PUBLICADO EM SESSÃO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO
RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600176-71.2024.6.26.0125 - São José do Rio Preto - SÃO PAULO
RELATOR(A): REGIS DE CASTILHO
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDOS: ITAMAR FRANCISCO MACHADO BORGES, RIO PRETO PRA TODOS, PRA FRENTE E PRA JÁ! [REPUBLICANOS / PP / MDB / PODE / SOLIDARIEDADE / UNIÃO / PSD / FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA(PSDB/CIDADANIA) / PRTB / PRD / AVANTE] - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - SP
Advogados do(a) RECORRIDO: GUILHERME WAITMAN SANTINHO - SP317327-A, RICARDO VITA PORTO - SP183224-A, PAULO RICARDO SANTANA - SP195656, CICLAIR BRENTANI GOMES - SP106475
Advogados do(a) RECORRIDO: MURILO BORGES GOMES - SP484464, CICLAIR BRENTANI GOMES - SP106475
Sustentaram oralmente o Dr. Paulo Taubemblatt, Procurador Regional Eleitoral, e o Dr. Ricardo Vita Porto, pelo recorrido Itamar Francisco Machado Borges.
EMENTA
REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA – RRC. AIRC. COMPETÊNCIA RECURSAL. ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2024. PREFEITO. Sentença de deferimento do registro de candidatura. Preliminar de ilegitimidade recursal afastada. Atuação do Parquet como custus legis não afasta o dever de observância do devido processo legal e da ampla defesa. Causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90. Constatada a condenação do requerente à suspensão dos direitos políticos em decisão transitada em julgado por ato doloso de improbidade administrativa que importou dano ao erário e enriquecimento ilícito de terceiro. Precedentes. Sentença reformada para indeferir o registro de candidatura do recorrido. Matéria preliminar rejeitada. Recurso provido.
Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM, os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, por votação unânime, em rejeitar a matéria preliminar e dar provimento ao recurso.
Assim decidem nos termos do voto do(a) Relator(a), que adotam como parte integrante da presente decisão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Silmar Fernandes (Presidente), Encinas Manfré e Cotrim Guimarães; e dos Juízes Maria Cláudia Bedotti, Regis de Castilho, Rogério Cury e Claudio Langroiva Pereira.
São Paulo, 01/10/2024
REGIS DE CASTILHO
Relator(a)
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral, em face da r. sentença que indeferiu a impugnação por ele proposta e deferiu o pedido de registro de candidatura de Itamar Francisco Machado Borges ao cargo de prefeito no Município de São José do Rio Preto pela Coligação “Rio Preto pra Todos pra Frente pra Já” (ID 66043853).
Alega o recorrente, em síntese, que estaria presente a inelegibilidade decorrente da condenação do recorrido por ato de improbidade administrativa, o qual ensejou dano ao erário e enriquecimento ilícito. Sobre tal fato, aduz que, “...ainda que o primeiro Acórdão proferido pelo Órgão Colegiado, no ano de 2016, não tenha falado expressamente em ‘dolo”, o elemento subjetivo se infere da própria conduta dos condenados, que desviaram dinheiro público utilizando notas fiscais de empresas inexistentes ou, embora existentes, que não haviam fornecido os bens constantes das notas fiscais”.
Sustenta que “O Ministério Público não desconhece o entendimento de que os requisitos para o registro da candidatura devem ser analisados levando em conta a situação fática do momento do pedido. Muito pelo contrário, o que se entende é que a inelegibilidade já estava presente quando do requerimento feito pelo recorrido, pois o aguardo do juízo de conformidade não retirou a validade do V. Acórdão proferido em 12 de setembro de 2016, ITAMAR já estava e continuou condenado por Órgão Colegiado pela prática de ato de improbidade administrativa”.
Assevera, ainda, que “como já mencionado, pela moldura fática assentada no Acórdão do Tribunal de Justiça que condenou o recorrido, que o ato de improbidade administrativa foi doloso, e que importou em (a) lesão ao patrimônio público e (b) enriquecimento ilícito de terceiros; e a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “l” da LC n. 64/90, com redação dada pela LC n. 135/2010, incidente sempre que a conduta importar (i) lesão ao patrimônio público e (ii) enriquecimento ilícito para o agente ou terceiros, situações presentes nas hipóteses dos art. 9º e 10, da Lei n. 8.429/92”.
Pugna, ao final, pelo conhecimento do recurso para indeferir o registro de candidatura do recorrido (ID 66043859)
O recurso foi contrarrazoado com a alegação da preliminar de ilegitimidade recursal (ID 66043864).
