TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
ACÓRDÃO
CONSULTA (11551) 0604054-58.2017.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relator: Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Consulente: Maria de Fátima Bezerra
Advogados: Jonatas Moreth Mariano - OAB: 29446/DF e outros
CONSULTA. REQUISITOS. LEGITIMIDADE. SENADORA. EXAME. EXPRESSÃO “CADA SEXO”. REFERÊNCIA. TRANSGÊNEROS. OMISSÃO LEGISLATIVA. NOME SOCIAL. CADASTRO ELEITORAL. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. IGUALDADE. NÃO DISCRIMINAÇÃO. INTIMIDADE. DIREITO À FELICIDADE. BEM-ESTAR OBJETIVO. VALORES DE JUSTIÇA. FINS SOCIAIS. EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM. COTAS FEMININA E MASCULINA. CONTABILIZAÇÃO. PERCENTUAIS. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. NOME COMPLETO. ART. 12, CAPUT, DA LEI DAS ELEIÇÕES. NOME CIVIL. DETERMINAÇÃO. NOME SOCIAL. URNAS ELETRÔNICAS. POSSIBILIDADE. EXPRESSÃO “NÃO ESTABELEÇA DÚVIDA QUANTO À SUA IDENTIDADE”. CANDIDATURAS PROPORCIONAIS E MAJORITÁRIAS. IDÊNTICOS REQUISITOS. ART. 11 DA LEI DAS ELEIÇÕES.
I. Cabimento
1. É cabível consulta formulada em tese, sobre matéria eleitoral (pertinência temática), por Senadora da República (autoridade com jurisdição federal), estando preenchidos, portanto, os requisitos exigidos pelo art. 23, XII, do CE.
II. Premissas teóricas
1. Malgrado inexista menção ao sexo feminino no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, é evidente tratar-se de ação afirmativa que visa à superação do déficit democrático oriundo da sub-representação das mulheres nas casas legislativas, o que não guarda nenhuma incompatibilidade com o reconhecimento dos direitos dos(as) candidatos(as) a serem computados nas cotas feminina ou masculina, de acordo com sua identidade de gênero.
2. O cerne das questões ora apresentadas denota a lacuna do mencionado dispositivo legal, porquanto a expressão “cada sexo” não contempla a diversidade de gênero com seus marcadores sociais singulares e diferenciados. Com efeito, a construção do gênero representa fenômeno sociocultural que exige abordagem multidisciplinar a fim de conformar uma realidade ainda impregnada por preconceitos e estereótipos – geralmente de caráter moral e religioso – aos valores e às garantias constitucionais. É imperioso, pois, avançar e adotar medidas que denotem respeito à diversidade, ao pluralismo, à subjetividade e à individualidade como expressões do postulado supremo da dignidade da pessoa humana. Ademais, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consiste em “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, nos termos do art. 3º, IV, da Carta Magna.
3. Conquanto o princípio da imutabilidade do nome venha sendo mitigado pela jurisprudência do STF e do STJ, as retificações que impliquem alteração do nome civil só podem ser efetivadas por meio de decisão judicial. Cabe a esta Justiça especializada, nos limites de suas atribuições e competências, adotar as providências necessárias para que o exercício do sufrágio seja consentâneo e sensível às questões de gênero ora examinadas.
III. Com base nesses fundamentos, adotam-se as seguintes orientações para as questões veiculadas na presente Consulta
1. A expressão “cada sexo” mencionada no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 refere-se ao gênero, e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina. Para tanto, devem figurar como tal nos requerimentos de alistamento eleitoral, nos termos estabelecidos pelo art. 91, caput, da Lei das Eleições, haja vista que a verificação do gênero para o efeito de registro de candidatura deverá atender aos requisitos previstos na Res.-TSE nº 21.538/2003 e demais normas de regência.
2. A expressão contida no art. 12, caput, da Lei nº 9.504/97, de que o candidato deve “indicar seu nome completo” no pedido de registro candidatura, refere-se ao nome civil, constante do cadastro eleitoral, por ser imprescindível ao exame das certidões negativas exigidas no pedido de registro de candidatura, o qual deverá ser restrito ao âmbito interno da Justiça Eleitoral, enquanto o nome social deverá ser utilizado nas divulgações públicas.
3. É possível o uso exclusivo do nome social nas urnas eletrônicas, observados os parâmetros do art. 12 da Lei nº 9.504/97, que permite o registro do “prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente”.
4. A expressão “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade”, prevista no caput do art. 12 da Lei nº 9.504/97, refere-se à identificação do(a) candidato(a) conforme seja conhecido(a), inclusive quanto à identidade de gênero.
5. O nome social poderá ser utilizado tanto nas candidaturas proporcionais como nas majoritárias, haja vista que o art. 11 da Lei nº 9.504/97, ao estabelecer o rol de dados e documentos que devem instruir o pedido de registro, não faz nenhuma distinção nesse sentido.
6. Acolhe-se a manifestação da Assessoria Consultiva no sentido de que a autodeclaração de gênero deve ser manifestada por ocasião do alistamento eleitoral ou da atualização dos dados do cadastro eleitoral, ou seja, até cento e cinquenta dias à data das eleições, nos termos do art. 91, caput, da Lei nº 9.504/97, razão pela qual se propõe a edição de regras específicas sobre o tema que disponham, igualmente, sobre a adoção de um novo modelo de título eleitoral no qual possa constar o nome social, sem prejuízo do nome civil do eleitor.
7. Consulta conhecida.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em conhecer e responder à consulta, nos termos do voto do relator.
Brasília, 1º de março de 2018.
MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO – RELATOR
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO: Senhor Presidente, trata-se de consulta formulada por Maria de Fátima Bezerra, Senadora da República (ID nº 158469), cuja matéria de fundo reside em saber se a expressão “cada sexo” contida no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 se refere ao sexo biológico (macho/fêmea) ou ao gênero (homem/mulher), para então indagar se os homens e as mulheres transexuais devem ser contabilizados nas respectivas cotas – feminina e masculina –, cujos percentuais se encontram estabelecidos no mencionado dispositivo legal. Para fundamentar os seus questionamentos, acosta parecer da lavra de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (ID nº158471).
Após suscitar essa questão, a consulente invoca o disposto no art. 12 da Lei das Eleições para ressaltar a situação dos homens e das mulheres transexuais que não promoveram, pela via judicial, a retificação do seu registro civil, e que têm os seus documentos emitidos conforme o sexo biológico em detrimento da real identidade de gênero. Pondera que tais pessoas sofrem constrangimento ao concorrerem a cargos eletivos por serem “obrigadas a indicar ‘seu nome completo’ no registro de candidatura que será levado ao público através do DivulgaCand”.
Assevera que, nos termos do parecer que acompanha a exordial, o nome social é equiparado ao apelido público notório – cuja definição é dada pela Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) –, razão pela qual, “enquanto as pessoas trans não conseguem retificar seu registro civil perante o Judiciário, devem ter seus nomes sociais respeitados socialmente”. Consoante alega, a Justiça Eleitoral deve reconhecê-los por analogia à proteção legal aos pseudônimos, nos termos do art. 19 do Código Civil1.
Ao final, sintetiza sua consulta nos seguintes termos (ID 144881):
A expressão “cada sexo” contida no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições se refere ao sexo biológico ou ao gênero? Homens e mulheres trans devem ser contabilizados nas cotas respectivas, feminina e masculina?
A determinação de que o candidato deve “indicar seu nome completo”, contida no art. 12, caput, da Lei das Eleições, no pedido de candidatura se refere ao nome social ou ao nome civil? É lícito que os(as) candidatos(as) indiquem somente seus nomes sociais, se fizerem prova que as certidões referem a eles próprios?
Caso as pessoas trans devam indicar seu nome civil, é possível que sejam indicadas, nas urnas eletrônicas e demais cadastros eleitorais, apenas por seus nomes sociais?
A expressão contida na mesma norma “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade” aplica-se à identidade de gênero, enquanto especificação do direito de personalidade à identidade pessoal?
O uso dos nomes sociais, mesmo equiparados aos “apelidos” a que se refere a norma do art. 12 da Lei das Eleições, se restringe às candidaturas proporcionais ou aplica-se às candidaturas majoritárias?
Mediante parecer, a Assessoria Consultiva deste Tribunal (Assec) apresenta as seguintes considerações:
a) o entendimento adotado pelo TSE, segundo o qual os percentuais de gênero para o preenchimento de vagas (mínimo e máximo) devem ser obrigatoriamente obedecidos pelos partidos e coligações – sob pena de indeferimento do DRAP e, consequentemente, de todos os respectivos registros de candidatura –, está alinhado ao escopo da norma prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, o qual visa promover a participação feminina no cenário político-partidário nacional;
b) a solução para as questões tratadas nos autos incide “no princípio da legalidade e nas regras postas, que prescrevem sobre registro civil, alistamento eleitoral, registro de candidatura e procedimentos daí decorrentes”;
c) o art. 5º, I, da Constituição da República traz a essência do sistema democrático, que se traduz na garantia de tratamento isonômico para o exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos, independente de gênero, raça ou religião. Além disso, os arts. 3º e 4º do Código Eleitoral asseguram o direito do cidadão de eleger e de ser eleito, observada a capacidade eleitoral ativa e passiva;
d) a interpretação sistemática de artigos da Lei nº 6.015/73 (que dispõe sobre os registros públicos) permite concluir “que o nome civil é indissociável do indivíduo, desde o seu nascimento até a morte, somente podendo ser alterado excepcional e motivadamente, por decisão judicial”; outrossim que as informações que nortearão o processo de alistamento eleitoral, regulamentado pelo TSE por meio da Res.-TSE nº 21.538/2003, procedem dos assentamentos do registro civil;
e) a jurisprudência está se firmando no sentido de possibilitar “ao transexual a alteração do prenome no cartório de registro civil”, mas há “divergência de entendimento no pertinente à mudança de gênero nos assentamentos civis, considerando a necessidade, ou não, de realização de cirurgia de adequação sexual”; e
f) a “autodeclaração de gênero deve ser manifestada por ocasião do alistamento eleitoral ou da atualização dos dados do cadastro eleitoral, ou seja, até cento e cinquenta dias à data das eleições, nos moldes estabelecidos no art. 91, caput, da Lei nº 9.504/97”.
Em seguida, a Assec opina sobre as indagações propostas, nos termos reproduzidos ao longo deste voto e, ao final, sugere que haja previsão mínima em norma específica do TSE que anteveja a inclusão de nome social do(a) eleitor(a) no cadastro eleitoral desta Justiça especializada.
Em sua manifestação, o Ministério Público Eleitoral vislumbra, inicialmente, dubiedade terminológica na segunda parte da consulta – em relação ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.507/97 – pois os termos “homens trans” e “mulheres trans” incluídos no questionamento não esclarecem se, nessas condições, o homem e a mulher são o ponto de partida ou de destino na transição de gênero.
Em seguida, opina sobre cada uma das questões veiculadas na consulta.
É o relatório.
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1. Código Civil
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
VOTO
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Senhor Presidente, a consulta versa sobre temas extremamente sensíveis à máxima efetividade dos direitos políticos e, devido à sua natureza, devem ser examinados à luz do princípio supremo da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a par da cidadania, consoante positivado no art. 1º, II e III, da CF2.
A consulta pode ser conhecida, pois foi formulada em tese, sobre matéria eleitoral (pertinência temática), por Senadora da República (autoridade com jurisdição federal), estando presentes, portanto, os requisitos exigidos pelo art. 23, XII, do CE3.
Quanto ao seu teor, as 5 (cinco) indagações envolvem, basicamente, a interpretação de dois dispositivos da Lei nº 9.504/97, a saber: o art.10, § 3º, que disciplina os percentuais de gênero que devem ser observados nos processos de registro de candidatura, as chamadas “cotas de gênero”, e o art. 12, que dispõe sobre a indicação do nome e as variações nominais com as quais o candidato deseja ser registrado, ou seja, o nome que constará da urna eletrônica.
Além de sua indiscutível densidade social e jurídica, esses temas ganham especial relevo com a proximidade das eleições gerais de 2018, pois a orientação adotada pelo TSE indicará balizas na apresentação e no exame, por todos os tribunais eleitorais, dos formulários DRAP (Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários) e RRCI (Requerimento de Registro de Candidatura Individual) por ocasião dos pedidos de registro de candidatura.
Examino, individualmente, cada um dos questionamentos.
