TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA

RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600065-07.2024.6.24.0105

RECORRENTE: LEONIR JORGE KAUFUMANN
ADVOGADO: JAQUELINE DE FATIMA CORDEIRO - OAB/PR64451
ADVOGADO: MARIA ADRIANA PEREIRA DE SOUZA - OAB/PR25718
RECORRIDO: PARTIDO LIBERAL (PL) - ITAPOÁ - SC - MUNICIPAL
ADVOGADO: JOSE CARLOS POZZER DE OLIVEIRA - OAB/SC55338
ADVOGADO: BRUNO RIBEIRO DE ALMEIDA - OAB/SC55667

RELATOR: JUIZ SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ELEIÇÕES 2024 – RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO – PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA – MENSAGEM DIVULGADA EM GRUPO DE WHATSAPP – ALEGAÇÃO DE VEICULAÇÃO DE DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÃO FALSA, COM O INTUITO DE PREJUDICAR PRÉ-CANDIDATO A PREFEITO – REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE NA ORIGEM, COM APLICAÇÃO DE MULTA.

PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA – DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM DE ÁUDIO EM GRUPO DE WHATSAPP POR PESSOA NATURAL – INFORMAÇÃO FALSA A RESPEITO DE PRÉ-CANDIDATO A PREFEITO – APLICATIVO DE MENSAGENS INSTANTÂNEAS – GRUPO RESTRITO DE PARTICIPANTES – MENSAGENS QUE NÃO SE SUBMETEM ÀS NORMAS SOBRE PROPAGANDA ELEITORAL – ART. 33, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/2019 – PRECEDENTES DO TSE E DO TRE-SC – ALEGAÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE CONTEÚDO FABRICADO OU MANIPULADO PARA DIFUNDIR FATOS NOTORIAMENTE INVERÍDICOS OU DESCONTEXTUALIZADOS COM POTENCIAL PARA CAUSAR DANOS AO EQUILÍBRIO DO PLEITO – ART. 9º-C DA RES. TSE N. 23.610/2019 – NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE OS FATOS CONSTANTES DA MENSAGEM SÃO NOTORIAMENTE INVERÍDICOS – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO POTENCIAL DE A MENSAGEM DIVULGADA EM GRUPO DE MENSAGERIA COM 80 INTEGRANTES CAUSAR DANOS AO EQUILÍBRIO DO PLEITO – RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO, AFASTANDO A MULTA APLICADA NA SENTENÇA.

 

ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso e a ele dar provimento, nos termos do voto do Relator.

 Florianópolis, 27 de agosto de 2024.

JUIZ SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ,  RELATOR

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo LEONIR JORGE KAUFMANN em face da sentença proferida pelo Juízo da 105ª Zona Eleitoral, que julgou procedente representação contra ele proposta pelo PARTIDO LIBERAL (PL) DE ITAPOÁ, aplicando-lhe multa no valor de R$ 6.000,00.

