TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0605496-60.2022.6.26.0000 (PJe) - São José dos Campos - SÃO PAULO
RELATOR: JUIZ REGIS DE CASTILHO BARBOSA FILHO
REPRESENTANTE: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
REPRESENTADO: EDUARDO PEDROSA CURY, HI NEO COMUNICACAO E MARKETING LTDA.
Advogados do(a) REPRESENTADO: WILLIAM DE SOUZA FREITAS - SP0147867, MARY ANNE MENDES CATA PRETA PEREIRA LIMA BORGES - SP0232668
Advogado do(a) REPRESENTADO: DOUGLAS HERMENEGILDO DA SILVA - SP436249
DECISÃO
Trata-se de representação eleitoral por propaganda antecipada promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra EDUARDO CURY E HI!NEO – AGÊNCIA DE MARKETING EM SÃO PAULO, visando a concessão do pedido de liminar para que seja determinado ao representado que cesse o disparo em massa das mensagens de texto com conteúdo de propaganda política e, ao final, “a procedência da representação para que, confirmando-se a tutela de urgência, as mensagens deixem de serem disparadas; bem como para que os representados, responsável e beneficiário da veiculação da propaganda antecipada, sejam condenados ao pagamento de multa, nos termos da legislação eleitoral”. Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 04.08.2022, o representado teria encaminhado, por meio da empresa representada, mensagem de texto para terceiro, sem a sua autorização, a qual teria conteúdo de propaganda eleitoral antecipada e, ainda, configuraria propaganda realizada por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinaria. Asseverou, ainda, infringência aos artigos 36 e 36-A da Lei 9.504/1997 e 34 da Resolução TSE 23.610/19. Com a inicial foram amealhados documentos.
Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de liminar (ID 64343392).
O representado EDUARDO CURY, citado, apresentou contestação (ID 64404488). Alegou, inicialmente, que as mensagens teriam sido enviadas sem o seu consentimento, o que afastaria a sua responsabilidade. Defendeu, ainda, “que não houve proveito por parte do candidato representado por se tratar apenas teste de pesquisa interativa (tracking), realizada com algumas poucas pessoas, com números de telefones escolhidos aleatoriamente de forma randômica por um sistema informatizado” e, concluiu que, por se tratar de “mero teste de “tracking” de pesquisa, o qual atingiu número muito reduzido de pessoas, não há de se falar em propaganda eleitoral antecipada e em disparo em massa. Não houve disparo em massa e não ocorreu campanha eleitoral antecipada, pois pesquisa/”tracking” não é propaganda eleitoral. Não houve pedido expresso de votos, sequer pedido implícito. O teste de pesquisa não trouxe qualquer benefício direto ou indireto para o candidato”. Pugnou, ao final, pela improcedência dos pedidos.
A empresa representada, citada, apresentou contestação (ID 64406572). Asseverou, em síntese, que a “a pesquisa tracking/sondagem é uma pesquisa sem nível de amostra”, que não teria gerado proveito eleitoral em face do candidato, tampouco proveito econômico ilícito por parte da empresa representada. Defendeu que se trata de “teste de pesquisa interativa (tracking/sondagem), realizada com pequenos grupos de pessoas, com números de telefones escolhidos aleatoriamente de forma randômica por um sistema informatizado”, realizada nos termos da legislação. Pugnou, assim, pela improcedência dos pedidos, na medida em que, além de inexistir vedação para a realização de pesquisa “tracking” no período eleitoral, não haveria provas de que teriam sido realizados disparos em massa de mensagens instantâneas ou de qualquer realização de propaganda eleitoral pela empresa requerida.
É o relatório. Decido.
1. Cuida-se de Representação por Propaganda Irregular ajuizada com objetivo de obstar supostas condutas que configurariam propaganda extemporânea, de caráter antecipado.
A legitimidade para propor a Reclamação por Propaganda Irregular encontra-se devidamente presente, na medida em que se cuida de demanda reservada a todo partido político, coligação, federação, candidato ou ao Ministério Público Eleitoral.
De igual maneira, foi devidamente arrolado como representado aquele agente imputado pelas condutas descritas na inicial, razão pela qual se reconhece a sua legitimidade passiva.
O processo está em condições de ser desatado por decisão, nos termos do artigo 96, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, e do artigo 20 da Resolução 23.608/19 do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que as provas úteis e necessárias foram produzidas, e na medida em que é prescindível para a instrução deste juízo a confecção de novas provas.
2. Consoante relatado, o representante aduz que no dia 04.08.2022, “sem o consentimento do destinatário, os representados enviaram mensagens de texto, com pesquisa interativa sobre o Deputado Federal, ora Representado. Entende-se que as mensagens contêm pedido de voto, no sentido de conclamar o eleitor a votar no representado, em período não permitido pela legislação eleitoral. Ademais, o representado se utiliza de meio proibido para a realização da propaganda, uma vez se utilizou de Agência de Marketing para tanto. É evidente, que o noticiante não foi o único a receber a pesquisa interativa. Assim, tem-se o desrespeito ao artigo 34 da Resolução n.º23610/19 (...)”