1. A expressão “cada sexo” contida no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 se refere ao sexo biológico ou ao gênero? Homens e mulheres trans devem ser contabilizados nas cotas respectivas, feminina e masculina?
A essa primeira indagação, a Assec sugeriu a seguinte resposta:
1. A expressão “cada sexo” contida no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 refere-se ao gênero. Homens e mulheres trans poderão ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina, desde que assim figurem nos registros do alistamento eleitoral. A verificação do gênero para fins de candidatura deverá atender aos requisitos previstos para o alistamento eleitoral, constantes da Resolução nº 21.538/2003 (art. 13 e seguintes), uma vez que não compete ao juiz eleitoral exercer esse juízo, mormente por ocasião do registro de candidatura.
O MPE também entende que a expressão “cada sexo” deve ser interpretada em função do gênero, e não do sexo biológico, haja vista que “a teleologia do dispositivo legal e a pluralidade nas categorias indicam ocorrência de lapsus linguae”. Por conseguinte, homens transgêneros, a exemplo de homens cisgêneros, devem ser contabilizados na cota masculina, e mulheres transgêneros (incluindo as travestis que se reconheçam como mulheres), tanto quanto as cisgêneros, na cota feminina.
Salienta, ainda, não haver ofensa ao princípio da isonomia quando se compara os homens trans às mulheres trans – às quais estaria assegurada a participação nas cotas femininas – por se sobreporem as formas de opressão às mulheres trans, haja vista a discriminação que ambos sofrem em razão das respectivas transgeneridades.
Estabeleço algumas premissas teóricas que irão nortear as soluções vislumbradas em meu voto.
1.1 Finalidade da norma prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97: superação do déficit democrático oriundo da sub-representação feminina nas Casas Legislativas:
O equacionamento dos pontos suscitados passa pelo revolvimento de uma questão prévia: a histórica reserva de um percentual mínimo de quotas para candidaturas de mulheres nas eleições, consabido que "o incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero (art. 5°, caput e I, da CF/88)" (Rp n° 322-55/DF, ReI. Min. Herman Benjamin, DJe de 17.3.2017).
Pela redação original do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo” (grifei).
Assim, “se um partido ou coligação poderia lançar 100 candidatos, o número máximo de candidatos homens seria de 70. As 30 vagas restantes eram reservadas às mulheres, ainda que não fossem efetivamente preenchidas”.
A Lei nº 12.034/2009 trouxe nova redação ao referido dispositivo, que passou a ter o seguinte enunciado: “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” (grifei).
Tal modificação legislativa promoveu a substituição da expressão “deverá reservar” por “preencherá”, revelando o caráter imperativo do preceito vigente e obrigando o partido ou a coligação a preencherem suas respectivas vagas em conformidade com o princípio da reserva legal, ou seja, 70% para candidaturas masculinas e 30% para candidaturas femininas, como também o inverso, 30% para homens e 70% para mulheres, desde que as quotas legalmente previstas (no mínimo e no máximo) sejam respeitadas.
É dizer, o monopólio do filtro de candidaturas conferido aos partidos políticos e às coligações impôs às siglas determinar entre os percentuais mínimo e máximo por qual sexo serão preenchidas as respectivas vagas, sob pena de indeferimento do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) e, consequentemente, de todos os registros de candidatura daquele partido ou coligação.
Conforme ressaltado pelo então Ministro Henrique Neves, “as regras aplicáveis aos pleitos eleitorais têm sido aperfeiçoadas para viabilizar e incentivar a participação igualitária de representantes de ambos os sexos, minimizando uma maioria masculina nos salões parlamentares que não condiz com os percentuais de gênero da população brasileira, majoritariamente feminina” (REspe nº 214-98/RS, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 24.6.2013).
Vários são os julgados que denotam a evolução e o amadurecimento da jurisprudência eleitoral e as efetivas ações viabilizadas por esta Justiça especializada com o fim de garantir o engajamento partidário e, consequentemente, promover e difundir maior participação feminina no cenário político nacional, mediante a fixação de percentuais mínimos de gênero. Nesse sentido: Rp nº 282-73/DF, Rel. Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJe de 23.2.2017; REspe nº 16608-92/PR, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJe de 11.11.2014; REspe nº 551-88/DF, Rel. Min.Luiz Fux, DJe de 23.10.2014; entre outros.
Malgrado inexista menção ao sexo feminino no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, é visível tratar-se de ação afirmativa para garantir um número mínimo de candidatas e revigorar a nossa democracia, já que as mulheres correspondem a mais da metade do eleitorado brasileiro, mas ainda estão sub-representadas nas casas legislativas5.
Assim, este Tribunal Superior passou a considerar essencial que, pelo menos, 30% dos candidatos a serem registrados sejam do sexo feminino, a fim de promover e induzir igualdade material, e não apenas formal no preenchimento dos cargos eletivos (Nesse sentido: REspe nº 29-39/PE, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares; DJe de 6.11.2012).
A despeito de se tratar de regra mais inovadora em relação à anterior, é imperioso reconhecer que o nosso sistema atual ainda se mostra aquém da realidade social e política do país, por não garantir idêntico tratamento às outras categorias de gênero que se apresentam no mundo inteiro, a exemplo das pessoas denominadas transexuais – que já lograram importantes conquistas no âmbito do direito civil e dos direitos fundamentais, e ainda lutam por outras tantas.
É preciso, pois, avançar, conferindo-se amplitude máxima ao regime democrático, respeitando-se a diversidade, o pluralismo, a subjetividade e a individualidade como expressão dos direitos fundamentais assegurados no texto constitucional.
1.2 Transexualidade: aspectos socioculturais, direito à identidade de gênero e tutela jurídica no âmbito da Justiça Eleitoral
O transexualismo é definido pela Organização Mundial da Saúde – OMS como o “desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico e um desejo de se submeter a tratamento hormonal e cirurgia para tornar seu corpo tão congruente quanto possível com o sexo preferido”. Ressalte-se que nem todos os indivíduos considerados transexuais optam por realizar a cirurgia de mudança de sexo.
A construção do gênero constitui fenômeno sociocultural que exige abordagem multidisciplinar a fim de conformar uma realidade ainda impregnada por preconceitos e estereótipos – geralmente de caráter moral e religioso – aos valores e às garantias constitucionais.
O cerne das questões ora apresentadas denota a insuficiência e, porque não dizer, a impropriedade da expressão “cada sexo” contida no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, considerada a identidade de gênero das pessoas transexuais que não promoveram a retificação judicial dos respectivos assentamentos civis.
Conforme observado pelo MPE, há certa ambiguidade na segunda parte da primeira indagação – que questiona se “homens e mulheres trans devem ser contabilizados nas cotas, respectivas, feminina e masculina” –, pois os termos “homens e mulheres trans” são utilizados sem esclarecer se homens e mulheres são o ponto de partida ou de destino no processo de alteração de gênero. A fim de evitá-la, serão adotadas as acepções mencionadas pelo Parquet Eleitoral, que conferiu, em seu parecer, a valorização e o respeito ao indivíduo em sua plenitude.
Assim, consideram-se homens transgêneros os que, conquanto tenham nascido com a anatomia sexual-biológica feminina, se autorreconhecem no gênero masculino; e mulheres trans as que, muito embora tenham nascido com a anatomia sexual-biológica masculina, se autorreconhecem no gênero feminino, independentemente de qualquer terapia hormonal ou de cirurgia de transgenitalização. As travestis são as pessoas que vivenciam papéis de gênero feminino e que se reconhecem ou como homem, ou como mulher, ou, ainda, como membro de um terceiro gênero ou não-gênero, desde que, em sua autodeterminação, identifiquem-se com o gênero feminino. Já os cisgêneros seriam os que possuem uma identidade de gênero correspondente ao sexo biológico.
Com efeito, as pessoas transgêneros estão socialmente entendidas dentro do conjunto de indivíduos reunidos sob a sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros), a qual engloba marcadores sociais singulares e diferenciados. Isso sem citar a sigla “I” da sigla LGBTI, que faz menção à intersexualidade – considerada esta as pessoas que possuem variações em suas características sexuais, impedindo-as de serem classificadas como pertencentes ao sexo masculino ou feminino.
No universo da diversidade sexual, fala-se, ainda, em: (i) orientação sexual para designar a capacidade da pessoa de sentir atração, seja física, emocional ou afetiva por outras de sexo diferente, seja do mesmo gênero ou não, ou até mesmo de mais de um gênero, bem como de estabelecerem relações sexuais ou íntimas com esses indivíduos. Suas categorias são divididas em heterossexuais, homossexuais e bissexuais; e (ii) identidade de gênero, cujas categorias se dividem em masculino (que sabem serem homens), feminino (que sabem serem mulheres) e não binário (expressão que designa a ambiguidade, neutralidade, falta de gênero etc).
Quanto a tais nomenclaturas, transcrevo excertos da manifestação ministerial, necessários para a melhor solução da consulta:
27. A orientação sexual refere-se à capacidade de cada pessoa ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.
28. A orientação sexual, assim, é o foco para o qual as fantasias, desejos e sentimentos amorosos ou eróticos de uma pessoa são direcionados.
29. Segundo este critério, as pessoas podem ser: heterossexuais (foco voltado para pessoas de outro gênero – masculino ou feminino), homossexuais (foco voltado para pessoas do mesmo gênero), bissexuais (foco direcionado para pessoas do mesmo ou de diverso gênero) e assexuais (pessoas sem atração por nenhum dos gêneros – masculino ou feminino).
30. De acordo com o glossário do programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual – Brasil sem Homofobia, do Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à Discriminação, a orientação sexual existe num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade.
31. A orientação sexual, porém, não se confunde com a identidade de gênero.
32. Na orientação de sexual temos três grandes categorias: heterossexuais, homossexuais e bissexuais.
33. Já na identidade de gênero há também três grandes categorias: masculino, feminino e não binário.
34. No gênero masculino estão as pessoas que sabem que são homens. No gênero feminino estão as pessoas que sabem que são mulheres. Nos não-binários se incluem todas as pessoas que sabem que não são simplesmente homens ou simplesmente mulheres. O termo “não binário” é descritivo e abarca variadas expressões de ambiguidade, neutralidade, ageneridade, multigeneridade, fluidez de gênero, outrogeneridade, etc.
35. Em conferência na Indonésia, em 2006, especialistas em Direitos Humanos de 25 diferentes países se reuniram para elaborar um documento orientador dos Estados para aplicação da legislação internacional sobre orientação sexual e diversidade de gênero. Nesse documento, conhecido como Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero, a palavra gênero é usada para se referir à “experiência interna e individual, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento”, e que não corresponde ao sexo pessoal do corpo e outras expressões de gênero, tais como vestimentas, modo de falar e maneirismos”.
36. Sexo (macho ou fêmea) é biológico. Gênero (masculino, feminino, não binário) é uma construção social. O gênero não tem forma predefinida e não há experiências obrigatórias decorrentes da anatomia do corpo humano.
37. Gênero também tem uma acepção política, pois como nos lembra Carole Pateman, falar em gênero, em vez de falar em sexo, indica que a condição das pessoas, especialmente das mulheres (!), não está determinada pela natureza, pela biologia ou pelo sexo, mas resulta de uma invenção social e política. Suas palavras esclarecedoras merecem transcrição:
Realmente, o que os homens e as mulheres são, e como as relações entre eles estão estruturadas, depende muito da importância política atribuída à masculinidade e à feminilidade. Utilizar a linguagem do gênero reforça a linguagem do civil, do público e do indivíduo, uma linguagem que depende da supressão do contrato sexual.
38. Para a autora, ao referir-se à Modernidade e ao contrato original como ideia fundante deste período, a liberdade civil não é universal, mas um atributo masculino e dependente do direito patriarcal – direito político dos homens sobre as mulheres. Trata-se, assim, de um pacto sexual-social, cuja história tem sido velada.
39. Identidade de gênero, portanto, refere-se ao gênero com o qual a pessoa se auto-identifica (masculino, feminino e não-binário), independentemente de seu sexo biológico.
40. Conforme o Decreto 8.727/2016, identidade de gênero é “dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento”.
41. Cisgêneras são as pessoas que possuem uma identidade de gênero correspondente ao sexo biológico.
42. Transgêneras ou simplesmente pessoas trans, por seu turno, são pessoas abrangidas por uma expressão “guarda-chuva”, utilizada para designar as pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente da que corresponde ao sexo biológico.
43. Sobre as pessoas transgêneras que se identificam com gênero feminino, cabe uma observação, que diz respeito ao tratamento das travestis.