O recorrente alega, em síntese, que: a) “a publicação que teria sido compartilhada pelo Recorrente trata-se de mero ‘print de whatsapp’ onde consta a informação de que o pré-candidato Tiago receberia dinheiro de pessoa condenada na Operação Lava Jato denominado Alberto Youssef, citando outros pré-candidatos ao posto de Vereador pelo partido representante (Janayna Gomes Silvino, João Márcio Faligurski e Isabel Correia Marcondes)”; b) “a autoria da postagem resta inconteste não ser de responsabilidade do Recorrente, sendo atribuída à perfil anônimo da rede social Facebook, denominado ‘Boca no Trombone Itapoá’”, limitando-se sua conduta ao compartilhamento de publicação com conteúdo supostamente falso; c) “não existe qualquer abuso ou ilegalidade do direito de liberdade de expressão por parte do representado, ante o fato de que ele não compartilhou a mensagem no ‘Facebook’, apenas no ‘Whatsapp’ privado de amigos, onde foi avisado de que poderia ser fake, tendo sido imediatamente excluída pelo próprio Recorrente”; d) “consoante o art. 57-D, caput, da Lei 9.504/97, no curso das campanhas eleitorais a regra é a livre manifestação do pensamento, inclusive na rede mundial de computadores, excetuada a veiculação de conceitos, imagens ou afirmações caluniosas, difamatórias, injuriosas ou sabidamente inverídicas”; e) “não se trata de comportamento ou discurso de ódio, violência, racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas de discriminação”, razão pela qual “não há que se falar em abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada na internet – como ocorre na divulgação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, e de informações injuriosas, difamantes ou mentirosas”; f) “a tutela repressiva da Justiça Eleitoral sobre a prática de propaganda eleitoral irregular deve necessariamente observar – sob o manto da ordem constitucional vigente – as liberdades de expressão e de manifestação de pensamento”; g) “a atuação da Justiça Eleitoral para restringir a discussão acerca de fatos políticos e, consectariamente, a liberdade de expressão, com a remoção de conteúdos, deve ser medida excepcional”; h) “a notícia já divulgada em redes sociais causou indignação ao Recorrente, que postou no Whatsapp privado para discutir politicamente a suposta conduta reprovável do pré-candidato, jamais com objetivo de propagar desinformação com o intuito de interferir no pleito, pois se assim o quisesse teria publicado em redes sociais inclusive com impulsionamento”; i) “o conteúdo não é de fácil percepção ou manifestamente inverídico, onde o Réu pudesse de plano constatar que tratava-se de notícia sabidamente falsa, devendo ser assegurado ao representado o direito de crítica ou de contraposição, tudo no âmbito do mais desembaraçado livre mercado de ideias políticas” e “o próprio ‘print’ não demonstra de modo algum, que o Recorrente tinha conhecimento da notícia ser equivocada, sobretudo porque o mesmo somente compartilhou o respectivo, sem tecer qualquer comentário pessoal sobre o referido”; j) a legislação exige, para fins de configuração do ilícito, “que o representado saiba que a notícia é falsa, fato esse que não foi demonstrado nem minimamente pelo Recorrido”; k) “não consta nos autos, prova da falsificação do referido print, sendo esse, ônus do Representante, a fim de comprovar primeiramente a falsidade do conteúdo divulgado”, conforme o art. 27 da Resolução do TSE nº 23.610 de 2019, consistindo no “especial fim de agir exigido pela norma, sem o que não pode haver a configuração da conduta, tampouco pena de multa, sob pena de indesejável responsabilidade objetiva”. l) não resta demonstrado, adequadamente, o prévio conhecimento do Representado acerca da falsidade do respectivo print, o que não pode sujeitar o mesmo a multa prevista no art. 57-D § 2º da Lei 9.504 de 1997 (...), sendo portanto, inconteste a boa-fé do Recorrente”; m) “não resta configurada ofensa direta a imagem ou honra do pré-candidato a prefeito Tiago Oliveira, seja direta ou reflexamente”; n) “a conduta do Recorrente não pode ser considerada como potencialidade lesiva, posto que praticada na pré-campanha e sem qualquer repercussão capaz de influenciar a boa imagem do pré-candidato em questão”; o) a publicação impugnada não foi compartilhada nas redes sociais, e sim em rede privada de whatsapp, e excluída minutos após sua publicação, tanto é que não há qualquer comprovação do tempo que a notícia permaneceu no whatsapp privado”, não possui sua conduta “aptidão para vulnerar a normalidade do processo eleitoral, passível de aplicação de multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei 9.504/97”; p) “não houve produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, capaz de atrair a penalidade pleiteada”; q) o respectivo print supostamente falso já fora apagado do mencionado grupo de whatsapp, sendo tempestiva a retratação voluntária do recorrente, o qual se dispõe ainda a realizar retratação pública, caso Vossa Excelência julgue necessário.; r) “o mero compartilhamento de informação em grupo privado de Whatsapp não configura conduta capaz de desequilibrar o pleito ou influenciar um número considerável de eleitores; s) “incorreu em erro, pois não tinha conhecimento da falsificação do referido print de conversa supostamente atribuída ao pré-candidato Tiago”; t) “para a configuração da irregularidade, é necessária a caracterização de potencialidade lesiva da conduta, bem como de sua gravidade”; u) no caso de manutenção da condenação, a multa seja aplicada em seu patamar mínimo, uma vez que não há motivação para aplicação de sanção superior, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Cita jurisprudência que ampararia sua pretensão e requer, ao final, seja provido o recurso, a fim de que a sentença seja reformada, para afastar a multa fixada, bem como eventual determinação de prosseguimento do feito na esfera criminal.

Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões (ID 19227036).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, registrando que, “em relação ao crime previsto no art. 323 do Código Eleitoral, o MM. Juízo da Zona Eleitoral de origem já determinou a remessa ao Ministério Público Eleitoral para que fossem tomadas as providências cabíveis”.

É o relatório.


VOTO

O SENHOR JUIZ SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ (Relator): Senhora Presidente, o recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

2. É incontroverso que Leonir Jorge Kaufumann compartilhou , em grupo de WhatsApp com 80 participantes, a mensagem abaixo reproduzida:

Segundo o PL, trata-se de disseminação de informação falsa, com o intuito de prejudicar Tiago Oliveira, seu pré-candidato a prefeito de Itapoá.

Pois bem.

Sem adentrar no exame do teor da aludida mensagem, o meio em que foi propagada (grupo de WhatsApp) enquadra-se na exceção contida no § 2º do art. 33 da Res. TSE n. 23.610/2019, que estabelece: “as mensagens eletrônicas e as mensagens instantâneas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes, não se submetem ao caput deste artigo e às normas sobre propaganda eleitoral previstas nesta Resolução”.

Transcrevo ementa de julgados recentes deste Tribunal que trataram da questão:

ELEIÇÕES 2024 – RECURSO – REPRESENTAÇÃO – PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA NEGATIVA – ALEGADA DISSEMINAÇÃO DE NOTÍCIA FALSA NA INTERNET – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA (LEI 9.504/1997, ART. 57-D, § 2º).

MÉRITO – MENSAGEM COM CONOTAÇÃO ELEITORAL ENVIADA POR PESSOA NATURAL EM GRUPO DO APLICATIVO WHATSAPP – GRUPO PRIVADO E RESTRITO DE PARTICIPANTES – NORMA PREVENDO, DE FORMA EXPRESSA, A IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DAS REGRAS QUE LIMITAM O CONTEÚDO DA PROPAGANDA ELEITORAL (RESOLUÇÃO TSE 23.610/2019, ART. 33, § 2º) – NECESSIDADE DE PREVALÊNCIA DA GARANTIA FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO PENSAMENTO (CF, art. 5º, IV) – INTERVENÇÃO MÍNIMA DA JUSTIÇA ELEITORAL – INEXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE ELEMENTOS NOS AUTOS QUE PERMITAM AFERIR A DIVULGAÇÃO DE FATOS NOTORIAMENTE INVERÍDICOS – AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE – PROVIMENTO DO RECURSO – AFASTAMENTO DA MULTA.

1. O direito fundamental à liberdade de manifestação de pensamento (CF, art. 5º, IV) constitui garantia constitucional que deve ser protegida ao máximo, especialmente por se constituir num dos pilares de nosso atual regime democrático de direito.

Nas palavras do Ministro Luiz Fux, “a liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se e suas exteriorizações (informação e de imprensa) ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades”.

E, conclui, “a proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo” [TSE, REspe 198793, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 27/10/2017, Página 66-67].

2. Reflexo dessa proteção é a regra normativa que afasta a incidência das normas sobre propaganda eleitoral em relação “as mensagens eletrônicas e as mensagens instantâneas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes” (Resolução TSE 23.610/2019, art. 33, § 2º).