Argumentou, nessa linha, a infringência dos artigos 36-A da Lei 9.504/1997 e 34 da Resolução TSE 23.610/2019, razão pela qual rogou pela procedência da representação com a consequente aplicação da multa aos representados.
3. Prospera nos moldes constitucionais ambiente de livre circulação de ideias, assegurado o direito ao exercício da liberdade de pensamento, opinião e manifestação, e nesta órbita fulguram as prerrogativas inerentes à liberdade político-ideológica. Nesta linha de raciocínio, forçoso convir que a democracia se funda e amadurece em contexto social no qual se exaltam exatamente as liberdades civis, dentre as quais as relacionadas ao status civitatis, a guarnecer e enaltecer o confronto de ideias, sob a ribalta da sociedade civil organizada.
No âmbito político-eleitoral, a proeminência da liberdade de expressão deve ser especialmente pronunciada na medida em que “os cidadãos devem ser informados da variedade e da riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo, sem que isso implique, em linha de princípio, violação às normas que regulam a paridade da disputa” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 116-119). Afinal, a ampla manifestação do pensamento sedimenta os precípuos objetivos republicanos que são subjacentes ao próprio processo eleitoral e suas vicissitudes.
Cumpre, pois, às Cortes Eleitorais o mister de assegurar a máxima amplitude do debate, de sorte que a intervenção somente se opere em circunstâncias excepcionais, notadamente, “quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos (i) para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, (ii) para a própria integridade da disputa” (AgR-AI nº 9-24.2016.6.26.0242/SP, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto).
Conforme leciona José Jairo Gomes, “denomina-se propaganda eleitoral a elaborada por partidos políticos e candidatos com a finalidade de captar votos do eleitorado para investidura em cargo público-eletivo. Caracteriza-se por levar ao conhecimento público, ainda que de maneira disfarçada ou dissimulada, candidatura ou os motivos que induzam à conclusão de que o beneficiário é o mais apto para o cargo em disputa. Nessa linha, constitui propaganda eleitoral aquela adrede preparada para influir na vontade do eleitor, em que a mensagem é orientada à atração e conquista de votos” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 16ª Edição, São Paulo: Editora Atlas, 2020).
A propaganda, no entanto, se sujeita aos regramentos legais, que demarcam os limites da regular atuação dos candidatos, partidos, coligações e federações. Neste campo, a propaganda eleitoral é regulamentada pela Lei das Eleições, artigo 36 e seguintes, pelo Código Eleitoral, assim como as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, de sorte que a infringência ao regramento legal potencialmente configurará ilicitude, hábil a sujeitar os agentes às sanções previstas em lei
4. A aferição da existência de conteúdo eleitoral no material publicitário impugnado é antecedente lógico da proibição da conduta e, ressalvado e respeitado entendimento diverso, os materiais publicitários sujeitos ao escrutínio judicial ostentam conteúdo eleitoral.
Em linha com os precedentes desta E. Corte, abrangente o divisor de águas estampado no caput do art. 36-A da Lei 9.504/97, e cujos efeitos se espraiam a todos os veículos de propaganda eleitoral antecipada. Para que a figura típica aflore é imprescindível que, como pressuposto, estejamos diante de propaganda eleitoral. Assim, sempre será imperioso consagrar a mensagem veiculada como propaganda eleitoral, para então se enveredar pelos demais requisitos legais de enquadramento típico.
5. O conteúdo impugnado foi assim demonstrado no bojo da petição inicial:
6. Como é cediço, no campo da regulação eleitoral, prosperou figurino legal autorizativo de diversas condutas no período anterior àquele dedicado à propaganda, hipóteses estas descortinadas pelo artigo 36-A da Lei das Eleições, de sorte que é vedado apenas o pedido explícito de voto. Nesta esteira, apenas se pode enveredar pelo exame das circunstâncias das mensagens enviadas acaso haja prova cabal de que ostentem relevo de propaganda eleitoral.
Nesse sentido, mediante detida análise das mensagens encaminhadas, verifica-se que há provas de que tenham sido extrapolados os limites prescritos na Lei das Eleições, em seu dispositivo legal matricial, que regula quais as condutas extirpadas e que estão sujeitas à jurisdição eleitoral, e que estão condicionadas, para sua admissão, neste campo, à expressa categorização. É o que dispõe expressamente a Lei das Eleições em seu artigo 36-A, inciso V, “não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (...) a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais”.