44. O pensamento crítico, como dever básico para uma teoria realista e crítica dos direitos humanos, impede a diferenciação dos termos transexual e travesti a partir de critério hierarquizado aprioristicamente.
45. Sobre o pensamento crítico, ensina Herrera Flores:
Quando um grupo determinado de pessoas ou um movimento social alternativo que encaminha a ação deles em uma direção diferente à imposta pela ordem hegemônica alcançam essa posição de força que lhes permite falar em sua própria linguagem, estamos nos aproximando de algo muito importante para uma teoria crítica dos direitos humanos: o empoderamento cidadão.
46. Falar em sua própria linguagem implica evitar o uso acrítico de termos que possam traduzir discriminações e opressões.
47. Neste ponto, há quem diferencie transexuais e travestis segundo critério centrado na anatomia corporal, ao defender que transexuais são pessoas submetidas ou que gostariam de se submeter a terapias hormonais e cirurgias de mudança de sexo, enquanto travestis seriam pessoas que assumem aparência do sexo oposto, em maior ou menor grau, sem cogitarem se submeter à cirurgia.
48. Contudo, como afirma Amara Moira, adotar este critério não apenas centra o debate na anatomia dos corpos, em especial, no genital, como também estabelece uma hierarquia de identidades: de um lado, a mulher transexual de verdade, que odeia o seu genital e quer possuir o genital que as mulheres “legítimas” possuem e, de outro, a travesti, como uma mulher fetichista, depravada, já que supostamente não tem problemas com seu genital masculino.
49. Para a autora, querer pensar a diferença entre as duas identidades em termos de genital é sintoma de uma velha concepção transfóbica, que acredita que os gêneros masculino ou feminino são decorrências do genital com que a pessoa nasceu ou, agora, do que ela tem/gostaria de ter.
50. Nesta visão, a transexual é uma mulher “completa”, enquanto a travesti uma mulher “em processo”, “inacabada”.
51. Em outras palavras, é opressor, hierarquizante e violentamente invasivo condicionar o tratamento social à perquirição sobre a relação que a pessoa possui com seu genital.
52. Portanto, deve-se identificar a travesti como uma pessoa que vivencia papéis de gênero feminino e que se reconhece ou como homem, ou como mulher ou, ainda, como membro de um terceiro gênero ou não-gênero.
53. Dessa forma, o termo mulheres trans deve ser entendido como as mulheres que, não obstante tenham nascido com anatomia sexual-biológica masculina, se reconhecem no gênero feminino, independentemente de qualquer terapia hormonal ou de cirurgia de transgenitalização, critério que não exclui as travestis, desde que estas, em sua autodeterminação, se identifiquem com o gênero feminino.
- VII -
54. A categoria orientação sexual, como já dito acima, não se refere ao autorreconhecimento, mas à orientação do desejo afetivo-sexual.
55. Há homens e mulheres cisgêneros (identidade de gênero) com diversas orientações sexuais (homossexuais, heterossexuais, bissexuais e assexuais).
56. O mesmo ocorre em relação às pessoas transgêneras (identidade de gênero), que podem ter diversas orientações sexuais (homossexuais, heterossexuais, bissexuais e assexuais).
57. Portanto, à heterossexualidade ou à cisgeneridade compulsórias contrapõe-se a diversidade.
58. Em relação à primeira, a diversidade de orientação sexual abrange os homossexuais (lésbicas e gays), bissexuais, intersexuais e assexuais. Quanto à segunda, a diversidade consiste na transgeneridade e mesmo na travestilidade.
59. A diversidade é composta de grupos de pessoas que são discriminadas unicamente por conta de sua sexualidade, da sua identidade de gênero ou de sua condição sexual, em virtude do heterossexismo social ou do cissexismo.
60. Inexiste fundamento para tratamento discriminatório em relação à diversidade afetivo-sexual e de identidade de gênero, mormente quando a Constituição Federal assegura a todos a dignidade.
61. Somente assim se obtém parâmetro para as respostas à consulta formulada, observadas, apenas, eventuais especificidades e a tutela de outros interesses com igual hierarquia constitucional.
É cediço que as pessoas que têm a vivência do sexo discordante do gênero costumam ser vítimas de preconceitos e discriminações. Vários aspectos das violências relativas a gênero e orientação sexual já foram, inclusive, objeto de preocupação expressada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que, ao aprovar, durante a 17ª Sessão, a Resolução nº 17/19, intitulada Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, solicitou ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) estudo sobre o alcance e a extensão de práticas discriminatórias contra indivíduos com base em sua orientação sexual e identidade de gênero, bem como as medidas necessárias para resolvê-las.
A pesquisa solicitada foi apresentada em dezembro de 2011 e relatou medidas exigidas pelo direito internacional aos Estados para salvaguardar os direitos das pessoas LGBT6, a saber:
Proteger os indivíduos de violência homofóbica e transfóbica e prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante. Promulgar leis contra crimes de ódio que desencorajem a violência contra indivíduos com base na orientação sexual. Criar sistemas eficazes para relatar atos de violência motivados pelo ódio, incluindo a investigação destes crimes e o julgamento de seus autores, levando os responsáveis à justiça. Oferecer treinamento para policiais e monitorar os locais de detenção e fornecer um sistema de compensação para as vítimas. Além disso, leis e políticas de asilo deveriam reconhecer que a perseguição com base na orientação sexual pode ser uma base válida para um pedido de asilo.
Revogar leis que criminalizam a homossexualidade, incluindo toda a legislação que criminaliza a conduta sexual privada entre adultos. Certificar-se de que indivíduos não sejam presos ou detidos com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero e que não estejam sujeitos a qualquer tipo de exames físicos degradantes destinados a determinar sua orientação sexual.
Proibir a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero. Promulgar legislação que proíba a discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero. Educar as pessoas, para evitar a discriminação e estigmatização de pessoas LGBT e intersexuais.
Garantir as liberdades de expressão, associação e reunião pacífica para todas as pessoas LGBT e garantir que qualquer restrição a esses direitos – mesmo quando tais restrições pretendam servir a um propósito legítimo e sejam razoáveis e proporcionais – não seja discriminatória em razão da orientação sexual e identidade de gênero. Promover uma cultura de igualdade e diversidade que englobe o respeito aos direitos das pessoas LGBT.
Vale ressaltar que, recentemente, em 19.2.2018, o e. Ministro Luís Roberto Barroso concedeu habeas corpus de ofício7 para determinar a transferência de duas detentas que se autorreconhecem como travestis – presas em penitenciária masculina de Presidente Prudente/SP, desde dezembro de 2016 –, para um estabelecimento prisional feminino compatível com suas identidades de gênero, haja vista que, na medida de habeas corpus solicitada, relataram agressões psicológicas e corporais na prisão em que se encontravam.
Pois bem. O fundamento da matéria em análise converge com o que foi apreciado na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132/RJ (Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJe de 5.5.2011), bem como no Recurso Extraordinário nº 670422, inscrito como Tema nº 761 da Gestão da Repercussão Geral, colhida do site do Supremo Tribunal Federal com a seguinte descrição: possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual – como masculino ou feminino – mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. Vejamos.
Na ADPF nº 132/RJ – ao tratar da união homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico –, o STF dispôs, expressamente, sobre a proibição de discriminar as pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher, seja no plano da orientação sexual de cada um deles. Assentou existir lacuna normativa que precisa ser preenchida pelo legislador para contemplar a situação de todas as pessoas, independentemente da orientação sexual em que se autorreconhecem, haja vista que “todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a própria natureza, qualificada pela nossa Constituição como autonomia de vontade. Iguais para suportar deveres, ônus e obrigações de caráter jurídico-positivo, iguais para titularizar direitos, bônus e interesses também juridicamente positivados” (ADPF nº 132/RJ, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJe de 14.10.2011 – grifei).
Por oportuno, reproduzo excertos do referido julgado:
25. [...] o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. É como dizer: o que se tem no dispositivo constitucional aqui reproduzido em nota de rodapé (inciso IV do art. 3º) é a explícita vedação de tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos. Tratamento discriminatório ou desigualitário sem causa que, se intentado pelo comum das pessoas ou pelo próprio Estado, passa a colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos” (este o explícito objetivo que se lê no inciso em foco).
26. “Bem de todos”, portanto, constitucionalmente versado como uma situação jurídica ativa a que se chega pela eliminação do preconceito de sexo. Se se prefere, “bem de todos” enquanto valor objetivamente posto pela Constituição para dar sentido e propósito ainda mais adensados à vida de cada ser humano em particular, com reflexos positivos no equilíbrio da sociedade. O que já nos remete para o preâmbulo da nossa Lei Fundamental, consagrador do “Constitucionalismo fraternal” sobre que discorro no capítulo de nº VI da obra “Teoria da Constituição”, Editora Saraiva, 2003. Tipo de constitucionalismo, esse, o fraternal, que se volta para a integração comunitária das pessoas (não exatamente para a “inclusão social”), a se viabilizar pela imperiosa adoção de políticas públicas afirmativas da fundamental igualdade civil-moral (mais do que simplesmente econômico-social) dos estratos sociais historicamente desfavorecidos e até vilipendiados. Estratos ou segmentos sociais como, por ilustração, o dos negros, o dos índios, o das mulheres, o dos portadores de deficiência física e/ou mental e o daqueles que, mais recentemente, deixaram de ser referidos como “homossexuais” para ser identificados pelo nome de “homoafetivos”.
[...]
28. Há mais o que dizer desse emblemático inciso IV do art. 3º da Lei Fundamental brasileira. É que, na sua categórica vedação ao preconceito, ele nivela o sexo à origem social e geográfica da pessoas, à idade, à raça e à cor da pele de cada qual; isto é, o sexo a se constituir num dado empírico que nada tem a ver com o merecimento ou o desmerecimento inato das pessoas, pois não se é mais digno ou menos digno pelo fato de se ter nascido mulher, ou homem. Ou nordestino, ou sulista. Ou de pele negra, ou mulata, ou morena, ou branca, ou avermelhada. Cuida-se, isto sim, de algo já alocado nas tramas do acaso ou das coisas que só dependem da química da própria Natureza, ao menos no presente estágio da Ciência e da Tecnologia humanas.
29. Ora, como essa diferente conformação anatomo-fisiológica entre o homem e a mulher se revela, usualmente, a partir dos respectivos órgãos genitais (o critério biológico tem sido esse), cada qual desses órgãos de elementar diferenciação entre partes passou a também se chamar, coloquialmente, de “sexo”. O órgão a tomar o nome do ser em que anatomicamente incrustado. Mas “sexo” ou “aparelho sexual” como signo linguístico de um sistema de órgãos cumpridores das elementares funções de estimulação erótica, conjunção carnal e reprodução biológica. Três funções congênitas, como sabido, e que, por isso mesmo, prescindentes de livros, escola, cultura ou até mesmo treinamento para o seu concreto desempenho. Donde sua imediata definição, não propriamente como categoria mental ou exclusiva revelação de sentimento, mas como realidade também situada nos domínios do instinto e não raro com a prevalência dele, instinto, no ponto de partida das relações afetivas. “Instinto sexual ou libido”, como prosaicamente falado, a retratar o fato da indissociabilidade ou unidade incindível entre o aparelho genital da pessoa humana e essa pessoa mesma. Ficando de fora da expressão, claro, as funções meramente mecânicas de atendimento às necessidades ditas “fisiológicas” de todo indivíduo.
[...]
31. Realmente, em tema do concreto uso do sexo nas três citadas funções de estimulação erótica, conjunção carnal e reprodução biológica, a Constituição brasileira opera por um intencional silêncio. Que já é um modo de atuar mediante o saque da kelseniana norma geral negativa, segundo a qual “tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido” (regra de clausura ou fechamento hermético do Direito, que a nossa Constituição houve por bem positivar no inciso II do seu art. 5º, debaixo da altissonante fórmula verbal de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, e que me parece consagradora do que se poderia chamar de direito de não ter dever). É falar: a Constituição Federal não dispõe, por modo expresso, acerca das três clássicas modalidades do concreto emprego do aparelho sexual humano. Não se refere explicitamente à subjetividade das pessoas para optar pelo não-uso puro e simples do seu aparelho genital (absenteísmo sexual ou voto de castidade), para usá-lo solitariamente (onanismo), ou, por fim, para utilizá-lo por modo emparceirado. Logo, a Constituição entrega o empírico desempenho de tais funções sexuais ao livre arbítrio de cada pessoa, pois o silêncio normativo, aqui, atua como absoluto respeito a algo que, nos animais em geral e nos seres humanos em particular, se define como instintivo ou da própria natureza das coisas. Embutida nesse modo instintivo de ser a “preferência” ou “orientação” de cada qual das pessoas naturais. Evidente! Como se dá, já de forma até mesmo literal, com ordenamentos jurídicos da Comunidade Européia. O que também se lê em Constituições como a do Estado de Sergipe e do Mato Grosso, aqui mesmo em nosso País, que também por modo textual vedam o preconceito contra a “orientação” sexual alheia. Que não tem nada a ver − repita-se à exaustão - com a maior ou menor dignidade dos seres humanos.