Após, a d. Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso eleitoral (ID 66113577).
Verificado até o ID 66113577.
É relatório.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
GABINETE DO RELATOR REGIS DE CASTILHO
| REFERÊNCIA-TRE | : 0600176-71.2024.6.26.0125 |
| PROCEDÊNCIA | : São José do Rio Preto - SÃO PAULO |
| RELATOR(A) | : REGIS DE CASTILHO |
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO: ITAMAR FRANCISCO MACHADO BORGES, RIO PRETO PRA TODOS, PRA FRENTE E PRA JÁ! [REPUBLICANOS / PP / MDB / PODE / SOLIDARIEDADE / UNIÃO / PSD / FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA(PSDB/CIDADANIA) / PRTB / PRD / AVANTE] - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - SP
VOTO nº 1218
Inicialmente, deve-se afastar a preliminar de ilegitimidade recursal suscitada em contrarrazões, ao passo que é assente na jurisprudência dessa Justiça Especializada que não se aplica o preconizado na Súmula n° 11 do Colendo Tribunal Superior Eleitoral ao Ministério Público Eleitoral, que pode recorrer da decisão que chancela o registro de candidatura, ainda que não tenha o órgão ministerial apresentado impugnação, ao passo que atua como custus legis, na defesa do sistema jurídico eleitoral.
Com efeito, tal observação não significa, entretanto, o afastamento do primado do devido processo legal, que se consubstancia pela oportunidade de exercício pleno do contraditório e da ampla defesa pelo candidato, que não pode ser surpreendido por argumentos lançados em primeira mão na esfera recursal, e sem que outro legitimado, tais como, o partido político, a coligação, a federação ou o candidato, tenha articulado, na ação própria, a causa de pedir respectiva. No caso vertente, contudo, o feito em primeiro grau de jurisdição não transcorreu sem que tal matéria tenha sido ventilada, na medida em que o ora recorrente já havia se manifestado pelo indeferimento do registro, com base nos mesmos argumentos trazidos em grau recursal, conforme se afere dos documentos juntados aos IDs 66043837 e 66043838, os quais foram levados a contraditório pelo recorrido (ID 66043843) e devidamente apreciados pela r. sentença (ID 66043853).
Assim, afastada a preliminar arguida, passa-se ao exame do mérito.
A capacidade eleitoral passiva pressupõe o preenchimento das condições de elegibilidade e dos requisitos de registrabilidade, além da não incidência nas hipóteses de inelegibilidade e de incompatibilidade, nos termos do que estabelecem a Constituição Federal, a Lei nº 9.50797 – Lei das Eleições – e a Lei Complementar nº 6490 – Lei das Inelegibilidades.
Compete, pois, à Justiça Eleitoral a apreciação de tais elementos para deferir o requerimento de registro de candidatura – RRC, caso seja provado que o pretenso candidato ao cargo do Poder Executivo ou do Poder Legislativo ostenta o direito de ser votado na sua integridade.
Aplica-se às Eleições Municipais de 2024, a Resolução TSE nº 23.609 de 18 de dezembro de 2019 – com as alterações promovidas pela Resolução nº 23.729 de 27 de fevereiro de 2024 – que regulamenta os diplomas citados supra.
In casu, recorre o Ministério Público Eleitoral, sob a alegação suposta incidência da hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/1990, que assim dispõe:
“Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo: (...)
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;;
Pois bem.
É cediço que a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea ‘l’, da Lei Complementar nº 64/1990 não incide em toda e qualquer condenação por improbidade administrativa, na medida em que é exigível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão dos direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; (iv) o ato tenha ensejado, de forma cumulativa, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, certo que cabe à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a existência – ou não – dos referidos requisitos (TSE, AgR-REspEl nº 060019927, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 7/4/2022).