Neste caminhar, não se pode, em hermenêutica que preserve as liberdades individuais, rechaçar as expressões que não aludem a pedidos explícitos de votos, mas que expressem a pré-candidatura eventual aos cargos postulados pelos pré-candidatos; na hipótese, entretanto, transcendeu-se para além do que autorizado pela norma, ao se publicar as mensagens descortinadas na peça exordial, quais sejam: “Você gostaria de fazer parte de uma campanha de candidato a Deputado Federal para defender suas ideias e debater o que acha melhor para o futuro da nossa região, participando do Canal WhatsApp?”; “Esse deputado federal é o Eduardo Cury apontado como um dos melhores do país pelo Ranking dos Políticos. Você o conhece?”; “Como última pergunta, gostaríamos de saber se você aceitaria fazer parte do Canal Whatsapp do candidato a Deputado Federal Eduardo Cury para defender suas ideias e debater o que acha melhor para o futuro da nossa região?”. É que tais expressões embutem significado que chancela a candidatura, e não apenas fazem alusão à pretensa candidatura. Neste particular, adentrou-se pelo jargão utilizado em plenas campanhas eleitorais. Tal como se citaram tais expressões, passou-se o quadro da nítida candidatura, como se veiculasse o pedido de votos em material de campanha. O vernáculo empregado permite que se conclua que se ultrapassou o divisor das liberdades individuais, para se campear pela órbita impedida. O uso de tais expressões pode servir a se fazer prosperar correntes na rede social que podem granjear adesões e a busca de votos. Há discrímen rigoroso entre reportar a pré-candidatura e a candidatura propriamente dita. A pretensão à candidatura significa exatamente que não se consumou ainda, como abstratamente previsto na regra legal. O que se permitiu foi exatamente remeter ao plano da candidatura. Por conseguinte, a legislação impediu de maneira absolutamente clara que se anuncie a candidatura em si, ao entender que tal ganha o significado de antecipação da propaganda eleitoral.
Desse modo, ficou devidamente demonstrada a antecipação da propaganda eleitoral, de forma ilícita, ainda que se tenha eventualmente promovido o figurino de tracking ou de sondagem, ao se propagar a ideia de que viria a ser candidato nas eleições e de que seria um candidato que favoreceria a região; ademais, as respostas se direcionaram no sentido de que foram enviadas a um número de pessoas, escolhidas por sistema informatizado e randômico, de sorte a fazer incidir a vedação à utilização da remessa massificada de mensagens, sem que tenha havido prévio consentimento dos usuários que a receberam; nesta órbita, não modifica o quadro o desdém inicial do usuário à pesquisa, haja vista a íntegra da mensagem, que se conforma simplesmente com o avanço de sua leitura, página a página. O disparo em massa se caracteriza, conforme preconiza o art. 37, inciso XXI, da Resolução 23.610/19, com as modificações introduzidas pela Resolução 23.671/21, no envio, compartilhamento ou encaminhamento de um mesmo conteúdo, ou de variações deste, para um grande volume de usuárias ou de usuários por meio de aplicativos de mensagem instantânea. Nesta toada, o panorama descortinado coincide com aquele preconizado pela Procuradoria Regional Eleitoral, e que foi bem delineado a partir das respostas que sobrevieram, sobretudo porque se detectou que segundo consta o Diretório Municipal do Partido da Social Democracia Brasileira de São José dos Campos contratou a empresa HINeo para o fim de efetuar a tal sondagem. Ainda que se considere que não houve seleção de nomes de pessoas que seriam sujeitas à perquirição, segundo narraram, de sorte que viessem a ser alcançadas de forma aleatória, não se descura que tal formato de atuação, aliado ao teor das mensagens, significou a abertura de propaganda eleitoral ilegal em prol do representado Deputado Federal, e de sorte que tal se enquadrasse no campo da massificação de mensagens. Aliás, exatamente tal modelo é que se pretendeu expurgar da vida público-eleitoral, e também em momento anterior à eclosão da campanha oficial, de sorte a evitar a disparidade de armas e a paz nas plataformas de mensageria.
Por fim, muito embora o representado negue que tivesse conhecimento do disparo de tais mensagens, haja vista o quadro apurado e dada a pessoalidade da propaganda que foi expedida, não há como se negar a participação do representado neste campo. Inclusive, o próprio representado em sua contestação apresenta os contornos do funcionamento acerca da divulgação de tais mensagens, de modo que a negativa de conhecimento restou isolada do quadro que exsurgiu, a partir do cotejo das mensagens enviadas.
Há que se ressaltar, por fim, que não cabe o acolhimento do pedido no que se refere à determinação para que o representado “cesse o disparo em massa das mensagens de texto com conteúdo de propaganda política”, à míngua de demonstração de que tal prática ilícita permaneceria vigente.
Inegável, portanto, a violação aos artigos 36 da Lei 9.504/1997 e 34, inciso II, da Resolução TSE 23.610/2019, tendo em vista a configuração de propaganda eleitoral extemporânea realizada por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinatária, de sorte que se impõe a aplicação da multa prevista no artigo 36, § 3º, da Lei 9.504/1997.
8. Ante ao exposto e, por tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS E EXTINTO O PROCESSO, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar os representados ao pagamento de multa, no valor mínimo de R$ 5.000,00, com base no artigo 36, § 3º, da Lei 9.504/1997, por infração ao preceito contido no art. 36, caput, da Lei 9.504/1997.
Sem custas. Sem honorários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, nada mais sendo requerido, arquivem-se.
São Paulo, data da assinatura eletrônica.
REGIS DE CASTILHO BARBOSA FILHO
RELATOR