgamento histórico, observando bem de perto os brilhantes votos até aqui proferidos, que honram a mais não poder e dignificam a Justiça Eleitoral do Brasil.

Procurarei fazer uma exposição bastante sumariada, justamente pelo exame que já foi feito até aqui pelos demais colegas e avançar o mais rápido possível, dado o adiantado da hora.

A meu sentir, não pairam dúvidas sobre a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC nº 64/90, pois, além de estar devidamente comprovada nos autos, é público e notório que o requerente se encontra segregado em virtude de sua condenação criminal pela prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, V, da Lei nº 9.613/98), proferida pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR à pena de 12 (doze) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicialmente fechado, e a 280 (duzentos e oitenta) dias multa, à razão unitária de 5 (cinco) salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso.

Deve ser indeferido, portanto, o registro pleiteado, com base no art. 1º, I, e, 1 e 6, da Lei de Inelegibilidades, que dispõe serem inelegíveis, para qualquer cargo, os que forem condenados criminalmente, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena. Há iterativos precedentes do TSE acerca do tema em questão (REspe nº 188-40/PR, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, PSESS de 3.11.2016; REspe nº 56-54/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 14.6.2017; REspe nº 148-23/SP, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.3.2013).

A manifestação da ONU – sem adentrar o mérito se é uma recomendação ou uma decisão propriamente dita –, por mais respeitável que seja, pelas razões esposadas no voto do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, com o devido respeito pelo eminente Ministro Edson Fachin, não tem o condão de suspender a inelegibilidade ad eternum, ou, pelo menos, por prazo incompatível com a efetividade do processo eleitoral em curso, sobretudo no seu núcleo de estabilidade e segurança jurídica.

Num exemplo dramático, poderíamos estar diante de decisões que suspendessem a eleição, ou até mesmo, na linha de pedidos que têm aportado neste Tribunal, que determinassem a própria soltura do candidato. Eu mesmo sou relator de pelo menos 4 (quatro) habeas corpus que contêm esse pedido.

Aliás, o próprio texto legal tem uma redação bastante inteligível e, diferentemente do que se contêm na alínea g, a hipótese de suspensão da inelegibilidade da alínea e é remetida à exegese do art. 26-C, segundo o qual "o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso".  

Da fala da eminente Procuradora-Geral Eleitoral, colho o fundamento, que me parece perfeitamente ajustado à hipótese, de que a deliberação da ONU deve ser avaliada primeiramente pela Justiça Comum, de onde adveio, justamente, o fato gerador dessa inelegibilidade e só depois, sob o signo de uma comunicação oficial, isso pode e deve ser examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral, sob pena, até mesmo, de sufragarmos comportamentos institucionais contraditórios, inconciliáveis, de órgãos do Poder Judiciário (despidos de personalidade jurídica) de um mesmo Estado.

Tal interpretação me parece a mais obsequiosa e consentânea com a celeridade e a diminuta órbita dos processos de registros de candidatura, nos quais não se permite a reabertura das discussões e a revisão integral das decisões proferidas por outros órgãos ou instâncias do Poder Judiciário, a teor do que determina a Súmula nº 41/TSE.

Quero crer que a respeitável medida provisória do Comitê da ONU tem 2 (dois) grupos de destinatários específicos. Quanto às liberdades públicas, o destinatário é o Juiz da execução. Não compete à Justiça Eleitoral, por exemplo, deliberar sobre a soltura de candidatos que estão segregados em sua liberdade. O outro grupo de destinatários, quanto ao eixo da inelegibilidade, seria integrado pelo próprio STF e pelo STJ, na perspectiva concreta de afastamento do fato gerador de classificação no âmbito da Lei da Ficha Limpa.

Com base nessas considerações, voto pelo indeferimento do registro de Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de Presidente da República na eleição de 2018.

EFEITOS DO INDEFERIMENTO DO REGISTRO SOB A ÓTICA DO ART. 16-A DA LEI Nº 9.504/97

Detenho-me sobre a faculdade prevista no art. 16-A da Lei nº 9.504/97 e, desde já, ressalto que a norma foi encampada no texto da Resolução nº 23.548/2017, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidatos para as eleições.

Reproduzo o teor do aludido preceito legal:

Art. 16-A.  O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Parágrafo único.  O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato. 

Eis o texto albergado pela Res-TSE nº 23.548/2017:

Art. 55. O candidato cujo registro esteja sub judice pode efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição.

O eleitoralista Joel José Cândido, em alentada retrospectiva histórica sobre o instituto, pontua que a regra foi adotada nas instruções que disciplinaram as eleições de 2004, 2006 e 2008, até que, finalmente, foi incorporada à Lei das Eleições por força da Lei nº 12.034/2009.

Vejamos o que dispuseram as mencionadas instruções:

ELEIÇÃO DE 2004, RESOLUÇÃO Nº 21.608, 5.2.2004 (ART. 60) E RESOLUÇÃO Nº 21.610, DE 5.2.2004 (ART. 17)

Art. 60. O candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão por sua conta e risco e, enquanto estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna eletrônica, ficando a validade de seus votos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Art. 17. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à sua campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito para sua propaganda, no rádio e na televisão.

ELEIÇÃO DE 2006, RESOLUÇÃO N° 22.156, DE 3.3.2006 (ART. 58) E RESOLUÇÃO Nº 22.261, 29.6.2006 (ART. 12)

Art. 58. O candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão e, enquanto estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna eletrônica.

Art. 12. O candidato cujo registro estiver sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à sua campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito para sua propaganda, no rádio e na televisão.

ELEIÇÃO DE 2008, RESOLUÇÃO N° 22.717, DE 28.2.2008 (ART. 43) E RESOLUÇÃO N° 22.718, DE 28.2.2008 (ART. 16)

Art. 43. O candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão por sua conta e risco e, enquanto estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna eletrônica, ficando a validade de seus votos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Art. 16. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à sua campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito para sua propaganda, no rádio e na televisão.

Fica claro, portanto, que esta Corte Superior, no exercício do seu poder regulamentar, inclusive para o pleito atual, permite a participação do candidato sub judice na campanha eleitoral, bem como a manutenção de seu nome na urna eletrônica, enquanto discute o seu registro de candidatura, o que dá concretude ao direito de sufrágio e aos postulados constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

O mesmo autor acrescenta que o sistema se tornou ainda mais harmônico com o advento dos arts. 26-A e 26-C da LC nº 64/90 (ambos incluídos pela LC nº 135/2010), pois “[...] afastada a inelegibilidade previamente imposta por decisão colegiada, nas alíneas d, e, h, j, l e n, do art. 1º, J, pelo mecanismo propiciado pelo art. 26-C, caput (medida liminar), o registro das respectivas candidaturas seguirá intacto, embora sub judice, nos exatos termos e com as prerrogativas previstas neste art. 16-A” (CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. Vol. Único. 15. ed. São Paulo: Edipro, 2012, p. 451-452)

De outra banda, os professores Flávio Cheim Jorge, Ludgero Liberato e Marcelo Abelha Rodrigues esclarecem que o pedido de registro faz com que haja uma antecipação tutela ex lege e que “tornou-se comum em nosso sistema jurídico permitir que o mero pedido de registro já produza os efeitos jurídicos advindos da futura e eventual decisão que reconhecer a existência de condições de elegibilidade e a au­sência de inelegibilidades” (JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de Direito Eleitoral. Vol. Único. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 488)

Ao enveredarem pela interpretação sistemática do art. 16-A da Lei nº 9.504/97 em conjugação com o disposto no art. 15 da LC nº 64/90, os autores lançam seguinte questão: na hipótese de indeferimento do registro, a partir de quando essa decisão fará cessar os efeitos concedidos ex lege àquele que gozava, a título precário, da situação de candidato?

Em percuciente abordagem, a obra apresenta algumas reflexões:

Como é sabido, a LC 64/1990, em sua redação original, foi precisa ao tratar da eficácia da decisão que julga procedente a Ação de Impugnação de Registro de Candidato. Tal disciplina veio inserta em seu art. 15, com a seguinte redação: "Tran­sitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido".

É de se notar que o artigo supra prescreve três situações distintas, advindas da decisão transitada que declarar a inelegibilidade do candidato — declaração esta que não faz parte do dispositivo da sentença, mas sim de sua fundamentação, como já visto —, quais sejam: (i) "ser-lhe-á negado registro"; (ii) "ou cancelado"; (iii) "ou declarado nulo o diploma".

A primeira situação contempla a hipótese de ainda não ter sido concedido, mesmo que provisoriamente, o registro ao candidato; a segunda quando já aceito o registro pela Justiça Eleitoral; e a terceira quando o candidato já foi diplomado.

Evidencie-se que o escopo do legislador era, ao mesmo tempo, permitir, enquanto pendente o processo de registro de candidatura sem uma decisão colegiada e sem o trânsito em julgado que indeferia o registro, que o candidato participe do pleito eleitoral, que faça campanha e tenha condições de ser votado e eleito (Op. cit. p. 490).

Tal solução, contudo, a meu sentir, ainda não contempla a seguinte especificidade: a decisão colegiada referida no texto legal seria proveniente dos tribunais regionais eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral ou, eventualmente, do Supremo Tribunal Federal? 

Pois bem. Entre as constantes reformas legislativas que incidem sobre o direito eleitoral, a inclusão do § 3º ao art. 224 do CE pela Lei nº 13.165/2015, reacendeu a discussão sobre o marco inicial da eficácia executória das decisões que importem no indeferimento dos registros de candidatura. Eis o teor do dispositivo em comento:

Art. 224. [...]

§ 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

Todavia, a expressão “após o trânsito em julgado” foi declarada inconstitucional por este Tribunal na sessão de 28.11.2016, no julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Eleitoral no REspe nº 139-25/RS.

Naquele julgado, além de ter sido determinada a realização de novas eleições no Município de Salto do Jacuí/RS em razão do indeferimento do registro do prefeito eleito na disputa de 2016, fixou-se a tese de que “a decisão da Justiça Eleitoral que indefere o registro de candidatura não afasta o candidato da campanha eleitoral enquanto não ocorrer o trânsito em julgado ou a manifestação da instância superior, nos termos do art. 16-A da Lei 9.504/97”.

Transcrevo excertos do voto do e. Relator, Ministro Henrique Neves, que destrincham muito bem o tema em questão:

Assiste razão à douta Procuradoria-Geral Eleitoral no que tange à inconstitucionalidade da expressão "após o trânsito em julgado" contida no mencionado dispositivo.

Para a compreensão do tema, é necessário relembrar alguns aspectos do processo eleitoral brasileiro na sua concepção instrumental e a evolução empreendida.

Pela redação original do Código Eleitoral, os recursos eleitorais eram desprovidos de efeito suspensivo. A execução imediata das sentenças eleitorais sempre foi característica do Direito Eleitoral.

[...]

Igualmente, no que tange ao registro de candidatura, a regra do art. 16-A da Lei das Eleições permite que o candidato cujo registro tenha sido indeferido pela Justiça Eleitoral permaneça na disputa, condicionando-se a validade dos seus votos ao provimento do recurso.

Cabe relembrar que o art. 16-A da Lei 9.504/97 tem provável origem na jurisprudência deste Tribunal que admitia a continuidade da campanha eleitoral na pendência do recurso contra o indeferimento do registro, "por conta e risco" do candidato. Na redação adotada pela Lei 12.034/2009, que introduziu o mencionado art. 16-A, a referência à expressão "por conta e risco" foi suprimida, passando-se a admitir, portanto, a continuidade da campanha eleitoral para todos os efeitos, que ficam condicionados ao provimento do recurso. Nesse sentido, este Tribunal recentemente concedeu a ordem pleiteada em mandado de segurança para garantir a participação de candidato no segundo turno de votação apesar de o seu registro ter sido indeferido em segunda instância, como se vê da respectiva ementa:

ELEIÇÕES 2016. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGUNDO TURNO. REALIZAÇÃO. SEGUNDO CANDIDATO MAIS VOTADO. REALIZAÇÃO DE ATOS DE CAMPANHA.

1. A pendência de análise de recurso especial interposto pelo candidato que teve seu registro indeferido pelas instâncias ordinárias não impede que, se for o caso, ele dispute o segundo turno, com a prática de todos os atos de campanha, nos termos do art. 16-A da Lei 9.504/97.

2. A proclamação do resultado provisório, para fins da apuração da necessidade de realização do segundo fumo, deve considerar os votos válidos dados aos candidatos, excluídos apenas os brancos e os nulos por manifestação apolítica do eleitor.

3. Nos municípios com mais de duzentos mil eleitores, os votos dados a candidatos que concorreram no primeiro turno de votação com registro indeferido que esteja submetido a recurso devem ser computados para o efeito da verificação da necessidade de realização do segundo turno de votação até decisão final do Tribunal Superior Eleitoral. Concessão da segurança.

(MS 0602028-24, rel. Min. Henrique Neves, julgado em 11.10.2016.)

[...]

De igual forma, a edição da regra do art. 16-A da Lei das Eleições, que impõe a manutenção da campanha do candidato cujo registro foi indeferido até a apreciação da matéria por instância superior, converge no sentido de se aguardar o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral, tal como ocorre no caso de aplicação do art. 216 do Código Eleitoral.

Anote-se, nesse ponto, que há realmente situações divergentes tratadas pelo novo § 3º do art. 224 do Código Eleitoral no que tange ao momento da execução da decisão que indefere o registro da candidatura, de acordo com o entendimento consagrado pela jurisprudência deste Tribunal.

Isso porque o indeferimento do registro de candidatura para afastar o candidato dos atos relativos à campanha eleitoral somente ocorre com a manifestação da instância superior (TSE), ao passo que o afastamento do exercício do cargo ou do mandato eletivo daqueles que praticam ilícitos eleitorais se dá, por força da nova regra do § 2º do art. 257 do Código Eleitoral, a partir do escoamento da instância ordinária. [sem grifos no original]

Posteriormente, a expressão “após o trânsito em julgado” foi declarada inconstitucional em controle abstrato no bojo da ADI nº 5525/DF, da relatoria do e. Ministro Luís Roberto Barroso, ao fundamento de que a exigência do trânsito em julgado para a perda do mandato contraria o princípio democrático e o princípio da soberania popular.

O Tribunal Superior Eleitoral, mais do que outros tribunais superiores, tem natureza jurídica de “Corte de passagem” ao STF.

Deveras, compõem o TSE 6 (seis) ministros do STF (3 titulares e 3 suplentes). É dizer: a maioria do STF tem assento nesta Corte Superior.

Tal fato, aliado à possibilidade de envolvimento direto de matéria constitucional no julgamento, por exemplo, dos recursos especiais eleitorais,  reconduz o STF, no meu entendimento, em matéria eleitoral, ao papel de Corte Constitucional “pura”.

Quero crer, então, que o Princípio da Colegialidade, exigível em todos os tribunais, mormente após a vinda à baila do CPC/2015, deve ser levado, no âmbito do TSE, às últimas consequências.

O respeito às decisões do STF e mesmo à ideologia subjacente à sua “doutrina jurisprudencial” atual há de ser total.

Propugno, assim, por uma interpretação holística do Princípio da Colegialidade, em matéria eleitoral, que seja abrangente, a um só tempo, do STF e do TSE.

Em tal contexto, o TSE não tem, a meu ver, (legítima) discricionariedade para desconsiderar, no equacionamento da espécie, as decisões do STF, sobretudo ligadas à prisão do condenado após a decisão em segundo grau e à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Sobre ambas as decisões, guardo ressalvas pessoais, no plano teórico e acadêmico, mas que não interessam nem ao julgador, nem ao julgamento atual.

Guardo, portanto, a convicção, a partir do impositivo quadro jurisprudencial do STF, de que o marco final para a manutenção das prerrogativas estatuídas no art. 16-A da Lei das Eleições é aquele traçado na LC n° 135/2010, ou seja, a existência de decisão colegiada, situação que, no caso dos autos, se aperfeiçoará com a publicação, em sessão, do acórdão proferido pelo TSE, detentor de competência originária para processar e julgar os registros de candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República, ex vi do art. 22, I, a, do CE.

Caso opte por permanecer na disputa eleitoral o candidato poderá buscar, na via do recurso extraordinário, aparelhado com a correspondente cautelar, a competente autorização judicial do STF.

Diante da celeridade que permeia os processos de registro, mormente por se tratar de candidatura à Presidência da República, a ser julgada por este Tribunal em única instância, cuja decisão será publicada em sessão, impõe-se, desde já, a sua execução.

Nesse ponto, consoante já decidido por este Tribunal, “[...] a execução dos acórdãos proferidos pelo TSE está vinculada apenas a sua publicação, não sendo necessário aguardar a oposição e o julgamento de eventuais embargos de declaração, os quais não são dotados de efeito suspensivo” (Pet nº 530-73/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 5.2.2016).

Ainda quanto à execução imediata das decisões, trago à baila excerto da decisão proferida pelo eminente Ministro Edson Fachin na Medida Cautelar na Reclamação nº 30.534/CE, em 12.6.2018:

Assim, a leitura das razões constantes de ambas as decisões: tanto a do TSE como do voto vencedor da ADI 5.525, que é o paradigma de controle, parece evidenciar que a declaração de inconstitucionalidade da locução “após o trânsito em julgado” prevista no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, e sua substituição pela possibilidade de execução imediata de “decisão de última ou única instância da Justiça Eleitoral, independentemente do julgamento dos embargos de declaração”, aplica-se aos casos previstos na precitada regra (de indeferimento do registro, cassação do diploma ou de perda do mandato de eleito em pleito majoritário) na acepção de que a “única ou última instância” sejam as ordinárias, não abarcando as eventuais instâncias especiais.

Essa é a lógica interpretativa que tem sido dada ao tema.

Vale mencionar, também, a decisão do eminente Ministro Luís Roberto Barroso na AC nº 0600459-17/SP, na qual Sua Excelência, em juízo de reconsideração, consignou que a execução da decisão que determinou a realização de eleições suplementares no Município de Santa Cruz das Palmeiras/SP poderia ocorrer independentemente da oposição de embargos de declaração. 

Na mesma trilha, Rodrigo López Zílio elucida que a decisão que julgar procedente a impugnatória de registro de candidatura surtirá efeitos a partir da publicação da decisão proferida por órgão colegiado, não sendo mais necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão. Em arremate, afirma que “após a publicação do acórdão do órgão colegiado, o impugnado será afastado do pleito, salvo se obtiver efeito suspensivo determinando sua permanência na disputa”. (ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. Vol. Único. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 527).

Diante desse quadro, a partir da publicação do acórdão, o requerente poderá, caso queira, valer-se das medidas cabíveis para obter, perante o STF, eventuais tutelas que assegurem a sua permanência na disputa, já que o efeito suspensivo automático ex lege do art. 16-A da Lei nº 9.504/97, como já dito, esgota-se com o pronunciamento desta Corte.