Neste sentido:
“ELEIÇÕES 2022. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. REQUISITOS CUMULATIVOS. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90. CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A incidência da causa de inelegibilidade insculpida no art. 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/90 pressupõe a coexistência dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão de direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; e (iv) ato gerador, concomitantemente, de lesão ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito. 2. Compete à Justiça Eleitoral aferir a presença dos requisitos configuradores da causa de inelegibilidade, todavia tal análise é restrita aos contornos fáticos delineados no pronunciamento condenatório proferido pela Justiça Comum, sob pena de indevida incursão na esfera de competência do órgão julgador, o que é vedado por esta Justiça especializada, nos termos da Súmula nº 41/TSE. 3. Foram constatados fraude à licitação, concretizada no direcionamento do certame para empresa da qual o candidato era sócio, e indevido recebimento de valores, que resultaram incorporados aos seus patrimônios, dada a inexecução parcial do serviço contratado e a ausência de fornecimento de material correlato, a evidenciar o elemento subjetivo na modalidade dolosa, dano ao Erário e enriquecimento ilícito próprio e de terceiros. Incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC nº 64/90.4. Recurso ordinário desprovido” (Recurso Ordinário Eleitoral nº060053406, Min. Carlos Horbach, DJE - 17/04/2023 – grifou-se).
Denota-se, primeiramente, restar incontroversa a condenação do candidato nos autos da Ação Civil Pública nº 0000242-15.2005.8.26.0541, por ato de improbidade administrativa, com decisão proferida por órgão colegiado. Também se extrai do v. acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda não transitado em julgado, que o recorrido foi condenado às penas de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos, além de multa civil no valor de R$ 75.785,80, correspondente a todo o valor do dano sofrido pelo erário, com fulcro no artigo 10, inciso VIII, da Lei n° 8.429/92 (IDs 66043782 e 66043833).
Assim, de plano, resta caracterizado, de plano, os elementos atinentes à condenação por suspensão dos direitos políticos, em razão de ato de improbidade administrativa, por decisão colegiada, a qual ensejou dano ao patrimônio público.
Com efeito, consta do v. acórdão que o recorrido teria participado de “um grave esquema fraudulento, em prejuízo, do Município de Santa Fé do Sul, perpetrado por agentes públicos em conluio com particulares, para pagamento de notas fiscais frias” e que “que tal fraude consistia no pagamento de notas fiscais provenientes de empresas “fantasmas” ou que forneciam bens diversos daqueles constantes nas referidas notas”.
Aliás, a respeito do dano, para além de se enquadrar a conduta no artigo 10 da Lei das Improbidades, o decisum bem consignou que “se extrai que os agentes públicos não apenas deixaram de agir de acordo com as suas funções, a fim de apurar as irregularidades manifestamente visíveis na Administração Municipal, como também agiram com propósito desonesto, ou seja, para ocultar a fraude internamente e, assim, viabilizar o desvio de dinheiro público ” (ID 66043833).
Deve-se, portanto, na sequência, aferir se, para além do dano ao erário, houve também o enriquecimento ilícito, ainda que de terceiro.
Sobre a necessidade de incidência de “dano ao erário” e “enriquecimento ilícito” no mesmo ato reputado por improbo, tem-se manifestado atualmente essa C. Corte Eleitoral:
“REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. NOTÍCIA DE INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÕES POR ABUSO DE PODER ECONÔMICO, USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 1º, I, L, E 22, XIV, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. CERTIDÕES POSITIVAS E ASE 264 NO CADASTRO. INEXISTÊNCIA DE INELEGIBILIDADE. PROCESSOS ARQUIVADOS OU EM ANDAMENTO, MAS SEM CONDENAÇÃO, NÃO ENSEJAM INELEGIBILIDADE. MULTA ELEITORAL PARCELADA, COM PAGAMENTO EM DIA, NÃO OBSTA O DEFERIMENTO DO REGISTRO. CONDENAÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL, COM POSTERIOR CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 22, XIV. CONDENAÇÃO EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA À SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS, POR DECISÃO COLEGIADA E RECONHECIDO O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. REQUISITOS CUMULATIVOS. INELEGIBILIDADE AFASTADA. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS SEM TRÂNSITO EM JULGADO. PRESSUPOSTOS DE ELEGIBILIDADE ATENDIDOS. REGISTRO DEFERIDO” (REGISTRO DE CANDIDATURA nº060126150, Des. Marcio Kayatt, Publicado em Sessão, 13/09/2022 – grifou-se).
“RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. ELEIÇÕES DE 2020. ART. 1º, I, “L”, DA LC Nº 64/90. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO.
1. A inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “L”, da LC nº 64/90 exige que o ato de improbidade administrativa seja doloso e importe, cumulativamente, em lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
2. Condenação nos autos do processo 0000300-33.2001.8.26.0549. Hipótese em que é possível concluir, a partir da análise da decisão condenatória, a existência de dolo genérico e que os atos de improbidade importaram, cumulativamente, em lesão ao erário e enriquecimento ilícito, ainda que de terceiros.