Logo, não é juridicamente viável reprimir as mensagens de conotação político-eleitoral enviadas em grupos de Whatsapp, notadamente porque não abertos ao público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram, constituindo comunicação de natureza privada, que fica restrita a um número limitado de pessoas, o que justifica, à luz da proporcionalidade em sentido estrito, a prevalência da liberdade comunicativa ou de expressão.

A adoção de medidas judiciais coercitivas pela Justiça Eleitoral na hipótese de transmissão de mensagem com conotação eleitoral pelo aplicativo WhatsApp somente se justifica quando presentes elementos seguros da ocorrência de disparos em massa, pois, nesse caso, há evidente risco de propagação do conteúdo para grande número de pessoas e, consequentemente, potencial para interferir no equilíbrio da disputa eleitoral.

(RECURSO ELEITORAL nº 060006689, Acórdão, Des. Carlos Alberto Civinski, Julgado em 22/08/2024 – grifei)

ELEIÇÕES 2024 - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO - PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA - DIVULGAÇÃO DE VÍDEO PELO APLICATIVO WHATSAPP EM GRUPO RESTRITO DE PESSOAS - RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/2019 - APLICATIVO NÃO SUJEITO ÀS NORMAS SOBRE PROPAGANDA ELEITORAL (ART. 33, § 2º DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/2019) - AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO ÀS NORMAS ELEITORAIS - PROVIMENTO.

RECURSO PROVIDO - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

(RECURSO ELEITORAL nº 060006266, Acórdão, Des. Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 22/08/2024 – grifei).

ELEIÇÕES 2024 - RECURSO - REPRESENTAÇÃO - PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA ANTECIPADA - OFENSA A PRÉ-CANDIDATOS - MENSAGENS ELETRÔNICAS - APLICATIVO WHATSAPP - ALEGADA DESINFORMAÇÃO (FAKE NEWS) MEDIANTE ADUZIDO EMPREGO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

RÉU INDETERMINADO - PEDIDO À INICIAL DE APURAÇÃO DO NOME DO REPRESENTADO A PARTIR DO RESPECTIVO NÚMERO TELEFÔNICO - NEGATIVA TÁCITA JUDICIAL NÃO IMPUGNADA - AUSÊNCIA DE CONVOCAÇÃO PROCESSUAL À NECESSÁRIA FORMAÇÃO DO CONTRADITÓRIO - NULIDADE ABSOLUTA - INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO, NO CASO CONCRETO, EM RAZÃO DA DECISÃO DE MÉRITO QUE APROVEITA AO IMPUTADO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF.

MENSAGENS PELO APLICATIVO WHATSAPP ENVIADAS POR PESSOA NATURAL - GRUPO PRIVADO E RESTRITO DE PARTICIPANTES - NÃO SUJEIÇÃO ÀS NORMAS REGENTES DA PROPAGANDA ELEITORAL (RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/2019, ART. 33, § 2º) - INTERVENÇÃO MÍNIMA DA JUSTIÇA ELEITORAL (RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/2019, ART. 38) - INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 9º-C DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/2019 E 57-DA LEI N. 9.504/1997 - POSTAGEM DE CONOTAÇÃO ELEITORAL - SUPOSTA DESINFORMAÇÃO, POR FABRICAÇÃO OU MANIPULAÇÃO, E ANONIMATO - AUSÊNCIA DE NOTORIEDADE E COMPROBABILIDADE SEM O DEVIDO CONTRADITÓRIO - ILEGALIDADE NÃO MANIFESTA.

RECURSO DESPROVIDO.

(RECURSO ELEITORAL nº 060006428, Acórdão, Des. Otávio José Minatto, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 22/08/2024).

O Tribunal Superior Eleitoral também possui precedente nesse sentido:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. CONDENAÇÃO EM MULTA NO MÍNIMO LEGAL. VEICULAÇÃO DE MENSAGENS NO APLICATIVO WHATSAPP CONTENDO PEDIDO DE VOTOS. AMBIENTE RESTRITO. CONVERSA CIRCUNSCRITA AOS USUÁRIOS DO GRUPO. IGUALDADE DE OPORTUNIDADE ENTRE OS CANDIDATOS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO. CONFLITO ENTRE BENS JURÍDICOS. "VIRALIZAÇÃO". FRAGILIDADE DA TESE. AUSÊNCIA DE DADOS CONCRETOS. POSIÇÃO PREFERENCIAL DA LIBERDADE COMUNICATIVA OU DE EXPRESSÃO E OPINIÃO. PROVIMENTO.