Caso opte por outro caminho, a legislação eleitoral também faculta ao partido a substituição da candidatura, nos termos do art. 13, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.504/97, que poderá ocorrer no prazo de até 10 (dez) dias contados da decisão que indeferir o seu registro e deverá ser apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito. Reproduzo a norma em questão:

Art. 13. É facultado ao partido ou coligação substituir candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado.

§ 1º  A escolha do substituto far-se-á na forma estabelecida no estatuto do partido a que pertencer o substituído, e o registro deverá ser requerido até 10 (dez) dias contados do fato ou da notificação do partido da decisão judicial que deu origem à substituição.  

[...]

§ 3º Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo. 

Tais prerrogativas sempre foram albergadas pela jurisprudência solidificada no âmbito desta Corte, ressalvadas as hipóteses de fraude comprovada, o que, repita-se, não se vislumbra no caso presente.

Ante o exposto, julgo procedentes as impugnações e, por conseguinte, indefiro o registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de Presidente da República no pleito de 2018 devido à incidência da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC nº 64/90, com efeitos a partir da publicação do acórdão relativo ao presente julgamento.

É como voto.

 

VOTO

 

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Senhores Ministros, trata-se, em síntese – como extraio do Relatório do Ministro Luís Roberto Barroso, eminente relator do feito –, de Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) da Coligação O Povo Feliz de Novo, integrada pelos partidos: Partido dos  Trabalhadores – PT, Partido Comunista do Brasil – PC do B e Partido Republicano da Ordem Social – PROS, nos termos da Res.-TSE nº 23.548/2017, com pedido de registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República nas Eleições 2018. Apresentadas impugnações, com pedido de tutela de evidência, e notícias de inelegibilidade, bem como oferecida defesa pelo impugnado, com juntada de documentos, e exarado parecer final pelo Ministério Público Eleitoral. Passo a enfrentamento mais detido das principais questões controvertidas.

I. PRELIMINAR. RAZÕES FINAIS. NÃO ABERTURA DE PRAZO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. REQUERIMENTO REITERADO EM SUSTENTAÇÃO ORAL.

Não desconheço a jurisprudência do TSE – o último precedente relativo ao pleito de 2016 –, na linha de que “‘o artigo 6º da Lei Complementar nº 64/1990 estabelece apenas a faculdade - e não a obrigatoriedade - de as partes apresentarem alegações finais. Em observância do princípio da economia processual, é permitido ao juiz eleitoral, nas ações de impugnação ao registro de candidatura, e passada a fase de contestação, decidir, de pronto, a ação, desde que se trate apenas de matéria de direito e as provas protestadas sejam irrelevantes’ (REspe 166-94, rel. Min. Maurício Corrêa, PSESS em 19.9.2000)” (AgR-RESPE - nº 28623/SC, Rel. Min. Henrique Neves, PSESS de 28.11.2016).

Não obstante, a revelar que o Direito, ciência cultural que é, sempre comporta diferentes olhares, colho da abalizada doutrina de José Jairo Gomes:

Reza o artigo 6º da Lei de Inelegibilidades que, tão logo encerrada a fase probatória, ‘as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 5 (cinco) dias’.

Talvez o emprego do vocábulo poderão nesse dispositivo seja o responsável pela divisão que se instalou na jurisprudência. Enquanto, para uns, a ‘abertura de prazo para alegações finais é opcional, a critério do juiz [...]’ (TSE – AC nº 22.785 , de 15-9-2004 – JURISTSE 7:92), outros sustentam ser necessária a apresentação de alegações finais, porquanto o artigo 6º prevê essa possibilidade; nesse sentido: TSE – AC nº 20.256 e Ac nº 581, de 10-9-2002 – JURISTSE 7:93, 94.

Se a lei estabelece uma fase no processo para produção de provas, viola o devido processo legal não conferir às partes, e ao Ministério Público, oportunidade para sobre elas se manifestar. Não é exato que as provas se dirijam somente ao juiz. Ao contrário, é assente encontrar-se a serviço do processo judicial, pois para este são produzidas. Ao juiz cabe presidir sua produção e sopesá-las no momento de decidir. Mas, antes de sentenciar, devem as partes se manifestar, expondo suas narrativas e argumentos à luz do quadro probatório resultante da instrução (CPC, art. 10). Sem isso, não se pode dizer haja processo legal, mas mero arremedo.

Logo, o termo poderão, na aludida expressão legal, só pode ser compreendido como faculdade conferida às partes. Se não quiserem, se entenderem desnecessário ou supérfluo, poderão deixar de apresentar alegações finais. Mas a oportunidade para fazê-lo deve ser-lhe franqueada. Tanto é assim que o artigo 7º, caput da LC nº 64/90 estipula que os autos serão conclusos ao juiz somente após ‘encerrado o prazo para alegações’ das partes. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14 ed., Atlas, 2018).

Nessa linha, guardo reserva quanto à orientação prevalecente na Casa, à compreensão de que a exegese mais harmônica com os postulados do contraditório e da ampla defesa e que melhor atende à incessante busca do justo em concreto na entrega da prestação jurisdicional, ampliando o debate de teses e ideias – sobretudo quando em jogo questões sensíveis, ainda que tão só de direito –, é aquela que orienta à abertura pelo juízo, nas impugnações a registros de candidatura, do prazo para alegações finais, após o oferecimento de defesa pelo impugnado, reservado às partes o juízo de conveniência quanto a apresentá-las, ou não. Essa, aliás, a teleologia inspiradora dos arts. 9º e 10 do CPC e, de resto, o procedimento adotado nos Processos nos 0600.833-33.2018.6.00.0000, 0600832-48.2018.6.00.0000 e 0600831-63.208.6.00.0000 julgados nesta mesma sessão, sob a relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, a aconselhar a observância do mesmo rito nos processos de registro de candidatura, com impugnação, em curso no TSE, em homenagem à igualdade de tratamento.

Como sempre enfatizo, o Direito tem seu tempo, institutos, ritos e formas em prol basicamente da segurança jurídica, essencial à vida em sociedade. Oportuno lembrar, fazendo eco ao ilustre decano do Supremo Tribunal Federal, o eminente Ministro Celso de Mello, a peroração de Cícero, ainda no século I a.C. “Sejamos servos da lei para podermos ser livres”.

Daí não se segue, contudo, é importante o registro, não esteja a lei sendo observada, pelo eminente relator, à luz do art. 355, I, do CPC, aplicável  subsidiariamente, a autorizar - especialmente diante da celeridade que se impõe ao processo eleitoral, máxime em pedidos de tal jaez -, o julgamento antecipado da lide (“ o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito quando (não houver necessidade de produção de outras provas”), e adotados, repito, os precedentes da Casa como faróis a iluminar o caminho. A tanto, acresço, o iminente início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão e o fato de que também pendentes de apreciação pedidos de tutela provisória, em juízo de cognição sumária, formalizado, inclusive, o do Partido Novo (NOVO) – Nacional, como pedido de tutela de evidência, em que necessária, é consabido, não só a plausibilidade da tese, mas também sua intensa probabilidade -, com vista à suspensão dos direitos inerentes à pretensão à candidatura sub judice, “notadamente: a) a realização de gastos de recursos oriundos de financiamento público (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC), b) a participação em debates [ou mesmo a menção de seu nome como candidato convidado a participar], c) a realização de qualquer tipo de propaganda eleitoral e d) a destinação de tempo para que participe da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão”.

Manifesto-me, pois, no sentido do acolhimento do quanto reiterado da tribuna pelo impugnado, em que admitida inclusive a mitigação do prazo pretendido.

II. PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ELEIÇÕES DE 2018. INCIDÊNCIA DE CAUSA EXPRESSA DE INELEGIBILIDADE: ART. 1º, E, 1 E6, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990, COM A REDAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010, A CHAMADA “LEI DA FICHA LIMPA”.

Em análise o pleito deduzido de registro de candidatura ao cargo de Presidente da República nas Eleições de 2018.

O registro de candidatura, é cediço, deve ser deferido ao candidato que, tendo o seu requerimento apreciado, é considerado apto, vale dizer, está no gozo dos seus direitos políticos, satisfaz as condições de elegibilidade e contra ele não incide causa de inelegibilidade. Conforme assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ao julgamento conjunto da ADC 23, da ADC 30 e da ADI 4578, “a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral”.

No presente momento, cumpre aferir objetivamente a satisfação dos requisitos positivos – condições de elegibilidade – e a ausência de qualquer fator negativo – causa de inelegibilidade.

Orienta a jurisprudência desta Casa:

(...) No processo de registro de candidatura, não se declara nem se impõe sanção de inelegibilidade, mas se aferem tão-somente as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade, a fim de que se possa considerar o candidato apto a concorrer na eleição. Nesse sentido: Acórdão nº 21.709, Recurso Especial Eleitoral nº 21.709, relator Ministro Peçanha Martins, de 12.8.2004. [...] Agravo regimental a que se nega provimento”. (Ac. nº 23.556, de 18.10.2004, rel. Min. Caputo Bastos.)

Consabido, de outra parte, que as causas de inelegibilidade, no ordenamento positivo pátrio, têm como fontes formais a própria Constituição da República - art. 14, § 9º - e lei complementar. Rememoro o texto constitucional:

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

Dentre as causas de inelegibilidade estabelecidas na Lei Complementar nº 64/1990, com a redação da Lei Complementar nº 135/2010, a chamada “Lei da Ficha Limpa”, a seu turno, figura a condenação, proferida por órgão judicial colegiado, pelos crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro, art. 1º, I, e, 1 e 6. Confira-se:

Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: (...)

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

A existência de condenação por crimes contra a administração pública e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, proferida por órgão judicial colegiado, não transcorridos 8 (oito) anos do cumprimento da pena, concretiza, pois, o suporte fático do art. 1º, I, e, 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, configurando hipótese de inelegibilidade conducente ao indeferimento do registro da candidatura. No dizer da doutrina,

incidirá a inelegibilidade sempre que na história ou no patrimônio jurídico do cidadão figurar evento como tal definido na norma complementar. Assim, por exemplo, é inelegível por oito anos a pessoa que tiver sido condenada pela prática de um dos crimes previstos na alínea “e” do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90 (independente da natureza e do montante da pena aplicada). (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2015).

Vale enfatizar, aqui, como bem pontuou o eminente relator, que não  cabe à Justiça Eleitoral se imiscuir nas condenações criminais proferidas pela Justiça comum para delas extrair a culpabilidade da conduta apurada ou o seu grau de correção. Dito em outras palavras: a Justiça Eleitoral, no caso, ao exame da causa de inelegibilidade do art. art. 1º, I, e, 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, não emite qualquer juízo de valor sobre a condenação imposta na Justiça Federal, confirmada, na fração de interesse do dispositivo, por órgão colegiado, é dizer, não aprecia a justiça ou o desacerto da decisão criminal. Constata, apenas, a sua existência para declarar a concretização do suporte fático da norma. Aplicável a Súmula nº 4/TSE, in verbis: “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade”.

Acompanho, portanto, o eminente relator quanto ao ponto, cristalizada a jurisprudência deste Tribunal Superior pela constitucionalidade do referido preceito, forte nas decisões proferidas pela Suprema Corte nas ADCs 29 e 30 e na ADI 4578,  reafirmada nos pleitos de 2012, 2014 e 2016

Friso, aqui, que a consequência da causa de inelegibilidade em foco pode, em tese, ser afastada por força da mesma Lei Complementar 64/1990, na dicção de seu art. 26-C, a prever:

O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

Tal previsão, anoto, não diz propriamente com os processos eleitorais de registro e impugnação de candidatura, e sim com o fundamento da inelegibilidade – no caso do art. 1º, I, ‘e’, da LC nº 64/1990, efeito da condenação, imposta em processo penal, pela prática de um dos crimes nela enumerados, com projeção sobre a capacidade eleitoral passiva.

Na espécie, houve condenação pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, confirmada (com agravamento de pena) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao exame da apelação criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, mediante acórdão prolatado em 24.1.2018 e publicado em 6.2.2018. Rejeitados os embargos de declaração que se sucederam, houve manejo, pela defesa, de recursos extraordinário e especial – o primeiro não admitido na origem, ao contrário do segundo. Encontra-se aberta, portanto, a jurisdição do Superior Tribunal de Justiça em relação ao tema de fundo – o mérito da condenação imposta. Nesse recurso especial, houve expresso pedido para que suspensa a inelegibilidade do recorrente, o que, em termos formais, supre a exigência da parte final do supracitado art. 26-C (https://www.conjur.com.br/dl/recurso-especial-lula.pdf).

Acrescento, a respeito da literalidade do art. 26-C, que jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral mitiga a exigência de que a medida cautelar seja concedida pelo “órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso”, porque tal disposição “‘(...) não afasta o poder geral de cautela conferido ao juiz pelo art. 798 do CPC, nem transfere ao Plenário a competência para examinar, inicialmente, pedido de concessão de medida liminar, ainda que a questão envolva inelegibilidade’ (Questão de Ordem na Ação Cautelar nº 142085/RJ, DJe de 28.6.2010, Rel. Min. Marcelo Ribeiro)” (REspe nº 527-71.2012, Relator Ministro Dias Toffoli, PSESS em 13.12.2012).

Não há notícia de decisão monocrática ou colegiada, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que tenha afastado, em tutela provisória, a inelegibilidade decorrente da condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Pelo contrário, o Pedido de Tutela Provisória nº 1527/RS, destinado a dar efeito suspensivo ao citado recurso especial, foi monocraticamente indeferido pelo Ministro Felix Fischer em 13.6.2018, seguindo-se o desprovimento do agravo que tal decisão desafiou, pela 5ª Turma daquele Tribunal, em 2.8.2018 e, por fim, a rejeição de embargos declaratórios em 16.8.2018.

Diante do quadro fático do momento, ausente decisão jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro a afastar os efeitos do art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990 em relação à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de Presidente da República, a consequência é o indeferimento do pedido de registro, nos termos do art. 15 da mesma Lei Complementar nº 64/1990 (“publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro”).

III. MEDIDA CAUTELAR DO COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS ONU. DIREITOS HUMANOS. SISTEMA DE PROTEÇÃO DA ONU. RELAÇÕES COM A ORDEM INTERNA BRASILEIRA.

Questão sensível e da maior complexidade é a dos efeitos, no pedido de registro de candidatura em análise, da manifestação do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, que me leva, para bem contextualizar o tema, a traçar, de início, breve panorama geral do sistema de proteção de direitos humanos da Organização das Nações Unidas, considerada sua estrutura normativo- organizacional.

1. Panorama geral da proteção dos direitos humanos pela ONU. Estrutura normativa e organizacional.

A missão das Nações Unidas está voltada aos objetivos primordiais de perseguir a manutenção da paz e da segurança internacionais, fomentar a cooperação internacional nos campos social e econômico e promover os direitos humanos de modo universal1. Fortemente lastreada no interesse em evitar a repetição dos horrores da Segunda Grande Guerra, sua atuação é, portanto, indissociável da busca pela efetivação dos direitos e da dignidade da pessoa humana. Desde que criado tal órgão, “a relevância dada a este tema no seio da ONU está diretamente relacionada ao fato de se acreditar que, somente assegurando-se os direitos fundamentais aos homens, uma convivência pacífica e equilibrada entre os atores do cenário internacional será possível”2.

Por isso, quase imediatamente ao seu estabelecimento, a determinação para que se redigisse uma Carta Internacional de Direitos Humanos. Esta é composta pela Declaração Universal de Direitos Humanos, que neste ano de 2018 completa seu septuagésimo aniversário, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, estes últimos adotados em 1966 e com natureza, ao contrário daquela, de tratado. Por isso seu trâmite mais demorado e complexo, refletindo, a própria escolha pela divisão dos temas em dois instrumentos, o contexto geopolítico da época3.

Antes de prosseguir no exame dos dispositivos normativos consignados em tais documentos, é preciso delinear, ainda que de modo perfunctório, a estrutura interna das Nações Unidas, na medida em que os dois temas se interpenetram.

Os principais órgãos das Nações Unidas são a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e o Secretariado (artigo 7º da Carta da ONU). Destes, destaco que a Corte Internacional de Justiça, delineada no artigo 92 da Carta, é seu principal órgão judicial, composto por quinze juízes, e detém competência contenciosa e consultiva. Porém, somente Estados podem ser partes perante ela (artigo 34 do Estatuto da Corte), de modo que, “se simples particulares pretendem fazer valer direitos perante a Corte, é necessário que seu governo espose as respectivas pretensões ou reclamações”4. A presente controvérsia, portanto, em nada se relaciona a tal órgão.

Por sua vez, o Conselho Econômico e Social criou, logo em 1946, a Comissão de Direitos Humanos, que foi abolida em 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos (CDH), com quarenta e sete membros eleitos diretamente pela Assembleia Geral. Segundo Flávia Piovesan:

O Conselho de Direitos Humanos, como órgão subsidiário da Assembleia Geral, deve guiar-se pelos princípios da universalidade, da imparcialidade, da objetividade e da não seletividade na consideração de questões afetas a direitos humanos, afastando a politização e double standards, buscando fomentar a cooperação e o diálogo internacional. Cabe ao Conselho responder a violações de direitos humanos, incluindo violações graves e sistemáticas, bem como elaborar recomendações. Em 25 de fevereiro de 2011, o Conselho de Direitos Humanos recomendou, por unanimidade, a suspensão da Líbia, em face de graves e sistemáticas violações de direitos humanos. Compete ao Conselho promover também a efetiva coordenação das atividades de direitos humanos na ONU e a incorporação da perspectiva dos direitos humanos em todas as atividades da ONU (mainstreaming of human rights within the UN system). Tem ainda por desafio estabelecer um diálogo transparente e construtivo com as organizações não governamentais para a promoção e proteção dos direitos humanos5.

O Brasil nunca foi objeto de resolução editada pelo Conselho de Direitos Humanos, cuja competência está mais relacionada à edição de resoluções e decisões sobre temas gerais, como se dá em face do procedimento conhecido por Revisão Periódica Universal (EPU), em que relatórios sobre a situação dos direitos humanos em diversos países são analisados, emitindo-se, a partir disso, recomendações de caráter voluntário.

Em um segundo nível estão os órgãos de tratado, ou seja, órgãos criados pelos Pactos supramencionados para operacionalização das regras substantivas que consagram. Um desses órgãos é, justamente, o Comitê de Direitos Humanos, previsto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em suas Partes IV e V. Por serem muitos e extensos os dispositivos, transcrevo-os parcialmente:

ARTIGO 28

1. Constituir-se-á um Comitê de Diretores Humanos (doravante denominado o "Comitê" no presente Pacto). O Comitê será composto de dezoito membros e desempenhará as funções descritasadiante.

2. O Comitê será integrado por nacionais dos Estados Partes do presente Pacto, os quais deverão ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direito humanos, levando-se em consideração a utilidade da participação de algumas pessoas experiências jurídicas.

3. Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a título pessoal.

(...) ARTIGO 38

Todo Membro do Comitê deverá, antes de iniciar suas funções, assumir, em sessão pública, o compromisso solene de que desempenhará suas funções imparciais e conscientemente.