3. Condenação nos autos dos processos 0000742-33.2000.8.26.0549 e 0002045-14.2002.8.26.0549: Hipóteses, contudo, em que a decisão que condenou o candidato pelo ato ímprobo reconhece expressamente a ausência de dano ao erário.
4. Condenação nos autos do processo 0001043-09.2002.8.26.0549. Hipótese, todavia, em que não ficou constatado enriquecimento ilícito.
5. Condenação nos autos dos processos 0002045-14.2002.8.26.0549 e 0000131-27.1993.8.26.0549. Hipóteses em que não ficou constatado dolo de praticar a conduta ímproba.
6. Condenação nos autos do processo 0002513-41.2003.8.26.0549. Condenação que não gerou a incidência da hipótese de inelegibilidade em apreço. RECURSO DESPROVIDO”. (RE nº060042367, Des. Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Publicado em Sessão, 28/10/2020 – grifou-se).
Outro não é o entendimento do C. Tribunal Superior Eleitoral:
“ELEIÇÕES 2022. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. REQUISITOS CUMULATIVOS. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90. CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A incidência da causa de inelegibilidade insculpida no art. 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/90 pressupõe a coexistência dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão de direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; e (iv) ato gerador, concomitantemente, de lesão ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito. 2. Compete à Justiça Eleitoral aferir a presença dos requisitos configuradores da causa de inelegibilidade, todavia tal análise é restrita aos contornos fáticos delineados no pronunciamento condenatório proferido pela Justiça Comum, sob pena de indevida incursão na esfera de competência do órgão julgador, o que é vedado por esta Justiça especializada, nos termos da Súmula nº 41/TSE. 3. Foram constatados fraude à licitação, concretizada no direcionamento do certame para empresa da qual o candidato era sócio, e indevido recebimento de valores, que resultaram incorporados aos seus patrimônios, dada a inexecução parcial do serviço contratado e a ausência de fornecimento de material correlato, a evidenciar o elemento subjetivo na modalidade dolosa, dano ao Erário e enriquecimento ilícito próprio e de terceiros. Incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC nº 64/90.4. Recurso ordinário desprovido” (Recurso Ordinário Eleitoral nº060053406, Min. Carlos Horbach, DJE - 17/04/2023 – grifou-se).
Noutro giro, com relação ao enriquecimento ilícito de terceiro, assim já se pronunciou o E. Tribunal Superior Eleitoral:
“ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990. SUSTENTAÇÃO ORAL EM JULGAMENTO DE AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ERROS MATERIAIS. IRRELEVÂNCIA PARA O DESLINDE DA CAUSA. DECISÃO DE ÓRGÃO JUDICIAL COLEGIADO. DESNECESSIDADE DE DECISÃO MERITÓRIA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO PREVISTO NO DECRETO CONDENATÓRIO DA JUSTIÇA COMUM. RECONHECIMENTO PELA JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE INELEGIBILIDADE ETERNA. REGISTRO DE CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA. POSSIBILIDADE DE NOVA AVALIAÇÃO NA ELEIÇÃO SEGUINTE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE TERCEIROS. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO JULGADO. REJEIÇÃO. 1. Na linha da jurisprudência desta Corte, não há sustentação oral em agravo regimental por ausência de previsão legal. Precedentes. No caso concreto, houve expressa manifestação da Corte, negando fundamentadamente o pedido de sustentação oral em Plenário. 2. Não é possível afirmar que a expressão "nos termos do voto do Min. Og Fernandes" constitua erro material, porque não se afirmou que a totalidade do voto-vista foi seguida pela Corte, mas apenas que a conclusão do voto-vista representou o posicionamento da maioria dos ministros votantes. Ademais, a parte do voto-vista que não prevaleceu é irrelevante para o deslinde da causa. Precedentes. 3. O fato de se ter constado no voto-vista "condenação transitada em julgado", ao invés de "condenação proferida por órgão judicial colegiado", não altera a conclusão do julgamento. Precedentes. 4. A decisão de órgão judicial colegiado, mesmo que não aborde o mérito, é apta a atrair a incidência da inelegibilidade da alínea l. 5. É possível à Justiça Eleitoral reconhecer a existência de enriquecimento ilícito que não conste do decreto condenatório da Justiça comum sem que isso represente inelegibilidade eterna do agente. A aferição, pela Justiça Eleitoral, de que o ato praticado pelo agente causou não apenas dano ao erário, mas, também, enriquecimento ilícito possui relevância apenas para fins de análise das causas de inelegibilidade, matéria eminentemente eleitoral. 6. É pacífica a noção de que o registro de candidatura deve ser renovado a cada pleito, pois não há direito adquirido ao registro de candidatura. Precedentes. 7. É assentada nesta Corte a ideia de que é possível reconhecer a existência de enriquecimento ilícito de terceiros sem que o beneficiário tenha feito parte da relação processual. Precedentes. 8. Embargos de declaração rejeitados”. (TSE, Recurso Ordinário nº 060068793, Relator(a) Min. Og Fernandes, PSESS - 18/12/2018).
“DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. ELEIÇÕES DE 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO. DEPUTADO FEDERAL. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE LESÃO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESPROVIMENTO.1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso ordinário e manteve o deferimento do registro de candidatura ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018. Petição de terceiro com notícia de suposta inelegibilidade do recorrido. 2. A incidência na causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990 exige o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) condenação por ato de improbidade administrativa que (a) importe lesão ao patrimônio público e (b) enriquecimento ilícito; (ii) presença de dolo; (iii) decisão definitiva ou proferida por órgão judicial colegiado; (iv) sanção de suspensão dos direitos políticos; e (v) não exaurimento do prazo de oito anos, a contar do cumprimento da pena. 3. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral orienta-se no sentido de que é necessária a presença, concomitante, de lesão ao erário e enriquecimento ilícito, em proveito próprio ou de terceiro, ainda que tais condenações não constem no dispositivo da decisão judicial. Precedente. 4. No caso, a discussão na Justiça Comum se limitou ao descumprimento dos princípios da Administração Pública, não havendo análise específica acerca da ocorrência de dano ao erário ou enriquecimento ilícito. Ademais, não há notícia de que as beneficiárias da nomeação em cargo público tenham deixado de trabalhar e, não havendo comprovação de ausência de contraprestação, não é possível presumir que houve dano ao erário ou enriquecimento ilícito de terceiro. Não estão presentes, portanto, todos os elementos essenciais à configuração da inelegibilidade. 5. A petição apresentada por terceiro foi instruída tão somente com condenações de primeiro grau da Justiça Comum, que não são aptas a atrair a incidência das causas de inelegibilidade previstas no art. 1º, I, da LC nº 64/1990. 6. Agravo interno a que se nega provimento”. (TSE, Recurso Ordinário nº 060202575, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/11/2018 – grifou-se).
Feitas tais considerações, o enriquecimento se ilícito, no caso em testilha, se mostra evidente, visto que o próprio ato de fraudar notas fiscais com o propósito de desvio dos valores pagos pela municipalidade, conforme consta do ato condenatório, já traduz benefícios financeiros próprios dos agentes que atuaram do citado esquema.
É o que se extrai do seguinte trecho do v. acórdão: “Evidente que não houve a entrega dos bens ao Município, pois sequer houve a compra efetiva dos itens discriminados nas notas fiscais, quer porque as supostas empresas fornecedoras eram inexistentes, quer porque forneciam bens diversos. O que houve, segundo demonstra toda a prova produzida, foi a clonagem e falsificação de notas fiscais para desvio de dinheiro público em proveito dos envolvidos (...) Finalmente, verifica-se que os cheques emitidos nominalmente às empresas que, supostamente, seriam sediadas em outros Municípios, foram depositados em conta de titularidade de alguns dos corréus, de seus familiares ou de terceiros, e não na conta dos legítimos representantes das referidas empresas”.
Resta, no mais, verificar se está evidenciado o dolo específico da conduta do recorrido.
A sentença afastou a inelegibilidade aventada sob o pálio de que “O pedido de registro em análise foi apresentado em 06/08/2022, sendo que em 22/08/2022 decorreu o prazo para sua impugnação pelos interessados. Em 26/06/2024 foi proferido novo acórdão pelo TJ/SP mantendo o resultado do julgamento anterior, com adequação da fundamentação. Aplicando-se a regra prevista no art. 10, § 11º, da Lei nº 9.504/97, os fundamentos contidos nessa nova decisão não devem ser considerados na apreciação da ocorrência de inelegibilidade. Considerando-se a condenação proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 20216, embora seja possível extrair o enriquecimento ilícito de terceiros, vez que mantida a condenação em primeira instância de um dos corréus à “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio” (ID 123632169, fls. 15), não é plausível deduzir o reconhecimento do dolo do candidato pelo órgão julgador” (ID 66043854).
