TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA

RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600330-46.2024.6.24.0028 - SÃO JOAQUIM - SANTA CATARINA

RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL ADILOR DANIELI

RECORRENTE: ADRIANO COSTA
ADVOGADO: EMANOELLA VIEIRA FERREIRA - OAB/SC61633
ADVOGADO: MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA - OAB/SC12309
RECORRENTE: RAFAEL SILVA FLORES
ADVOGADO: EMANOELLA VIEIRA FERREIRA - OAB/SC61633
ADVOGADO: MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA - OAB/SC12309
RECORRIDO: PARTIDO LIBERAL (PL) - SÃO JOAQUIM - SC - MUNICIPAL
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: SEBASTIAO PEREIRA VELHO
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: FABIANO PADILHA
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: MARCIO ERON DE SOUZA
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: LICIOMAR GARCIA RIBEIRO
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: LIANDER DA SILVA PADILHA
ADVOGADO: ANDRE ZANETE DE SOUZA - OAB/SC69122
RECORRIDO: JEFFERSON ANTONIO BIOLO MONTEIRO
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: REGINA APARECIDA CORDOVA
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: BRUNA PADILHA MALACARNE
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752

ELEIÇÕES 2024 - RECURSO ELEITORAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) - FRAUDE À COTA DE GÊNERO - RENÚNCIA DE CANDIDATURA FEMININA -  AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO DO PERCENTUAL DE GÊNERO - NULIDADE DO DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE PARTIDÁRIA (DRAP) - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO NO JUÍZO DE ORIGEM.

PERCENTUAIS MÍNIMOS EXIGIDOS PELA NORMA DE REGÊNCIA ATINGIDOS NO MOMENTO DO REQUERIMENTO DO REGISTRO - DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS (DRAP) DEFERIDO - REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (RRC) QUE, DESDE O INÍCIO, DEMONSTRAVA SE TRATAR DE UMA CANDIDATURA VIÁVEL - RENÚNCIA, FORMALIZADA PELA CANDIDATA, POR MOTIVO DE FORO ÍNTIMO - DECLARAÇÃO MÉDICA INDICANDO PROBLEMAS DE SAÚDE, COM POSTERIOR REALIZAÇÃO DE CIRURGIA - COMPROVAÇÃO DE CONFECÇÃO DE MATERIAL DE CAMPANHA À CANDIDATA - NÃO DEMONSTRAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA POR PARTE DA GREI - IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAR RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PARTIDO PELA MERA AUSÊNCIA DE SUBSTITUIÇÃO - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO ROBUSTA DE FRAUDE OU BURLA À NORMA DE AÇÃO AFIRMATIVA - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE DOLO OU MÁ-FÉ DO PARTIDO - PRECEDENTES - CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA - DESPROVIMENTO.  

ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso e a ele negar provimento, nos termos do voto do Relator. 

Datado e assinado digitalmente.

DESEMBARGADOR ELEITORAL ADILOR DANIELI, RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por Adriano Costa e Rafael Silva Flores, candidatos ao cargo de vereador, em face da sentença do Juiz da 28ª Zona Eleitoral - São Joaquim, que julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral por eles proposta contra o Partido Liberal (PL) e oito candidatos que compuseram a chapa ao cargo de vereador, pela respectiva agremiação, nas eleições municipais de 2024 . 

Em suas razões, narram que, “durante a campanha, a candidata Vanuza de Oliveira Matos que tinha o seu pedido de registro de candidatura vinculado aos autos nº 0600169-36.2024.6.24.0028, solicitou a desistência da candidatura em 30/08/2024, a qual restou homologada em 03/09/2024”.

Asseveram que, “com a saída de uma candidata mulher restaram no DRAP requerido 8 candidatos, sendo destes 6 homens e 2 mulheres, ferindo a disposição legal no que importa a obrigatoriedade da presença de cota mínima de 30% e 70%, de cada gênero”. 

Sustentam que houve violação à cota de gênero pela negligência na substituição da candidata mulher renunciante, o que caracterizaria a fraude, argumentando que a “sentença, com todo o respeito, criou uma excludente de ilicitude que abre as portas para a fraude de gênero, porque bastará que as mulheres renunciem antes da eleição e o partido não realize a substituição para que a proporção de gênero, como demanda a lei, seja ignorada”.

Consignam que “a doença alegada pela candidata não é capaz de desobrigar o partido do cumprimento do disposto no art. 10 § 3º da Lei das Eleições”, sendo que “O partido deveria tê-la substituído, a tempo e modo, nos termos do art. 13 da Lei das Eleições”.

Realçam que “A inércia do partido em não substituir a candidata-mulher faltante é prova inequívoca do dolo da fraude da cota de gênero e consta na própria definição do instituto, conforme art. 8º da Res. TSE 23.735/24, novidade regulamentar dessas eleições”.

Sustentam que “O prazo final para a substituição de candidatos se deu em 16/09/2024, ou seja, muito depois da desistência homologada da candidata Vanuza, que se deu em 03/09/2024”, e que, portanto, “O partido teve 13 dias para a adequação à determinação legal de manutenção da proporção de gênero e nada fez”.

Aduzem que “A negligência do partido na falta de apresentação de candidatura feminina é cabal e configura fraude de gênero”, citando precedente deste Tribunal.

Alegam também que a “jurisprudência do TSE já equiparou essa renúncia de mulheres, sem a necessária substituição, como forma qualificada de fraude à cota de gênero”, conforme excertos de precedentes que transcrevem.

Aduzem que, na impossibilidade de substituição por outra mulher, o partido deveria reduzir o número de candidatos do sexo masculino para preservar a equação proporcional, mencionando precedente deste Tribunal (RE n. 0600187-04, de 29/10/2020).

Ressaltam restar configurada a fraude no caso em apreço , pugnando, ao final, pelo provimento do recurso, “devendo ser cassado o diploma dos parlamentares eleitos pela grei, independemente de prova da participação, ciência ou anuência deles, anulados os votos obtidos pela respectiva chapa proporcional e declarada a inelegibilidade daqueles que praticaram o ilícito ou com ele anuíram”  (ID 19323300).

Nas contrarrazões,  os recorridos sustentam a inexistência de qualquer fraude à cota de gênero, irregularidade ou descumprimento à lei eleitoral.

Aduzem que o DRAP (RCand 0600161-59.2024.6.24.0028) foi deferido pelo juízo não havendo nenhuma irregularidade, pois respeitou as normas correspondentes, tendo a decisão transitado em julgado na data de 03/09/2024.

Narram que, no meio do processo eleitoral, após o prazo dos registros e deferimento do DRAP, sobreveio o pedido de renúncia de uma das candidatas vinculadas ao partido, por motivo de saúde, a qual viu-se obrigada a abandonar a corrida eleitoral para dedicar-se ao seu tratamento, que dependia, inclusive, de cirurgia.