ARTIGO 39

1. O Comitê elegerá sua mesa para um período de dois anos. Os membros da mesa poderão serreeleitos.

2. O próprio Comitê estabelecerá suas regras de procedimento; estas, contudo, deverão conter, entre outras, as seguintes disposições:

a) O quorum será de doze membros;

b) As decisões do Comitê serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes.

(...) ARTIGO 44

As disposições relativas à implementação do presente Pacto aplicar-se-ão sem prejuízo dos procedimentos instituídos em matéria de direito humanos pelos ou em virtude dos mesmos instrumentos constitutivos e pelas Convenções da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas e não impedirão que os Estados Partes venham a recorrer a outros procedimentos para a solução de controvérsias em conformidade com os acordos internacionais gerias ou especiais vigentes entre eles6.

Embora não transcritos todos os dispositivos do Pacto, por questão de brevidade, consigno que a metodologia de proteção dos direitos humanos neles prevista incorporou um sistema de relatórios a serem submetidos diretamente pelos Estados-partes, ou por solicitação do Conselho (artigo 40), e um sistema de comunicação interestatal, em que “todo Estado Parte do presente Pacto poderá declarar, a qualquer momento, que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro Estado Parte não vem cumprindo as obrigações que lhe impõe o presente Pacto” (artigo 41, 1). Portanto, um Estado signatário poderia denunciar outro por violação de direitos humanos. Tais possibilidades, porém, desde logo não se mostravam suficientes. Por isso, foi constituído o subsequente Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, com o objetivo de atribuir à Comissão de Direitos Humanos uma terceira possibilidade: a de conhecer de pedidos individuais, ou seja, “denúncias feitas por indivíduos” a respeito de “violações de direitos humanos perpetradas por um Estado- parte”7 em seu desfavor. Este Protocolo passou, posteriormente, a ser chamado de “Primeiro Protocolo” porque, em 1989, foi criado um novo Protocolo Facultativo, assim conhecido por “Segundo Protocolo”.

Ainda em termos estruturais, no terceiro e último nível está o Escritório do Alto Comissário para os Direitos Humanos (EACDH), órgão vinculado à Secretaria das Nações Unidas, que tem por missão principal coordenar as atividades do sistema de defesa dos direitos humanos, inclusive pelo estabelecimento de contatos diplomáticos para prevenção e correção de violações8 – uma espécie, portanto, de “promotor dos direitos humanos” em nível global.

Delineada tal estrutura, é preciso reforçar, pelo interesse do tema para a presente controvérsia, o alcance das atividades e da possibilidade de implementação das medidas tomadas pelos órgãos de direitos humanos da ONU.

No segundo nível, ou seja, no âmbito do Pacto, os governos se comprometem a permitir o monitoramento de suas políticas e condutas por meio de relatórios sobre medidas legislativas, administrativas e judiciárias por eles adotadas – relatórios esses que se tornam objetos de discussão pública entre o país e a ONU no âmbito do Comitê de Direitos Humanos, que os estuda e propõe observações de caráter genérico. Da mesma forma, o supracitado procedimento das comunicações interestatais permite que a ONU faça mediação entre conflitos bilaterais nos quais uma das partes possa ser acusada de violação de direitos humanos, de modo a propor uma solução amistosa entre as partes, muito embora tal possibilidade seja restringida pela facultatividade na adoção a tal mecanismo entre os países, devendo ser expressamente declarada em manifestação própria pelos envolvidos.

No terceiro nível, como visto, há o acréscimo (pelo “Primeiro Protocolo Facultativo”) da mecânica da petição individual, que dá capacidade processual internacional a indivíduos perante o Comitê de Direitos Humanos. Nesse âmbito, segundo Theodor Meron, “o Comitê tem uma atribuição ‘investigativa’, de acordo com o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A competência do Comitê, em conformidade com o art. 1º do Protocolo Facultativo, é limitada a receber e considerar comunicações de indivíduos sujeitos à jurisdição de Estados-partes (que reconheçam a competência do Comitê), no sentido de que são vítimas de violações, por parte do Estado, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto dos Direitos Civis e Políticos”9. Complementa Siân Lewis-Anthony que “A autoridade do Comitê para receber e considerar comunicações deriva do art. 1º do Protocolo Facultativo. Embora não tenha um poder jurisdicional formal, o Comitê tem estabelecido uma doutrina informal de precedentes e tende a se orientar pelas decisões anteriores”10.

Em resumo, portanto, afirma Flávia Piovesan que “no âmbito global, a sistemática de monitoramento internacional dos tratados de direitos humanos se restringe ao mecanismo de relatórios, a serem elaborados pelos Estados-partes, e, por vezes, aos mecanismos das comunicações interestatais e petições individuais a serem apreciadas pelos Comitês internacionais, que, todavia, não apresentam caráter jurisdicional”11.

O grau de imposição das decisões advindas da estrutura de proteção dos direitos humanos da ONU tem, portanto, considerável diferença em relação ao que se verifica no tocante a outros organismos regionais, como ocorre com o sistema interamericano e o europeu. No âmbito da Organização dos Estados Americanos, por exemplo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, é respaldada pela existência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo que esta última possui, entre suas atribuições, efetivo caráter contencioso e jurisdicional para julgar casos concretos de violação de direitos humanos por parte de Estado-membro que tenha reconhecido tal jurisdição – embora seja necessário ressaltar que a submissão do caso depende de prévio exame da Comissão Interamericana (ou pedido de outro Estado-membro), não sendo possível, também aqui, demanda direta perante a Corte por particular (art. 61,1, da Convenção). Superada a admissibilidade, porém, tal Corte profere sentenças definitivas e inapeláveis (art. 67 da Convenção), sendo assim obrigatórias na qualidade de sentenças internacionais12, conforme estabelece literalmente o artigo 68,1, da Convenção: “os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.

Os panoramas são, portanto, distintos quando comparados, v.g., o sistema regional da OEA e o sistema global da ONU. Neste, as decisões proferidas pelo Comitê de Direitos Humanos não têm a mesma sustentação impositiva indeclinável das decisões (jurisdicionais) da Corte Interamericana de Direitos Humanos13.

Nessa linha, concluo que mesmo o mecanismo de denúncia individual perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU não deságua em decisão com força obrigatória ou vinculante, [e] tampouco qualquer sanção é prevista na hipótese de o Estado não lhe conferir cumprimento”. Assim, “a condenação do Estado no âmbito internacional enseja consequências no plano político, mediante o chamado power of embarrassment, que pode causar constrangimento político e moral ao Estado violador”14.

2. A questão da ausência de promulgação do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Na hipótese de petição individual, Flávia Piovesan consigna que esta “só pode ser admitida se o Estado violador tiver ratificado tanto o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos como o Protocolo Facultativo, já que só assim o Estado terá reconhecido a competência do Comitê para tanto. Na explicação de Thomas Buergenthal: ‘Esse tratado, adotado como um instrumento em separado, suplementa os mecanismos de implementação do Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Ele é destinado a habilitar entes privados, que clamam ser vítimas de violações de direito enunciado na Convenção, a submeter uma petição individual perante o Comitê de Direitos Humanos. As petições só podem ser propostas contra Estados-partes no Pacto que tenham ratificado o Protocolo’”15.

Trata-se, em linhas gerais, de consequência prática a ser extraída da resposta a ser dada a um dos problemas mais basilares do direito internacional. Em artigo publicado neste ano de 2018 a respeito das relações entre direito internacional, direitos humanos e a jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros, sustentam Paula Wojcikiewicz Almeida e Maria Luiza Belmiro Gomes:

As práticas constitucionais são claramente influenciadas pela posição de princípio no que se refere à relação entre direito internacional e direito interno prevista pelas constituições nacionais. Isso leva a pensar que os Estados que aderiram à concepção dualista, com a infinidade de variações que dela decorrem, não tendem a facilitar, do ponto de vista técnico, a aplicação imediata do direito internacional16.

No Supremo Tribunal Federal, já me manifestei sobre esse complexo tema de fundo, ainda que colateralmente, ao proferir voto na ADI nº 1625/UF, em 11.11.2015 (Relator Ministro Dias Toffoli, julgamento suspenso em função de pedido de vista), ao exame de pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 2100/96, mediante o qual tornada pública a denúncia, pelo Estado brasileiro, da Convenção sobre  o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador (Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT). A alegação principal a enfrentar, em tal feito, é a de que o aludido Decreto estaria a usurpar competência do Congresso Nacional, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal – pois a este atribuída, de modo exclusivo, autoridade para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Em resumo, a tese dos autores é a de que, tendo sido aprovada a Convenção nº 158/OIT por Decreto Legislativo, depositada a Carta de Ratificação junto ao organismo internacional e promulgada a Convenção por Decreto Presidencial – do que decorreram publicidade interna e executoriedade do instrumento legislativo na ordem interna – não poderia outro Decreto retirá-lo da ordem jurídica nacional. Tal medida equivaleria, na melhor das hipóteses (pois passível de discussão o enquadramento de tal Convenção como norma de direitos humanos), a revogar lei infraconstitucional – âmbito mínimo de acolhimento da referida Convenção na estrutura normativa brasileira.

Em meu voto, acolhi tal argumentação para julgar procedente o pedido, com declaração da inconstitucionalidade formal do Decreto nº 2100/96. Nos fundamentos por mim adotados, consignei:

No Brasil, a Convenção nº 158 foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 68, de 16.9.1992. Depositada a Carta de Ratificação junto à OIT, pelo Governo brasileiro, em 05.01.1995, passou a viger em relação ao Brasil – obrigar o Brasil – em 05.01.1996 (doze meses após a ratificação, a teor do artigo 16 da Convenção). Finalmente, foi promulgada pelo Decreto nº 1885, de 10.4.1996, ato que deu publicidade interna à incorporação da Convenção ao direito doméstico, conferindo-lhe executoriedade no território nacional.

(...)

Na esteira de remansosa jurisprudência desta Suprema Corte, uma vez concluído o processo de sua incorporação ao direito brasileiro, com a aprovação pelo Congresso Nacional e subsequente promulgação pelo Presidente da República, os tratados que não veiculam norma protetiva de direitos humanos assumem status hierárquico equivalente ao das leis ordinárias.

Na mesma oportunidade, indiquei a existência de precedente do Supremo Tribunal Federal no qual o tema relativo à importância da promulgação presidencial como fase de perfectibilização da adoção de um instrumento normativo internacional se encontra delineado em primeiro foco. Trata-se da ADI nº 1480-MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 18.6.2001. Destaco trecho da ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.

- É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. (...).

Do corpo do voto proferido pelo eminente Ministro decano de nossa Suprema Corte, extraio relevantes trechos que equacionam a questão doutrinária central, referente às diferenças entre monismo e dualismo, às estipulações da ordem constitucional brasileira:

(...) a Convenção nº 158 da O.I.T. (1982) (...) acha-se definitivamente incorporada à ordem jurídica doméstica do Estado brasileiro, eis que já se concluiu o procedimento de sua solene recepção pelo sistema de direito positivo interno do Brasil.

(...)

Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo tenha sido qualificada por CHARLES ROUSSEAU (‘Droit International Public Approfondi’, p. 3/16, 1958, Dalloz, Paris), no plano do direito internacional público, como mera ‘discussion d’école’, torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República.

(...)

Não se pode desconhecer, na linha da concepção dualista – que supõe a pluralidade, em caráter autônomo, de ordens normativas distintas e independentes e que sustenta a existência de limites definidos entre o direito interno e o direito externo - , que se impõe, para efeito de absorção das cláusulas constantes de tratados internacionais, um ato de formal recepção (que não se confunde com a mera ratificação) praticado segundo as regras inscritas no ordenamento positivo do Estado subscritor.

(...)

Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada).

(...)

“O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto.

(...) a aprovação congressual e a promulgação executiva atuam, nessa condição, como pressupostos indispensáveis da própria aplicabilidade, no plano normativo interno, da convenção internacional celebrada pelo Brasil (...).

Reputo de fundamental importância, porém, pela similitude entre os casos, referir-me ao Agravo Regimental em Carta Rogatória nº 8279/AT, também de relatoria do Ministro Celso de Mello, Pleno, DJ de 10.8.2000. Em tal processo, a Justiça Federal da República Argentina requereu exequatur a carta rogatória, com base no Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro Preto/MG, instrumento de direito internacional público vinculado ao MERCOSUL. Tal Convenção, porém, ainda não havia sido plenamente incorporada ao direito interno brasileiro. Na decisão monocrática agravada, como fundamento ao indeferimento do pedido, consignou o Ministro relator que:

O Protocolo de Medidas Cautelares adotado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, em dezembro de 1994, embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República.

Nas razões de agravo, sustentou o interessado que a promulgação do tratado seria “simples formalidade não atributiva de juridicidade ou de eficácia às normas pactuadas” no instrumento internacional, decorrendo a juridicidade, nessa perspectiva, “da aprovação congressual”, e a eficácia, “da ratificação”.

No julgamento denegatório do agravo, estabelecido por unanimidade no Pleno do STF, reiterou o Ministro Celso de Mello as razões constantes da ADI nº 1480- MC/DF, às quais acrescentou:

“Nem se alegue, para justificar a pretendida concessão de exequatur, que as diligências rogadas – embora de caráter executório – encontrariam fundamento em convenção internacional consubstanciada no Protocolo de Medidas Cautelares aprovado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL) (...).

É que esse ato de direito internacional público, muito embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95), não se achava formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, quando da recusa da concessão de exequatur pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), o Protocolo em questão, em 04/5/98 (data da decisão ora agravada – fls. 55/63), ainda não havia sido promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República.

(...)

Desse modo, torna-se evidente que o Protocolo de Medidas Cautelares, celebrado no âmbito do MERCOSUL, ainda não se achava incorporado, formal e definitivamente, ao sistema de direito positivo interno do Brasil, quando, em 04/5/98 (data da decisão ora agravada), foi por mim legitimamente recusada, na condição de Presidente do Supremo Tribunal Federal, a pretendida concessão de exequatur solicitada pela Justiça Federal da República Argentina.

(...)

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a Constituição brasileira – ao contrário do que prescreve, por exemplo, a Carta Política de Portugal (art. 8º, n. 3) – não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, de âmbito comunitário, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata.

Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos comunitários, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).

Especialmente no que concerne ao princípio da aplicabilidade imediata, cabe insistir, por necessário, na asserção de que o ordenamento constitucional brasileiro não acolheu esse postulado, segundo o qual as normas de direito internacional passam a aplicar-se, desde logo, no território do Estado-membro que as subscreveu, sem necessidade de sua prévia incorporação, ao ordenamento positivo interno, mediante processos constitucionais específicos, como ocorre com os tratados internacionais de feição clássica.

(...) em tema de aplicabilidade dos atos internacionais, sob a égide do modelo constitucional brasileiro, e mesmo cuidando-se de pactos de índole comunitária ou de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção dos tratados internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência de norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL.

(...)

O fato irrecusável é um só: o ordenamento constitucional brasileiro ainda não consagra qualquer solução que permita a recepção plena e automática das normas de direito internacional, mesmo daquelas que, elaboradas no contexto da experiência de integração regional, representam a expressão formal de um verdadeiro direito comunitário”.

Tal entendimento a respeito da necessidade de perfectibilização integral de todos os atos que perfazem o complexo procedimento de interiorização normativa de atos internacionais – dele fazendo parte inerente e necessária a promulgação presidencial por meio de Decreto, após a aprovação legislativa – está presente, também, em sede doutrinária. João Grandino Rodas escreveu, em 2015:

“Duas são as teorias tradicionais sobre o relacionamento entre a ordem internacional e a ordem interna. A teoria monista que afirma comporem ambas o mesmo âmbito, representada, visualmente, por dois círculos concêntricos; e a dualista, que as considera como dois círculos, quanto muito tangentes, mas nunca secantes. O corolário é que para os países que adotam a teoria monista (ex. Reino Unido), no momento em que um tratado passa a integrar a ordem internacional, ipso facto, já pertence também à ordem interna. Já para aqueles que perfilham o dualismo (ex. Brasil), a ratificação internacional de um tratado faz com que ele passe a figurar no direito internacional brasileiro; sendo necessário uma nova formalidade para inseri-lo no direito interno do Brasil. Se, por acaso, o tratado é ratificado e o país deixa de internalizá-lo, o tratado não é executório nesse país, acarretando-lhe responsabilidade internacional.

(...)

Os poucos artigos das Constituições Brasileiras republicanas sobre a dinâmica interna dos tratados internacionais não mudaram muito, sendo formal e substancialmente semelhantes. A tradição constitucional brasileira, com exceção da Carta de 1937, determina a colaboração entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo na conclusão dos tratados internacionais. A Constituição vigente considera a vontade do Estado com referência aos atos internacionais como ato complexo, sendo necessária a vontade conjugada do Presidente da República e a do Congresso Nacional. O art. 84, Inciso VIII, estabelece como competência privativa do Presidente da República: “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Entretanto, completa o art. 49, inciso I, que tais atos só se tornam definitivos, após aprovação do Congresso Nacional.

Uma vez aprovado o tratado pelo Poder Executivo, aprovação essa materializada pela emissão do decreto do Legislativo, assinado pelo Presidente do Senado Federal, o Poder Executivo pode proceder à ratificação internacional, realizada pela troca (em caso de tratado bilateral) ou depósito (no caso de tratado multilateral) de instrumento de ratificação. Chama-se ratificação internacional, pois obriga o Estado que a faz, internacionalmente, com relação ao conteúdo do tratado.

A incorporação do ato internacional à legislação brasileira dá-se, contudo, pela sua promulgação por meio de decreto do Executivo, que torna público seu texto e determina sua execução. A Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores redige o instrumento do decreto, que será acompanhado do texto do tratado e, eventualmente, de tradução oficial. Esse decreto, assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, é publicado no Diário Oficial da União.

Em razão de costume assente, a aprovação dos tratados no Brasil segue o mesmo processo da elaboração da lei. As Constituições brasileiras não se referem à internalização dos tratados no direito interno, continuando, nesse tocante, o Brasil a seguir a tradição lusitana de promulgar o tratado já ratificado por meio de decreto do Executivo.

No direito brasileiro, a promulgação e a publicação compõem a fase integratória da eficácia da lei. A promulgação atesta a adoção da lei pelo Legislativo, certifica a sua existência e o seu texto e afirma, finalmente, seu valor imperativo e executório.

A publicação, que se segue à promulgação, é condição de eficácia da lei. Não prevista constitucionalmente, rege-se pelo artigo 1º do Decreto-lei 4.657/1942, recentemente redenominado Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Para todos os efeitos, a prova de que o Brasil se encontra vinculado a um tratado solene ou em forma devida e de que ele é executório no território nacional deve ser feita pela exibição do decreto de promulgação e pela publicação”17.