Aqui, insta destacar que o órgão ministerial de primeiro grau trouxe aos autos acórdão proferido pela 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, na data de 26/08/2024, no bojo da ação civil pública em comento, no qual foi apreciada a conduta do recorrido com vistas ao Tema nº 1.199/STF (RE nº 843.989/PR), oportunidade em que foi realizada a “adequação da fundamentação, diante do novo contexto legislativo, porém, mantido o resultado do julgamento anterior e a responsabilização dos acusados”, e consignou que “os elementos de prova colhidos indicam que o então Prefeito Municipal tinha conhecimento do esquema fraudulento e agiu juntamente com seus subordinados em conluio com os particulares para viabilizar a lesão aos cofres públicos” a fim de manter a responsabilização dos acusados “por ato doloso de improbidade administrativa, com apoio no art. 10, “caput”, da Lei nº 8.429/1992 e em conformidade com a tese firmada no Tema nº 1.199 de Repercussão Geral” (ID 66043838).
Sobre tal ponto, argumenta o recorrido que “o novo acórdão proferido pelo TJ/SP não poderia ser examinado para fins de verificação das causas de inelegibilidade, uma vez que proferido após o encerramento do prazo de impugnação. Em adição, consignou que o acórdão originário não indicaria que o Recorrido agiu com dolo” e que “a decisão proferida pelo TJ/SP não afeta este processo, pois, conforme prevê com clareza a regra prevista no art. 11, §10º da Lei 9.504/97, ‘as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade’. No caso, o pedido de registro de candidatura foi feito em 06/08/2024. É com base no arcabouço fático-jurídico existente nesta data, portanto, que deve ser feito o exame das causas de inelegibilidade do Recorrido” (ID 66043864).
Todavia, após detida análise do conjunto probatório constante dos autos, em especial do quanto consignado no v. acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo, quando ainda da condenação do recorrido pelo ato de improbidade administrativa em voga, já se era possível extrair a conduta dolosa do agente público. Veja-se:
“(...) Carlos Cleto Caselato declarou na Promotoria de Justiça (fls. 162/163) que é contador e conhece Dayme Antonio Mistilides, desde a década de 70. Afirmou que, a partir de 2001, a amizade entre os dois passou a se estreitar. Disse que, por diversas vezes, Dayminho esteve em seu escritório e confessou que levava notas frias para a prefeitura a pedido do prefeito Itamar (...)
(...)
Do mesmo modo, também ouvido na Promotoria de Justiça, o corréu Paulo Cesar Alamino descreveu, de forma detalhada, como funcionava toda a fraude (fls. 1.004/1.006).
Segundo ele, Osvaldo Luiz Boldino (vulgo Dico), após se tornar assessor do prefeito municipal Itamar, afirmou-lhe que passaria a tomar conta dos “esquemas” para o prefeito.
(...)
Assim sendo, respeitado o entendimento do i. magistrado, no sentido de que os dois depoentes não teriam credibilidade, por ostentarem condenações criminais, não há como se ignorar que tais depoimentos estão em consonância com os demais elementos probatórios constantes do processo. E, além disso, ninguém levantou qualquer razão para que tais acusados imputassem falsamente ao prefeito e mesmo aos demais corréus a participação no esquema. Cumpre, ademãos, registrar que embora ambas as declarações tenham sido prestadas na fase investigativa, elas se harmonizam com as demais provas, inclusive a prova pericial e documental.
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Do mesmo modo, Caselato, afirmou que, certa vez, Dayminho lhe pediu para descontar um cheque e que ele, por sua vez, repassou esse pedido de favor para um cliente chamado João Chiaparini. Disse que o favor foi realizado e o dinheiro entregue para seu filho Clever Caselato, que repassou para Dayminho, que repassaria ao Prefeito.
(...)
Além disso, uma vez comprovada a fraude, consoante a fundamentação acima, não se mostra mesmo crível que o prefeito municipal tenha autorizado o pagamento de, não uma ou duas, mas 17 (dezessete) notas fiscais frias, sem que tivesse ciência do esquema, que, aliás, contou com a participação efetiva de funcionários públicos que exerciam cargos de sua confiança, ou seja, indicados e nomeados por ele.
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Não se trata de imputar responsabilidade ao prefeito municipal como mero ordenador de despesas, mas sim, pelo fato, de que fez a determinação de pagamento de diversas notas fiscais frias sem que, na melhor das hipóteses, tivesse a preocupação de, ao menos, verificar a regularidade da compra e a efetiva entrega das mercadorias.