32. Noutra maneira de falar sobre o mesmo tema, tanto nos mencionados países quanto aqui na Terra Brasilis pós-Constituição de 1988, o sexo das pessoas é um todo pró-indiviso, por alcançar o ser e o respectivo aparelho genital. Sem a menor possibilidade de dissociação entre o órgão e a pessoa natural em que sediado. Pelo que proibir a discriminação em razão do sexo (como faz o inciso III do art. 1º da nossa Constituição Republicana) é proteger o homem e a mulher como um todo psicossomático e espiritual que abarca a dimensão sexual de cada qual deles. Por conseguinte, cuida-se de proteção constitucional que faz da livre disposição da sexualidade do indivíduo um autonomizado instituto jurídico. Um tipo de liberdade que é, em si e por si, um autêntico bem de personalidade. Um dado elementar da criatura humana em sua intrínseca dignidade de universo à parte. Algo já transposto ou catapultado para a inviolável esfera da autonomia de vontade do indivíduo, na medida em que sentido e praticado como elemento da compostura anímica e psicofísica (volta-se a dizer) do ser humano em busca de sua plenitude existencial. Que termina sendo uma busca de si mesmo, na luminosa trilha do “Torna-te quem és”, tão bem teoricamente explorada por Friedrich Nietzsche. Uma busca da irrepetível identidade individual que, transposta para o plano da aventura humana como um todo, levou Hegel a sentenciar que a evolução do espírito do tempo se define como um caminhar na direção do aperfeiçoamento de si mesmo (cito de memória). Afinal, a sexualidade, no seu notório transitar do prazer puramente físico para os colmos olímpicos da extasia amorosa, se põe como um plus ou superávit de vida. Não enquanto um minus ou déficit existencial. Corresponde a um ganho, um bônus, um regalo da natureza, e não a uma subtração, um ônus, um peso ou estorvo, menos ainda a uma reprimenda dos deuses em estado de fúria ou de alucinada retaliação perante o gênero humano. No particular, as barreiras artificial e raivosamente erguidas contra ele (sexo ou aparelho sexual) corresponde a um derramamento de bílis que só faz embaraçar os nossos neurônios. Barreiras que se põem como pequenez mental dos homens, e não como exigência dos deuses do Olimpo, menos ainda da natureza. O que, por certo, inspirou Jung (Carl Gustav) a enunciar que “A homossexualidade, porém, é entendida não como anomalia patológica, mas como identidade psíquica e, portanto, como equilíbrio específico que o sujeito encontra no seu processo de individuação”. Como que antecipando um dos conteúdos do preâmbulo da nossa Constituição, precisamente aquele que insere “a liberdade” e “a igualdade” na lista dos “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)”.
33. Nesse fluxo de interpretação constitucional das coisas, vê-se que estamos a lidar com normas que não distinguem a espécie feminina da espécie masculina, como não excluem qualquer das modalidades do concreto uso da sexualidade de cada pessoa natural. [...]
34. Óbvio que, nessa altaneira posição de direito fundamental e bem de personalidade, a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do art. 1º da CF), e, assim, poderoso fator de afirmação e elevação pessoal. [...]
35. [...] Consignado que a nossa Constituição vedou às expressas o preconceito em razão do sexo e intencionalmente nem obrigou nem proibiu o concreto uso da sexualidade humana, o que se tem como resultado dessa conjugada técnica de normação é o reconhecimento de que tal uso faz parte da autonomia de vontade das pessoas naturais, constituindo-se em direito subjetivo ou situação jurídica ativa. Direito potestativo que se perfila ao lado das clássicas liberdades individuais que se impõem ao respeito do Estado e da sociedade (liberdade de pensamento, de locomoção, de informação, de trabalho, de expressão artística, intelectual, científica e de comunicação, etc). Mais ainda, liberdade que se concretiza:
I - sob a forma de direito à intimidade, se visualizada pelo prisma da abstenção, ou, então, do solitário desfrute (onanismo);
II – sob a forma de direito à privacidade, se a visualização já ocorrer pelo ângulo do intercurso ou emparceirado desfrute (plano da intersubjetividade, por conseguinte).
36. Não pode ser diferente, porque nada mais íntimo e mais privado para os indivíduos do que a prática da sua própria sexualidade. Implicando o silêncio normativo da nossa Lei Maior, quanto a essa prática, um lógico encaixe do livre uso da sexualidade humana nos escaninhos jurídico-fundamentais da intimidade e da privacidade das pessoas naturais. Tal como sobre essas duas figuras de direito dispõe a parte inicial do art. 10 da Constituição, verbis: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Com o aporte da regra da auto-aplicabilidade possível das normas consubstanciadoras dos direitos e garantias fundamentais, a teor do § 1º do art. 5º da nossa Lei Maior, assim redigido: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”.
37. Daqui se deduz que a liberdade sexual do ser humano somente deixaria de se inscrever no âmbito de incidência desses últimos dispositivos constitucionais (inciso X e §1º do art. 5º), se houvesse enunciação igualmente constitucional em sentido diverso. Coisa que não existe. (Grifei)
No supramencionado RE nº 670.422 (pendente de julgamento, dado o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio de Mello após o voto proferido pelo e. relator, Ministro Dias Toffoli, que deu provimento ao apelo em 22.11.2017), o e. relator assentou, entre outros aspectos, que a transexualidade não é mais considerada pelos cientistas em geral ou pela American Psychiatric Association (APA) como um transtorno mental, mas sim como uma situação em que determinada pessoa com o sexo feminino, por exemplo, sente-se homem, ou vice-versa.
Consoante ressaltado pelo e. Ministro Dias Toffoli, após ser reconhecida a necessidade de proteger o direito do transexual pelo Estado brasileiro, a Resolução nº 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina8 autorizou a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva das genitálias externa e interna e dos caracteres sexuais secundários, alcançando-se para a produção tanto dos órgãos sexuais femininos (neocolpovulvoplastia) como dos masculinos (neofaloplastia).
Tal processo também foi previsto no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), mediante a Portaria MS nº 1.707/2008, que foi revogada pela Portaria nº 2.803/2013, a qual “redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Em conclusão, Sua Excelência consignou que a pessoa não submetida a cirurgia tanto pode modificar o seu nome como também ter sua designação de gênero alterada no registro civil, realçando, ainda, que essa situação deve ser incluída nos demais documentos públicos, in verbis:
1) O transexual, comprovada judicialmente sua condição, tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, independentemente da realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo.
2) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, com a anotação de que o ato é realizado “por determinação judicial”, vedada a inclusão do termo ‘transexual’.
3) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial.
4) a autoridade judiciária determinará, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos. (Grifei)
Ressalte-se que, sob o fundamento da proteção à dignidade da pessoa humana, os transexuais que fizeram opção por mudança de sexo já lograram êxito no âmbito do STJ quanto ao reconhecimento, mediante autorização judicial, do direito de modificar tanto o prenome – substituindo-o por apelido público e notório pelo qual são conhecidos –, como a sua categoria sexual, adequando-a à sua nova condição física, consoante assentado no REsp nº 678.933/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, julgado em 22.3.2007:
Mudança de sexo. Averbação no registro civil.
1. O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar no seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada.
Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito.
2. Recurso especial conhecido e provido.9
Malgrado a importância do assunto na Suprema Corte, as indagações propostas nestes autos independem da elucidação do tema, pois no TSE se busca favorecer e incentivar a participação político-partidária dos cidadãos transexuais, respeitando-se a sua individualidade e evitando constrangimentos que atentem contra sua dignidade.
Inevitável, nesta Justiça especializada, a busca, de forma objetiva, da definição de identidade de gênero para fins de exercício dos direitos políticos, especialmente no que toca às condições de elegibilidade previstas no art. 14, § 3º, da CF. Como bem pontuado pelo Parquet Eleitoral, “nada mais inseguro que um registro estatal não compatível com a apresentação social de um indivíduo. E isso não se resolve com a interdição à autodeterminação humana e, portanto, à dignidade das pessoas. Resolve-se quer com a atualização dos registros, quer com o incremento tecnológico dos meios de individualização e identificação de pessoas”.
Que fique claro, no entanto, que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto já mitigado pela jurisprudência do STF e do STJ, só pode ser afastado por meio de decisão judicial, não cabendo à Justiça Eleitoral substituir-se ao juízo competente no que toca à alteração dos registros civis e demais assentamentos públicos do cidadão.
Cabe a esta Justiça especializada, enquanto gestora do Cadastro Nacional de Eleitores e das eleições brasileiras, adotar as providências necessárias para que o exercício do sufrágio seja consentâneo e sensível às questões de gênero ora apresentadas, sem desbordar os limites de suas atribuições e competências.
Pois bem. Em seu primeiro questionamento, a consulente indaga: “a expressão “cada sexo” contida no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições se refere ao sexo biológico ou ao gênero? Homens e mulheres trans devem ser contabilizados nas cotas respectivas, feminina e masculina?”.
A omissão do legislador quanto a um grupo significativo de pessoas, a proteção à identidade de gênero, envolve a ponderação de diversos princípios gerais do Direito – notadamente o da dignidade da pessoa humana, do pluralismo, da igualdade, da felicidade, da intimidade e da liberdade – e dos valores de justiça, além de demandar que os fins sociais e as exigências do bem comum sejam atendidos, conforme previsto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro10.
Conquanto a razoabilidade e a proporcionalidade sejam pautas de aplicação do direito de que o magistrado se serve no momento de prolatar uma decisão, “a chamada ponderação entre princípios coloca-nos amiúde em situações de absoluta insegurança, incerteza [...]. A recente exposição de Habermas [2012:142] a respeito da ideia de dignidade da pessoa humana como dobradiça que liga o conteúdo universalista igualitário da moral ao direito positivo diz o suficiente, em situação perfeita”11.
Michelle Carducci, em sua obra Por um Direito Constitucional Altruísta, ao trazer subsídios que, de alguma forma, nos levam a refletir sobre a (re)construção de um projeto de civilização contido na vertente constitucional do Estado, afirma ser necessária “uma análise antropológica comparativa, ou de uma investigação intercultural, que nos restitua uma imagem articulada e diferenciada da modernidade, dos conflitos entre culturas opostas e dos condicionamentos mútuos que são produzidos nesta modernidade, na tentativa de conciliar princípios antagônicos como o individualismo e o holismo, entre os valores universalistas do primeiro e os valores tradicionais ou autóctones do segundo”12.
Em outras palavras, é imprescindível que uma cultura específica se adapte à modernidade a fim de construir representações que a justifiquem, diante de si mesma, quando comparada à cultura dominante.
O autor apresenta, ainda, o pensamento de L. Dumont, segundo a qual “essas novas representações possuem duas faces, uma voltada para o interior, particularista e autojustificante, e outra voltada para a cultura dominante, universalista. E aí está o fato enorme ainda não verificado... Graças a sua face universalista, estes produtos da aculturação de uma cultura específica podem entrar na cultura dominante, na cultura mundial”13.
Tal como mencionado por Carducci, ao fazer referência a H. Jonas e U. Cerroni, a autonomia e a supremacia do indivíduo são consideradas “espécie de ‘axioma metafísico’ da modernidade, no sentido de que, no contrato social, que está na base da convivência civil e política, as obrigações assumidas são ‘recíprocas’ e ‘gerais’, sendo que ‘ninguém é escolhido para um sacrifício em particular’. Por consequência, ‘o contrato social não prevê nunca uma total negação dos interesses pessoais e, assim, o sacrifício verdadeiro permanece fora do mesmo’”. É dizer, “a ética da democracia é, a um só tempo, universalista e anti-sacrifical”14.