Na mesma linha leciona, em sede doutrinária, o Ministro Alexandre de Moraes, com apoio, ainda, no magistério dos Ministros Gilmar Mendes e Francisco Rezek:

“(...) a edição do decreto legislativo, aprovando o tratado, não contém, todavia, uma ordem de execução do tratado no Território Nacional, uma vez que somente ao Presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação. Com a promulgação do tratado por meio de decreto do Chefe do Executivo, recebe esse ato normativo a ordem de execução, passando, assim, a ser aplicado de forma geral e obrigatória.

Importante salientar que o ato ou tratado internacional, para ser devidamente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, deverá submeter-se a três fases:

1ª fase: compete privativamente ao presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais (CF, art. 84, VIII);

2ª fase: é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I). A deliberação do parlamento será realizada por meio da aprovação de um decreto legislativo, devidamente promulgado pelo presidente do Senado Federal e publica, salvo na hipótese do §3º, do art. 5º, pelo qual a EC nº 45/04 estabeleceu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais;

3ª fase: edição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É nesse momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratado internacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.

Gilmar Mendes Ferreira explica que, ‘ao contrário do sistema adotado na Alemanha, o Congresso Nacional aprova o tratado mediante a edição de decreto legislativo (CF, art. 49, I), ato que dispensa sanção ou promulgação por parte do Presidente da República. Tal como observado, o decreto legislativo contém aprovação do Congresso Nacional ao tratado e simultaneamente a autorização para que o Presidente da República ratifique-o em nome da República Federativa do Brasil. Esse ato não contém, todavia, uma ordem de execução do tratado no Território Nacional, uma vez que somente ao Presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação. Com a promulgação do tratado por meio de decreto do Chefe do Executivo recebe aquele ato a ordem de execução, passando, assim, a ser aplicado de forma geral e obrigatória’ (Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 168).

Mirtô Fraga, após expor o referido procedimento para incorporação do tratado internacional no direito brasileiro, conclui que, ‘o Supremo Tribunal Federal tem entendido ser necessária a promulgação para que o tratado tenha força executória de ordem interna. O decreto do Presidente da República atestando a existência de nova regra e o cumprimento das formalidades requeridas para que ela se concluísse, com a ordem de ser cumprida tão inteiramente como nela se contém, confere-lhe força executória, e a publicação exige sua observância por todos: Governo, particulares, Judiciário’ (O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno. Rio de Janeiro: Forense, 1997. P.69).

Da mesma maneira, Francisco Rezek é taxativo ao afirmar que, “no estágio presente das relações internacionais, é inconcebível, que uma norma jurídica se imponha ao estado soberano à sua revelia” (Direito internacional público. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 83)”18.

Reputo didática, em reforço, tamanho o relevo do tema, a descrição analítica das fases que envolvem a participação bilateral necessária entre Executivo e Legislativo, conforme apresentada por Silvia Pradines Coelho Ribeiro19:

O Presidente da República, como responsável pela dinâmica das relações exteriores, após concluir a negociação de um tratado, submete-o à aprovação do Congresso para dar continuidade, ou não, ao processo determinante do consentimento.

O abono do Congresso Nacional é indispensável para o Presidente da República manifestar o seu consentimento definitivo a um tratado, embora não o obrigue à ratificação. Significa dizer que a validade de um compromisso externo depende da vontade conjunta dos poderes Executivo e Legislativo. Cada participação é necessária, mas insuficiente, de maneira individualizada.

(...)

A participação do Poder Legislativo está consagrada, desde a Primeira República até os dias atuais, no processo e conclusão de tratados sem grandes modificações nos textos constitucionais brasileiros.

A última versão que trata sobre a questão está disposta nos artigos 84, VIII, e 49, I, da Constituição Federal de 1988. Percebe-se que a vontade do Executivo, manifestada pelo Presidente da República, não se aperfeiçoará enquanto a decisão do Congresso Nacional sobre a viabilidade de se aderir àquelas normas não for manifestada, no que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de tratados.

(...)

A Constituição Federal de 1988 deu uma abrangência maior ao Congresso Nacional (art. 49, I). Isso significa que os acordos, por exemplo, sobre a dívida externa brasileira devem ser submetidos à aprovação do Legislativo e não poderão ser concluídos sob a forma de acordos firmados apenas na esfera do Executivo.

Enquanto cabe ao Poder Executivo conduzir a política externa, ao Legislativo é reservada a missão de exercer o controle dos atos executivos. Os dispositivos constitucionais previstos nos artigos 21, I, e 49, I, exprimem tais prerrogativas:

“Art. 21. Compete à União: I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; (…).

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…)

X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; (…)”.

O Congresso Nacional, quando se manifesta por meio da elaboração de decreto legislativo, consolida o que ficou resolvido sobre os tratados, acordos ou atos internacionais.

(...)

Se, por acaso, o Congresso Nacional se manifestar pela rejeição de um tratado, tal decisão será comunicada, por mensagem, ao Chefe do Poder Executivo. Ou seja, o decreto legislativo, como espécie normativa que é, versa sobre matérias de sua exclusiva competência arroladas no art. 49 da Constituição Federal, como a aprovação de tratados, o julgamento das contas do Presidente da República ou, ainda, sobre assuntos de seu interesse interno. Um único decreto pode, inclusive, aprovar mais de um tratado; mas, se o tratado anteriormente aprovado e devidamente ratificado for posteriormente denunciado, será necessária a elaboração de um novo decreto legislativo, no caso de nova aprovação do mesmo tratado.

O decreto legislativo, por ser da competência exclusiva do Congresso Nacional, não está condicionado à sanção presidencial, sujeitando-se, apenas, à promulgação do Presidente do Senado Federal. Em suma, no que diz respeito ao Estado brasileiro, os tratados, acordos e convenções internacionais, para que sejam incorporados ao ordenamento interno, necessitam de prévia aprovação do Poder Legislativo, que exerce a função de controle e fiscalização dos atos do Executivo. É importante salientar que tal competência limita-se à aprovação ou rejeição do texto convencional tão-somente, não sendo admissível qualquer interferência no seu conteúdo. Ou seja, a priori as emendas não são admitidas.

(...)

Com relação ao papel do Congresso Nacional no processo de celebração de tratados, existem muitas discordâncias na doutrina. Alguns entendem que o Congresso ratifica tratados e outros, que somente os tratados ‘que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional’ devem passar pelo crivo do parlamento.

O não-consenso doutrinário remete às seguintes questões: o que seria ‘resolver definitivamente’ e o que seria considerado ‘encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional’. Porém, segundo Mazzuoli (2001, p. 27), ‘habilitado a ratificar tratados internacionais está somente o Chefe do Executivo e mais ninguém. É sua, nesta sede, a última palavra. Ao Parlamento incumbe aprovar ou rejeitar o tratado assinado pelo Executivo, mais nada’. Assim, a expressão ‘resolver definitivamente sobre tratados’ deve ser entendida em termos, não se podendo dar a ela significado acima de seu real alcance. Assim sendo, a expressão não significa ratificação, que é ato próprio do Chefe do Executivo, responsável pela dinâmica das relações internacionais, a quem cabe decidir tanto sobre a conveniência de iniciar as negociações, como a de ratificar o ato internacional já concluído. Por conseguinte, incumbe ao Parlamento aprovar ou não os tratados, submetidos à sua apreciação, e ao Chefe do Executivo, ratificá- los, se aprovados pelo Congresso. Assim sendo, o Congresso Nacional só resolve definitivamente sobre os tratados quando rejeita o acordo, ficando o Executivo, nesse caso, impedido de ratificá-lo. Em caso de aprovação, quem resolve de modo definitivo é o Chefe do Executivo, ao ratificar ou não o tratado. A expressão resolver definitivamente, apesar de se manter até hoje nas constituições brasileiras, tem sido considerada das mais impróprias dentre as que dizem respeito à matéria.

Cachapuz de Medeiros (1983, p. 133- 134) julga inadequada a expressão, posto que ‘a decisão efetivamente definitiva incumbe ao Presidente da República, que pode ou não ratificar os tratados, depois de estes terem sido aprovados pelo Congresso’. A manifestação do Congresso Nacional, assim, só ganha foros de definitividade quando desaprova o texto do tratado anteriormente assinado, quando, então, o Presidente da República estará impedido de levar a efeito a ratificação. Mas, se aprovou o tratado submetido à sua apreciação, a última palavra é do Chefe do Executivo, que tem a discricionariedade de ratificá-lo ou não, segundo o que julgar conveniente.

Considera o autor que ‘os Parlamentos não ratificam tratados internacionais. Somente os examinam, autorizando ou não o Poder Executivo a comprometer o Estado’. E, ainda, afirma:

‘a ratificação, por conseguinte, é ato privativo do Chefe do Executivo, pelo qual este confirma às outras partes, em caráter definitivo, a disposição do Estado de cumprir um tratado internacional. Assim, convém fique nítido que a aprovação dada pelo Poder Legislativo não torna um tratado obrigatório, pois o Executivo tem ainda a liberdade de ratificá-lo ou não, conforme julgar mais conveniente (...). Um tratado entra em vigor internacionalmente no instante em que os Estados signatários comunicam reciprocamente a existência dos instrumentos de ratificação’.

Para enriquecer ainda mais o tema, Cachapuz (1983, p. 98) traz à discussão as opiniões de Carlos Maximiliano, Themístocles Brandão Cavalcanti, Pontes de Miranda e Celso de Albuquerque Mello. Os dois primeiros autores defendem a tese da possibilidade de o Congresso sugerir modificações. Por sua vez, Pontes de Miranda considera que, como cabe ao Congresso a aprovação ou não dos tratados a ele encaminhados, e, na hipótese de sugestão de alterações, o Presidente da República deveria interpretar que o acordo não conseguiu a devida aprovação, este deve, pois, entabular novas negociações, a seu juízo.

Segundo Mazzuoli (2001, p. 37), o Congresso Nacional não ratifica nenhum tipo de ato internacional. Em verdade, por meio de decreto legislativo, o nosso parlamento federal autoriza a ratificação, que é ato próprio do Chefe do Poder Executivo, a quem compete privativamente, nos termos da Constituição da República (art. 84, VIII), celebrar acordos internacionais. Em outras palavras, o Congresso Nacional apenas aprova ou não o texto convencional – fazendo-o por meio de decreto legislativo –, de forma que a aprovação dada pelo Poder Legislativo, em relação ao tratado, não tem o condão de torná-lo obrigatório, pois o Presidente da República, após isso, pode ou não, segundo o que for mais conveniente aos interesses da Nação, ratificá-lo.

João Barbalho (Cf. MEDEIROS, 1983, p. 97), comentarista de nossa primeira Constituição republicana, tinha o entendimento de que quebrar a integridade de um tratado era o mesmo que ‘rejeitá-lo per totum’. Afirmava, ainda, que ‘a Constituição reservou para o Poder Legislativo a resolução final dos tratados e, como pela aprovação parcial e indicação de outras cláusulas o ato ficará ainda dependente de novos acordos, a resolução do Congresso deixará então de ser conclusiva e de última instância; serão os tratados como que negociados e feitos por ele e por ele mesmo aprovados’.

(...)

Como se percebe, para a formalização dos tratados, participam sempre o Legislativo e o Executivo. Sem a participação desses dois Poderes, a realização do ato não se completa.

(...)

O decreto legislativo não tem o poder de transformar o acordo assinado pelo Executivo em norma a ser observada, quer na órbita interna, quer na internacional. Tal fato somente vai ocorrer com a posterior ratificação e promulgação do texto do tratado pelo Chefe do Poder Executivo, o qual o faz por meio de decreto, pois, assim como é sua a competência privativa para celebrar tratados, sua também será em matéria de ratificação.

(...)

Após a conclusão da negociação de um tratado, o Presidente da República, como responsável pelas atividades concernentes às relações exteriores, está livre para dar prosseguimento, ou não, ao processo de consentimento a ser desempenhado pelo Congresso Nacional. A remessa de todo tratado ao Poder Legislativo para que o examine e aprove, se assim julgar conveniente, se dará por envio de mensagem do Presidente da República, acompanhada do inteiro teor do compromisso, em língua portuguesa, além da exposição de motivos do Ministro das Relações Exteriores.

(...)

O decreto legislativo exprime unicamente a aprovação. Quando o Congresso rejeita o tratado, há, apenas, a comunicação, mediante mensagem, ao Presidente da República.

(...)

O Presidente da República é a autoridade competente para promulgar o ato internacional, depois de devidamente ratificado e, assim, poder ser incorporado à legislação interna. Tal promulgação é dada por decreto presidencial. Não confundir com a promulgação da aprovação do ato internacional, que é feita pelo Congresso, na forma de um decreto legislativo, firmado pelo Presidente do Senado. Essa questão costuma trazer alguma confusão, mas, na realidade, são procedimentos bem distintos.

Segue, ainda, o mesmo artigo na explicitação sequencial dos atos relativos à perfectibilização de um tratado, desde sua negociação até a promulgação presidencial:

“Segundo nos ensina Celso de Albuquerque Mello (2002, p. 217), ‘negociação é a fase inicial do processo de conclusão de um tratado’. Ela é da competência do Poder Executivo, mas não exclusiva do Ministro das Relações Exteriores, que possui competência limitada. Na realidade, ela é partilhada com os representantes do Chefe de Estado, ou seja, com os negociadores, que se reúnem com a intenção de concluir um tratado.

A negociação de um tratado multilateral se desenvolve nas grandes conferências e congressos e determina o fim dessa fase, com a elaboração de um texto escrito, que é o tratado. Em caso de tratado bilateral, normalmente a negociação é entre o Ministro do Exterior ou seu representante e o agente diplomático estrangeiro, assessorados por técnicos nos assuntos em negociação.

A assinatura é a fase que se sucede à negociação. Algumas modificações têm sido notadas com relação à sua importância, tanto em razão do desenvolvimento da ratificação como ato discricionário, como, também, pela sua desobrigação nas convenções internacionais do trabalho. Há, ainda, a assinatura diferida, que consiste em se dar aos Estados um prazo maior para a assinatura do tratado, a fim de que os Estados que não participaram das negociações constem como partes contratantes originárias. Essa prática tem tornado a assinatura diferida muito semelhante à adesão, distinguindo-se, desta, em razão da ratificação.

(...)

A ratificação é outra fase do processo de conclusão dos tratados. Ela confirma a assinatura do tratado e dá validade a ele. Sua principal característica é ser um ato discricionário, do que decorrem duas conseqüências: a) a indeterminação do prazo para a ratificação, podendo ser realizada pelo Estado no momento que assim julgar oportuno, salvo quando há prazo estipulado para tal; e b) a licitude da recusa da ratificação.

A ratificação é o ato administrativo mediante o qual o chefe de Estado confirma o tratado firmado em seu nome, ou em nome do Estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário. Como regra, só ocorre a ratificação depois que o tratado for devidamente aprovado pelo Poder Legislativo. Segundo ensina Accioly (2002, p. 35), o acordo ou tratado pode prever a sua própria ratificação, sem, contudo, dispensar as formalidades constitucionais estabelecidas para esse fim. Pode haver, inclusive, a recusa de um dos signatários, por qualquer motivo, a ratificá-lo, ainda que autorizado pelo órgão competente.

Na definição de Sette Câmara, citado por Celso de Albuquerque Mello (2002, p. 220), ‘é o ato pelo qual a autoridade nacional competente informa às autoridades correspondentes dos Estados cujos plenipotenciários concluíram, com os seus, um projeto de tratado a aprovação que dá a este projeto e que o faz doravante um tratado obrigatório para o Estado que esta autoridade encarna nas relações internacionais’. A ratificação é um ato do Poder Executivo, exigindo ou não a prévia autorização do Legislativo. Como ensina Celso de Albuquerque Mello (2002, p. 221), ‘a ratificação passou a ser considerada a fase mais importante do processo de conclusão dos tratados’. E, segundo o autor, as principais razões são a importância das matérias que são objeto do tratado, que devem ser apreciadas pelo chefe de Estado; a questão do excesso de poderes ou violação das instruções dadas aos negociadores, quando da assinatura do tratado; e, ainda, a possibilidade que o procedimento oferece ao chefe de Estado de obter preventivamente o concurso dos órgãos (Congresso) necessários, pelo direito interno, para a formação da vontade que ele deverá declarar internacionalmente.

(...)

A promulgação existe em razão de o tratado não ser fonte do direito interno. Ou seja, o tratado dá-se no plano internacional e a promulgação é o instrumento por meio do qual a sua executoriedade é inserida no direito interno. A promulgação é a fase que ocorre após a troca ou o depósito dos instrumentos de ratificação. É, segundo Accioly (1935; 2002), ‘o ato jurídico, de natureza interna, pelo qual o governo de um Estado afirma ou atesta a existência de um tratado por ele celebrado e o preenchimento das formalidades exigidas para sua conclusão, e, além disto, ordena sua execução dentro dos limites aos quais se estende a competência estatal’. Os efeitos da promulgação são tornar o tratado executório no plano interno e constatar a regularidade do processo legislativo. No Brasil, a promulgação é feita por decreto do Presidente da República, com a publicação do texto, na íntegra, no Diário Oficial da União. Após a fase da promulgação, segue-se a publicação, que é a condição essencial para o tratado ser aplicado no âmbito interno. No Brasil, publica-se tanto o decreto legislativo, em que o Congresso aprova o tratado, quanto o decreto do Poder Executivo, no qual, efetivamente, ele é promulgado. O texto do tratado acompanha o decreto de promulgação. A publicação é feita no Diário Oficial da União e incluída na ‘Coleção de Leis do Brasil’. O Supremo Tribunal Federal considera obrigatória a promulgação para o tratado vigorar internamente.

(...)

De acordo com a legislação brasileira, no que se refere aos tratados, constata-se que, após cumpridas as formalidades pelos agentes diplomáticos, eles tornam- se obrigatórios somente depois de submetidos às fases de apreciação e de autorização pelo Congresso Nacional e de, ainda, serem ratificados pelo Presidente da República.

No Brasil, para que os tratados sejam incorporados ao ordenamento interno, é necessária a prévia aprovação do Poder Legislativo, que exerce a função de controle e fiscalização dos atos do Executivo. Na aprovação de ato internacional, o Congresso se limita a autorizar o Executivo a ratificar e a promulgar o tratado, caso seja de sua vontade. Vale dizer que, mesmo com a aprovação, no Congresso Nacional, o tratado, convenção ou acordo internacional não se completa, nem se torna obrigatório, sem a promulgação presidencial”.

É certo que há respeitáveis críticas à manutenção de tal sistemática de recepção que, baseada no dualismo, condiciona de modo impactante a configuração juridicamente complexa que passa a estruturar o ato20. Contudo, já adotei, reitero, em voto proferido na Suprema Corte - órgão jurisdicional competente para delinear o sentido da nossa Lei Fundamental quanto ao procedimento de recepção de atos normativos internacionais, com orientação segura a respeito -, a linha de pensamento exposta.