Nesse ponto, acrescenta-se que o corréu Olimpio das Neves declarou que quando se tratava de compras de valor mais elevado ou incomuns sempre consultava o prefeito (fls. 324/325).
A participação do prefeito municipal foi decisiva, pois, na qualidade de Chefe do Executivo, era quem autoriza e assinava os cheques para pagamento.
Assim, indubitável que, se não foi o responsável pela coordenação do esquema, como apontaram Carlos Caselato e Paulo Cesar Alamino, ao menos agiu de forma extremamente negligente no trato com o dinheiro público, com inaceitável postura violadora da moralidade administrativa.
(...)”
Ora, restou claramente demonstrado que a fraude constatada de fato ocorreu devido à facilitação deliberada do desvio de recursos públicos por parte do alcaide, em conluio com os demais agentes, ou seja, extrai-se do v. acórdão que a ação do recorrido foi crucial para o cometimento dos delitos em voga, uma vez que permitiu a aprovação dos pagamentos das notas fraudulentas.
Ademais, o simples fato de constar do referido decisum que “ao menos agiu de forma extremamente negligente no trato com o dinheiro público” não afasta toda conclusão exarada anteriormente, certo, ainda, que tal argumento apenas se referiu à suposta função de coordenação do esquema, e não de toda sua participação nele.
Noutro giro, malgrado o quanto disposto no § 10, do artigo 11 da Lei das Eleições, o qual preconiza que “As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”, não se pode afastar, no caso em tela, o exame do acórdão proferido pela 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 26/08/2024, na medida em que apenas reforçou o quanto já consignado no acórdão anterior, inclusive por provocação do próprio recorrido, posto que examinado seu próprio agravo interno. Noutras palavras, não houve inovação factual a ensejar qualquer alteração na hipótese de inelegibilidade aqui examinada.
Assim, merece transcrição dos seguintes trechos do citado acórdão, os quais, repisa-se, apenas confirmam o quanto já se extraíra do decisum anterior referente à conduta dolosa do recorrido, in verbis:
“(...) o procedimento adotado era o seguinte: a relação dos produtos e seus respetivos preços que deveriam constar na nota fiscal falsa eram registrados no pedido de fornecimento realizado por O. das N.. Posteriormente, a nota fiscal era preenchida com base em tal pedido de fornecimento o que, em alguns casos, ocorreu no escritório de C. C. C.. Quando a documentação estava formalmente em ordem, I. F. M. B. e L. A. P. assinavam o cheque que viabilizaria o desvio do dinheiro público.
(...)
Assim, ficou evidenciado que o esquema fraudulento somente foi possível porque os agentes públicos viabilizaram intencionalmente o desvio de dinheiro público, em conluio com particulares. Como ficou decidido, se tratou de um esquema crônico de corrução, de difícil apuração. Não se pode admitir a defesa de que os agentes públicos agiram, cada um no exercício de suas funções, com mero descaso na gestão da coisa pública e que, por uma sequência de atos culposos e involuntários, os recursos públicos foram apropriados por terceiros que se beneficiaram fortuitamente. As provas revelam o contrário.
(...)
Por sua vez, o então Prefeito Municipal foi indicado por particulares envolvidos no esquema fraudulento como beneficiário de parte dos recursos desviados.
Como ficou registrado no julgamento da apelação, C. C. C. declarou na Promotoria de Justiça (fls. 162/163) que é contador e conhece D. A. M. F., desde a década de 70. Afirmou que, a partir de 2001, a amizade entre os dois passou a se estreitar. Disse que, por diversas vezes, D. A. M. F. esteve em seu escritório e confessou que levava notas frias para a Prefeitura a pedido do Prefeito I. F. M. B.. Narrou que D. A. M. F. também lhe confessou que L. A. P., conhecido como P., era quem lhe passava as informações dos produtos que deveriam constar nas notas fiscais e depois lhe entregava os cheques. O depoente afirmou ainda que chegou a presenciar D. A. M. F. preencher notas fiscais em seu escritório, bem como, certa vez, a pedido de D. A. M. F., pediu para um de seus clientes descontar um cheque da Prefeitura, cujo dinheiro seria entregue ao Prefeito.
(...)
É verdade que ficou anotado nos julgamentos da apelação e dos primeiros embargos de declaração que o acusado I. F. M. B., se não foi o responsável pela coordenação do esquema, como apontaram C. C. C. e P. C. A., ao menos agiu de forma extremamente negligente no trato com o dinheiro público, com inaceitável postura violadora da moralidade administrativa.