Na esteira dos valores supremos explicitados no preâmbulo da Constituição da República, o Estado Democrático de Direito, conhecido hodiernamente como Estado Constitucional, destina-se a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
Consabido que a dignidade da pessoa humana, por ser um princípio fundamental consagrado no artigo 1º, III, da CF15, tem por fim assegurar ao homem um mínimo de direitos que devem ser observados pela sociedade e pelo poder público, de maneira que venha a preservar a valorização do indivíduo, pois, além de fornecer parte do significado nuclear dos direitos fundamentais, “exerce a função de um princípio interpretativo, particularmente na presença de lacunas, ambiguidades e colisão entre os direitos – ou entre direitos e metas coletivas –, bem como no caso de desacordos morais”, ou seja, “tenta proporcionar um roteiro para a estruturação do raciocínio jurídico nos casos difíceis, sem a pretensão de ser capaz de suprimir ou resolver os desacordos morais”16.
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ao mencionar os ensinamentos de Peter Härble, preconiza que o constituinte, ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, reconheceu “que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não o meio da atividade estatal”. Assim, “o ponto de partida para qualquer reflexão sobre a constituição, e sobre qualquer desenvolvimento de uma Constituição liberal, seria o homem e sua dignidade”17.
Com efeito, a dignidade da pessoa humana, além de ser “um conceito multifacetado, que está presente na religião, na filosofia, na política e no direito”, constituindo um valor fundamental, também é um princípio constitucional que serve “tanto como justificativa moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais”18, e não um direito fundamental autônomo.
Álvaro Ricardo de Souza Cruz, ao tratar sobre as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência, reconhece que o princípio da dignidade da pessoa humana está em consonância com o do pluralismo, “o qual tem por pressuposto a admissão de respeito e proteção a projetos de vida distintos daqueles considerados como padrão pela maioria da sociedade”19. Conforme o autor:
A igualdade deixa seu aspecto meramente formal, assumindo uma concepção material e inovadora, permitindo a consecução da máxima: “Tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”.
[...]
A noção de igualdade deixa de se centrar no conteúdo (igualdade material) ao voltar-se para o exame dos pressupostos procedimentais que devem ser cumpridos no discurso de produção do Direito. Logo, o Constitucionalismo Contemporâneo exige o direito de igual participação do cidadão em todas as práticas estatais, sejam elas oriundas de quaisquer Poderes Constituídos.
Portanto, o direito de participar de decisões políticas, sejam elas de cunho legislativo [...] ou administrativo/judicial [...], alterou qualitativamente a noção de igualdade no paradigma do Estado Democrático de Direito.
É muito mais apropriado definir a igualdade como “tratar os indivíduos como iguais” do que tratar os indivíduos igualmente. A diferença é que Habermas radica a igualdade não no conteúdo da norma que pode ou não tratar indivíduos e situações igualmente), mas nos pressupostos que devem ser verificados no discurso que produz a norma. Ou seja, cidadãos não devem necessariamente ser iguais na forma em que são tratados pelas normas, mas devem ser iguais nos direitos e na forma efetiva em que participam do processo de elaboração da norma.
[...]
A igualdade procedimental do período contemporâneo deve ser entendida como uma igualdade aritmeticamente inclusiva para viabilizar que um número crescente de cidadãos possa simetricamente participar da produção de políticas públicas do Estado e da Sociedade.
[...]
Por conseguinte, a preocupação atual volta-se para o respeito aos direitos humanos em função das particularidades individuais e coletivas dos diferentes grupamentos humanos, os quais se distinguem por fatores tais como a origem, o sexo, a opção sexual, a raça, a idade, a sanidade, a realização, etc.
Sob essa perspectiva, o pluralismo eleva-se à condição de princípio indissociável da ideia de dignidade humana, exigindo do Estado e da Sociedade a proteção de todos os “outros”, diferentes de nós pelos aspectos acima mencionados.
Nas lições de Antônio Enrique Pérez Luño, “um dos sinais mais relevantes da atual conjuntura do sistema de direitos fundamentais no constitucionalismo democrático foi o deslocamento de seu centro de gravidade, do postulado em seu caráter unitário ao seu significado pluralista”20.
O modelo de pluralismo, tal como postulado por Peter Härble, é entendido como uma “multiplicidade de ideias e interesses, ou vice-versa, no seio de uma determinada comunidade política, dentro dos parâmetros do aqui e agora [...]. O pluralismo implica basicamente a ‘abertura’ do sistema constitucional: ‘suas teorias e doutrinas, suas interpretações e intérpretes – sobretudo em nível de direitos fundamentais –, e sua inerente dogmática jurídica, junto com seu posterior desenvolvimento”21. Tal modelo afetou diretamente os ordenamentos jurídicos, notadamente o seu sistema de fontes, situação esta que, metaforicamente, passou a ser considerada como um “transbordamento das fontes do direito”.
Consoante Pérez Luño, “a superação do âmbito de referência estatal, produto da nova ordem de relações internacionais, foi traduzida em fontes que expressam uma supraestatalidade normativa [...]. De forma paralela, produziu-se a ampliação de competências normativas por parte dos entes sociais intermediários, situados entre o cidadão e o poder estatal. Hoje, assiste-se a um fenômeno de infraestatalidade normativa manifestado no pluralismo de determinação de fontes jurídicas”22.
O autor prossegue afirmando que, “nesta nova conjuntura em que o ordenamento jurídico estatal se faz abarcado por outras instâncias normativas, aludir à inexistência de lacunas em seu seio perdeu grande parte do significado que detinha no período histórico anterior, como garantia da segurança jurídica dos cidadãos”23.
Essa tendência à abertura no procedimento jurisdicional, mais que a plenitude do ordenamento jurídico, é uma forma de garantia da tutela das liberdades, ou seja, “o plano de direitos fundamentais implica reconhecer a abertura e a proteção jurisdicional das liberdades, assim como acolher formas de participação dinâmicas e ativas por parte dos interessados nos procedimentos tendentes à formação de atos jurídicos”24.
O direito à igualdade perante a lei e na lei também está diretamente relacionado com o valor intrínseco de cada indivíduo. Nas palavras do Ministro Barroso, “isso implica na proibição de discriminação ilegítimas devido à raça, cor, etnia ou nacionalidade, sexo, idade ou capacidade mental (o direito à não discriminação) e no respeito pela diversidade cultural, linguística ou religiosa (direito ao reconhecimento) [...]. O valor intrínseco também leva a outra a outro direito fundamental, o direito à integridade física e psíquica”, que, “na Europa e em muitos países da tradição do civil law, compreende o direito à honra pessoal e à imagem, bem como à privacidade”25.
É da essência do próprio sistema democrático garantir tratamento isonômico para o exercício dos direitos fundamentais do cidadão, independentemente de gênero, raça ou religião, pois “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, segundo o disposto no art. 5º, I, da CF.
Trazendo novamente à baila as lições de Carducci, “o moderno welfare State está incorporado em uma democracia política que garante aquele espaço público-político que é a sociedade civil [...] e, ao mesmo tempo, inclui aquela dimensão intrinsecamente normativa que é a ‘cláusula anti-sacrifical’, ou seja, uma obrigação de não discriminação, que requer ‘a eliminação de todas as desvantagens que atinjam os interesses essenciais e, para os quais, quem sofre não é responsável”26.
À luz da Lei Maior, os objetivos fundamentais descritos no seu art. 3º, I a IV, visam: “I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”27.
Tais objetivos, todavia, só podem se realizar quando em harmonia com os valores fundamentais explicitados no art. 5º, caput, da CF, segundo os quais “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”28 (princípio da igualdade).
Resulta claro que o constitucionalismo, ao afirmar que “todos são iguais perante a lei”, não pretendeu que o conjunto “todos” seja constituído apenas por pessoas necessariamente iguais; ao contrário, vislumbrou não excluir ninguém, mas, sim, levar a um universo ausente de discriminação ou privilégios, em um eminente respeito ao princípio da igualdade.
A teor do parecer ministerial, “a universalidade – que de atributo se tornou ontologia do sufrágio – não tolera que uma disciplina eleitoral, como o dispositivo em que se funda a consulta, redunde em exclusão ou desconsideração de qualquer parcela do eleitoral. Qualquer exegese que apequene a dimensão do ‘todos’ é incompossível com a ordem jurídica”.
Dessa forma, “a intervenção na produção de igualdade na política, para ser adequada, não pode incidir sobre sexo, ou orientação sexual. A desigualdade entre os eleitos não é causada pelos seus sexos ou por suas orientações sexuais, mas pelos papéis, limites, barreiras e condicionantes vigentes na sociedade em função do gênero [...]. A legislação que almeja produzir igualdade, dirige-se, portanto, não ao sexo, mas à identidade de gênero”.
Observe-se que os direitos fundamentais estão intrinsecamente relacionados com o princípio democrático, haja vista que, nos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet, “a positivação e a garantia do efetivo exercício de direitos políticos (no sentido de direitos de participação e conformação do status político) podem ser considerados o fundamento nacional da ordem democrática e, neste sentido, parâmetro de sua legitimidade”29. Segundo o autor:
Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e da positivação constitucional de determinados valores básicos integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais [...] a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, de ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias [...] certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.
[...]
A liberdade de participação política do cidadão, como possibilidade de intervenção no processo decisório e, em decorrência, do exercício de efetivas atribuições inerentes à soberania (direito de voto, igual acesso aos cargos públicos etc.), constitui, a toda evidência, complemento indispensável das demais liberdades. De outra parte, a despeito dos inúmeros aspectos que ainda poderiam ser analisados sob esta rubrica, importa referir a função decisiva exercida pelos direitos fundamentais num regime democrático como garantia das minorias contra eventuais desvios de poder praticados pela maioria no poder, salientando-se, portanto, ao lado da liberdade de participação, a efetiva garantia da liberdade-autonomia. (Grifei)
O tema em debate também recebe os influxos da doutrina do direito à felicidade que, na ótica de Saul Tourinho Leal, vai além do direito à dignidade da pessoa humana. Para Tourinho, o direito à felicidade está associado, entre outros, ao direito à liberdade, aos direitos sociais e também ao pluralismo, pelo qual se protege a diversidade, como já referido. Confira-se30:
Esse direito não encontra amparo constitucional exclusivamente no princípio da dignidade da pessoa humana. Ao assegurar participação política na esfera pública, a Constituição está tratando do direito à felicidade pública. Quando fala de liberdade, ela abre espaço para o direito à busca da felicidade. Ao tratar de direitos sociais ou demais itens que trazem segurança ao indivíduo, ela formula um convite à concretização do direito ao bem-estar objetivo. Ao vedar a tortura ou tratamentos degradantes, ela afirma também que não tolera prazeres sádicos. Quando fala de pluralismo, aceita que a sociedade fica melhor com a tolerância às minorias, pois tem seus debates enriquecidos por contrapontos necessários ao avanço da humanidade. O que fica claro, portanto, é que a Constituição Federal de 1988 está repleta de poros capazes de ampliar a felicidade coletiva. É uma combinação virtuosa.
Não se pode descurar do direito à intimidade, que goza de proteção constitucional e assegura a todas as pessoas a possibilidade de estabelecerem vínculos consigo mesmas, sem a intervenção de quem quer que seja, salvo quando autorizadas. Conforme mencionado pelo MPE, “orientação sexual, expressão de gênero e sexo, estão ancorados na intimidade e expressos na dignidade. Se o legislador entende por bem tocar nesses pontos, não poderá nem violar a intimidade, nem atentar contra a dignidade”.
A identidade também é um valor que não pode ser desprezado. Com efeito, nos termos do parecer ministerial, “a identidade é expressão de liberdade e não submissão a determinação externa sobre a personalidade e a vida das pessoas” de forma que todos devem ter assegurada “a possibilidade de conhecer (e re-conhecer) com precisão quem seja a pessoa com quem travam relações”.
À luz da exegese dos dispositivos constitucionais supramencionados e da doutrina, forçoso concluir que o pleno exercício da liberdade de escolha de identidade, orientação e vida sexual pelo ser humano não pode ser restringido, ainda que potencialmente, por nenhum óbice jurídico, pois qualquer tratamento jurídico discriminatório sem justificativa constitucional plausível e proporcional implica limitação à liberdade do indivíduo e ao reconhecimento de seus direitos como ser humano, como cidadão.
Nesse ínterim, cabe ao Estado promover os meios necessários a uma vida digna que impliquem respeito e proteção das pessoas. Com efeito, “o direito aos meios de base para viver não são nem pretensões welfaristas (meros pedidos de bem-estar material), nem pretensões utilitaristas (que concernem à felicidade do maior número mensurável em termos psicológicos de prazer), mas direitos fundamentais de liberdade”31.