Destaco que minha leitura constitucional parte do exame dos seguintes preceitos, essenciais ao equacionamento do tema:

Art. 49 CF: É da Competência exclusiva do Congresso Nacional

I – Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional

Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República:

VIII- celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Cabe enfatizar, aqui, que a locução “resolver definitivamente” sobre os tratados internacionais, considerada inadequada, reitero, por Cachapuz de Medeiros, ilustre professor gaúcho Consultor por muitos anos do Itamaraty, dentre outros insignes doutrinadores, se faz presente, na tradição do nosso Direito Constitucional republicano, desde a Constituição de 1891 até a Constituição Cidadã de 1988, em todos os textos, com ressalva da Carta autocrática de 1937. Confiram-se:

(i) Constituição de 1891 – art. 34, 12: “Compete privativamente ao Congresso Nacional: (...) 12. Resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras”;

(ii) Constituição de 1934 – art. 40, ‘a’: “É da competência exclusiva do Poder Legislativo: a) resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os relativos à paz”;

(ii) Constituição de 1937 – diante de suas próprias características centralizadoras, esta Constituição contou com dispositivo diverso em relação à competência para analisar tratados, nos termos de seu art. 15, I: “Compete privativamente à União: I - manter relações com os Estados estrangeiros, nomear os membros do Corpo Diplomático e Consular, celebrar tratados e convenções internacionais”;

(iv) Constituição de 1946 – art. 66, “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre os tratados e convenções celebradas com os Estados estrangeiros pelo Presidente da República”;

(v) Constituição de 1967 – art. 47, I: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República”;

(vi) Emenda Constitucional nº 1/69 – art. 44, I: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sôbre os tratados, convenções e atos internacionais celebrados pelo Presidente da República”;e

(vii) Constituição de 1988 – art. 49, I: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

Em suma, a incorporação ao direito interno dos tratados internacionais – designação genérica que abrange e equivale a convenção e atos internacionais em geral, como os Protocolos Facultativos, que são atos de direito internacional público, tudo conforme a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados já incorporada ao sistema de direito positivo interno brasileiro -, somente se completa ao se esgotar o ciclo de sua internalização. E a última fase ou estágio procedimental é a da PROMULGAÇÃO/PUBLICACÃO por decreto presidencial, a viabilizar-lhe a vigência interna, conferindo-lhe publicidade, outorgando-lhe executoriedade e autorizando sua aplicação no âmbito doméstico pelos agentes e autoridades do Estado.

Acrescento que, de acordo com o sistema dualista moderado adotado tradicionalmente no Brasil, a incorporação de um tratado à ordem jurídica nacional depende da prática de um ato complexo, em que concorrem as vontades do Executivo e do Legislativo. O Congresso Nacional resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e do Presidente da República, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe da competência para promulgá-los, mediante decreto. De fato, as fases de elaboração e internalização de um tratado incluem, no Brasil: a negociação e a assinatura (atos do Executivo), a aprovação do Congresso por meio de Decreto Legislativo, a ratificação, a promulgação e a publicação (também atos do Executivo).

A perspectiva complexa do ato de interiorização, cuja  integridade depende de que se levem a termo todos os atos a serem praticados pelo Legislativo e Executivo, é, portanto, tradição do Estado brasileiro. Na perspectiva constitucional, a atuação do Chefe de Estado, pela via do Decreto Presidencial, para promulgação e publicação dos atos internacionais, como etapas obrigatórias da respectiva internalização, justifica-se pela teoria dos poderes implícitos, a partir da leitura do art. 84, VIII, da Constituição.

O Estado brasileiro assume responsabilidade no Plano Internacional depois de ratificado o ato internacional pelo Presidente da República, em sua condição institucional de Chefe de Estado, com o respectivo arquivamento, mas a aplicabilidade no âmbito interno depende da promulgação/publicidade por decreto presidencial.

A locução “resolver definitivamente”, contida no texto constitucional, longe de afastar a tese preconizada, traduz apenas a autorização parlamentar, via Decreto Legislativo - segunda fase do procedimento de incorporação do tratado (e atos internacionais equivalentes) ao ordenamento jurídico interno do Brasil) -, para a ratificação, ou não, do ato internacional, pelo Chefe de Estado, configuradora da terceira fase.

Só a deliberação negativa do Congresso Nacional é que tem o pretendido caráter de definitividade, a encerrar, em ocorrendo, e de forma anômala, o necessário procedimento de integração do tratado ao direito doméstico (e necessário porque o tratado não é fonte de direito interno). A aprovação congressual, mediante Decreto Legislativo, não obriga o Presidente da República a ratificar o ato internacional.

Já a promulgação e publicação do tratado, a que anexo em sua íntegra, via Decreto Presidencial - a quarta fase, posterior à de ratificação e depósito -, imprime-lhe caráter executório no plano interno, tornando-o obrigatório.

Exemplifico o procedimento com o Decreto 9482, de 27.8.2018, que promulgou o Protocolo de Emenda à Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda e seu protocolo, firmado em Mendonza em 21.7.2017.

Note-se que a orientação a respeito da necessidade de promulgação presidencial, após a edição do Decreto Legislativo, não se altera nem mesmo em face da alteração procedida pela inserção, no art. 5º da Carta Magna, do § 3º, segundo o qual “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (EC nº 45/04). De fato, ao julgar a ADI nº 903/MG, Pleno, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe de 7.2.2014, entendeu a Suprema Corte que (nos termos da ementa do julgado unânime) “o primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, (...) foi internalizado por meio do Decreto Presidencial nº 6.949/2009”. A questão relativa à especificidade do § 3º, no âmbito das consequências decorrentes da aprovação do tratado ou convenção pelo mesmo processo de emenda constitucional, está vinculada, portanto, à hierarquia normativa com que aqueles, assim internalizados, se inserem na ordem jurídica nacional, não havendo alteração quanto à parte final do ato complexo de internalização referente à atividade necessária e posterior do Poder Executivo.

Em outras palavras, ao contrário da vasta discussão entre dualismo e monismo, com reflexos diretos na questão controvertida, não repercute na esfera dos autos a extensa polêmica acerca do nível hierárquico de recepção, na ordem interna, dos instrumentos internacionais. Seja qual for a ótica adotada – dentre elas, a que vê nos instrumentos de direitos humanos normas equiparadas às constitucionais, ou supralegais, ou infraconstitucionais, dependendo da época e forma de recepção – não se está, aqui, a discutir possíveis relações de conflito entre o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seu Primeiro Protocolo Facultativo e outras normas internas, mas, tão somente, o nível de integridade do procedimento constitucional de recepção daqueles documentos.

O tema tem relevo para o caso concreto justamente porque não ocorreu a promulgação presidencial do Primeiro Protocolo. Chegou-se à edição de Decreto Legislativo (nº 311, de 16.6.2009, publicado no D.O.U. do dia seguinte), mas o Executivo não implementou a última etapa necessária para completar o ciclo da internalização respectiva ao direito doméstico, o que significa, nos moldes expostos, a sua não vigência no plano interno brasileiro.

Há, portanto, dois prismas sobre a questão: do ponto de vista externo, ou internacional, o Estado brasileiro ratificou o Primeiro Protocolo, encontrando-se obrigado, na esfera internacional, a dar cumprimento, de boa-fé, ao que nele disposto; do ângulo interno, não há falar, contudo, em vigência nem em executoriedade.

3. O trâmite do Caso nº 2841/2016 no Comitê de Direitos Humanos e o compromisso brasileiro com a proteção desses direitos.

Em 28.7.2016, o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva apresentou requerimento individual ao Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Caso nº 2841/2016) à alegação, de modo principal, da perda de imparcialidade do Juiz Federal Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR, para julgar caso em que réu o peticionante. Tal situação estaria a violar o Pacto de Direitos Políticos e Civis, especialmente quanto à proteção contra prisão ou detenção arbitrária (artigo 9º); à presunção de inocência (artigo 14); à proteção contra interferência arbitrária na privacidade e contra ofensas ilegais à honra e à reputação (artigo 17); e à garantia de ser julgado por um tribunal independente e imparcial (artigo 14). A Representante Permanente do Brasil em Genebra foi notificada em nota de 25.10.2016. Após duas prorrogações, o Estado brasileiro apresentou manifestação em 27.1.2017, fornecendo informações sobre a Operação Lava-Jato e sobre os processos judiciais instaurados contra o peticionante, além de requerer a declaração de inadmissibilidade do pedido. Em 26.7.2017, o Escritório do Alto Comissariado remeteu às autoridades observações adicionais do interessado a respeito da admissibilidade da pretensão. Em resposta, estas enviaram ao Comitê de Direitos Humanos nova informação, em 29.9.2017, reiterando o requerimento de inadmissibilidade.

Em 5.10.2017, o peticionante se manifestou para informar sua condenação por sentença proferida pelo Juiz Federal Sérgio Moro, em 12.7.2017, a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que estaria a demonstrar a parcialidade com que conduzido tal processo e a inutilidade de utilização dos recursos internos cabíveis. Tal alegação foi transmitida ao Estado brasileiro pelo Alto Comissariado em 12.1.2018. Em 29.1.2017, realizada nova comunicação pelo interessado, desta vez para informar que, em 24.1.2018, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região havia confirmado a sentença condenatória anterior, com majoração da pena imposta para doze anos. Além do reforço ao argumento de parcialidade do Poder Judiciário brasileiro na condução do caso, pela primeira vez teceu o peticionante comentários a respeito da possibilidade e necessidade de concessão, pelo Comitê, de medida de caráter provisório apta a afastar os efeitos deletérios de tal condenação em relação à participação do autor nas eleições presidenciais de 2018. Tal evento foi comunicado ao Estado brasileiro por nota do Alto Comissariado, em 30.1.2018. Nessa mesma oportunidade, o Alto Comissariado informou que eventual manifestação das autoridades brasileiras deveria ser encaminhada ao Comitê de Direitos Humanos até o dia 3.4.2018.

O Estado brasileiro apresentou manifestação no último dia do prazo, abordando tanto as considerações tecidas pelo autor em 5.10.2017, quanto as de 29.1.2018. Na sequência, em 4.4.2018, o Supremo Tribunal Federal denegou habeas corpus preventivo impetrado pelo ex-Presidente. Dois dias após, a defesa protocolou pedido de medida cautelar perante o Comitê de Direitos Humanos, deduzido com o objetivo de evitar a prisão do querelante. Indeferido tal pedido em 22.5.2018, porque ausente risco iminente de dano irreparável. Nesse ponto, decidiu o Comitê dar exame conjunto à admissibilidade e ao mérito da pretensão, diante da sobreposição de elementos a serem considerados nos dois pontos, de acordo com o que dispõe o artigo 100 das Regras de Procedimento do Comitê. Assim, na mesma data de 22.5.2018, o Estado brasileiro foi comunicado a se manifestar sobre a admissibilidade e o mérito do pedido no prazo de seis meses, ou seja, até 22 de novembro de 2018, encontrando-se, portanto, o prazo em curso.

Em 17.8.2018, todavia, o Comitê de Direitos Humanos veio a informar ter decidido atender o pedido de 27.7.2018, no que se refere ao exercício de direitos políticos em face da proximidade das eleições deste ano. A concessão da medida não foi precedida da oportunidade ao Governo brasileiro para manifestação específica a respeito. Os relatores especiais do caso, em nome do Comitê (que não se encontrava reunido para deliberação) concluíram pela possível ocorrência de danos irreparáveis à esfera de direitos do autor. A concessão se lastreou, basicamente, no que dispõe o artigo 25 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, quanto ao aspecto substantivo, além do que estabelecido na Regra 92 das Regras de Procedimento do Comitê – normas adotadas em caráter interno, sem aprovação dos Estados-Partes daquele Pacto – no âmbito procedimental.

O artigo 25 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece que:

Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livrementeescolhidos;

b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade doseleitores;

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país21.

Por sua vez, a Regra 92 estipula, basicamente, que o Comitê pode, antes de chegar à sua conclusão final, informar ao Estado-parte sua opinião a respeito da conveniência de adoção de medidas provisórias para evitar dano irreparável ao denunciante. Nesse caso (ainda segundo o dispositivo), o Comitê informará ao Estado-parte que essa expressão de sua opinião sobre as medidas provisórias não implica nenhuma decisão sobre o mérito da comunicação.

Como visto, não houve, ainda, exame da admissibilidade do pedido deduzido, estando expresso pelo próprio Regramento Interno da Comissão, aliás, que o deferimento de medida provisória não significa qualquer julgamento relativo ao tema de fundo.

No aspecto da admissibilidade desse tipo de pleito individual, tem aplicação o artigo 5º do Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos:

1. O Comitê examinará as comunicações recebidas em virtude do presente Protocolo, tendo em conta as informações escritas que lhe sejam submetidas pelo indivíduo e pelo Estado Parte interessado.

2. O Comitê não examinará nenhuma comunicação de um indivíduo sem se assegurar de que:

a) A mesma questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou dedecisão;

b) O indivíduo esgotou os recursos internos disponíveis. Esta regra não aplica se a aplicação desses recursos é injustificadamente prolongada.

3. O Comitê realizará suas sessões a portas fechadas quando examinar as comunicações previstas no presente Protocolo.

4. O Comitê comunicará as suas conclusões ao Estado Parte interessado e ao indivíduo22.

Comentando tal dispositivo, Valério de Oliveira Mazzuoli afirma:

O primeiro requisito de admissibilidade (...) é a inexistência de litispendência internacional, não podendo a mesma questão ali deflagrada estar em exame (processada ou já julgada) por outra instância internacional de investigação (outro Comitê congênere) ou de solução (v.g., uma corte internacional). O segundo requisito versa sobre a já conhecida regra do prévio esgotamento dos recursos internos (também chamada de ‘local remedies rule’). Nos termos dessa regra, a parte, antes de iniciar um procedimento internacional qualquer, deve esgotar anteriormente todos os recursos disponíveis no âmbito do direito interno para salvaguardar o seu direito potencialmente violado, somente podendo iniciar um procedimento internacional quando a mais alta corte de seu país houver julgado improcedente a sua demanda. Tal é a regra em sua forma clássica que, modernamente, comporta várias limitações, entre elas a de não ser utilizável quando a aplicação de tais recursos prolongar-se injustificadamente, à maneira do que autoriza o art. 5º, § 2º, b, do próprio Protocolo23.

A essência da restrição à admissibilidade de pedidos, quando ainda pendente a possibilidade de recursos internos, está também delineada no artigo 2º do Primeiro Protocolo, segundo o qual “(...) os indivíduos que se considerem vítimas da violação de qualquer dos direitos enunciados no Pacto e que tenham esgotado todos os recursos internos disponíveis podem apresentar uma comunicação escrita ao Comitê para que este a examine”.

Quando do exame conjunto da admissibilidade e do mérito, o Comitê de Direitos Humanos apreciará o requisito do esgotamento dos recursos internos, a partir inclusive das informações a serem ainda prestadas pelo Estado brasileiro, dentro  do prazo aberto para manifestação em 22.5.2018 e ainda em curso, repito.  Sobre  esse tema, é sabido que, no momento, a condenação imposta pela sentença proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região está sendo objeto de recurso especial admitido na origem para o Superior Tribunal de Justiça, em 22.6.2018. Além disso, medidas internas de natureza cautelar têm sido usadas pela defesa no âmbito do Poder Judiciário – nesse sentido, por exemplo, o Agravo no Pedido de Tutela Provisória nº 1527/RS, destinado a dar efeito suspensivo ao citado recurso especial (STJ, 5ª Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 10.8.2018), assim ementado:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM TUTELA PROVISÓRIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE MATÉRIA MERITÓRIA. INADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - Nos termos em que aduzem os arts. 294, 300 e 1.029, § 5º, II, do Código de Processo Civil, a concessão da tutela provisória de urgência, dirigida ao relator do recurso exige a presença da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

II - Na hipótese, tem-se que as razões avocadas no presente pedido sugerem verdadeira antecipação em matéria meritória, para, in limine, alterar a conclusão do Tribunal a quo, o que implicaria, inevitavelmente,  em precipitar o pronunciamento da instância ad quem, subvertendo o regular compasso procedimental, bem como a ordem sistêmica predisposta no cipoal normativo.

III - Tratando-se de condenação já confirmada em segundo grau de jurisdição é admissível a execução provisória da pena, na esteira da mais recente jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal e desta Corte de Justiça.Precedentes.

Destaco que a meu ver é impossível afirmar ter o Estado brasileiro  faltado, em linhas gerais, com a cooperação de boa-fé em relação às Nações Unidas e seus órgãos de proteção dos direitos humanos. Pelo contrário, a partir da redemocratização, o Brasil tem se notabilizado por estreitar os laços com tais órgãos, não apenas no âmbito das medidas gerais anteriormente descritas, mas também em relação a eventuais procedimentos especiais – mecanismos destinados a averiguar e aprofundar o exame tópico de questões relativas a direitos humanos. Assim:

Nos últimos anos, o Brasil adotou medidas para aprofundar a cooperação e o diálogo com os procedimentos especiais das Nações Unidas. Em 19 de dezembro de 2001, o então Presidente da República (...) formulou um convite aberto aos peritos do sistema de direitos humanos para que visitassem o Brasil sempre que assim o desejassem. Como ressaltou o Secretário de Estado dos Direitos Humanos do respectivo governo, (...) o Brasil foi o primeiro país na América do Sul e o décimo segundo no mundo a estender esse tipo de convite aos relatores das Nações Unidas, tornando supérflua a costumeira autorização para entrada da missão no país. A iniciativa brasileira destacou-se, à época, entre os poucos países em desenvolvimento, podendo ser considerada como uma demonstração de abertura no campo dos direitos humanos, ainda mais ao se levar em conta o passivo na realização dos direitos humanos em âmbito nacional.

Entre 1992 e 2006, o Brasil recebeu a visita de diversos relatores especiais: violência contra as mulheres (1996), efeitos adversos de produtos tóxicos e perigosos e direitos humanos (1998), tortura (2000), direito à alimentação (2002), direito ao desenvolvimento (2003), tráfico de crianças, prostituição e a pornografia infantis (1992/2003), execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias (2003), direito à moradia adequada (2004), independência de juízes e advogados (2004), defensores dos direitos humanos (2005), e racismo e discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância racial (1995/2005).

Em geral, após as visitas, os peritos apresentam relatórios ao sistema de direitos humanos das Nações Unidas, que assinalam os pontos positivos e aspectos preocupantes, identificados durante a missão, e tecem recomendações para melhorar a situação geral dos direitos humanos no país visitado, no contexto de um diálogo construtivo. Neste contexto, na maioria das vezes, o governo brasileiro recebeu as observações dos peritos com naturalidade e procurou concretizar grande parte das recomendações24.