Juntam laudo médico emitido pelo médico responsável relatando que, no mês de agosto, Vanuza de Oliveira Matos precisou afastar-se de todas as suas atividades.

Alegam que “é de conhecimento público que a candidata de fato gostaria de concorrer ao cargo de vereadora, tanto é verdade que já havia conversado com pessoas pretensas a trabalhar em seu favor, as quais foram arroladas como testemunhas para que, caso o Juízo entendesse necessário, fossem ouvidas, a fim de confirmar que trabalhariam na campanha da candidata renunciante”.

Referem que inclusive no momento da renúncia, a renunciante já encontrava-se com todo material de campanha pronto, o que revela que, de fato, pretendia concorrer ao cargo de vereadora.

Argumentam que, “caso fosse a intenção da candidata ou até mesmo do Partido e demais concorrentes em fraudar a referida cota, poderia ela ter continuado no pleito, sem formalizar sua renúncia nos autos do pedido de registro de candidatura”.

Realçam que os precedentes  “são uníssonos no sentido de que após o deferimento do DRAP, para haver a sua desconstituição, deve haver prova inequívoca da intenção de burlar à norma, além de que o descumprimento superveniente da cota diante da renúncia de algum candidato não é circunstância atribuível ao Partido - o qual teve o reconhecimento da regularidade dos atos partidários em processo próprio – haja vista que trata-se de situação que foge de seu controle. Assim, não se mostra viável exigir da agremiação partidária a substituição de concorrente em data próxima ao final do prazo, mormente considerando que nosso município é considerado pequeno, sendo um tanto quanto dificultoso encontrar uma nova pretensa candidata às vésperas do pleito eleitoral”.

Transcrevem precedentes nesse sentido.

Argumentam, ainda, que “não se mostra razoável atribuir aos demais concorrentes penalidades tão gravosas quanto à cassação de seus registros e declaração de nulidade dos votos que legalmente receberam, haja vista que não tiveram qualquer participação e tampouco anuíram com a renúncia realizada pela candidata Vanuza”.

Sustentam a “ausência de qualquer prova no sentido de que houve o desígnio de burlar a norma eleitoral, além da inexistência de obrigação de o Partido em realizar a substituição no momento em que houve a formalização da renúncia, conforme já amplamente fundamentado acima”.

Afirmam que “a ação ajuizada pelos candidatos não eleitos, Rafael Flores e Adriano Costa não passa de uma manobra para ludibriar o quociente eleitoral, sobre o qual não atingiram sequer 80% dos votos necessários, sendo apenas uma tentativa desesperada de assumirem uma cadeira que não possuem direito, conforme a legislação pertinente”.

Destacam, por outro lado, “que dos 14.259 votos válidos, 3.457 foram destinados aos candidatos às eleições proporcionais do Partido Liberal, sendo o mais votado, de maneira que seria um grande desrespeito à soberania popular a anulação desta quantidade – tão relevante – de sufrágios”, devendo prevalecer, no caso, o Princípio do In Dubio Pro Sufrágio.

Insistem que “deve-se manter incólume o deferimento do DRAP, haja vista que quando realizado o seu pedido a agremiação cumpriu com todas as exigências legais e, no que tange aos candidatos aqui recorridos, não devem sofrer qualquer sanção e tampouco devem ter seus votos anulados, pois não participaram ou anuíram com a renúncia realizada, sendo este ato perpetrado de forma unilateral pela candidata desistente (que sequer foi colocada no polo passivo da demanda), por motivos de saúde, de maneira que tal situação não pode ser atribuída e consequentemente causadora de qualquer penalidade a quem sequer teria como evitá-la”.

Sustentado restar “incontroverso que não houve descumprimento às normas eleitorais e tampouco qualquer fraude ou sequer indício de sua ocorrência”, requerem, ao final, “a manutenção da sentença proferida pelo juízo a quo, o qual decidiu pela improcedência da demanda, mantendo-se incólume o DRAP deferido em favor do Partido, bem como válidos todos os votos atribuídos aos candidatos a ele vinculados” (ID 19323307).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ID 19324561).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR ADILOR DANIELI (Relator): Senhor Presidente, o recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

A controvérsia reside na apuração de suposta ocorrência de fraude à cota de gênero, exigência legal estabelecida pelo art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, com a redação dada pela Lei nº 14.192/2021, que impõe aos partidos e coligações a obrigação de preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% das vagas para candidaturas de cada sexo nas eleições proporcionais. 

No caso em apreço, os ora recorrentes sustentam que o Partido Liberal lançou 9 candidatos para o cargo de vereador no município de São Joaquim - sendo 6 homens e 3 mulheres - e, em 30/08/2024, durante a campanha, a candidata Vanuza de Oliveira Matos, que tinha o seu pedido de registro de candidatura vinculado aos autos n 0600169-36.2024.6.24.0028 (DRAP), solicitou a desistência de sua candidatura, a qual restou homologada em 03/09/2024. 

Assevera que a fraude restou caracterizada, conforme o disposto no art. 8º da Resolução TSE n. 23.735/2024, ante a negligência do Partido Liberal (PL) de São Joaquim ao deixar de proceder à substituição a tempo e modo da candidata, ferindo a disposição legal supracitada.

O ilustre Magistrado de primeiro grau, cotejando a prova amealhada aos autos com as orientações objetivas dispostas na Súmula 73 do TSE e no art. 8º da Res. TSE n. 23.735/2004, concluiu que a parte demandada não incorreu em nenhuma das situações elencadas nas orientações normativas, isso porque: 

a) a renúncia ocorreu depois de deferido o DRAP; 

b) a contestação trouxe elementos indicando que a candidata preparou-se para a campanha, mandando imprimir  santinhos e panfletos; e 

c) a renúncia foi, conforme demonstrado  na contestação, em razão de problemas de saúde (“O atestado trazido com a contestação é indicativo disso”).

É o que se extrai da sentença, in verbis:

O pedido formulado tem por base fática a renúncia da candidata Vanusa de Oliveira Matos - que tinha o seu pedido de registro de candidatura vinculado aos autos nº 0600169-36.2024.6.24.0028 -  homologada em 03/09/2024, diminuindo o número de candidatas mulheres do Partido da República Municipal - PL e levando, assim, ao não cumprimento da cota mínima de 30% estipulada no artigo 10, § 3º, da Lei das Eleições. 

Não há nenhuma dúvida que a renúncia levou a uma proporção menor do número de candidatas mulheres que o exigido pela lei. Isso é fato incontroverso. 