Conclui-se, portanto, ser premente a adoção de políticas públicas e ações afirmativas específicas destinadas a assegurar os direitos fundamentais dos transgêneros, com o fim de combater a discriminação, bem como reconhecer e resguardar a identidade de gênero manifestada por tais indivíduos.
Ressalte-se que, conforme ponderado pelo Parquet, a participação masculina ou feminina de transgêneros nas cotas que prevê o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.054/97 não gera tratamento discriminatório entre mulheres e homens trans, pois, “se homens e mulheres transgêneras se igualam quando discriminados em razão de sua transgeneridade, em relação às mulheres trans [...] sobrepõem-se as formas de opressão, por serem transgêneras e por serem mulheres (performatividade feminina) que romperam com as normas de gênero”.
A propósito, reproduzo trechos da manifestação ministerial quanto ao ponto:
100. Uma outra subsequente indagação também deve ser realizada neste ponto.
101. Assegurar a participação masculina ou feminina de transgêneros nas cotas que prevê o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, geraria tratamento discriminatório entre mulheres e homens trans?
102. Em outros termos, os homens trans, por serem homens que possuem a anatomia biológica-sexual feminina, poderiam ser discriminados por esta característica especial em relação às mulheres trans, a quem estaria assegurada a participação nas cotas femininas?
103. Penso que não e o fundamento da afirmação reside em uma análise interseccional.
104. Neste contexto, Kimberlé Crenshaw lembra que, assim como é verdade que todas as mulheres estão sujeitas ao peso da discriminação, também é verdade que outros fatores relacionados às suas identidades sociais são diferenças que fazem a diferença na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação e este fator pode criar problemas e vulnerabilidades exclusivas de subgrupos específicos de mulheres.
105. Audre Lorde, que se identifica como negra, lésbica, feminista, socialista, poeta, mãe de duas crianças – incluindo um menino – e membro de um casal interracial, sustenta que não existe hierarquia de opressão e, por isso, não é possível lutar apenas contra uma forma de opressão ou escolher entre os frontes nas quais batalhar contra as forças discriminatórias.
106. Portanto, deve-se evitar o risco de incorrer nos problemas da superinclusão ou da subinclusão, como alerta Kimberle Creshaw.
107. Há superinclusão quando os aspectos que o tornam um problema interseccional são absorvidos pela estrutura de gênero, sem qualquer tentativa de reconhecer o papel que outra forma de discriminação possa ter exercido em tal circunstância.
108. Por outro lado, há subinclusão quando um conjunto de mulheres subordinadas enfrenta um problema, em parte por serem mulheres, mas isso não é percebido como um problema de gênero, porque não faz parte da experiência das mulheres dos grupos dominantes.
109. As formas de opressão suportadas por mulheres trans são dotadas de especificidades e isso compõe uma pauta política da maior relevância. Como salienta Berenice Bento:
Se o feminino representa aquilo que é desvalorizado socialmente, quando esse feminino é encarnado em corpos que nasceram com pênis, há uma ruptura inaceitável com as normas de gênero. Essa regulamentação não está inscrita em nenhum lugar, mas é uma verdade produzida e interiorizada como inquestionável: o masculino e o feminino são expressões do desejo dos cromossomas e dos hormônios. Quando há essa ruptura, nos deparamos com a falta de aparatos conceituais e linguísticos que deem sentido à existência das pessoas trans. Mesmo entre os gays, a violência letal é mais cometida contra aqueles que performatizam uma estilística corporal mais próxima ao feminino.
110. Como se vê, a performatividade feminina é determinante para a discriminação e violência sofridas pelas mulheres trans, pois como nota Berenice Bento, é corrente entre os homens trans a afirmação de que, quando conseguem ser reconhecidos socialmente como homens, seja pelo uso de testosterona, seja pelos atos performativos identificados como masculinos, a rejeição não existe ou rara.
111. O problema não seria corretamente delimitado, caso os problemas de violências e discriminações suportados pelas mulheres trans estivessem essencialmente identificados apenas com a performatividade feminina, pois a transgressão às normas de gênero também é determinante no processo opressivo de suas vivências.
112. As mulheres trans são assassinadas, segundo Berenice Bento, porque, além de romper com os destinos naturais de seus corpos generificados, o fazem publicamente, e demandam esse reconhecimento das instituições sociais, razão pela qual o transfeminicídio tem por principal estratégia a espetacularização exemplar. Em suas palavras:
Os corpos desfigurados importam na medida em que contribuem para a coesão e reprodução da lei de gênero que define que somos o que nossas genitálias determinam. Da mesma forma que a sociedade precisa de modelos exemplares, de heróis, os não exemplares, os párias, os seres abjetos, também são estruturantes para o modelo de sujeitos que não devem habitar a nação.
113. A transgressão às normas de gênero representa, assim, a diversidade em relação à cisgeneridade compulsória.
114. Os dados sobre a violência endereçada à população LGBT revelam que as mulheres trans são as mais afetadas.
115. Segundo dados da Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil, apenas em 2017 foram 184 homicídios e 59 tentativas de homicídios de pessoas trans em território nacional.
116. A Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais-ILGA divulgou, em seu último relatório, que o Brasil ocupa o primeiro lugar em homicídios de LGBTs nas Américas, com 340 mortes por motivação homofóbica em 2016, e estima-se que 144 desses homicídios sejam de transgêneros.
117. De acordo com a organização não governamental International Transgender Europe, em seu último relatório (2016) de janeiro de 2008 a junho de 2016, ocorreram 868 assassinatos de pessoas trans no Brasil, três vezes mais que o México, segundo colocado, com 259 casos, o que coloca o Brasil como o país que mais mata pessoas LGBTs no mundo, com prevalência dos transgêneros, cuja expectativa de vida, no Brasil, é de 35 anos, metade da média nacional, segundo dados da mesma organização.
118. A violência suportada pelas mulheres trans não tem origem apenas na performatividade feminina, pois insistir nesta abordagem é incorrer no equívoco da análise superinclusiva.
119. Por outro lado, sindicar o problema sob a perspectiva restrita do rompimento das normas de gênero, como espécie de diversidade em relação à cisgeneridade compulsória, sem considerar a performatividade feminina, implicaria subinclusão.
120. Portanto, a performatividade feminina e o rompimento das normas de gênero interpenetram-se e são determinantes na opressão vivenciada pelas mulheres trans.
121. Dessa forma, se homens e mulheres trangêneras se igualam quando discriminados em razão de sua transgeneridade, em relação às mulheres trans, sob a perspectiva interssecional, sobrepõem-se as formas de opressão, por serem transgêneras e por serem mulheres (performatividade feminina) que romperam com as normas de gênero.
122. Logo, voltando ao longo parêntesis sobre eventual tratamento não isonômico entre homens e mulheres transgêneros, é possível concluir que, devido à sobreposição de opressões vivenciadas pelas mulheres trans, não há ofensa ao princípio da isonomia.
123. Considerando-se a inércia do Poder Legislativo em elaborar legislação adequada ao combate da violência transfóbica, vivenciada predominantemente por mulheres trans, vê-se que há extensa pauta política específica desse grupo social.
124. Pode-se mencionar, ainda, a atual campanha de despatologização das identidades trans, que pretende o fim das categorias Transexualismo (CID F64.0), Travestismo Bivalente (CID F64.1), Travestismo Fetichista (CID F65.1), e Transtorno de identidade sexual na infância (F64.2) e o reconhecimento da transexualidade em um nova categoria: incongruência de gênero na adolescência e na vida adulta, com a retirada desta da seção de transtornos mentais e de comportamentos e movê-la a uma nova chamada “condições relacionadas à saúde sexual”.
Forte nessas premissas, à primeira indagação, respondo no sentido de que a expressão “cada sexo” mencionada no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 deve se referir ao gênero,e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina, porquanto a apuração do sexo, para fins eleitorais, constitui, entre outros aspectos, evidente violação da intimidade.
É dizer, quem se identifica como mulher, transgênero (incluída a travesti nessa categoria) ou cisgênero, ou como homem, transgênero ou cisgênero, independentemente de sua orientação sexual, deve compor as respectivas cotas, feminina ou masculina, conforme seu autorreconhecimento.
Nesse diapasão, a teor do parecer da Assessoria Técnica, a “autodeclaração de gênero deve ser manifestada por ocasião do alistamento eleitoral ou da atualização dos dados do cadastro eleitoral, ou seja, até cento e cinquenta dias à data das eleições, nos moldes estabelecidos no art. 91, caput, da Lei nº 9.504/97”, afigurando-se “necessária a inclusão de regras específicas sobre o tema nos atos regulamentares que tratam do alistamento e da atualização da situação do eleitor”.
Assim, devem figurar como tal nos requerimentos de alistamento eleitoral, nos termos estabelecidos pelo art. 91, caput, da Lei das Eleições32, haja vista que a verificação do gênero para o efeito de registro de candidatura deverá atender aos requisitos previstos para o alistamento eleitoral contidos nos arts. 13 e seguintes da Res.-TSE nº 21.538/2003.
Não obstante, até que haja previsão mínima acerca da inclusão de nome social no cadastro eleitoral, o nome social indicado no requerimento de registro de candidatura deve estar associado ao nome civil.
A meu sentir, a Justiça Eleitoral pode ir além para adotar um novo modelo de título eleitoral no qual possa constar o nome social, sem prejuízo do nome civil do eleitor.
Cumpre advertir que eventuais práticas que visem a burlar os percentuais de gênero poderão ser objeto de impugnações, representações e até mesmo ações criminais ajuizadas perante a Justiça Eleitoral, com as consequências cabíveis, inclusive o indeferimento do DRAP, caso comprovada a fraude ou o desvirtuamento dos direitos ora placitados.
2. A determinação de que o candidato deve “indicar seu nome completo”, contida no art. 12, caput, da Lei das Eleições, no pedido de candidatura se refere ao nome social ou ao nome civil? É lícito que os(as) candidatos(as) indiquem somente seus nomes sociais, se fizerem prova que as certidões referem a eles próprios?
Para responder a essa segunda indagação, a Assec opinou nos seguintes termos:
2. A determinação de que o candidato deve “indicar seu nome completo” no pedido de candidatura, contida no art. 12, caput, da Lei das Eleições refere-se ao nome civil, constante do cadastro da Justiça Eleitoral, pois imprescindível ao exame das certidões negativas exigidas no pedido de registro de candidatura. O nome social indicado no pedido de registro de candidatura deve estar associado ao nome civil e deverá constar do Requerimento de Registro de Candidatura – RRC, apresentado pelo partido político ou coligação.
O MPE, a seu turno, obtempera que o(a) candidato(a) que obtiver autorização judicial pode alterar o seu assentamento civil para fins de registro de candidatura, conforme exigido pelo art. 12 da Lei nº 9.504/97, sem nenhum constrangimento ou situação vexatória. Justifica seu entendimento em precedente do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o princípio da imutabilidade do nome pode ser mitigado, mediante autorização judicial, após audiência com o Parquet, quando o interesse individual ou o benefício social da alteração assim exigirem.
Preconiza que o exame conjunto de vários dispositivos previstos no Decreto Federal nº 8.727/2016 leva à conclusão de que o nome completo a que alude o art. 12 da Lei das Eleições se refere ao nome civil, inviabilizando o(a) candidato(a) de indicar somente o seu nome social no pedido de registro, mesmo que faça prova de que as certidões se referem a ele(a) próprio(a).
Para melhor compreensão da matéria implícita nesse questionamento, transcrevo a norma de regência:
Art. 12. O candidato às eleições proporcionais indicará, no pedido de registro, além de seu nome completo, as variações nominais com que deseja ser registrado, até o máximo de três opções, que poderão ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente, mencionando em que ordem de preferência deseja registrar-se.
§ 1º Verificada a ocorrência de homonímia, a Justiça Eleitoral procederá atendendo ao seguinte:
I - havendo dúvida, poderá exigir do candidato prova de que é conhecido por dada opção de nome, indicada no pedido de registro;
II - ao candidato que, na data máxima prevista para o registro, esteja exercendo mandato eletivo ou o tenha exercido nos últimos quatro anos, ou que nesse mesmo prazo se tenha candidatado com um dos nomes que indicou, será deferido o seu uso no registro, ficando outros candidatos impedidos de fazer propaganda com esse mesmo nome;
III - ao candidato que, pela sua vida política, social ou profissional, seja identificado por um dado nome que tenha indicado, será deferido o registro com esse nome, observado o disposto na parte final do inciso anterior;
IV - tratando-se de candidatos cuja homonímia não se resolva pelas regras dos dois incisos anteriores, a Justiça Eleitoral deverá notificá-los para que, em dois dias, cheguem a acordo sobre os respectivos nomes a serem usados;
V - não havendo acordo no caso do inciso anterior, a Justiça Eleitoral registrará cada candidato com o nome e sobrenome constantes do pedido de registro, observada a ordem de preferência ali definida.