Com base nessa anotação, o acusado I. F. M. B. opôs embargos de declaração e alegou contradição, o que foi rejeitado pela maioria desta Col. Câmara. Nesse ponto, o E. Terceiro Juiz, Des. Leme de Campos, no julgamento dos Embargos de Declaração nº 0000242-15.2005.8.26.0541/50002, apresentou divergência por entender que a condenação do ex-Prefeito Municipal se mostrava contraditória, pois “Ou o envolvimento do embargante ocorreu de forma propositada, com postura ativa no esquema fraudulento; ou a condenação justifica-se pela desídia no tratamento do dinheiro público, caso em que o ato ímprobo decorreria de culpa na modalidade negligência”. E concluiu que: “...a meu ver, a situação apresentada amolda-se a esta segunda hipótese”. O E. Terceiro Juiz registrou ainda que “o ex-prefeito, na qualidade de gestor máximo da Municipalidade, tinha a obrigação de aferir a origem das notas ficais que mandava pagar, encargo do qual não se desincumbiu, causando prejuízo ao erário” e, diante disso, manteve a responsabilização por improbidade administrativa pela culpa do ex-Prefeito, com apoio no art. 10 da Lei nº 8.429/1992.
Mas, na linha do que ficou decidido pela maioria desta Col. Câmara, a menção à possibilidade de responsabilização do acusado por conduta dolosa ou, ao menos, culposa não pode ser compreendida como enfraquecimento dos elementos probatórios indicativos do dolo do então Prefeito Municipal e dos demais condenados. Ao contrário, se tratou de um reforço da fundamentação, ante a alegação do acusado de que não havia suporte probatório para sua responsabilização. A sua atuação foi determinante, na medida em que autorizou o pagamento das notas frias. Vale lembrar que, à época dos julgamentos, a Lei de Improbidade Administrativa autorizava a responsabilização também na forma culposa, independente do dolo.
De todo modo, é importante reforçar que não se tratou de imputar responsabilidade ao Prefeito Municipal como mero ordenador de despesas.
Como ressaltado nos julgamentos da apelação e dos embargos de declaração, o então Prefeito Municipal foi apontado por outros corréus como beneficiário direto de parte dos recursos que foram desviados, mediante a autorização de pagamento de, não uma ou duas, mas de 17 (dezessete) notas fiscais frias, e com a participação efetiva de funcionários públicos que exerciam cargos de sua confiança, ou seja, indicados e nomeados por ele.
A situação do então Prefeito Municipal não pode ser equiparada àquela do gestor absolutamente inábil, que, sem o devido conhecimento da gravidade da conduta, autoriza eventualmente o pagamento de alguma quantia indevida ou em desacordo com a legislação vigente.
(...)
Na verdade, os elementos de prova colhidos indicam que o então Prefeito Municipal tinha conhecimento do esquema fraudulento e agiu juntamente com seus subordinados em conluio com os particulares para viabilizar a lesão aos cofres públicos.
(...)
Em suma, não se cogita da aplicação da nova Lei nº 14.230/2021 no caso concreto, pois a condenação por ato de improbidade administrativa se fundamentou primordialmente no dolo dos acusados. Daí porque nem mesmo se pode cogitar de revisão das penas, que foram aplicadas de acordo com a conduta individual de cada acusado, nos termos da legislação vigente.
(...)
Portanto, mesmo diante do novo contexto legislativo, é forçoso concluir pela manutenção da responsabilização dos acusados, com exceção de E. A. G., por ato doloso de improbidade administrativa, com apoio no art. 10, “caput”, da Lei nº 8.429/1992 e em conformidade com a tese firmada no Tema nº 1.199 de Repercussão Geral.
Ante o exposto, pelo meu voto e para os fins acima, adequo a fundamentação do V. Acórdão, porém, mantenho o resultado do julgamento anterior”.
Feitas tais considerações, constata-se que o ato doloso de improbidade administrativa cometido pelo ora recorrido, consistente em esquema fraudulento para a emissão de notas fiscais frias além de culminar em dano ao erário, como explanado alhures, também resultou em enriquecimento ilícito ainda que de terceiro, razão pela qual reconhece-se a incidência da inelegibilidade disposta no artigo 1º, I, “l”, da Lei Complementar nº 64/90.
Ante o exposto, rejeita-se a matéria preliminar e, no mérito, dá-se provimento ao recurso interposto, para indeferir o requerimento de registro de Itamar Francisco Machado Borges.
REGIS DE CASTILHO
Relator