Porém, de pronto, é necessário destacar que, quando do julgamento do DRAP, o percentual foi respeitado, tanto que deferido. A renúncia posterior é que trouxe o percentual para valor inferior ao exigido. [grifei]

Logo, até então, irregularidade alguma havia.

Tratando do assunto, a  Súmula 73, do TSE, preconiza que: "A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.".

Já a Resolução 23.735/24, do TSE,  preconiza que:

Art. 8º A fraude lesiva ao processo eleitoral abrange atos que possam iludir, confundir ou ludibriar o eleitorado ou adulterar processos de votação e simulações e artifícios empregados com a finalidade de conferir vantagem indevida a partido político, federação, coligação, candidata ou candidato e que possam comprometer a normalidade das eleições e a legitimidade dos mandatos eletivos.

§ 1º Configura fraude à lei, para fins eleitorais, a prática de atos com aparência de legalidade, mas destinados a frustrar os objetivos de normas eleitorais cogentes.

§ 2º A obtenção de votação zerada ou irrisória de candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação financeira e a ausência de atos efetivos de campanha em benefício próprio são suficientes para evidenciar o propósito de burlar o cumprimento da norma que estabelece a cota de gênero, conclusão não afastada pela afirmação não comprovada de desistência tácita da competição.

§ 3º Configura fraude à cota de gênero a negligência do partido político ou da federação na apresentação e no pedido de registro de candidaturas femininas, revelada por fatores como a inviabilidade jurídica patente da candidatura, a inércia em sanar pendência documental, a revelia e a ausência de substituição de candidata indeferida.

§ 4º Para a caracterização da fraude à cota de gênero, é suficiente o desvirtuamento finalístico, dispensada a demonstração do elemento subjetivo (consilium fraudis), consistente na intenção de fraudar a lei.

Essas são as orientações objetivas  para a verificação da fraude e, como se pode concluir facilmente, a parte demandada não incorreu em nenhuma delas, isso porque a renúncia ocorreu depois de deferido o DRAP;   a contestação trouxe elementos indicando que a candidata preparou-se para a campanha, mandando imprimir  santinhos e panfletos (Documento 124190548) e a renúncia foi,  conforme demonstrado  na contestação, em razão de problemas de saúde (O atestado trazido com a contestação (Documento 124190547) é indicativo disso). 

Nada indica, destarte, que se tratava de uma candidatura fictícia. [grifei]

A falta de substituição da candidata que renunciou, outrossim,  não está elencada nas orientações acima citadas, sendo imperativo recordar que essa substituição é uma faculdade e não uma imposição (artigo 13, da Lei 9.504/97 - vide também o artigo 72, caput, da Resolução TSE 23.609/19). [grifei]

Destaco, aliás, que  não seria razoável  compelir a parte demandada a obrigar uma filiada a candidatar-se, ainda que contra sua vontade, para atender à proporção legal. De algo dessa natureza, sim, com muita probabilidade, emergiria uma fraude.

Impõe-se, então, o julgamento de improcedência da AIJE.

Diante do exposto, julgo improcedente a AIJE (ação de investigação judicial eleitoral) proposta por Adriano Costa e Rafael Silva Flores, em face do Partido da República Municipal – PL, Bruna Padilha Malacarne, Fabiano Padilha, Jefferson Antônio Biolo Monteiro, Liciomar Garcia Ribeiro, Marcio Eron, Regina Aparecida CórdovaSebastião Pereira Velho. [grifos no original]

Os recorrentes insistem que a “inércia do partido em não substituir a candidata-mulher faltante é prova inequívoca do dolo da fraude da cota de gênero e consta na própria definição do instituto, conforme art. 8º da Res. TSE 23.735/24, novidade regulamentar dessas eleições”.

Razão, entretanto, não lhes assiste.

Consabido que o objetivo da norma legal disposta no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/1997 é promover a participação feminina na política e garantir a representatividade de gênero nos parlamentos, dentro daquilo que se denomina de ação afirmativa. 

 À propósito, as políticas afirmativas, como instrumento de efetividade dos programas de inclusão em favor da mulher na política, destinam-se, em verdade, a contribuir para concretização dos fundamentos da República previstos no art. 1º da Constituição Federal, em especial o respeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade material.

A respeito da fraude à cota de gênero, o Tribunal Superior Eleitoral tem entendimento consolidado de que “[...] as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa” (REspEl nº 0600965-83/MA, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 29.8.2023, DJe de 15.9.2023).

Ainda, segundo a Corte Superior Eleitoral, “A fraude à cota de gênero ocorre quando o partido, no momento do registro da candidatura, lança candidaturas femininas fictícias, ou seja, indica candidatas que não disputarão o pleito, com o intuito de tão somente atingir o mínimo de candidaturas de cada sexo exigido por lei. (AgR-TutCautAnt nº 060014192  Acórdão  Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.8.2022).

Em outras palavras, o reconhecimento da indigitada fraude ocorre quando comprovado que o partido, deliberadamente, lança candidaturas femininas inviáveis, sem nenhuma condição de prosperar, natimortas, apenas para atingir o percentual mínimo exigido para cada sexo.

No caso em apreço, não há nenhuma prova, nem sequer indícios de que a candidatura de Vanuza tenha sido lançada apenas para atingir os percentuais de cada gênero exigido legalmente, a fim de viabilizar o deferimento do DRAP; tampouco de que o partido tenha deixado de substituir a candidata com o intuito deliberado de impedir a participação feminina no pleito ou, então, burlar a representatividade de gênero, em benefício das candidaturas masculinas.

Verifico que a informação gerada pelo sistema deste Tribunal no Requerimento de Registro de Candidatura (RRC n. n. 0600169-36.2024.6.24.0028) da referida candidata, colacionado aos autos (Id 19323247, p. 23), demonstra  que ela reunia todas as condições para ter seu registro deferido, pois preenchia todos os requisitos de elegibilidade e não incorria em nenhuma causa de inelegibilidade.

Para além disso, constato que a candidata teve material de propaganda confeccionado para a realização de sua campanha eleitoral (ID 19323279), o que demonstra sua intenção de participar efetivamente do pleito. 

Também há prova de que a Sra. Vanuza precisou se afastar da disputa por motivo de saúde (declaração médica juntada na contestação - ID 19323278), o que a obrigou a renunciar à sua candidatura em 30.8.2024, conforme constou de seu Registro de Candidatura, cuja sentença transitou em julgado em 8.9.2024.

Diante dessas circunstâncias e comprovado a existência de fato superveniente ao pedido de registro de candidatura, ou seja, problema de saúde da candidata, que motivou a sua renúncia à disputa no pleito, após o deferimento do DRAP, não há que se falar em “nulidade do DRAP”. 