§ 2º A Justiça Eleitoral poderá exigir do candidato prova de que é conhecido por determinada opção de nome por ele indicado, quando seu uso puder confundir o eleitor.
§ 3º A Justiça Eleitoral indeferirá todo pedido de variação de nome coincidente com nome de candidato a eleição majoritária, salvo para candidato que esteja exercendo mandato eletivo ou o tenha exercido nos últimos quatro anos, ou que, nesse mesmo prazo, tenha concorrido em eleição com o nome coincidente.
§ 4º Ao decidir sobre os pedidos de registro, a Justiça Eleitoral publicará as variações de nome deferidas aos candidatos.
§ 5º A Justiça Eleitoral organizará e publicará, até trinta dias antes da eleição, as seguintes relações, para uso na votação e apuração:
I - a primeira, ordenada por partidos, com a lista dos respectivos candidatos em ordem numérica, com as três variações de nome correspondentes a cada um, na ordem escolhida pelo candidato;
II - a segunda, com o índice onomástico e organizada em ordem alfabética, nela constando o nome completo de cada candidato e cada variação de nome, também em ordem alfabética, seguidos da respectiva legenda e número.
Conforme pontuado pela Assec e pelo MPE, o nome completo a que se refere o art. 12, caput, da Lei nº 9.504/97 refere-se ao nome civil, constante do cadastro da Justiça Eleitoral, pois esse dado, além de imprescindível ao exame das certidões negativas exigidas no pedido de registro de candidatura, tem como base os dados e documentos exigidos por ocasião do alistamento eleitoral que, conforme previsto no art. 13 da Res.-TSE nº 21.538/200333, são vinculados aos assentamentos civis, disciplinados, essencialmente, pela Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
Por pertinente, evoco alguns aspectos do referido diploma. Ao tratar do registro de pessoas naturais, o art. 29, § 1º, f, da citada lei estabelece que sejam averbadas no respectivo cartório de registro civil “as alterações ou abreviaturas de nomes”. No art. 54 estão dispostos os elementos que devem estar presentes no assento de nascimento, entre estes: “2º) o sexo do registrando”; e “4º) o nome e o prenome que forem postos à criança”.
Segundo o art. 57, “a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei”. À luz do art. 58, “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”. O parágrafo único do referido dispositivo estatui que “a substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público”.
Em todos os casos de retificação do registro que impliquem alteração do prenome, verifica-se ser indispensável a autorização judicial ou a manifestação do Ministério Público, salvo nas situações elencadas no art. 110, consubstanciadas, basicamente, em erro material e outras inadequações expressamente consignadas no citado dispositivo.
Logo, como bem observado pela Assec, “o nome civil é indissociável do indivíduo, desde o seu nascimento até a morte, somente podendo ser alterado excepcional e motivadamente, por decisão judicial”.
Corroborando tal entendimento, no já mencionado REsp nº 1.626.739/RS, o STJ assentou que o princípio da imutabilidade do nome pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração e que, “nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo, como ocorre com aqueles cujos prenomes são notoriamente enquadrados como pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino, mas que possuem aparência física e fenótipo comportamental em total desconformidade com o disposto no ato registral”.
Sobressai, portanto, que, se o(a) candidato(a) obtiver a alteração de seu registro civil, mediante decisão judicial, poderá utilizá-lo para fins de registro de candidatura, segundo as exigências do art. 12 da Lei nº 9.504/97.
Não se tratando dessa hipótese, o exame adentrará no uso do nome social, qual seja, a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida, situação que já encontra respaldo no âmbito da Administração Pública Federal.
À luz dos arts. 1º a 6º do Decreto nº 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, percebe-se a associação do nome social com o nome civil. Vejamos:
Art. 1° [...]
Parágrafo único. Para fins deste decreto, considera-se:
I – nome social – designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida; e
II – Identidade de gênero – dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.
Art. 2º Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste Decreto.
Parágrafo único. É vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais.
Art. 3º Os registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter o campo “nome social” em destaque, acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos.
Art. 4º Constará nos documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado, acompanhado do nome civil.
Art. 5º O órgão ou a entidade da administração federal direta, autárquica e fundacional poderá empregar o nome civil da pessoa travesti ou transexual, acompanhado do nome social, apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
Art. 6º A pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Pela interpretação conjunta dos artigos 1º, II, 3º, 4º e 6º do Decreto nº 8.727/2016 com o art. 12 da Lei nº 9.504/97 supratranscrito, nota-se que o “nome civil” a que se refere este último dispositivo se reporta ao nome mencionado no registro civil (originário ou retificado), pois, como bem ponderado pelo MPE:
a) O Decreto federal 8.727/16 possui âmbito de aplicação determinado, a saber,
o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;
b) o nome social não substitui, para fins eleitorais, a identificação a partir do nome civil;
c) o Decreto federal 8.727/16 não dispensa que o nome social venha acompanhado do nome civil (arts. 3º e 4º), apenas ressaltando que este último será utilizado apenas para fins administrativos internos e seu emprego se dará apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
Portanto, não é juridicamente viável que indiquem somente seus nomes sociais com os quais pretendam concorrer. O nome social, conquanto possa ser adotado nos registros internos dos órgãos públicos e até mesmo nos documentos oficiais, não substitui o nome civil.
Atualmente, não há no Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE) campos específicos que permitam ao(à) pretenso(a) eleitor(a), no ato de sua inscrição, ou àqueles(as) que já se inscreverem, discernir o seu nome social e a sua identidade de gênero, razão pela qual se torna inviável a respectiva identificação no cadastro eleitoral e, consequentemente, no registro de candidatura, somente pelo nome social.
Com base nessas ponderações, ao segundo questionamento, respondo que – até que haja previsão normativa acerca da inclusão de nome social no cadastro eleitoral – a determinação de que o candidato deva “indicar seu nome completo” no pedido de candidatura, contida no art. 12, caput, da Lei das Eleições, refere-se ao nome civil.
3. Caso as pessoas trans devam indicar seu nome civil, é possível que sejam indicadas, nas urnas eletrônicas e demais cadastros eleitorais, apenas por seus nomes sociais?
Eis o que sugeriu a Assec nessa questão:
3. Nas urnas eletrônicas poderá constar somente o nome social do candidato, observadas as regras de regência que tratam dos apelidos e codinomes, previstas no art. 12 da Lei das Eleições. Nos demais cadastros eleitorais o nome social deverá estar necessariamente vinculado ao nome civil.
A d. PGE pontua que as pessoas trans podem ser indicadas apenas por seus nomes sociais nas urnas eletrônicas e demais cadastros eleitorais, nos termos do art. 12 da Lei nº 9.504/97, desde que não se estabeleça dúvida sobre a identidade do(a) candidato(a), não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente, inclusive porque o nome social representa garantia de identificação e tratamento dignos aos transexuais e travestis. Ressalta que, “havendo a manifestação de interesse de uso do nome social, não deve haver publicização do nome registral civil”.
Entendo que, nas urnas eletrônicas, poderá constar somente o nome social dos(das) candidatos(as) transexuais ou travestis, observada a legislação de regência que trata dos apelidos e codinomes tipificados no art. 12 da Lei nº 9.504/97, haja vista que o nome social é a designação pela qual o transexual ou travesti se identifica e é socialmente reconhecido.
Desse modo, acolho a manifestação da Assec para responder afirmativamente à terceira questão apenas no tocante às urnas eletrônicas, pois, quanto às informações divulgadas nos demais cadastros da Justiça Eleitoral, devem ser lastreadas nos assentamentos do cadastro eleitoral.
Observe-se que nem mesmo o Decreto nº 8.727/2016 dispensa que o nome social venha acompanhado do nome civil, atentando-se que seu emprego se dará apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros.
4) A expressão contida na mesma norma “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade” aplica-se à identidade de gênero, enquanto especificação do direito de personalidade à identidade pessoal?
Quanto a esse questionamento, a Assec se manifesta nos seguintes termos:
4. A expressão “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade”, contida no caput do art. 12 da Lei nº 9.504/97, diz respeito à identificação do candidato como tal, não se confundindo com seus dados pessoais constantes do cadastro eleitoral, devendo ambas as informações serem apresentadas por ocasião do registro da candidatura pela via do RRC.
Como bem pontuado pelo MPE, “a identidade a que se refere o art. 12 da Lei das Eleições é a individualização do sujeito que, além de se referir ao nome, também diz respeito à autoidentificação e ao autorreconhecimento quanto ao gênero. O avanço dos cadastros biométricos da Justiça Eleitoral aportam tecnologia produtora tanto de segurança quanto de liberdade e respeito a esse ponto do problema”.
De fato, a aludida expressão se refere à identificação do(a) candidato(a) conforme seja conhecido(a), não se confundindo com os dados pessoais que são consignados no cadastro eleitoral. Assim, tais informações devem ser apresentadas por ocasião do requerimento de registro da candidatura – RRC.
5) O uso dos nomes sociais, mesmo equiparados aos “apelidos” a que se refere a norma do art. 12 da Lei das Eleições, restringe-se às candidaturas proporcionais ou aplica-se às candidaturas majoritárias?
Por fim, à última indagação lançada, a Assec propõe a seguinte solução:
5. O nome social poderá ser utilizado tanto nas candidaturas proporcionais como nas majoritárias, uma vez que os requisitos a serem observados por ocasião do pedido de registro de candidatura são os mesmos, elencados no art. 11 da Lei das Eleições.
Alinho-me ao teor da resposta sugerida, haja vista que a lei não faz distinção no tratamento dos requisitos elencados no art. 11 da Lei nº 9.504/97.
Ao se debruçar sobre a questão, o d. MPE manifestou-se no sentido de que o uso do nome social para as candidaturas proporcionais, observada a disciplina que rege a legislação eleitoral, também se aplica às candidaturas majoritárias, pois, no primeiro caso, há um número maior de candidatos, possibilitando mais homonímias e disputas por denominações que no segundo.
Consoante bem ponderado pelo Parquet Eleitoral, ambas as candidaturas, majoritária e proporcional, devem ser tratadas de modo igualitário.
Diante dessas reflexões, em consonância com o parecer da Assec e do Ministério Público Eleitoral, sugiro o incremento em normativo específico desta Justiça especializada de previsão mínima acerca da inclusão de nome social no cadastro eleitoral, com a insersão do seguinte dispositivo na Res.-TSE nº 21.538/2003:
Art. 17-A. A pessoa travesti ou transexual poderá alistar-se eleitor com seu nome social e respectiva identidade de gênero.
§ 1º Considera-se nome social a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida.
§ 2º Considera-se identidade de gênero a dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar necessária relação com o sexo biológico atribuído no nascimento.
Art. 17-B. A pessoa travesti ou transexual, por ocasião do alistamento ou de atualização de seus dados no Cadastro Eleitoral, poderá informar seu nome social, o qual constará do título de eleitor acompanhado do nome civil.
Art.17-C. O nome social e a identidade de gênero constarão do Cadastro Eleitoral em campos próprios, preservados os dados do registro civil.
Submeto, ainda, à deliberação desta Corte, em razão da proposta de alteração da Res.-TSE 21.538/2003, a atualização do Sistema ELO e do Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE), conforme sugerido pela Assec, cujas ponderações adoto como fundamentos para embasar a aludida providência.
Com base nesses fundamentos, respondo à presente consulta nos seguintes termos:
1. A expressão “cada sexo” mencionada no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 refere-se ao gênero, e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina. Para tanto, devem figurar como tal nos requerimentos de alistamento eleitoral, nos termos estabelecidos pelo art. 91, caput, da Lei das Eleições, haja vista que a verificação do gênero para o efeito de registro de candidatura deverá atender aos requisitos previstos na Res.-TSE nº 21.538/2003 e demais normas de regência.
2. A expressão contida no art. 12, caput, da Lei nº 9.504/97, de que o candidato deve “indicar seu nome completo” no pedido de registro candidatura, refere-se ao nome civil, constante do cadastro eleitoral, por ser imprescindível ao exame das certidões negativas exigidas no pedido de registro de candidatura o qual deverá ser restrito ao âmbito interno da Justiça Eleitoral, enquanto o nome social deverá ser utilizado nas divulgações públicas.