Histórico da demanda

1. O Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE/SE) entendeu configurada a propaganda eleitoral extemporânea, incontroverso o pedido explícito de voto "em data anterior ao dia 15 de agosto de 2016", quando a recorrente, "em diálogo travado no grupo de Whatsapp 'Na Boca do Povo', expressou, por mais de uma vez, o pedido de voto em favor do pré-candidato Danilo Alves de Carvalho", filho do seu ex-marido, nos seguintes termos: "Nena vote em Danilo" e "vote em consideração ao velho".

2. Interposto recurso especial eleitoral por Dayana Rodrigues Moreira dos Santos, aparelhado na afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aos arts. 5º, IV, da Constituição Federal; 36-A, V, da Lei nº 9.504/1997; e 21, §§ 1º e 2º, da Res.-TSE nº 23.457/2015, coligidos arestos a amparar o dissenso pretoriano.Do recurso especial eleitoral.

3. Existe na espécie certo conflito entre bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico de um lado, a igualdade de oportunidade entre os candidatos e, de outro, a liberdade de expressão e opinião do cidadão eleitor (liberdade comunicativa), de modo que a atividade hermenêutica exige, por meio da ponderação de valores, o reconhecimento de normas carregadas com maior peso abstrato, a ensejar, por consequência, a assunção por uma delas, de posição preferencial, como é o caso da liberdade de expressão.

4. Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político, a liberdade de expressão assume uma espécie de posição preferencial (preferred position) quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais.

5. Quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos Partidos Políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas (REspe nº 29-49, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25.8.2014).

6. As mensagens enviadas por meio do aplicativo Whatsapp não são abertas ao público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram. A comunicação é de natureza privada e fica restrita aos interlocutores ou a um grupo limitado de pessoas, como ocorreu na hipótese dos autos, o que justifica, à luz da proporcionalidade em sentido estrito, a prevalência da liberdade comunicativa ou de expressão.

7. Considerada a posição preferencial da liberdade de expressão no Estado democrático brasileiro, não caracterizada a propaganda eleitoral extemporânea porquanto o pedido de votos realizado pela recorrente em ambiente restrito do aplicativo Whatsapp não objetivou o público em geral, a acaso macular a igualdade de oportunidade entre os candidatos, mas apenas os integrantes daquele grupo, enquanto conversa circunscrita aos seus usuários, alcançada, nesta medida, pelo exercício legítimo da liberdade de expressão.

8. Consignada pelo Tribunal de origem a possibilidade em abstrato de eventual "viralização" instantânea das mensagens veiculadas pela recorrente, ausente, contudo, informações concretas, com sólido embasamento probatório, resultando fragilizada a afirmação, que não pode se amparar em conjecturas e presunções. Recurso especial eleitoral a que se dá provimento para julgar improcedente a representação por propaganda eleitoral extemporânea e, por conseguinte, afastar a sanção de multa aplicada na origem.

(Recurso Especial Eleitoral nº 13351, Acórdão, Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 15/08/2019 – grifei).

A incidência da norma foi ressalvada, nos acórdãos deste Tribunal citados, apenas nas hipóteses de configuração das condutas previstas nos arts. 9º-C e 34, II, §§ 1º e 2º, da Res. TSE n. 23.610/2019, que preconizam:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Art. 34. É vedada a realização de propaganda: (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