Tampouco verifico dolo ou má-fé com a finalidade de fraudar a cota de gênero prevista na legislação eleitoral, tanto por parte do partido quanto da candidata.

Como cediço, a jurisprudência no TSE firmou-se no sentido de que "É admissível e até mesmo corriqueira a desistência tácita de disputar o pleito por motivos íntimos e pessoais, não controláveis pelo Poder Judiciário, sendo descabido e exagerado deduzir o ardil sem que se comprove má–fé ou prévio ajuste de vontades no propósito de burlar a ação afirmativa" (AgR–REspe nº 2–64/BA, Rel. Min. Jorge Mussi).

Também na hipótese de desistência formal da candidatura, a Corte Superior já decidiu que “a formalização de renúncia torna-se indiferente quando for possível extrair do caderno fático-probatório, explicitado no processo, a presença de padrões indicativos de fraude que denotem nunca ter havido, de fato, a pretensão de concorrer ao pleito” (AgR no AgREspe. n. 0600468-03, de 22.8.2024, Rel. Min. Nunes Marques).

No caso, a candidata renunciante, Sra. Vanuza de Oliveira Matos, formalizou a sua renúncia em 31.8.2024, “por razões de foro íntimo” (Id n. 19323247, p. 27), não havendo, nos autos, nenhum indício capaz de macular a sua atitude, no sentido de que ela pudesse estar em conluio com algum integrante partidário a fim de fraudar a cota de gênero. 

Quanto à alegação dos recorrentes de que “O partido teve 13 dias para a adequação à determinação legal de manutenção da proporção de gênero e nada fez”, realço que o DRAP já havia sido deferido e não há sequer demonstração de que a agremiação tivesse sido intimada para fazer algum ajuste de cota, nem que tivesse alguma pendência no registro de candidatura da Sra. Vanuza que lhe demandasse alguma providência, pelo que não se verifica inércia ou revelia da grei, o que reforça a convicção de inexistência de má-fé tanto da candidata, quanto do partido.  

Outrossim, a substituição de candidato é uma faculdade partidária, conforme disposto no art. 13 da Lei n. 9.504/1997. Não há, na legislação eleitoral, nenhum dispositivo que imponha à agremiação que assim o faça, sob pena de sofrer algum prejuízo. 

Vale ressaltar que o § 3º do art. 8º da Res. TSE n. 23.735/2024 menciona negligência do partido político, passível de configuração de fraude, a ”ausência de substituição de candidata indeferida”, o que não é o caso.

Nessa senda, como bem ponderou o ilustre Magistrado, obrigar o partido político a substituir candidata desistente após a homologação do DRAP, estar-se-ia, desta forma, a incentivar o aparecimento de candidatura fictícia, pois haveria uma busca desenfreada por candidatas, mesmo que não houvesse interessadas na circunscrição, apenas para atender à proporção legal.

Por outro lado, exigir, nas circunstâncias apresentadas nos presentes autos, que o partido político cancelasse dois candidatos masculinos para restabelecer o percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% das vagas para candidaturas de cada sexo também me parece de todo desarrazoado, conforme, aliás, bem pontuou o ilustre Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, cujos excertos transcrevo e os adoto igualmente como razão de decidir, evitando assim desnecessária tautologia:

[...]

Delineado o quadro acima, verifica-se que não restou configurada a fraude à cota de gênero alegada no recurso, já que não houve candidatura fictícia a vereadora de Vanuza de Oliveira Matos pelo PL de São Joaquim, nem restou comprovado que houve inércia deliberada daquele partido político em regularizar o respectivo percentual mínimo de candidaturas femininas, pelo que o recurso deve ser desprovido.

Isso porque na chapa proporcional dessa candidata a vereadora havia 6 candidatos a vereador e 3 candidatas a vereadora, pelo que o respectivo Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários - DRAP n. 0600161-59.2024.6.24.0028 foi deferido por restar cumprido o percentual mínimo de candidaturas femininas previsto no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, cuja sentença havia transitado em julgado em 3.9.2024.

Nesse interregno, sobreveio prova de que a candidata a vereadora Vanuza de Oliveira Matos confeccionou material de propaganda para sua campanha eleitoral (vide fotografia do ID 19323278, p. 1), mas teve que se afastar por motivo de saúde (vide atestado médico do ID 19323277, p. 1), o que a obrigou a renunciar à sua candidatura em 30.8.2024 conforme constou de seu Registro de Candidatura n. 0600169-36.2024.6.24.0028, cuja sentença transitou em julgado em 8.9.2024.

Em tais circunstâncias, não restou caracterizada a fraude à cota de gênero invocada pelos candidatos apelantes, ainda que o apontado DRAP não tenha cumprido o percentual mínimo de candidatas previsto no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, já que o número de candidatas diminuiu para duas, ao passo que o número de candidatos foi mantido em seis, perfazendo assim percentual de 25 % de candidatas, o que decorreu da renúncia superveniente da candidata a vereadora Vanuza de Oliveira Matos por motivo médico, conforme visto anteriormente.

A partir da referida renúncia, os candidatos apelantes alegam que o respectivo partido político deveria providenciar outra candidata a vereadora para substituir aquela renunciante ou, no mínimo, cancelar candidatos masculinos até o restabelecimento do referido percentual mínimo de candidaturas femininas previsto no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições.

Ocorre que, em pleno curso da campanha, diante de uma renúncia inesperada de uma candidata a vereadora, não foi possível convocar outra candidata a esse cargo eletivo a tempo e modo que quisesse concorrer ao cargo de vereadora naquele momento da campanha, não sendo exigível, ademais, que o respectivo partido político assim o fizesse, conforme muito bem esclarecido pelo Juízo da Zona Eleitoral de origem na parte final de sua sentença acima transcrita, já que obrigar uma filiada a ser candidata por força daquela renúncia poderia, aí sim, configurar uma candidatura feminina fictícia, o que não ocorreu.

De outro lado, exigir-se que o respectivo partido político cancelasse dois candidatos masculinos para restabelecer o percentual mínimo de candidaturas femininas de seu DRAP - já que apenas um não era suficiente para tanto - não seria, salvo melhor juízo, razoável e proporcional no caso concreto ora sob julgamento, ainda que isso fosse possível, vez que a renúncia inesperada da candidata a vereadora não resultou da vontade de nenhum daqueles candidatos, não sendo aceitável que tivessem que abandonar suas campanhas por conta desse fato, ainda mais que aquele partido político foi o mais votado no Município de São Joaquim, elegendo 3 dos 9 vereadores desse Município, não havendo notícia, ainda, que esse partido político tivesse agido com inércia dolosa ao deixar de cancelar essas eventuais duas candidaturas masculinas com intenção deliberada de fraudar a cota de gênero em seu sentido estrito.

