JUSTIÇA ELEITORAL
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO GRANDE DO SUL

DIREITO DE RESPOSTA (12625) PROCESSO N. 0603543-02.2022.6.21.0000 - Porto Alegre
REPRESENTANTE: UM SÓ RIO GRANDE FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA(PSDB/CIDADANIA) / 15-MDB / 55-PSD / 19-PODE / 44-UNIÃO
REPRESENTADO: ALCIBIO MESQUITA BIBO NUNES
RELATOR: DES. LUIZ MELLO GUIMARAES

 

DECISÃO

Vistos.

Trata-se de direito de resposta, com pedido de concessão de medida liminar, ajuizado pela COLIGAÇÃO UM SÓ RIO GRANDE (FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA, MDB, PSD, PODEMOS, UNIÃO BRASIL) contra ALCÍBIO MESQUITA BIBO NUNES, em virtude da veiculação, no dia 13 de outubro de 2022, nas redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, de fato que os representantes cunham como sabidamente inverídico e ofensivo à honra de Eduardo Leite, caracterizando-se como difamação.

Aponta o seguinte texto como conteúdo propagado:

EDUARDO LEITE não construiu um hospital de campanha durante a Covid. Usou o dinheiro do Bolsonaro para pagar funcionalismo e contas! Quantos morreram devido ao oportunismo do Governador gaúcho? O LEITE azedou...

Sustenta serem “(…) notórios o cuidado e a responsabilidade com que o governo gaúcho lidou com tão grave crise sanitária”. Entende que as afirmações caracterizam inverdades e ofensas inaceitáveis no debate político e que exigem imediata cessação.

Requereu, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, a concessão de tutela de urgência.

O pedido restou indeferido, nos termos da decisão de ID 45143263.

Em contestação, o representado traz argumentos no sentido do acerto da decisão de não concessão de medida liminar e aduz, no mérito, que a manifestação publicada se ateve aos limites da crítica à gestão de EDUARDO LEITE e ao debate político, não tendo tratado de fato sabidamente inverídico ou ofensivo à honra do candidato representante. Requer o juízo de improcedência do pedido. 

Os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral que, em parecer, manifesta-se pela improcedência do pedido.

É o relatório.

Decido.

Por ocasião da análise do pedido de concessão de tutela de urgência, indeferi o pedido e me manifestei conforme segue:

Estabelece o art. 58 da Lei n. 9.504/97 que, a partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social. E é pacífica a jurisprudência do TSE, há muito, no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (TSE, Representação n. 367516, Relator Min. Henrique Neves, Publicação: 26.10.2010).

Pois bem.

Adianto que entendo pelo indeferimento do pedido de concessão de tutela de urgência, fundamentalmente porque a ocorrência de afirmativas, ainda que desconfortáveis ao candidato, lançadas ao longo do processo eleitoral, é situação inerente ao próprio regime democrático, e salutar para o fomento do debate político e para o desenvolvimento da consciência crítica do eleitorado.

Ora, da manifestação impugnada não se verifica a divulgação de fato sabidamente inverídico, e sim de crítica política contra o representado, a qual pode - e deve - ser rebatida no espaço de propaganda, uma vez que essa temática se refere a fatos amplamente divulgados nos meios de comunicação.

Em rápida busca na rede mundial de computadores, percebe-se por exemplo que a Lei Complementar n. 173 de 2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, teve apenas parcela de seus valores vinculados à saúde. Para o estado do Rio Grande do Sul, dos R$ 3,05 bilhões de recursos extras recebidos no ano de 2020, cerca de R$ 826 milhões restaram vinculados à saúde (e não apenas à COVID-19), ao passo que outros R$ 2,15 bilhões tiveram livre destinação (acesso ao site www.planalto.gov.br, em 13.10.2022), de modo que caberia, de fato, ao gestor bem entender como destinar os valores.

Ora, o tópico acima relatado demonstra por si que o debate não se encontra no conceito de “fato sabidamente inverídico”, e tampouco pode sequer indiretamente ser vinculado à honra de candidato. Trata-se de circunstâncias diretamente afetas à gestão de recursos públicos em momento delicado pelo qual a sociedade gaúcha – aliás, todo o planeta – passou, e todos os governantes envolvidos na situação estão nitidamente, para o bem e para o mal, tendo que prestar explicações, sobremodo quando candidatos novamente a cargos que já ocupam – ou, no caso, já ocuparam.