II - por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinatária ou a partir da contratação expedientes, tecnologias ou serviços não fornecidos pelo provedor de aplicação e em desacordo com seus termos de uso. (Constituição Federal, art. 5º, X e XI ; Código Eleitoral, art. 243, VI ; Lei nº 9.504/1997, art. 57-J) (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 1º Na hipótese do inciso II deste artigo, deverá ser observada a regra do art. 33 desta Resolução. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º Abusos e excessos serão apurados e punidos nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Registro que, neste caso, sequer foi alegado o disparo em massa de mensagens instantâneas e, quanto à divulgação de fato notoriamente inverídico, apesar de a mensagem encaminhada por Leonir Jorge Kaufumann no grupo de mensageria, por seu conteúdo, evidenciar a possibilidade de não se tratar de fato verdadeiro, nenhuma prova foi produzida sobre o assunto, nem foi demonstrado o potencial de a mensagem divulgada em grupo com 80 integrantes causar danos ao equilíbrio do pleito.

Assim, deve ser aplicado ao caso concreto, conforme os precedentes citados, o § 2º do art. 33 da Res. TSE n. 23.610/2019, devendo, portanto, a representação ser julgada improcedente.

Com relação ao pedido do recorrente, no sentido de que seja afastada eventual “determinação de prosseguimento do feito na esfera criminal”, teço as considerações que se seguem.

Na petição inicial, após argumentar que o representado teria perpetrado a conduta delitiva de que trata o artigo 326-A do Código Eleitoral, o representante formulou, também, o seguinte pedido:

Deste modo, considerando que a materialidade da prática criminosa se encontra devidamente colacionada, sobretudo em razão de sua plena ciência do caráter fraudulento das informações repassadas, agindo assim com claro e deliberado intuito de prejudicar terceiro concorrente ao pleito municipal, sua condenação como incurso nas práticas eleitorais retro mencionadas configura-se como justa medida.

A sentença, por sua vez, assim determinou:

Por fim, proceda-se nova autuação da inicial como notitia criminis, remetendo-se os autos ao Ministério Público para análise.

Pois bem.

Primeiramente, assinalo que a representação pela realização de propaganda eleitoral antecipada não é o meio próprio para postular-se a condenação de alguém pela eventual prática de algum delito.

Em segundo lugar, tenho que a parte que assim o desejar deve ela mesma encaminhar diretamente eventual notitia criminis ao Ministério Público Eleitoral, não sendo adequado, para tal fim, utilizar-se da intermediação do juiz eleitoral.

Em terceiro lugar, como o Ministério Público Eleitoral oficiou nos autos desta representação, seja no primeiro grau de jurisdição, seja em grau de recurso, ele próprio poderá fazer um juízo acerca da quaestio.

Assim sendo, e considerando que a determinação em assunto, contida na sentença, ainda não foi cumprida, revogo-a.

Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e a ele dar provimento, para julgar improcedente a representação, afastando a multa aplicada, assim como a determinação de nova autuação da inicial como notitia criminis, para remessa ao Ministério Público Eleitoral.

É como voto.

 

EXTRATO DE ATA

RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600065-07.2024.6.24.0105

RECORRENTE: LEONIR JORGE KAUFUMANN
ADVOGADO: JAQUELINE DE FATIMA CORDEIRO - OAB/PR64451
ADVOGADO: MARIA ADRIANA PEREIRA DE SOUZA - OAB/PR25718
RECORRIDO: PARTIDO LIBERAL (PL) - ITAPOÁ - SC - MUNICIPAL
ADVOGADO: JOSE CARLOS POZZER DE OLIVEIRA - OAB/SC55338
ADVOGADO: BRUNO RIBEIRO DE ALMEIDA - OAB/SC55667

RELATOR: JUIZ SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Decisão: ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conhecer do recurso e a ele dar provimento, nos termos do voto do Relator.

Participaram do julgamento os Juízes Maria do Rocio Luz Santa Ritta (Presidente), Carlos Alberto Civinski, Sebastião Ogê Muniz, Otávio José Minatto, Ítalo Augusto Mosimann, Adilor Danieli e Sérgio Francisco Carlos Graziano Sobrinho.

Presente o Procurador Regional Eleitoral Cláudio Valentim Cristani.

Processo julgado na sessão de 27/08/2024.