Com efeito, as circunstâncias existentes no presente feito acima referidas afastaram qualquer das hipóteses previstas na Súmula TSE n. 73 para o fim de ser reconhecida a apontada candidatura fictícia e/ou deliberada fraude à cota de gênero, prevalecendo o princípio in dubio pro sufrágio para que apelo seja desprovido. [grifei]

Deve ser afastada a responsabilização do partido, em caso de descumprimento superveniente da cota de gênero, quando não existem indícios de má–fé.

Assim como o ilustre Procurador Regional Eleitoral, entendo que o descumprimento da cota de gênero superveniente, por motivo alheio à vontade do partido, como a renúncia, não pode afetar as candidaturas deferidas, salvo quando houver provas concretas de fraude eleitoral. 

Outrossim, a renúncia superveniente ao deferimento do DRAP não pode acarretar responsabilidade objetiva ao partido, como querem os recorrentes, sem que haja elementos sólidos que façam transparecer o objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, o que não se vislumbra no caso em apreço.

Nesse sentido, colho da jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ARTIGO 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. DESCUMPRIMENTO SUPERVENIENTE DE COTA DE GÊNERO. CANDIDATURA FICTA. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL DAS CANDIDATAS. PRÉVIO CONHECIMENTO. FRAUDE. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRESUNÇÃO DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO ROBUSTA. PRECEDENTES DO TSE. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE MATERIAL DE CAMPANHA DE MÍDIA DIGITAL NÃO CONFIGURA FRAUDE POR SI SÓ. RECURSO ELEITORAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 

1. A cota de gênero ( § 3º do artigo 10 da Lei 9.504/1997) é uma ação afirmativa que tem como objetivo diminuir a hegemonia estrutural masculina na política, estabelecendo um mínimo a ser cumprido pelo partido ou coligação, tanto no registro de candidatas, quanto na distribuição de verbas e tempo de propaganda. 

2. O debate nos autos do processo não é sobre a justificativa ou não desta política, a sua validade é um pressuposto, de maneira que se discute a partir do caso em concreto se houve cumprimento, com ou sem fraude. 

3. Os autos devem ser analisados a partir das seguintes perspectivas: (a) há descumprimento objetivo do percentual de gênero quando indeferido registro de candidatura superveniente ao trânsito em julgado do DRAP? (b) o partido assume o risco da substituição do candidato ou da candidata quando o seu registro é indeferido (superveniente), baseado em matéria da qual o partido deveria ter conhecimento, como quitação eleitoral ou filiação partidária? (c) ante o debate das questões anteriores, ainda que cumprida a cota de gênero, esse cumprimento se deu com fraude a partir de candidatura feminina fictícia? 

4. De acordo com a norma do § 4º do artigo 17 da Resolução TSE 23.609/2019, a equivalência da cota de gênero a ser mantida deve ser observada nos casos de substituição, e não no caso de renúncia ou indeferimento. Para o Tribunal Superior Eleitoral, "o indeferimento posterior de candidaturas não infirma a observância do sistema de cotas pelo Partido" ( Recurso Especial Eleitoral nº 107079, Acórdão, Relator (a) Min. Marco Aurélio, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11/12/2012). Não há como analisar o descumprimento da cota de gênero dissociado do intuito de fraudar, de maneira que o descumprimento superveniente não atrai a responsabilidade objetiva do partido. 

5. O TSE já se manifestou no sentido de que não pode haver presunção de prévio conhecimento do partido quando o registro de candidatura individual for indeferido por ausência de filiação partidária: "(...) Na espécie, inúmeros aspectos revelam a ausência de provas robustas acerca da hipotética fraude. De início, o fato de o registro de uma das candidatas ter sido negado por ausência de filiação partidária é incapaz, por si só, de demonstrar o cometimento do ilícito". RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL nº 060169322, Acórdão, Relator (a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 71, Data 22/04/2021). 71, Data 22/04/2021). Portanto, as causas de indeferimento per si, não podem isolada e objetivamente caracterizar fraude na cota de gênero, devendo haver prova de que o partido ao substituir o candidato ou a candidata o tenha feito com animus fraudulento ou de má-fé, o que não está demonstrado no caso dos autos. 

6. O TSE já consolidou o entendimento de que a caracterização da fraude à cota de gênero, cujo conteúdo depende de diversas circunstâncias, deve vir acompanhada de prova robusta, como a disputa de mulheres com familiares próximos, sem notícia de animosidade política entre eles; atuação daquelas em prol da campanha dos parentes ou de candidatos do sexo masculino; ausência de despesas com material de propaganda; votação pífia ou zerada; reincidência em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota; e fruição de licença remunerada do serviço público -- fatores que não foram cabalmente demonstrados na espécie, a partir das provas dos autos. 7. Recurso conhecido e desprovido. (TRE/PA, REl nº 060000460 -BELÉM - PA, Relatora Des. Carina Cátia Bastos de Senna, j. 10/02/2022, destaquei). Portanto, as causas de indeferimento per si, não podem isolada e objetivamente caracterizar fraude na cota de gênero, devendo haver prova de que o partido ao substituir o candidato ou a candidata o tenha feito com animus fraudulento ou de má-fé, o que não está demonstrado no caso dos autos. 

7. Recurso conhecido e desprovido. [TRE/PA, REl n. 060000460, Relatora Des. Carina Cátia Bastos de Senna, j. 10/02/2022, grifei].

E ainda, a respeito de renúncia de candidata após deferimento do DRAP, colho de julgado do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo os seguintes excertos:

[...]

Apesar de o atendimento objetivo do percentual de gênero ser rigorosamente obedecido por essa Corte como baliza para o reconhecimento da regularidade ou não do DRAP nesse ponto, não é possível exigir da agremiação que preveja e corrija situação que foge ao seu controle, visto que também é faculdade da candidata renunciar a qualquer tempo, inclusive após o término do prazo para substituição, não estando obrigada a sustentar candidatura sobre a qual não tenha mais interesse.

Não sendo o descumprimento superveniente do percentual de gênero, no presente caso, circunstância atribuível ao partido, deve prevalecer o princípio in dubio pro sufrágio, a fim de resguardar a vontade popular manifestada nos votos depositados em favor dos demais candidatos constantes no DRAP.