Da soma de todos esses elementos – limitações do poder vinculante das decisões proferidas pelos órgãos da ONU, existência de pendência no processo de interiorização à ordem interna do Primeiro Protocolo, ausência de formalização, pelo Comitê de Direitos Humanos, do exame de admissibilidade do pedido deduzido, reiterada atuação do Estado brasileiro em cooperação e boa-fé no relacionamento com os órgãos de direitos humanos das Nações Unidas – deduz-se, a meu ver, a caracterização de uma situação especial no âmbito das relações de direito internacional. Considerada a questão sob essas premissas, a decisão emanada do Comitê é condicionada em duplo grau: pela natureza do órgão, não vinculante em suas conclusões, e pela própria natureza do ato – proferido em pedido ainda não analisado em termos de admissibilidade, e sem oitiva do Estado brasileiro. Há, é certo, uma carga inegável de compromisso necessário do Brasil, no adequado contexto das relações de direito internacional público, em relação à aplicação do Primeiro Protocolo, pois tal instrumento foi ratificado, a gerar justa expectativa na ordem internacional a respeito do acatamento do Estado brasileiro a instrumento livremente adotado25. Em consequência desse acatamento, na esfera internacional, ao Pacto e ao Primeiro Protocolo, a decisão, ainda que provisória, do Comitê de Direitos Humanos da ONU precisa ser sopesada com todo o respeito que merece. Há, porém, que analisar a questão, como enfatizei, sob o âmbito interno, porque o próprio direito previsto no artigo 25, b, do Pacto, quanto à prerrogativa “de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores” está, nos termos do caput, garantido contra “restrições infundadas”, o que equivale a dizer que restrições legalmente impostas pela lei nacional à capacidade de concorrer em eleições diretas podem ser consistentes com os termos do próprio Pacto. Essa possibilidade não foi sequer aventada pela decisão provisória, que não se manifestou, sequer colateralmente, a respeito do cumprimento da legislação nacional como razão  para as restrições que o demandante considera indevidas.

A questão que se coloca, enfim, pode ser resumida em termos simples: deve ser suprimida do Poder Judiciário a possibilidade de exame aprofundado e exauriente de todas as questões que, a seu tempo e modo devidos, nos termos da lei nacional, foram jurisdicionalizadas em torno da possibilidade de candidatura do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, diante de decisão provisória dada por órgão internacional de direitos humanos sem poder vinculante e sequer realizada a admissibilidade prévia do pedido? Sem que disso decorra, no caso concreto e diante de suas peculiaridades, violação da boa-fé típica das relações internacionais das quais o Brasil faz parte, entendo caber ao Poder Judiciário, com a devida vênia, o esgotamento jurisdicional de todas as questões envolvendo o registro de candidatura em questão, nada obstando que, a partir desse exame, chegue tal Poder a conclusão diversa da estabelecida, em caráter provisório, pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, mormente em face do que dispõe seu direito interno.

Peço vênia, pois, ao eminente Ministro Edson Fachin, que em voto profundo e brilhante abriu divergência, para, na esteira do convencimento que já manifestei em julgamento do STF e da jurisprudência da Suprema Corte a respeito, nos moldes antes expostos, acompanhar o Ministro relator no ponto.

IV. CANDIDATURA SUB-JUDICE. RECURSO PENDENTE DE JULGAMENTO. ART. 26-C DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990 e ART. 16-A DA LEI 9.504/1997. EXEGESE. CF, ART. 77, § 4º. DA EFICÁCIA IMEDIATA DAS DECISÕES PROFERIDAS PELA JUSTIÇA ELEITORAL SOB VIÉS PROSPECTIVO. DISTINGUISHING. INVIABILIDADE DA ADOÇÃO DE EXEGESE QUE IMPLIQUE PREJUÍZO IRREPARÁVEL CANDIDATOREQUERENTE.

Definido o enquadramento do candidato Luiz Inácio Lula da Silva na inelegibilidade descrita no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990, decorrente de condenação criminal por órgão colegiado, cujos efeitos reputo não atingidos pela manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, prossigo no exame da controvérsia quanto à possibilidade de candidato a Presidente da República com registro indeferido no TSE continuar na disputa da eleição com o nome registrado na urna, por conta e risco, na condição de sub judice, em razão da existência de recurso pendente de julgamento.

A compreensão da matéria enseja o exame, além do já apontado art. 26- C da Lei Complementar nº 64/1990, do art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, in verbis:

Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).

Anoto que até 2009, parecia não haver dúvidas a respeito do exame definitivo das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade no momento do registro de candidatura, tal qual fotografia a retratar o instante. À época, eventos posteriores a tal marco não alteravam o então apurado e decidido. Porém, em 2009, a Lei nº 12.034 acrescentou dois dispositivos à Lei nº 9504/97: os arts. 11, § 10 (“As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”) e 16-A (“O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”). A seguir, em 2013, a Lei nº 12.891 acresceu o art. 16-B (“O disposto no art. 16-A quanto ao direito de participar da campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito, aplica-se igualmente ao candidato cujo pedido de registro tenha sido protocolado no prazo legal e ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral”), restando alterada a dinâmica anterior.

Nos termos de precedente do Tribunal Superior Eleitoral, “[...] o TSE, por maioria, entendeu que registro sub judice é todo aquele que foi impugnado, independentemente se deferido ou indeferido” (MS nº 4223-41/RO, Redatora designada Ministra Nancy Andrighi, DJe de 8.8.2011).

A despeito de oscilações da jurisprudência desde então a respeito do limite temporal para o conhecimento do fato superveniente de que trata o art. 11, § 10, da Lei nº 9504/97, o entendimento prevalecente na atualidade situa tal marco temporal na data da diplomação, embora o tema ainda esteja em debate, para efeito de eventual elastecimento, em processo ainda hoje em curso nesta Casa. Transcrevo precedentes:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ORDINÁRIO. RECEBIMENTO. RECURSO ESPECIAL. FUNGIBILIDADE. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DEFERIMENTO. FATO SUPERVENIENTE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. EXAME DE DOCUMENTO NOVO NA INSTÂNCIA ESPECIAL. MUDANÇA DE JURISPRUDÊNCIA. PROVIMENTO.

(...)

2. As circunstâncias fáticas e jurídicas supervenientes ao registro de candidatura que afastem a inelegibilidade, com fundamento no que preceitua o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97, podem ser conhecidas em qualquer grau de jurisdição, inclusive nas instâncias extraordinárias, até a data da diplomação, última fase do processo eleitoral, já que em algum momento as relações jurídicas devem se estabilizar, sob pena de eterna litigância ao longo do mandato. Deve-se conferir máxima efetividade à norma específica dos processos judiciais eleitorais, em prol de valores como a segurança jurídica, a prestação jurisdicional uniforme e a prevalência da vontade popular por meio do voto.

3. Tal sistemática se harmoniza com o disposto no art. 493 do Código de Processo Civil, in verbis: "Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão".

(...)

6. Recurso provido para deferir o registro de candidatura (Recurso Ordinário nº 9671, Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, PSESS em 23.11.2016 - destaquei).

ELEIÇÕES   2016.   AGRAVOS   REGIMENTAIS    EM    RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA AO CARGO DE PREFEITO INDEFERIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MOTIVO: CONDENAÇÃO PELA CORTE DE CONTAS, EM PROCEDIMENTO DE DENÚNCIA POR IRREGULARIDADE EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO ENQUANTO PRESIDENTE DE COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÃO. PARA A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DA ALÍNEA G DO INCISO I DO ART. 1º DA LC 64/90, FAZ-SE NECESSÁRIA A EXISTÊNCIA DE JULGAMENTO DE CONTAS DE GESTORES PÚBLICOS, RELATIVAS AO EXERCÍCIO DE CARGOS OU FUNÇÕES PÚBLICAS. PRECEDENTE: RO 752- 53/ES, REL. DESIGNADA MIN. LUCIANA LÓSSIO, PUBLICADO NA SESSÃO DE 30.9.2014. FATO SUPERVENIENTE À DATA DA REALIZAÇÃO DO PLEITO, MAS ANTERIOR A 19.12.2016, ÚLTIMO DIA DO PRAZO PARA A DIPLOMAÇÃO DOS ELEITOS, PODE AFASTAR A CAUSA DE INELEGIBILIDADE. PRECEDENTE: ED-RESPE 166-29/MG, REL. MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, JULGADO EM 7.3.2017. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS HÁBEIS PARA MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA QUE PROVEU O RECURSO E DEFERIU O REGISTRO DE CANDIDATURA. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS, FICANDO, POR CONSEGUINTE, PREJUDICADO     O     PEDIDO     DE     LIMINAR     PARA     SUSPENDER    A EXECUÇÃO IMEDIATA DA DECISÃO AGRAVADA.

(...)

4. A orientação jurisprudencial do colendo TSE é afirmativa de que os fatos supervenientes à eleição, que afastem as causas de inelegibilidade listadas no art. 1º, I da LC 64/90, podem ser considerados e acolhidos, se ocorridos até o último dia do prazo para a diplomação dos eleitos. Precedente: ED-REspe 166- 29/MG, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, julgado em 7.3.2017.

(...)

6. Agravos Regimentais desprovidos (REspe nº 150-56.2016.6.23.0006, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.6.2017).

Conforme relatado pelo Ministro Luiz Fux no julgamento do AgR/REspe nº 32311/SE, DJe de 7.8.2017:

Fixada a premissa de que os pressupostos para a candidatura devem estar preenchidos na data do pleito, entendo que as alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao registro de que trata o art. 11, § 10, da Lei das Eleições só podem ser aquelas ocorridas entre o registro e a eleição que afastam a inelegibilidade, como ocorre, v.g, na hipótese da Súmula n° 70 do TSE, ou as alterações ocorridas após a eleição e antes da diplomação, que, precariamente ou definitivamente, afastem o próprio suporte fático-jurídico que dava origem à inelegibilidade, desconstituindo a sua a eficácia (e.g., as decisões que afastam a inelegibilidade através da sistemática prevista no art. 26-C da própria Lei das Inelegibilidades ou do poder geral de cautela e as hipóteses de afastamento integral do suporte fático-jurídico da inelegibilidade pelo Judiciário ou pela Administração). (Destaquei)

Ora, aberta, por lei, a possibilidade de produção de efeitos de provimento jurisdicional que determina o afastamento, ainda que liminar, da causa de inelegibilidade pelo menos no período entre o registro e a diplomação, é preciso admitir, em consequência, que a negativa de registro, enquanto não transitar em julgado, leva a candidatura a permanecer sub judice, para os efeitos dispostos no art. 16-A da Lei nº 9504/97. É que, cabendo revisão da decisão, não se pode impor ao postulante prejuízo irrecuperável. Daí resulta que o postulante a cargo eletivo tem assegurado, enquanto não transitada em julgado a decisão de indeferimento do registro de candidatura, o direito de participar da campanha eleitoral, inclusive quanto à utilização do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

Mandado de segurança. Indeferimento de registro. Realização de atos de campanha.

1. O art. 45 da Res.-TSE nº 23.373 - reproduz o teor do art. 16-A da Lei nº 9.504/97 - expressamente estabelece que o candidato cujo registro  esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter o seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição.

2. Não se pode - com base na nova redação art. 15 da Lei Complementar nº 64/90, dada pela Lei Complementar nº 135/2010 - concluir pela possibilidade de cancelamento imediato da candidatura, com a proibição de realização de todos os atos de propaganda eleitoral, em virtude de decisão por órgão colegiado no processo de registro, sobretudo porque, caso sejam adotadas tais medidas, evidentemente as candidaturas estarão inviabilizadas, quer em decorrência do manifesto prejuízo à campanha eleitoral, quer pela retirada do nome do candidato da urna eletrônica.

Agravo regimental não provido. (AgR-MS nº 886-73, Relator Ministro Arnaldo Versiani, PSESS de 25.9.2012. No mesmo sentido, o AgR-Rcl nº 87629/RN, Relator Ministro Arnaldo Versiani, PSESS de 4.10.2012)

CANDIDATURA – INDEFERIMENTO – CONSEQUÊNCIA. A teor do disposto no artigo 16-A da Lei nº 9.504/1997, o candidato com registro pendente de decisão judicial pode praticar todos os atos relativos à campanha, utilizando inclusive o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, assegurada a inserção do nome na urna eletrônica, independentemente de liminar afastando os efeitos da glosa verificada (RP nº 892-80.2012.6.00.0000, Relator Ministro Marco Aurélio, PSESS de 9.10.2012).

Entendo que a exigência de celeridade que norteia o processo eleitoral não pode levar à supressão de garantias fundamentais inerentes ao contraditório e à ampla defesa asseguradas no art. 5º, LV, da Carta Magna. Destaco, nesse sentido, que o legislador prestigiou, no art. 10 do novo Código de Processo Civil, a imprescindibilidade da observância do postulado constitucional do contraditório, em todos os graus de jurisdição, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva o juiz decidir de ofício, como as matérias de ordem pública.

Com efeito, a atividade judicante, particularmente no âmbito da jurisdição eleitoral, pautada pela prudência, não pode desconsiderar o fato de que:

Ainda que passíveis de recurso, decisões judiciais proferidas em meio ao certame possuem efeitos políticos extraprocessuais inegáveis: fulminam candidaturas, direcionam a opinião pública, influenciam diretamente no momento decisório das urnas e, consequentemente, perpetuam seus efeitos sobre o processo democrático como um todo, não somente dentro dos limites da lide.” (PECCININ, Luiz Eduardo e GOLAMBIUK, Paulo Henrique. O Impacto do Contraditório Substancial no Direito Eleitoral à Luz do Novo Código de Processo Civil. In: TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luz Fernando. O Direito Eleitoral e o Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016).

A tutela jurisdicional do pleito eleitoral tem como pressuposto a prevalência da Constituição Federal, instituidora de um Estado Democrático de Direito marcado pela independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Isso porque todos os Poderes da República têm a sua origem e fundamento na Constituição, manifestação da soberania popular representada em momento histórico pela Assembleia Nacional Constituinte e atualizada pelos procedimentos reveladores da manifestação do Poder Constituinte derivado.

De fato, em uma época na qual sobeja a desconfiança do povo em relação aos seus representantes e o descrédito da atividade política entre os brasileiros atinge níveis lamentavelmente elevados, uma época em que muito se fala em crise de representatividade, em déficit de legitimidade e diferentes modelos de reformas políticas são discutidas, não é difícil ficar tentado a uma interpretação do texto Constitucional que lhe subtraia garantias e proteções.

Vale lembrar que a história universal é farta de exemplos de que a erosão das instituições garantidoras da existência dos regimes democráticos, quando ocorre, lenta e gradual, normalmente tem origem nas melhores intenções – moralidade pública, eficiência do Estado, combate à corrupção etc.

A ideia de democracia – e, particularmente, a democracia representativa – não pode ser tratada, juridicamente, como conceito meramente abstrato, ideal vago ou simples retórica, sem densidade semântica e normativa apta a determinar, na vida prática da República, os modos de funcionamento do Estado e de relacionamento entre as instituições e os poderes. Nesse sentido:

Ação cautelar. Indeferimento de registro. Realização de atos de campanha.1. O art. 45 da Res.-TSE nº 23.373 - que reproduz o teor do art. 16-A da Lei nº 9.504/97 - expressamente estabelece que o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter o seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição.2. Não se pode - com base na nova redação do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90, dada pela Lei Complementar nº 135/2010 - concluir pela possibilidade de cancelamento imediato da candidatura, com a proibição de realização de todos os atos de propaganda eleitoral, em virtude de decisão por órgão colegiado no processo de registro, sobretudo porque, caso sejam adotadas tais medidas, evidentemente as candidaturas estarão inviabilizadas, quer em decorrência do manifesto prejuízo à campanha eleitoral, quer pela retirada do nome do candidato da urna eletrônica. Agravo regimental não provido. (Ação Cautelar nº 98713, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: PSESS 4.10.2012).

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. ANULAÇÃO DO PLEITO. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. PREFEITO. NOVA ELEIÇÃO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. ARTIGO 16-A DA LEI Nº 9.504/1997. INELEGIBILIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. CANDIDATO QUE NÃO DEU CAUSA À ANULAÇÃO DO PLEITO. PARTICIPAÇÃO NO CERTAME. POSSIBILIDADE. AFRONTA AO ART. 219 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. Com fulcro nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o candidato não pode ser prejudicado em seu direito subjetivo de ser votado, porquanto a compreensão segundo a qual o prazo inelegibilidade deve ser estendido até o final do ano das eleições somente veio a ser sedimentada no julgamento de seu próprio pedido de registro para as eleições que findaram anuladas.

2. Não evidencia a responsabilidade do candidato pela nulidade do pleito, porquanto, de acordo com o art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, lhe é facultado concorrer com registro indeferido e sub judice.

3. Esta Corte firmou o entendimento de que o candidato que deu causa à anulação do pleito não poderá participar das novas eleições, porém tal vedação ocorre em razão da prática de ilícito eleitoral pelo próprio candidato, o que não ocorreu no caso dos autos.

4. Segundo a jurisprudência do TSE, é "correta a decisão que defere o registro de candidatura no pleito renovado, desde que verificados o preenchimento das condições de elegibilidade e a ausência de causa de inelegibilidade" (REspe nº 35.901/SP, Rei. Ministro MARCELO RIBEIRO, DJe de 3.11.2009).

5. Inexistência de afronta à lei e dissídio jurisprudencial não caracterizado.

6. Recurso desprovido (REspe nº 7-20.2013.6.24.0079, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de1º.8.2013).

Eleições 2012. Registro de candidatura. Prefeito. Desincompatibilização. Substituição de candidato.

1. Afirmado pela Corte Regional que o candidato se afastou de fato de suas funções, não há como reexaminar a premissa fática em sede de recurso especial. Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.

2. O art. 16-A da Leinº9.504/97 permite o candidato cujo registro  está sub judice prosseguir em sua campanha eleitoral.

3. O prazo para substituição de candidatura, no caso, deve ser contado da desistência do anterior candidato e não do momento em que houve a cassação de liminar que causava reflexo na sua inelegibilidade que estava sendo discutida, com recurso pendente.

4. O TRE julgou que a substituição preenchera os requisitos dos §§ 1º e 2º do art. 67 da Res.-TSE nº 23.373. Incidência das Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.

Agravo regimental a que se nega provimento (REspe nº 362-41.2012.6.05.0193, Relator Ministro Henrique Neves da Silva, DJe de 30.5.2014).

CONSULTA. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO - ABERT. ILEGITIMIDADE ATIVA. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA. CONHECIMENTO COMO PETIÇÃO. ELEIÇÕES. DEBATES. REGRAS. ART. 46, § 5º, DA LEI Nº 9.504/97. CANDIDATOS APTOS. REPRESENTAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.

1. Para os fins do art. 46, § 5º, da Lei nº 9.504/97, são considerados aptos os candidatos filiados a partido político com representação na Câmara dos Deputados e que tenham requerido o registro de candidatura na Justiça Eleitoral.

2. Julgado o registro, permanecem aptos apenas os candidatos com registro deferido ou, indeferido, esteja sub judice.

3. Consulta recebida como petição e respondida nos termos do voto do Ministro Relator (Consulta nº 121034/DF, Relator Ministro Aldir Guimarães Passarinho Junior, DJe de 23.6.2010).