3. É possível o uso exclusivo do nome social nas urnas eletrônicas, observados os parâmetros do art. 12 da Lei nº 9.504/97, que permite o registro do “prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente”.
4. A expressão “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade”, prevista no caput do art. 12 da Lei nº 9.504/97, refere-se à identificação do(a) candidato(a) conforme seja conhecido(a), inclusive quanto à identidade de gênero.
5. O nome social poderá ser utilizado tanto nas candidaturas proporcionais como nas majoritárias, haja vista que o art. 11 da Lei nº 9.504/97, ao estabelecer o rol de dados e documentos que devem instruir o pedido de registro, não faz nenhuma distinção nesse sentido.
6. Acolhe-se a manifestação da Assessoria Consultiva no sentido de que a autodeclaração de gênero deve ser manifestada por ocasião do alistamento eleitoral ou da atualização dos dados do cadastro eleitoral, ou seja, até cento e cinquenta dias à data das eleições, nos termos do art. 91, caput, da Lei nº 9.504/97, razão pela qual se propõe a edição de regras específicas sobre o tema, que disponham, igualmente, sobre a adoção de um novo modelo de título eleitoral no qual possa constar o nome social, sem prejuízo do nome civil do eleitor.
É como voto.
ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Senhor Presidente, acrescento apenas – e ficaria à disposição dos eminentes pares – que a ideia foi recuar até o alistamento eleitoral. E, nesse momento, o pretenso candidato faria uma autodeclaração, sob as penas da lei, e ficaria sujeito, diante de fraude, a ações penais. Do ponto de vista eleitoral, a composição fraudulenta das chapas também pode fazer cair o DRAP por inteiro.
Então, parece-me que, com essas duas travas, o Tribunal estaria acenando com a realidade, que é imanente à vida e ao respeito que essas pessoas, na sua dignidade humana, reconhecidas constitucionalmente, merecem.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Quero, em primeiro lugar, parabenizar Vossa Excelência pelo voto. Entendo que seja, realmente, um avanço extremamente progressista da Justiça Eleitoral, que está exatamente caminhando pari passu com a solução do Supremo Tribunal Federal, que não é restrita ao âmbito eleitoral. É aquele reconhecimento geral, decorrente, na essência de igualdade, da proteção da dignidade da pessoa humana e também ao direito da busca da felicidade, de a pessoa ser conhecida como ela se sente.
Vossa Excelência divulgou para todos nós, com muita antecedência, o volumoso voto.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO: Senhor Presidente, estou de pleno acordo com o voto sensível e notável do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, de que a ação afirmativa, evidentemente, não se dirige ao sexo, mas sim à identidade de gênero.
A única preocupação que tive e foi destacada na manifestação da Assec – eu gostaria de saber se o relator está de acordo – é que, na parte em que seja divulgado publicamente o nome, seja o nome social. Ou seja, para fins de aferir elegibilidade, é possível que seja necessário o nome original, mas, para divulgação pública, creio que poderá fazer toda a diferença utilizar-se apenas o nome social.
Portanto, indago se o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto está de acordo com essa interpretação.
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Não tenho qualquer objeção, eminente Ministro Luís Roberto Barroso. Fiz a anotação e, se os eminentes pares estiverem de acordo, farei as modificações de adaptação no voto.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Estou de acordo também, Presidente. Faço apenas brevíssima indagação ao eminente Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
Primeiramente, antecipo que o acompanharei, mas uma indagação me assalta. Qual exame pós-declaração poderá ser realizado para apurar eventual fraude?
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Na realidade, eminente ministro, são as provocações usuais perante a Justiça Eleitoral: as representações dos demais candidatos, partidos políticos, Ministério Público.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Quanto à iniciativa, eu não tenho dúvida. Mas qual exame será efetuado na pessoa?
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Nenhum. É autodeclaração.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Sim. Mas Vossa Excelência mencionou, pelo que percebi, que a declaração poderá posteriormente ser considerada fraudulenta. Pois bem, como se apurar? Ficará isso em aberto?
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Pelas provas admitidas em Direito: testemunhais, documentais, atas de reuniões. Se, porventura, os transgêneros forem cooptados para complementação fraudulenta de cotas, haverá registro dessa ilicitude na seara probatória – testemunhas, etc. – que vão, justamente, aferir.
O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: E serão requeridas de acordo com a fundamentação que houver na representação.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Por exemplo: faltam 15% de mulheres no partido. Então, solicitam-se a quinze homens que não são transgêneros para completar essa cota.
E esse grupo tem suas características, tem seus hábitos, tem sua identificação perante a sociedade. Há casos flagrantes de inclusão apenas para complementação da cota. Seria mais ou menos uma prova nesse sentido. Até mesmo um interrogatório do juiz.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Eu estou pensando no constrangimento que as pessoas passarão.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Ontem, no Supremo Tribunal Federal, dispensamos qualquer tipo de perícia.
O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Senhor Presidente, eu louvo o voto do eminente Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, que está na vertente da jurisprudência, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal, de priorizar o respeito às minorias e às ações afirmativas, observando a isonomia dos grupos minoritários e a dignidade da pessoa humana e, assim, a efetividade dos direitos políticos.
Entendo, com as cautelas também trazidas pelo Ministro Luís Roberto Barroso, necessário, realmente, para se aferir a elegibilidade, o registro civil da pessoa, além da utilização e divulgação do nome social.
Parabenizo Vossa Excelência e o acompanho às inteiras.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Senhor Presidente, uma última observação. Naturalmente isso tem de refletir no título, não é? O nome social vai figurar no título de eleitor, também? Lógico!
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Aqui é a capacidade eleitoral passiva de ser eleito.
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Na realidade, a resposta está nos limites da própria consulta, da própria pergunta. Mas estamos caminhando, no futuro, até pelo aperfeiçoamento tecnológico de biometria, para superar esses impasses.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Uma coisa é analisar o histórico antes dessa mudança para verificar se é elegível; outra coisa é a possibilidade de constar, no momento da eleição, essa categoria de transgênero. E, ainda, outra coisa, são as providências administrativas e notariais que serão adotadas.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO: Uma vez alterado o nome social no registro próprio, o título de eleitor trará o nome social, naturalmente. Mas, para constar no título, há de haver alteração no registro do cadastro.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Sim, sem dúvida. Porque poderia haver divergência entre o nome no título e o nome no registro do candidato, por exemplo.
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Na realidade, até os limites da consulta foram observados justamente para não incidirmos na competência do próprio Supremo, que é disciplinar a questão para todos os outros efeitos, inclusive o eleitoral, que seria automático.
O SENHOR MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO: Então, o nome social figurará no título?
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Ad futurum?
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Haverá mudança do nome e, a fortiori, todos os documentos serão modificados.
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Enquanto estamos nessa fase de transição, todos os documentos necessários à formalização da candidatura ainda são feitos com base no nome civil: as certidões negativas da Justiça Estadual, da Justiça Federal. E será assim até que resolvamos em definitivo, a partir da decisão que já se encaminha no Supremo Tribunal Federal.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO: Apenas para confirmar. Pelo que estamos decidindo, mesmo que ainda não tenha sido alterado no registro civil, para fins eleitorais, o nome social já estará valendo. Faremos isso constar da resolução, certo?
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER: Parece-me que esse é exatamente o ponto. É questão anterior, porque, depois de alterada a certidão, tudo estará resolvido.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (presidente): Penso que, a partir dessa decisão, as pessoas que quiserem deduzir a vontade de concorrer na qualidade de transgênero vão se movimentar. Ainda não foi iniciado o período de registro, nada disso.
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): E a antecedência de que seja anotada essa circunstância no alistamento, 150 dias antes da eleição, inibe, de alguma forma, esse casuísmo fraudulento referido por Vossa Excelência.
O DOUTOR HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS (vice-procurador-geral eleitoral): À guisa de embargos, na mesma linha do Ministro Luís Roberto Barroso, apenas quero ressaltar que a consulta trata sobre a extensão do nome social ou do nome pelo qual a pessoa é conhecida, quer para candidaturas majoritárias, quer para candidaturas proporcionais. É uma das respostas que a consulta dá, de que a lei alcança ambas as candidaturas.
O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Essa situação está no item 5 da parte III da ementa, que assenta que o nome social poderá ser utilizado tanto nas candidaturas proporcionais quanto nas majoritárias, porque a lei não faz distinção e não teria razão para fazê-la.
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Constituição Federal
2. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
3. Código Eleitoral
Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:
XII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político.
4. Medeiros, Marcílio Nunes. Legislação eleitoral comentada e anotada. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 761.
5. Segundo resultados das eleições de 2014, as mulheres representam menos de 10% do número de deputados federais e 13% de Senadores.
6. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/direitos-humanos-e-temas-sociais/3666-grupos-vulneraveis>. Acesso em: 30.1.2018.
7. HC nº 152.491/SP
8. Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.652/02. (Publicada no Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília-DF, n. 232, 2 dez.2002. Seção 1, p.80/81)
9. Nesse sentido: REspe nº 1.008.398/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 18.11.2009; REspe nº 737.993, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 18.12.2009); e REspe nº 1626739/RS (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de1º.8.2017).
10. Decreto-Lei nº 4.657/42
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum.
11. GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 23.
12. CARDUCCI. Michelle. Por um Direito Constitucional altruísta: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 16.
13. Idem.
14. Idem, p. 18-19.
15. CF
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana.
16. BARROSO, Luis Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 111.
17. MENDES, Gilmar Ferreira. A dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 e sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal. In: A Constituição de 1988 a visão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Secretaria de Documentação, 2013, p. 104.
18. BARROSO, Luis Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 63-64
19. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença. 3ª edição. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2009, p. 79.
20. LUÑO, Pérez Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do Estado Constitucional; tradução Jose Luis Bolzan de Morais, Valéria Ribas do Nascimento: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 21-22.
21. HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Estudios de Teoría Constitucional de La sociedad abierta, Ed. a cargo de E. Mikunda, Madrid: Tecnos, 2002, p. 103; id., Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura, trad., cast, de E. Mikunda, Madri: Tecnos, 2000, in LUÑO, Pérez Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do Estado Constitucional; tradução Jose Luis Bolzan de Morais, Valéria Ribas do Nascimento: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 22.
22. LUÑO, Pérez Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do Estado Constitucional; tradução Jose Luis Bolzan de Morais, Valéria Ribas do Nascimento: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 26.
23. Idem, p. 26.
24. Idem, p. 27.
25. Idem, p. 78.
26. CARDUCCI, Michelle. Por um Direito Constitucional altruísta: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 31-32.
27. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>
28. Idem.
29.SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria Geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 61.
30. LEAL, Saul Tourinho. Direito à felicidade. São Paulo: Almedina, 2017, p. 333-334.
31. CARDUCCI. Michelle. Por um Direito Constitucional altruísta: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 56.
32. Lei das Eleições
Art. 91. Nenhum requerimento de inscrição eleitoral ou de transferência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anteriores à data da eleição.
33. Res.-TSE nº 21.538/2003
Art. 9º No cartório eleitoral ou no posto de alistamento, o atendente da Justiça Eleitoral preencherá o RAE ou digitará as informações no sistema de acordo com os dados constantes do documento apresentado pelo eleitor, complementados com suas informações pessoais, de conformidade com as exigências do processamento de dados, destas instruções e das orientações específicas.
[...]
Art. 13. Para o alistamento, o requerente apresentará um dos seguintes documentos do qual se infira a nacionalidade brasileira (Lei nº 7.444/1985, art. 5º, § 2º):
a) carteira de identidade ou carteira emitida pelos órgãos criados por lei federal, controladores do exercício profissional;
b) certificado de quitação do serviço militar;
c) certidão de nascimento ou casamento, extraída do Registro Civil;
d) instrumento público do qual se infira, por direito, ter o requerente a idade mínima de 16 anos e do qual constem, também, os demais elementos necessários à sua qualificação.
EXTRATO DA ATA
Cta (11551) nº 0604054-58.2017.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Consulente: Maria de Fátima Bezerra (Advogados: Jonatas Moreth Mariano OAB: 29446/DF e outros)
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu e respondeu à consulta, nos termos do voto do relator.
Composição: Ministros Luiz Fux (presidente), Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Humberto Jacques de Medeiros.
SESSÃO DE 1º.3.2018.