Recurso conhecido e desprovido, mantendo-se incólume a sentença impugnada, nos termos da fundamentação”. [TRE-SP. Recurso Eleitoral 60079444, relator o Juiz Rafael Fecury Nogueira, julgamento em 23 de maio de 2023]

 

Vale, ainda, trazer à colação o seguinte precedente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, mutatis mutandis:

 

ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATURA FEMININA. COTA DE GÊNERO. RENÚNCIA SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE. CANDIDATURA VIÁVEL. ATOS DE CAMPANHA COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE DOLO PARTIDÁRIO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO

 

I. CASO EM EXAME 

 

1. Recurso eleitoral interposto, visando a reforma da sentença que julgou improcedente a ação, sob o argumento de que a conduta do partido em não promover o ajuste à cota de gênero, após a renúncia da candidata, violou a regra do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97.

 

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO.

 

2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a ausência de substituição de candidata que renunciou após o prazo de registro configura, por si só, fraude à cota de gênero; (ii) saber se, no caso concreto, a renúncia decorreu de fraude deliberada da agremiação partidária para simular o cumprimento da norma. 

 

III. RAZÕES DE DECIDIR. 

 

3. Consoante dispõe o art. 8º, § 3º, da Resolução/TSE nº 23.735/2024 “configura fraude à cota de gênero a negligência do partido político ou da federação na apresentação e no pedido de registro de candidaturas femininas, revelada por fatores como a inviabilidade jurídica patente da candidatura, a inércia em sanar pendência documental, a revelia e a ausência de substituição de candidata indeferida." 

 

4. No caso em apreço, além de não ter havido o registro de candidatura inviável, não ter se verificado inércia ou revelia dos interessados, tampouco tratar-se de substituição de candidata indeferida, a prova oral colhida em audiência revelou que a candidata efetivamente realizou atos de campanha, demonstrando sua intenção inicial genuína de concorrer ao cargo eletivo. 

 

5. Comprovado que a renúncia da candidata se deu em razão de coação indireta promovida por agente político adversário, com promessa de vantagem, não há que se falar em candidatura fictícia ou má-fé da agremiação. 

 

6. A ausência de substituição da candidata renunciante não configura, por si só, violação à cota de gênero prevista no art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97. Conforme o art. 13 da referida lei, é facultado ao partido político promover substituição de candidatos e candidatas, nas hipóteses previstas, inclusive por renúncia, desde que não haja indícios de fraude ou burla à norma de ação afirmativa. 

 

7. A sentença de improcedência merece ser mantida, pois não houve comprovação de simulação ou burla por parte da legenda. 

 

IV. DISPOSITIVO E TESE 

 

8. Recurso conhecido e não provido, mantendo-se a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral. 

 

Tese de julgamento: A não substituição de candidata renunciante, mesmo havendo prazo hábil para tanto, não configura, por si só, fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, especialmente quando demonstrada a viabilidade jurídica da candidatura, a prática de atos efetivos de campanha e a existência de coação externa como causa da desistência. 

 

Dispositivos relevantes citados: 

 

Lei nº 9.504/97, arts. 10, § 3º; 11; 13 

 

Resolução TSE nº 23.609/2019, art. 72, §§ 1º e 4º 

 

Resolução TSE nº 23.735/2024, art. 8º, § 3º

 

Súmula TSE nº 73 

 

Jurisprudência relevante citada: 

 

TSE, AgR no AREspEl nº 060046803, Rel. Min. Kassio Nunes Marques, DJE 02/09/2024. 

 

TRE-MG, RE nº 060028326, Rel. Des. Carlos Henrique Perpetuo Braga, Sessão 02/12/2024. [TRE-GO - RECURSO ELEITORAL - PROCESSO N. 0601019-66.2024.6.09.0074 - Rel. Des. Alessandra Gontijo do Amaral, Julg. em 24/06/2025 - grifei].

 

Diante do entendimento jurisprudencial exposto, entendo que, deferido o registro do DRAP por restarem atendidas as exigências legais, é viável a propositura de AIJE sob a alegação de fraude à cota de gênero, porém, para caracterização do ilícito, deve haver prova robusta de que a indicação de candidatura feminina deu-se apenas para viabilizar o deferimento do DRAP, o que pode ser depreendido por meio de atos do partido (ação ou omissão deliberada) reveladores de tal intento, como se viu nos precedentes citados, sendo juridicamente desarrazoada a alegação de fraude por falta de substituição de candidata que, além de não se tratar de candidatura inviável, renuncia, após o deferimento do DRAP, por motivo de saúde devidamente demonstrado, não havendo nenhuma evidência de má-fé da candidata ou do partido.

Cumpre destacar, ademais, que os precedentes invocados pelos recorrentes diferem da situação fática apresentada nos presentes autos, se não vejamos.

Quanto ao julgado do TRESC no REl n. 0600565-15.2020.6.24.0105 (Ac. 35.911, de 07/10/2021, Rel. Juiz Rodrigo Fernandes), verifico que a situação fática se distingue, porquanto, embora se trata de AIJE por suposta fraude de cota de gênero, a alegada fraude envolvia candidatas cujos pedidos de registros foram indeferidos, tendo o TRESC, no julgamento do recurso, assentado a configuração do ilícito nas premissas de que a agremiação registrou uma parte de seus candidatos sem os requisitos mínimos de elegibilidade – filiação partidária tempestiva –, tornando inviável o êxito dessas candidaturas; e de que o partido não repassou verbas públicas às candidatas que não cumpriam os referidos requisitos. 

Ademais, constato que a decisão deste Tribunal foi modificada pelo Tribunal Superior Eleitoral que, à unanimidade, deu provimento ao recurso especial, julgando improcedente a referida AIJE, ante a ausência de provas robustas da configuração de fraude na apresentação de candidaturas femininas. 

Transcrevo a ementa do julgado do TSE, dada a pertinência: 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. COTA DE GÊNERO. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ELEITORAL. AFASTADA. COMPROVAÇÃO DE JUSTA CAUSA PARA A DILAÇÃO DO PRAZO RECURSAL. ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. MÉRITO. FRAUDE NA APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS FEMININAS. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. BOA-FÉ DAS CANDIDATAS. REFORMA DO ACÓRDÃO REGIONAL. IMPROCEDÊNCIA DA AIJE. PARCIAL PROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO E DO RECURSO ESPECIAL.

1. Trata-se de AIJE ajuizada contra os candidatos ao cargo de vereador registrados pelo Diretório Municipal do Republicanos em Garuva/SC, para apurar a ocorrência de fraude à cota de gênero mediante o registro de candidaturas fictícias no pleito de 2020.

2. O TRE/SC reformou parcialmente a sentença de improcedência dos pedidos formulados na inicial para: (a) reconhecer a prática de abuso de poder; (b) cassar os diplomas de todos os candidatos registrados pelo partido vinculados ao DRAP nº 0600299-28.2020.6.24.0105, desconstituindo seus mandatos; (c) declarar a nulidade dos votos conferidos ao Republicanos daquele município nas referidas eleições, com a distribuição dos mandatos de vereador conquistados pela agremiação aos demais partidos; (d) determinar a execução do julgado após a publicação de eventual acórdão em embargos de declaração ou com a interposição de recurso ao TSE.