Prossigo no exame da controvérsia quanto à possibilidade de o candidato a Presidente da República com registro indeferido no TSE continuar na disputa da eleição com o nome registrado na urna, por conta e risco, na condição de sub judice, em razão da existência de recurso pendente de julgamento, sob enfoque trazido em impugnação:

A norma do art. 16-A da Lei nº 9.504/97, antes transcrita, ao versar sobre a condição sub judice do candidato, nada diz acerca dos cargos em disputa no pleito, a restringir o seu alcance. Questiona-se, então: seria viável concluir pela existência, a partir de análise do texto constitucional, de regime diferenciado em se tratando de eleições presidenciais?

A meu juízo, a reposta deve ser negativa.

Reputa-se sub judice a controvérsia sob apreciação judicial, conceito que não se modifica pela natureza do mandato eletivo a que concorre o candidato.

Cediço que o art. 16-A da Lei das Eleições, acrescido pela Lei nº 12.034/2009, trouxe para o arcabouço normativo o que a jurisprudência havia tempo consagrava: a possibilidade de o candidato com registro impugnado praticar todos os atos de campanha na pendência de recurso em instância superior.

A partir do referido dispositivo, o legislador positivou o efeito suspensivo aos recursos eleitorais em matéria de registro de candidatura, caracterizando como sub judice, no contexto do seu conjunto normativo, aquele candidato que, diante de juízo negativo, está a aguardar o exame do recurso dirigido à instância revisora.

Conforme salienta Edson Resende de Castro26, a norma em enfoque “não está se dirigindo àquele que tem registro admitido, mas que aguarda decisão final em recurso ofertado por qualquer legitimado, porque não faria qualquer sentido a lei garantir o óbvio, ou seja, a continuidade da campanha daquele que tem registro deferido, pois o recurso em face dessa decisão não tem efeito suspensivo e por isso não paralisa a campanha”.

Complementa o mencionado autor, “o dispositivo gravita em torno apenas do candidato indeferido (que o art. 16-A resolveu chamar de ‘sub judice’), cuja campanha era ameaçada pela inexistência de previsão de efeito suspensivo ao seu recurso, porque, ao contrário, o Código Eleitoral confere efeito meramente devolutivo aos recursos em geral”.

À luz do art. 16-A da Lei n 9.504/97, a viabilidade dos atos de campanha por aquele que teve o seu registro de candidatura indeferido não está atrelada ao mandato eletivo perseguido nas urnas, e sim a aspecto de índole processual concernente à pendência de julgamento de recurso dirigido à instância superior, ao qual, por força de lei, atribuída eficácia suspensiva.

Indaga-se, ainda, se o disposto no art. 77, § 4º, da CF – invocado pelo Partido Novo em sua impugnação – afastaria a incidência do art. 16-A da Lei das Eleições no particular quanto à disputa pelo cargo de Presidente da República.

Em meu entender, tal raciocínio não se sustenta. Reproduzo a dicção do § 4º do art. 77 da Constituição:

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.

[...]

§ 4º Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência  ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação.

O preceito, longe de criar regime jurídico diferenciado para os registros ao cargo de Presidente da República afastando a aplicação dos arts. 11, § 10 e 16-A da Lei nº 9.504/1997, enuncia regra de composição do segundo turno, caso algum dos candidatos originalmente aptos a disputá-lo venha a perder essa condição, o que ocasionaria a convocação daquele mais votado entre os remanescentes.

Ainda que as inelegibilidades listadas no art. 1º, I, da LC nº 64/1990 possam constituir o impedimento legal mencionado no § 4º do art. 77 da Constituição e que seu reconhecimento, em algumas hipóteses, se embase em pronunciamento da Justiça Comum – como ocorre na espécie –, a efetiva declaração desse óbice não pode ser feita aprioristicamente pela simples existência de um título judicial, mas sim nos autos do processo de registro de candidatura, facultados a ampla defesa e o contraditório ao interessado.

Dito de outro modo, embora as inelegibilidades possam ser constituídas a partir de decisões judiciais oriundas da Justiça Comum, a sua existência é declarada por esta Justiça Especializada em feito próprio, respeitadas todas as garantias constitucionais daquele que deseja se candidatar. Somente depois de declarado  inelegível por esta Justiça Especializada é que o impedimento legal a que se refere a norma constitucional ganha corpo e aptidão para obstar a participação do postulante na disputa eleitoral.

Nesse contexto, não verifico antinomia entre os preceitos em tela, voltada a regra constitucional à disciplina do segundo turno, em caso de candidatos que venham a se achar impedidos, ao passo que os arts. 11, § 10 e 16-A da Lei nº 9.504/1997 se dirigem ao processo de reconhecimento da existência desse impedimento.

Fixada essa premissa, carece, ainda, de definição o espectro de alcance da segunda parte do disposto no art. 16-A da Lei nº 9.504/97, a qual  condiciona a validade dos votos atribuídos a candidato sub judice ao deferimento do seu registro por instância superior.

A questão circunscreve-se a saber se fica o candidato impedido de continuar na disputa em razão do indeferimento do seu registro de candidatura pela instância máxima da Justiça Eleitoral, ainda que o pleito não tenha sido realizado. Caso positiva a resposta, estaria tal interpretação a contrariar a primeira parte da referida norma, no ponto em que garante ao candidato sub judice o direito de permanecer na disputa?

Encaminho meu voto partindo da premissa de que consubstancia direito dos candidatos o acesso às funções públicas de seu país, em condições gerais de igualdade, vedado comportamento discriminatório no exercício dos direitos políticos passivos pelo Estado-juiz, cujo munus deve ser o de assegurar tratamento isonômico a todos os candidatos, garantindo a aplicação uniforme do Direito.

Sem descurar da natureza sabidamente autoexecutável dos acórdãos proferidos pelo TSE, seja em eleições municipais, seja em eleições gerais, a atribuir-lhe a condição de instância superior em matéria eleitoral – trago à reflexão dos eminentes  pares distinção que me parece de todo relevante.

Sabido que a jurisprudência desta Corte, ao decidir pela executoriedade imediata de seus acórdãos, sempre o fez, e com o meu voto, sob a perspectiva de eleições já realizadas, é dizer, com o olhar voltado a evento passado, visando ao resguardo de seus efeitos futuros.

Nessa linha, inclusive, decidiu o TSE, no julgamento dos ED-REspe nº 139-25/RS, Relator Min. Henrique Neves da Silva, em sessão de 28.11.2016, pela possibilidade de convocação de novas eleições a partir de suas próprias decisões, quando indeferido o registro de candidato eleito à titularidade do executivo, independentemente do trânsito em julgado.

Confira-se o respectivo trecho da ementa:

FIXAÇÃO DE TESE. CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL E CONVOCAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES.

1. As hipóteses do caput e do § 3º do art. 224 do Código Eleitoral não confundem nem se anulam. O caput se aplica quando a soma dos votos nulos dados a candidatos que não obteriam o primeiro lugar ultrapassa 50% dos votos dados a todos os candidatos (registrados ou não); já a regra do § 3º aplica quando o candidato mais votado, independentemente do percentual de votos obtidos, tem o seu registro negado ou o seu diploma ou mandato cassado.

2. A expressão "após o trânsito em julgado", prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, é inconstitucional.

3. Se o trânsito em julgado não ocorrer antes, e ressalvada a hipótese de concessão de tutela urgência, a execução da decisão judicial e a convocação das novas eleições devem ocorrer, em regra:

3.1. após a análise dos feitos pelo Tribunal Superior Eleitoral, no caso dos processos de registro de candidatura (LC 64/90, arts. 3º e seguintes) em que haja o indeferimento do registro do candidato mais votado (art. 224, § 3º) ou dos candidatos cuja soma de votos ultrapasse 50% (art. 224, caput); e

3.2. após a análise do feito pelas instâncias ordinárias, nos casos de cassação do registro, do diploma ou do mandato, em decorrência de ilícitos eleitorais apurados sob o rito do art. 22 da Lei Complementar 64/90 ou em ação de impugnação de mandato eletivo.

Embargos de declaração acolhidos e providos, em parte.

Inédito, porém, é o debate acerca da eficácia imediata das decisões proferidas pela Justiça Eleitoral sob viés prospectivo, qual seja, visando ao afastamento de candidato da disputa eleitoral que ainda se realizará (no futuro, portanto). Tais decisões, caso confirmadas, mostram-se suscetíveis de provocar prejuízos irreparáveis.

A propósito, este Tribunal já decidiu, em eleições pretéritas, que “não se pode - com base na nova redação do art. 15 da Lei Complementar nº 64/9027, dada pela Lei Complementar nº 135/2010 - concluir pela possibilidade de cancelamento imediato da candidatura, com a proibição de realização de todos os atos de propaganda eleitoral, em virtude de decisão por órgão colegiado no processo de registro, sobretudo porque, caso sejam adotadas tais medidas, evidentemente as candidaturas estarão inviabilizadas, quer em decorrência do manifesto prejuízo à campanha eleitoral, quer pela retirada do nome do candidato da urna eletrônica” (AgR-MS nº 88673/PI, Rel. Min. Arnaldo Versiani, PSESS de 25.9.2012).

A meu ver, portanto, a perspectiva em análise deve prevalecer como elemento legitimador do distinguishing, em ordem a se resguardar a viabilidade prática de eventual provimento judicial favorável ao candidato ao cargo de Presidente da República, enquanto perdurar a campanha eleitoral, como sói acontecer com todos os demais cargos em disputa.

Sob o enfoque da igualdade, diante do princípio da isonomia, as atribuições distintas de competências entre os diversos Tribunais eleitorais não podem ser motivo de tratamento anti-isonômico e de interpretação diferenciada do alcance do art. 16- A da Lei nº 9.504/97, de forma a se permitir que candidatos a determinado cargo, não por acaso o mais elevado da República, passem a ter tratamento distinto daquele concedido aos demais.

Há diferenças práticas consideráveis entre os efeitos que decorrem de se considerar executável, de plano, uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral proferida em sede recursal e outra proferida por esta mesma Corte em análise de impugnação de registro de sua competência originária. No primeiro caso, não se nega eficácia ao art. 16- A da Lei nº 9.504/97, pois o tempo consumido nos trâmites processuais que levam o processo da origem a este TSE dão ensejo a que não ocorra prejuízo irreparável ao candidato diante de sua ausência no processo eleitoral (motivada por decisão judicial que pode ser revista). Ao contrário, considerar executável de plano decisão que julga procedente impugnação de candidatura presidencial, em competência originária deste Tribunal Superior, enquanto ainda cabíveis recursos, causa prejuízo imediato e irreparável ao candidato, que se vê alijado de praticar atos de campanha numa extensão que não lhe pode ser reconstituída, caso se reverta a decisão.

Reforça essa conclusão os termos da Res.-TSE nº 23.554/DF28, a qual expressamente limita a ausência de efeito suspensivo dos recursos voltados contra acórdãos do TSE apenas às hipóteses em que apreciadas decisões dos TREs que tenham indeferido ou cassado o registro do candidato.

Confira-se:

Art. 245. Nas eleições majoritárias, deve o tribunal eleitoral proclamar eleito o candidato que obtiver a maioria dos votos válidos, não computados os votos em branco e os votos nulos, devendo, no entanto, aguardar enquanto houver candidatos nas seguintes situações:

I – com registro indeferido e recurso pendente de julgamento no dia da eleição cuja votação nominal tenha sido a maior;

II – com registro indeferido e recurso pendente de julgamento no dia da eleição cuja soma das votações nominais tenha sido superior a 50% (cinquenta por cento) da votação válida.

§ 1º Para fins de aplicação deste artigo, a votação válida deve ser aferida levando-se em consideração os votos dados a todos os candidatos participantes do pleito, excluindo-se somente os votos em branco e os nulos decorrentes da manifestação apolítica ou de erro do eleitor.

§ 2º Quando as decisões sobre os recursos a que se referem os incisos I e II puderem ensejar a realização de novas eleições, os feitos judiciais deverão tramitar no Tribunal Superior Eleitoral em regime de urgência.

§ 3º Na hipótese do caput, o Tribunal Superior Eleitoral, ao apreciar o recurso contra a decisão proferida pelo tribunal regional eleitoral que tenha indeferido ou cassado o registro do candidato deverá observar o disposto no art. 257 do Código Eleitoral e o art. 15 da Lei Complementar nº 64/1990.

Igualmente dispõe a mencionada Resolução, em seu art. 50, § 2º, que “podem participar do pleito as chapas cujos candidatos estejam nas situações deferido ou sub judice – nos termos do art. 16-A da Lei nº 9.504/97 – no que é complementado pelo art. 55 da mesma Resolução, verbis: “o candidato cujo registro esteja sub judice pode efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição”.

Nessa linha de raciocínio, na minha compreensão, ainda que indeferido o pedido de registro de candidatura pelo TSE e desde que não verificado o trânsito em julgado da decisão respectiva, deve ser garantida ao candidato a continuidade da prática de atos de campanha, entre eles a realização de gastos de recursos oriundos de financiamento público (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC), a veiculação de propaganda eleitoral e a destinação de tempo para que participe da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, condicionada a validade dos votos por ele obtidos à obtenção de provimento judicial favorável, pelo deferimento do seu registro de candidatura.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, acolho em parte os pedidos formulados nas impugnações do Ministério Público Eleitoral, do Partido Novo e de Kim Patroca Kataguiri, para indeferir o registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, com fundamento na alínea e do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, assegurada, todavia, a realização de todos os atos de campanha pelo candidato impugnado, enquanto perdurar a sua condição sub judice, nos termos do voto.

Pelos mesmos fundamentos:

1. Acolho os pedidos de indeferimento do registro de candidatura, formulados com base na alínea “e” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, em impugnações proposta por:

a. Jair Messias Bolsonaro, candidato a Presidente da República, e Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos;

b. Marcos Vinicius Pereira de Carvalho, candidato a Suplente de Senador pelo PSL, e Júlio César Martins Casarin, candidato a Deputado Estadual pelo PSL; e

c. Wellington Corsino do Nascimento, candidato ao cargo de Deputado Federal pelo Partido Democratas, prejudicado o exame de que trata o art. 86, § 1º, I, da CRFB29.

2. Acolho as notícias de inelegibilidade igualmente calcadas na alínea e do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, apresentadas por:

a. Guilherme Henrique Moraes;

b. Diego Mesquita Jaques; e

c. Ernani Kopper30.

3. Acolho, em parte, os pedidos formulados em Ação de Impugnação de Registro de Candidatura por (i) Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes, candidato a Deputado Estadual pelo Partido Novo e (ii) Alexandre Frota De Andrade, candidato a Deputado Federal pelo PSL; e na notícia de inelegibilidade de Ari Chamulera, apenas no que toca à inelegibilidade da alínea “e” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, rejeitados os fundamentos atinentes, respectivamente: (i) à ausência de condição de elegibilidade por alegada suspensão dos direitos políticos do impugnado (art. 14, § 3º, II, CF), visto que ausente o trânsito em julgado da decisão condenatória, a afastar o óbice do art. 15, III, CF31; (ii) ao não comparecimento do candidato no ato da convenção partidária visando à sua participação no pleito, ausente imperativo legal nesse sentido; e (ii) ao pedido32 de retenção do repasse de valores oriundos do Fundo Partidário para o Partido dos Trabalhadores, no valor de R$ 70.000.000,00 (setenta milhões), referente ao limite de gasto para campanha à Presidência da República de 2018, aplicável o disposto no art. 19, § 2º, da Res.-TSE nº 23.553/201733.

4. Rejeito a impugnação de Marco Aurélio Paschoalin34, pois, ainda que admitida a sua manifestação como notícia de inelegibilidade – não comprovada a sua condição de candidato35 –, da leitura das razões apresentadas, constato dissociada a fundamentação arguida, não constituindo o presente feito meio adequado para requerer a abertura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ou de Representação para apurar a prática de abuso do poder, conduta vedada e captação ilícita de sufrágio.

5. Não conheço da notícia de inelegibilidade de Fernando Aguiar dos Santos e de Marcelo Feliz Artilheiro, não comprovado o pleno gozo de seus direitos políticos e do pedido36 formulado pela Associação dos Advogados e Estagiários  do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ), visto que, além de notoriamente incabível a via eleita – Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) –, legitimados para a propositura de notícia de inelegibilidade tão somente: (i) os candidatos, as coligações e os partidos políticos para apresentação de Impugnação de Registro de Candidatura (arts. 97 da Lei nº 9.504/1997 e 3º da LC nº 64/1990); e (ii) cidadãos no gozo de seus direitos políticos (art. 42, da Res.-TSE nº23.548/2017).

É como voto.

 

1 Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, pp. 217-8.

2 Cf. JUBILUT, Liliana Lyra. Os pactos internacionais de direitos humanos (1966). In: ALMEIDA, Guilherme Assis

de; PERRONE-MOISÉS, Cláudia (coord.). Direito internacional dos direitos humanos – instrumentos básicos. São Paulo: Atlas, 2ª Edição, 2007, pp. 25-6.

3 “O bloco capitalista defendia a positivação apenas dos direitos humanos de primeira geração – os direitos civis e políticos (...). tal fato decorre diretamente da concepção de um Estado mínimo e da liberdade de mercado, típica do pensamento liberal. Já o bloco socialista, por acreditar em um sistema em que a nota primordial é a igualdade econômica e social, entendia que o melhor seria a institucionalização dos direitos humanos de segunda geração” (JUBILUT, Liliana Lyra. Ob. Cit., p. 30).

4 ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito internacional público. São Paulo: Quartier Latin, vol. II, 3ª edição, 2009, p. 40.

5 Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 219.

6 Cf. Decreto nº 592/92.

7 Cf. JUBILUT, Liliana Lyra. Ob. Cit., p. 36.

8 Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 214, nota 34.

9 Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 255, nota 16.

10 Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 255, nota 18.

11 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 314.

12 Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense, 5ª edição, 2018, p. 154.

13 “ A implementação da sentença da Corte é dever do Estado-réu, que possui liberdade para fixar os meios de execução interna das decisões da Corte. Essa liberdade do Estado foi reduzida, no caso das indenizações, pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que, em seu artigo 68.2, dispõe que a indenização compensatória deve ser executada de acordo com o processo interno de execução de sentença contra o Estado (no caso brasileiro, de acordo com os artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil)”.

SILVA, G. E. do Nascimento; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo:  Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 364).

14 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 258.

15 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 255.

16 ALMEIDA, Paula Wojcikiewicz; GOMES, Maria Luiza Belmiro. O direito internacional e os direitos humanos na jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros: a manutenção de uma lógica ultrapassada. In: Direitos fundamentais & justiça. Belo Horizonte: ano 12, nº 38, p. 75-110, jan./jun. 2018, p. 80.

17https://www.conjur.com.br/2015-dez-24/olhar-economico-tratado-executorio-depois-promulgacao, acesso em 23.8.2018.

18 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 11ª ed. rev. e atual., 2017, pp. 395-6.

19 A participação do Legislativo no processo de celebração dos tratados. In: Revista de Informação Legislativa, v. 43, nº 170, pp. 273-85, abr./jun. 2006.