[...]

5. Quanto ao tema de fundo, a controvérsia diz respeito à configuração ou não de burla à regra do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 na apresentação de candidatos ao cargo de vereador pelo Republicanos do Município de Garuva/SC nas Eleições 2020.

6. O diretório partidário apresentou lista com 14 candidatos para concorrer ao pleito proporcional, sendo 9 homens e 5 mulheres. Desse total, 4 homens e 3 mulheres tiveram suas candidaturas indeferidas. O indeferimento do registro de candidatura dessas 3 mulheres e de 2 dos 4 homens decorreu da ausência de filiação partidária tempestiva.

7. Para assentar a configuração do ilícito, o Tribunal a quo se norteou nas premissas de que a agremiação registrou uma parte de seus candidatos sem os requisitos mínimos de elegibilidade – filiação partidária tempestiva –, tornando inviável o êxito dessas candidaturas; e de que o partido não repassou verbas públicas às candidatas que não cumpriam os referidos requisitos.

8. Esta Corte Superior possui a compreensão de que a ausência de filiação partidária válida, por si só, não demonstra a configuração da fraude, sobretudo na hipótese em que evidenciada a boa-fé da candidata ou das candidatas. Precedente: AgR-RO-El nº 0601693-22/RO, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5.4.2021, DJe de 22.4.2021.

9. No caso, a boa-fé das candidatas ficou evidenciada sobretudo pelo fato de que elas efetivamente participaram do pleito, realizaram campanha e, inclusive, angariaram votação expressiva, conforme registrado no acórdão regional.

10. A análise detida das premissas fáticas estabelecidas no acórdão regional permite concluir que as especificidades do caso concreto fragilizam a tese de que houve, inequivocamente, acordo de vontades com o intuito específico de burlar a regra que prevê a participação mínima de candidatas no pleito.

11. Como cediço, é “[...] descabido e exagerado deduzir o ardil sem que se comprove má-fé ou prévio ajuste de vontades no propósito de burlar a ação afirmativa” (AgR-REspe nº 2-64/BA, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3.10.2019, DJe de 25.11.2019).

12. Nos termos da jurisprudência desta Corte, diante de dúvida razoável acerca da robustez do conjunto fático-probatório do acórdão regional, é de rigor privilegiar o princípio do in dubio pro sufragio, “[...] segundo o qual a expressão do voto e da soberania popular merece ser preservada pelo Poder Judiciário” (RO nº 0600086-33/TO, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 29.5.2018).

13. Agravo interno provido parcialmente para reconhecer a tempestividade do recurso eleitoral interposto contra a sentença. Recurso especial provido para, no mérito, reformar o acórdão regional, a fim de julgar improcedente a AIJE, ante a ausência de provas robustas da configuração de fraude na apresentação de candidaturas femininas. [AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0600565-15.2020.6.24.0105 – GARUVA – SANTA CATARINA -  Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 09/06/2022 - grifei]

No que diz respeito ao julgado do TRESC no RE n. 0600187-04.2020.6.24.0091 (Rel. Juiz Luis Francisco Delpizzo Miranda, julgado em 29/10/2020), também a situação fática é distinta, tratando-se de recurso no próprio registro de candidatura - Demonstrativo de Atos Partidários (DRAP) - de partido, processo que se destinou tão somente a verificar a regularidade do partido requerente. 

 

Nesse processo, o DRAP do partido foi indeferido pelo Juízo a quo, porquanto não atendia à exigência do percentual por gênero, tendo este Tribunal modificado a decisão, considerando a sua posterior regularização.  

 

Realço que, no caso dos presentes autos, o DRAP do Partido Liberal foi deferido pelo Juízo a quo, uma vez que se encontrava regular, tendo observado, inclusive, o percentual de gênero fixado na lei. A renúncia apresentada pela indigitada candidata no seu registro de candidatura (RRC), em razão de “foro íntimo” (problemas de saúde), deu-se posteriormente à sentença de deferimento do registro do DRAP.

 

Quanto ao julgado do TSE no AgR AgR REspEl 0600263-34, de  29/02/2024, também difere do presente caso, pois também envolve registro de uma candidatura feminina que foi indeferido e “a agremiação deixou transcorrer in albis o prazo para a substituição da candidata”, ou seja, além de registro indeferido, o partido foi intimado para promover a substituição da candidata, o que não é o caso dos autos. Já quanto a outra candidata que também teve seu registro indeferido, constatou-se que “sequer possuía chance de êxito, à míngua do requisito essencial da filiação partidária”, restando demonstrado que “a grei, deliberadamente, apresentou candidatura inviável”, o que também não é o caso dos presentes autos, como se viu. 

 

Por fim, o julgado do TSE AgR-REspEl n. 0600665-11, de 20/6/2024, constato que a conclusão pela configuração de fraude pela Corte Superior Eleitoral baseou-se não só pelo fato de ter havido renúncia formal após o deferimento do DRAP, sem que tivesse a candidata sido substituída pelo partido, mas, conforme se depreende dos autos - especialmente do voto divergente da Corte Regional Eleitoral de Pernambuco (que, por maioria, havia decidido pela procedência da AIJE) -, a candidata teve o registro de sua candidatura indeferido, não houve recurso por parte do partido, embora existissem motivos plausíveis para recorrer (inércia dolosa), e, em seguida, ela renunciou, sem que a parte comprovasse na AIJE que a candidata tivesse razões supervenientes plausíveis para renunciar.

 

A presença de tais elementos, somados à ausência de substituição a tempo e modo, denotam, nos precedentes citados, a configuração do ilícito. 

 

Tais circunstâncias, entretanto, não se evidenciam no caso em apreço.

 

Assim, na linha da jurisprudência consolidada do TSE, diante da ausência de robustez do conjunto fático-probatório, é de rigor privilegiar o princípio do in dubio pro sufragio, “[...] segundo o qual a expressão do voto e da soberania popular merece ser preservada pelo Poder Judiciário” (RO nº 0600086-33/TO, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 29.5.2018).

Nesse sentido, destaco:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIME. VEREADOR. ALEGAÇÃO DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO. REGISTRO DE CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. ACERTO. AUSÊNCIA DE ROBUSTEZ DO CADERNO PROBATÓRIO. DESISTÊNCIA TÁCITA. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS SUMULARES NºS 24 E 30 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. O Tribunal local, soberano na análise de fatos e provas constantes nos autos, concluiu que não ficou evidenciado o caráter fictício da candidatura, malgrado tenha expressamente consignado a existência de diversos indícios nesse sentido (quantidade inexpressiva de votos, ausência de contratação de serviços, doação de serviços em valor ínfimo, ausência de atos de campanha nas redes sociais)

2. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, além de meros indícios, faz–se necessária a presença de provas robustas para configurar a fraude em candidaturas femininas. Precedente

3. Na espécie, a candidata teve gestação de alto risco durante a corrida eleitoral, o que corrobora a alegação de que houve a desistência tácita de sua campanha, conduta admitida por esta Justiça especializada.

4. Deve ser mantida a decisão agravada, ante a inexistência de argumentos aptos a modificá-la.

5. Negado provimento ao agravo interno. [Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060000172, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/04/2022 - grifei].

 

E ainda, do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia,  mutatis mutandis:

 

Eleições 2024. Recurso Eleitoral. AIJE. Suposta fraude no lançamento de candidaturas do gênero feminino. Renúncia das candidatas. Sentença pela improcedência. Ausência de acervo probatório robusto. Não comprometimento da normalidade e legitimidade das Eleições. Desprovimento. [TRE-BA. RE n. 0600747-84.2024.6.05.0203, Rel. Des. Danilo Costa Luiz, julgado em 17/07/2025 - grifei].

 

Não havendo nos presentes autos elementos consistentes que sustentem a tese de burla à cota de gênero, a manutenção da sentença de improcedência é medida que se impõe.

Ante o exposto, conheço do recurso e, no mérito, a ele negar provimento.

É como voto.

DECLARAÇÃO DE VOTO 

O SENHOR JUIZ CARLOS ALBERTO CIVINSKI (Presidente): Senhores Juízes, acompanhando integralmente o substancioso voto do eminente Relator, alinho os seguintes argumentos em reforço à decisão adotada.

 Conforme o exame detalhado realizado pelo Relator, o conjunto fático-probatório não evidenciou a alegada fraude à cota de gênero. Constatou-se que não houve a interposição de candidatura fictícia de Vanuza de Oliveira Matos, tampouco a inércia deliberada da agremiação partidária no cumprimento do percentual mínimo estabelecido no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997. O Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP 0600161-59.2024.6.24.0028) foi regularmente deferido, haja vista que a chapa proporcional contava com seis candidatos e três candidatas, observando integralmente o percentual de 30%, com o respectivo trânsito em julgado em 3.9.2024.

A candidata promoveu a confecção de material de propaganda e iniciou sua campanha eleitoral, conforme devidamente documentado nos autos, o que afasta qualquer indicativo de candidatura fictícia. O subsequente pedido de renúncia, protocolizado em 30.8.2024, adveio de motivo de saúde devidamente comprovado, o que redundou na redução superveniente do número de candidatas. A consequência aritmética — a diminuição do percentual para 25% — constituiu, portanto, um efeito não intencional de um fato superveniente, alheio à intenção do partido, não se enquadrando nas hipóteses de fraude ou manipulação deliberada do percentual de gênero.

Exigir, neste contexto, que a agremiação partidária providenciasse nova candidata ou cancelasse duas candidaturas masculinas para recompor o percentual não se afigurava razoável. A renúncia ocorreu em pleno curso da campanha eleitoral, momento em que não seria factível a captação de interessada apta a assumir a candidatura de forma legítima e autônoma, sob pena de, in casu, fomentar uma candidatura artificial. De igual modo, a supressão de candidaturas masculinas — cuja manutenção não denota dolo ou intento fraudulento — imporia ônus desproporcional, máxime quando inexistentes indícios de que o partido buscou manipular o percentual de gênero.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, consolidada na Súmula 73 e em diversos precedentes, reitera a necessidade de que a análise da cota de gênero considere a intenção da agremiação partidária e as circunstâncias fáticas concretas, com o propósito de evitar que o estrito cumprimento formal da legislação acarrete em sanção desproporcional diante de fatos supervenientes e comprovadamente alheios à vontade do partido.

Nessas circunstâncias, não há subsídio para o reconhecimento de qualquer das hipóteses previstas na referida Súmula. Ao revés, o conjunto probatório manifesta a atuação regular da agremiação e o efetivo engajamento da candidata até o momento em que razões de ordem médica a impediram de prosseguir na disputa.

Nesse diapasão, incide o princípio in dubio pro sufragio, de modo a preservar a validade das candidaturas regularmente constituídas, sempre que não reste cabalmente comprovada a intenção dolosa de fraude ou simulação. Ressalte-se que a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade na exegese da norma são imperativos para assegurar a efetividade do processo eleitoral, sem comprometer a liberdade de escolha dos partidos e dos candidatos.

Diante do exposto, manifesto-me pelo desprovimento do recurso, com a consequente manutenção integral da sentença, garantindo-se a observância dos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, em harmonia com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

É como voto.

EXTRATO DE ATA

RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600330-46.2024.6.24.0028 - SÃO JOAQUIM - SANTA CATARINA

RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL ADILOR DANIELI

RECORRENTE: ADRIANO COSTA
ADVOGADO: EMANOELLA VIEIRA FERREIRA - OAB/SC61633
ADVOGADO: MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA - OAB/SC12309
RECORRENTE: RAFAEL SILVA FLORES
ADVOGADO: EMANOELLA VIEIRA FERREIRA - OAB/SC61633
ADVOGADO: MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA - OAB/SC12309
RECORRIDO: PARTIDO LIBERAL (PL) - SÃO JOAQUIM - SC - MUNICIPAL
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: SEBASTIAO PEREIRA VELHO
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: FABIANO PADILHA
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: MARCIO ERON DE SOUZA
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: LICIOMAR GARCIA RIBEIRO
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: LIANDER DA SILVA PADILHA
ADVOGADO: ANDRE ZANETE DE SOUZA - OAB/SC69122
RECORRIDO: JEFFERSON ANTONIO BIOLO MONTEIRO
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: REGINA APARECIDA CORDOVA
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752
RECORRIDO: BRUNA PADILHA MALACARNE
ADVOGADO: PATRICIA APARECIDA CARBONI DA SILVA - OAB/SC50752

Decisão: ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso e a ele negar provimento, nos termos do voto do Relator.

Apresentaram sustentação oral as Advogadas Emanoella Vieira Ferreira e Patricia Aparecida Carboni da Silva.

Participaram do julgamento os Desembargadores Carlos Alberto Civinski (Presidente), Carlos Roberto da Silva, Adilor Danieli, Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho, Marcelo Pizolati, Victor Luiz dos Santos Laus e Filipe Ximenes de Melo Malinverni.

Presente o Procurador Regional Eleitoral Claudio Valentim Cristani.

Processo julgado na sessão de 09/12/2025.