20 Nesse sentido, Paula Wojcikiewicz Almeida e Maria Luiza Belmiro Gomes: “(...) a exigência de promulgação não encontra base jurídica no texto constitucional, sendo um resultado da prática diplomática brasileira datada da época do Império. (...) Além de constituir um costume, o executivo justifica a importância da promulgação em razão da necessidade de tornar pública a celebração de um ato internacional, bem como determinar sua execução no direito interno. Isso porque a publicação do decreto legislativo que aprova um ato internacional não é acompanhada de uma versão integral de seu texto. O Diário Oficial contém apenas uma menção ao ato internacional que acaba de ser aprovado. Apesar da publicidade assegurada pela promulgação, tal prática afigura-se manifestamente inadequada aos imperativos internacionais. Com efeito, a entrada em vigor no nível interno de um ato internacional não coincide com a entrada em vigor no nível internacional. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, confere uma grande liberdade aos Estados nesse sentido. O procedimento para a entrada em vigor aplicável às convenções multilaterais é geralmente a troca ou o depósito de certo número de instrumentos de ratificação. A promulgação intervém apenas após a conclusão desse procedimento. Segue-se que um tratado já pode estar em vigor no nível internacional ou regional, mas ainda requerer um ato interno de promulgação para que se torne invocável no ordenamento jurídico brasileiro. A exigência de promulgação é reflexo da adesão à doutrina dualista que ignora manifestamente as condições de entrada em vigor dos tratados internacionais” (ob. cit., pp. 83-4).

21 Cf. Decreto nº 592, de 6.7.1992.

22 Cf. Decreto Legislativo nº 311, de 2009.

23 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense, 5ª edição, 2018, p. 109. No mesmo sentido, Flávia Piovesan: “(...) a petição deve respeitar determinados requisitos de admissibilidade (...), como o esgotamento prévio dos recursos internos – salvo quando a aplicação desses recursos se mostrar injustificadamente prolongada, ou se inexistir do Direito interno o devido processo legal, ou ainda se não se assegurar à vítima o acesso aos recursos de jurisdição interna. Na lição de Henkin: ‘A razão deste requisito é dar ao Estado, acusado como responsável, uma oportunidade para remediar o erro cometido pelas suas próprias instituições domésticas, antes da petição ser lançada ao plano internacional’” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2016, p. 257).

24 APOLINÁRIO, Silvia Menicucci de Oliveira Selmi. Os procedimentos especiais do sistema de direitos humanos das Nações Unidas. In: ALMEIDA, Guilherme Assis de; PERRONE-MOISÉS, Cláudia (coord.). Direito internacional dos direitos humanos – instrumentos básicos. São Paulo: Atlas, 2ª Edição, 2007, pp. 100-1.

25 “No plano internacional não existe autoridade superior nem milícia permanente. Os Estados se organizam horizontalmente, dispostos a proceder de acordo com certas regras na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento” (REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. São Paulo: Saraiva, 15ª edição, 2014, p. 23.

26 CASTRO. Edson de Resende. Curso de direito eleitoral. 8 ed. Belo Horizonte: El Rey, 2016, p. 129.

27 Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade  do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido. (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

28 Disciplina a escolha e o registro de candidatos para as eleições de 2018.

29 Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

30 Embora intitulado o pedido como ação de impugnação de registro de candidatura, por faltar-lhe a legitimidade, impõe-se o recebimento como notícia de inelegibilidade.

31 Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: [...] III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

32 Pedido formulado exclusivamente por Ari Chamulera.

33 Art. 19. [...]

[...]

§ 2º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

34 O impugnante relata a prática de diversos atos supostamente ilegais – que configurariam crimes de responsabilidade, improbidade administrativa e corrupção – pelo impugnado e pelos Ministros de Estado, durante o exercício do mandato de Presidente da República, e requer a abertura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral e de Representação para apurar abuso do poder, conduta vedada e captação ilícita de sufrágio, pugnando, ao final, pela declaração de inelegibilidade, imposição de multa, bem assim pela cassação de registro e dos direitos políticos do impugnado.

35 LC nº 64/1990. Art. 3° Caberá a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do pedido de registro do candidato, impugná-lo em petição fundamentada.

36 A notícia de inelegibilidade está calcada no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990.

 

ESCLARECIMENTO

 

A DOUTORA RAQUEL DODGE (procuradora-geral eleitoral): Senhora Presidente, pelo plano de mídia encaminhado na forma da Res.-TSE nº 23.551/2017, a partir de amanhã haveria o início da veiculação no rádio, às 7(sete) horas e, na parte da tarde, na televisão. Parece-me que seria necessário explicitar que, tanto no rádio quanto na TV, amanhã, a partir desses horários, não seria possível a veiculação.

Se Vossa Excelência me permite, Senhora Presidente, eu também gostaria de referir que a Resolução nº 23.551/2017 autoriza propaganda na internet e na imprensa, mas proíbe em outdoors, tanto para postulantes a candidatos quanto para candidatos.

Penso que devido ao fato de a internet ser hoje um dos principais veículos de propaganda, que também constasse essa proibição.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): No meu dispositivo eu vedo a prática de atos de campanha. É verdade que apenas especifiquei rádio e televisão, mas a vedação é geral.

A DOUTORA RAQUEL DODGE (procuradora-geral eleitoral): Por fim, no pedido de impugnação feito pela Procuradoria-Geral Eleitoral havia menção, que também foi referida, no tocante ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha e ao Fundo Partidário não poderem ser utilizados, de qualquer modo, para o financiamento desse tipo de campanha.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Essa parte, Senhora Presidente, para ser sincero, eu não inseri em meu voto. De modo que, como não cogitei, eu não gostaria de colocar no dispositivo. Não que eu esteja divergindo ou concordando, mas apenas não refleti e não me pronunciei sobre isso. Se for o caso, certamente, Vossa Excelência poderá pedir em embargos de declaração.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Ministro Luís Roberto Barroso, a situação é a seguinte, segundo me passa a área técnica: aquelas inserções e aquela propaganda relativa às rádios já foram liberadas, não há como substituí-las neste horário, já que estamos a uma da madrugada de sábado, 1º de setembro. Então, essa propaganda de rádio, não temos como proceder à substituição. Podemos substituir a mídia de televisão, desde que elas cheguem às 7 (sete) horas no pool, para publicação às 13 (treze) horas.

Essa é a informação.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): O que Vossa Excelência encaminhar, com o apoio da área técnica, está bem para mim.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Nós temos de nos resguardar, porque estamos aqui a decidir com eficácia imediata e, pelo menos essas primeiras que já foram liberadas pelo sistema de encaminhamento, não temos mais como reter.

Seria para ficar resguardado o próprio...

A DOUTORA RAQUEL DODGE (procuradora-geral eleitoral): Senhora Presidente, a Procuradoria-Geral Eleitoral recebeu a informação de que a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), geradora dos programas de rádio e televisão, teria montado programação para amanhã às 7 (sete) horas, com e sem a presença do candidato Lula. Se for o caso de ela conseguir cumprir, eu penso que seria adequado.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Nós notificamos na crença de que, em boa-fé, o que for possível cumprir será cumprido.

 

QUESTÃO DE ORDEM

 

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Senhora Presidente, uma questão com relação ao tema. A lei estabelece o prazo de 10 (dez) dias para promover a substituição. Como há eficácia imediata, pela maioria formada, começa a contar amanhã, dia 2, o prazo para a substituição de candidatura.

A questão é que o TSE aprovou hoje o registro do candidato a Vice-Presidente da chapa. Então, nós estávamos com a leitura, diante do precedente, inclusive do Tribunal Superior Eleitoral na eleição passada, quando faleceu o candidato Eduardo Campos às vésperas de iniciar o horário eleitoral gratuito. E a candidata a vice, Marina Silva, demorou um tempo para fazer a substituição, aliás o tempo que a lei estabeleceu.

Durante três dias, é a questão de ordem que temos, o tempo ficou com o partido político, porque a Lei Eleitoral estabelece que o tempo é do partido. E nós temos um candidato a Vice que é candidato. Não tivesse havido a impugnação, o PT, que é dono do tempo, a coligação, poderia usar só o candidato a Vice.

Nós vamos cumprir a determinação, já foi enviada hoje, às 22h, a programação. Mas os partidos têm resoluções próprias para a definição do processo de escolha do substituto. Então vamos colocar, nesses três ou quatro dias, como no caso do Eduardo Campos, a tela azul, tendo deixado o Partido Socialista Brasileiro (PSB) usar o tempo na eleição passada?

Eu considero esta uma questão importante. O PT quer cumprir a decisão, rende-se à decisão do Tribunal Superior Eleitoral, embora possa, eventualmente, apresentar recurso. Nós perdemos hoje aqui, com o voto vencido do Ministro Edson Fachin. Mas, no tempo da substituição, colocar tela azul, contra o precedente do caso Eduardo Campos e na linha de toda regra eleitoral, a qual estabelece que o tempo é do partido e não do candidato? Tendo aprovado hoje o Fernando Haddad como candidato a Vice?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Doutor Luiz Fernando Casagrande, Vossa Excelência pede então que seja possível a campanha do partido, embora não do candidato a que negamos registro?

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Isso. Nós estávamos entendendo assim: o Lula está fora. Ele não pode mais aparecer como candidato a Presidente em nenhum ato de campanha. Mas retirar o tempo do partido enquanto ele promove a substituição?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Eu gostaria de refletir, porque considerei relevante a ponderação do ilustre advogado.

Nós estamos negando registro de candidatura do candidato a Presidente, mas não estamos suprimindo o direito do partido ao horário eleitoral gratuito. Apenas não se pode fazer campanha do candidato a que negamos registro.

Parece-me razoável a ponderação do advogado, de que o partido continue com o tempo para fazer a sua campanha.

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Vossa Excelência me permite outra observação? A lei estabelece que a redistribuição do tempo do candidato indeferido somente se dá dez dias depois. A lei estabeleceu esse intervalo de dez dias até para distribuir entre os outros candidatos, se não houver substituição.

Era isso que eu queria mencionar, o partido está pronto para fazer a troca das mídias no primeiro minuto e irá cumprir a decisão de Vossas Excelências.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Senhora Presidente, se Vossa Excelência estiver de acordo, eu gostaria de ouvir a Doutora Marilda de Paula Silveira para deliberar sobre esse tema e fazer o que for mais adequado.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER: (presidente): Estou de total acordo. Estou deixando que Vossa Excelência conduza porque me sinto absolutamente vencida neste ponto.

 

QUESTÃO DE ORDEM

 

A DOUTORA MARILDA DE PAULA SILVEIRA (advogada): Senhora Presidente, o Partido Novo pondera que o caso de Eduardo Campos é muito diferente do presente, porque, como ele havia falecido, não havia possibilidade de recorrer de eventual decisão e manter a sua candidatura no futuro.

Com relação à ponderação do advogado que me antecedeu, Doutor Luiz Fernando, a quem eu muito respeito, a lei diferencia a propaganda partidária da propaganda eleitoral. A propaganda eleitoral é direcionada ao pedido de votos. Por isso a legislação estabelece uma série de requisitos para a propaganda, inclusive com relação ao percentual de participação dos candidatos e dos apoiadores.

Isso seria, na verdade, um salvo-conduto para que o partido tivesse uma propaganda mais benéfica do que os demais candidatos, porque somente eles não estariam sujeitos às regras de limitação da propaganda com a participação de 75% no tempo do próprio candidato, que é quem deve pedir votos e expor o seu programa de governo.

Por essas razões, o Partido Novo não concorda com a ponderação do candidato que, fazendo a substituição amanhã na primeira hora, ele terá a propaganda eleitoral exatamente no primeiro momento em que a substituição acontecer.

Caso contrário, eles poderão recorrer ao Supremo, vão pedir efeito suspensivo, enquanto isso a propaganda mais benéfica está acontecendo e, caso não ganhe, a propaganda vai passar três dias sem lógica nenhuma, depois a substituição acontece com o novo candidato.

Muito obrigada.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Penso que temos de resolver isso.

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Senhora Presidente, eu sei que não cabe réplica, mas eu gostaria de fazer uma pequena observação.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Há um fato novo, sobre o qual estamos deliberando. Se a Presidente estiver de acordo, ouço Vossa Excelência.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Estou inteiramente de acordo.

O DOUTOR LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA (advogado): Faço uma ponderação em relação às boas ponderações da excelente advogada, Doutora Marilda de Paula Silveira. Mas o PT vai seguir a regra dos 75%, que é para os candidatos. E Fernando Haddad é candidato, deferido por Vossas Excelências. O Lula é que não vai poder aparecer.

A Doutora Marilda de Paula Silveira sugere que façamos a substituição amanhã. Mas o PSB não fez a substituição no dia seguinte à morte de Eduardo Campos. Portanto, eu quero pelo menos o mesmo prazo do PSB para que os partidos possam deliberar sobre a substituição, sem tela azul na televisão.

Penso ser este um pedido razoável.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Senhora Presidente, posso fazer uma sugestão?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Pois não.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (relator): Sei que já está tarde, mas poderíamos fazer um conselho, brevemente? Podemos nos recolher durante um tempo para refletir sobre isso?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Claro. Excelente sugestão, que acolho.

Vamos nos retirar por uns minutos e deliberaremos logo após.

 

PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO

 

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER (presidente): Senhores Ministros, reabro a sessão. Readéquo a parte dispositiva da decisão e refaço a proclamação neste item específico, em que, por decisão majoritária, a Corte, no ponto, decidiu publicar a presente decisão colegiada em sessão.

Afasta-se a aplicação do art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, nos termos da fundamentação. Por consequência:

1) Faculta-se à coligação substituir o candidato Luiz Inácio Lula da Silva no prazo de 10 (dez) dias, na forma do art. 13, §§ 1º a 3º, da Lei nº 9.504/1997;

2) Fica vedada a prática de atos de campanha presidencial pelo candidato cujo registro vem a ser indeferido;

3) Determina-se a retirada do nome do candidato da programação da urna eletrônica.

Fica assim readequada a proclamação do resultado neste ponto específico. Os demais registros permanecem íntegros.

 
 

 

EXTRATO DA ATA

 

RCand nº 0600903-50.2018.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Requerente: Luiz Inácio Lula da Silva (Advogados: Fernando Haddad – OAB: 88022/SP e outros). Requerente: Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PC do B/PROS). Impugnante: Ministério Público Eleitoral. Impugnante: Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos 17-PSL/28-PRTB (Advogados: Gustavo Bebianno Rocha – OAB: 81.620/RJ e outros). Impugnante: Jair Messias Bolsonaro (Advogados: Gustavo Bebianno Rocha – OAB: 81.620/RJ e outros). Impugnante: Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes (Advogado: Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes – OAB: 63.784/RS). Impugnante: Ernani Kopper. Impugnante: Partido Novo (NOVO) – Nacional (Advogados: Flávio Henrique Unes Pereira – OAB 31.442/DF e outros). Impugnante: Marcos Aurélio Paschoalin (Advogado: Marcos Aurélio Paschoalin – OAB: 177.991/MG). Impugnante: Wellington Corsino do Nascimento (Advogado: Pedro José Ferreira Tabosa – OAB: 32.381/DF). Impugnante: Alexandre Frota de Andrade (Advogado: Cleber dos Santos Teixeira - OAB: 162.144/SP). Impugnante: Kim Patroca Kataguiri (Advogados: Rubens Alberto Gatti Nunes – OAB: 306.340/SP e outro). Impugnante: Marco Vinicius Pereira de Carvalho (Advogado: Marco Vinicius Pereira de Carvalho – OAB: 32.913/SC). Impugnante: Julio Cesar Martins Casarin (Advogados: Alice Elena Eble – OAB: 40.773/SC e outro). Noticiante: Guilherme Henrique Moraes (Advogado: Guilherme Henrique Moraes – OAB: 24.464/MT). Noticiante: Fernando Aguiar dos Santos (Advogado: Fernando Aguiar dos Santos – OAB: 391.939/SP). Noticiante: Marcelo Feliz Artilheiro (Advogado: Marcelo Feliz Artilheiro – OAB: 16.493/SC). Noticiante: Ari Chamulera (Advogados: Thiago de Araújo Chamulera – OAB: 62.203/PR e outro). Noticiante: Associação dos Advogados e Estagiários do Estado do Rio de Janeiro (AAEERJ) (Advogado: Roque Z Roberto Vieira – OAB: 71.572/RJ). Noticiante: Diego Mesquita Jaques (Advogado: Diego Mesquita Jaques – OAB: 38.003/PE). Impugnado: Luiz Inácio Lula da Silva (Advogados: Fernando Haddad – OAB: 88022/SP e outros). Noticiado: Luiz Inácio Lula da Silva (Advogados: Fernando Haddad – OAB: 88022/SP e outros).

Usaram da palavra, pelos impugnantes Partido Novo (NOVO) – Nacional e outro, a Dra. Marilda de Paula Silveira; pela impugnante Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos, o Dr. Tiago Ayres; pela impugnante Procuradoria-Geral Eleitoral, a Dra. Raquel Dodge; pelo impugnado, Luiz Inácio Lula da Silva, a Dra. Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro e o Dr. Luiz Fernando Casagrande Pereira.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedentes as impugnações apresentadas pela Procuradoria-Geral Eleitoral, pelo Partido Novo (NOVO) – Nacional, por Kim Patroca Kataguiri, pela Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos, por Wellington Corsino do Nascimento e por Marco Vinícius Pereira de Carvalho e parcialmente procedente a impugnação apresentada por Alexandre Frota de Andrade, declarou a inelegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva, com base no artigo 1º, inciso I, alínea e, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/1990, e indeferiu o pedido de registro de candidatura ao cargo de Presidente da República. Além disso, facultou à Coligação O Povo Feliz de Novo a substituição de Luiz Inácio Lula da Silva, no prazo de dez dias; vedou a prática de atos de campanha do candidato com pedido de registro indeferido, em especial a veiculação de propaganda eleitoral relativa à campanha presidencial no rádio e na televisão; determinou a retirada do nome de Luiz Inácio Lula da Silva da programação da urna eletrônica; por fim, julgou prejudicada a tutela de evidência requerida pelo Partido Novo (NOVO) – Nacional.

Votaram com o relator os Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Vencido, em parte, o Ministro Edson Fachin, que votou pelo deferimento do pedido do registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, considerada a medida cautelar deferida pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.

 Vencida, também em parte, a Ministra Rosa Weber (presidente), que votou pelo indeferimento do pedido de registro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, assegurando, todavia, a realização de todos os atos de campanha e a inserção do nome na programação da urna eletrônica. Acórdão publicado em sessão.

Composição: Ministra Rosa Weber (presidente), Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Procuradora-Geral Eleitoral: Raquel Dodge.

 

SESSÃO DE 1º.9.2018. *



 

 

 

 

 

 

* Sem revisão das notas de julgamento do Ministro Jorge Mussi e da Procuradora-Geral Eleitoral, Raquel Dodge.