Não posso deixar de lembrar, aqui, processos semelhantes em que os mesmos representantes entenderam possuir direito de resposta, em alguns casos logrando temporário êxito perante o plenário regional – até que o e. Tribunal Superior Eleitoral decidisse, em uma série de tutelas antecipadas, por suspenderem os direitos de resposta, por não se tratarem aqueles casos de situações alinhadas à jurisprudência do TSE, e saliento que, de fato, naquelas demandas a situação era mais próxima de circunstâncias pessoalmente ofensivas a candidato (percebimento de subsídio denominado pensão) do que no caso posto, em que são questionadas escolhas de gestão, com a construção, ao final, de uma dúvida (Quantos morreram devido ao oportunismo do Governador Gaúcho?) sem que traga afirmação de responsabilização por morte.

O candidato a cargo eletivo há deve estar preparado para sofrer críticas às suas escolhas de gestão, e se despir de exageradas suscetibilidades.

Desse modo, entendo que o conteúdo impugnado não se qualifica como sabidamente inverídico ou que contenha inverdade flagrante que não apresente controvérsias, nos termos da jurisprudência:

[...] Direito de resposta. Inserções. Televisão. Inexistência de afirmação sabidamente inverídica. Liberdade de expressão. [...] 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico [...] 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. [...]

(Ac. de 5.10.2018 no R-Rp nº 060142055, rel. Min. Sérgio Banhos.)

[...] Direito de resposta. Inserções. Veiculação. Emissora de televisão. [...] 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. É entendimento deste Tribunal Superior Eleitoral que ‘se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n° 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta’ [...] 3. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a ‘liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo’ [...] 4. A propaganda questionada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. Cuida–se de acontecimentos amplamente divulgados pela mídia, os quais são inaptos, neste momento, a desequilibrar a disputa eleitoral. Em exame acurado, trata–se de declarações, cuja contestação deve emergir do debate político, não sendo capaz de atrair o disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997. Precedente.[...].

(Ac. de 3.10.2018 no R-Rp nº 060131056, rel. Min. Sérgio Banhos.)

[...] Direito de resposta. Fato sabidamente inverídico. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza–se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie. 2. A análise crítica sobre o pronunciamento de assessor econômico ligado à campanha de candidato a presidente da república, com a indicação de eventuais consequências negativas das propostas apresentadas, não caracteriza fato sabidamente inverídico, tampouco ofensa de caráter pessoal, situando–se nos limites da crítica política admissível. 3. O plano de governo, embora documento relevante, não se presta a limitar o debate público acerca de manifestações de candidatos e integrantes da campanha eleitoral [...]

(Ac. de 2.10.2018 na Rp nº 060149412, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

Nesse cenário, tenho que a propaganda não propala fato sabidamente inverídico nem de cunho injurioso, difamatório ou calunioso contra Eduardo Leite. Não deixa de ser curioso que o próprio texto de resposta apresentado pelos representantes, no trecho em que afirma “Os recursos federais para a saúde na pandemia foram aplicados 100% na saúde” destoa da notícia de veículo de comunicação que o pretende suportar (página 4 da petição inicial, veículo RBSTV, portal G1 Rio Grande do Sul), pois ali há a notícia de que, conforme o TCE-RS, quase todo o recurso recebido (86,6%) foi aplicado na atenção de média e alta complexidade, através de repasses a hospitais e abertura de leitos, e outros 12,3% foram utilizados para a aquisição de medicamentos.

Total de 98,9% (86,6% + 12,3%). Apenas a título de argumento de desfecho e a demonstrar a inviabilidade de concessão de tutela de urgência por ausência de probabilidade de direito, é razoável, exemplificativamente, supor que a sobra (1,1%) seria suficiente para a construção de um hospital de campanha, como indicado pelo representado em suas postagens nas redes sociais.

Mesmo os valores cuja destinação era livre também poderiam ter sido usados no combate à COVID, e é essa, em juízo inicial, a mensagem que o conteúdo impugnado parecer intentar propagar.

 

Adianto que não vislumbro motivos para a modificação da convicção já exarada. Aliás, identifico motivos para a manutenção da conclusão de que não há que se falar em direito de resposta no caso dos autos, em que (dura) crítica é tecida a ato de gestão, escolha administrativa do ora candidato, diante de prerrogativa de ampla discricionariedade, relativamente à grande parte dos valores remetidos pelo Governo Federal na ocasião indicada pelo representado.

Nessa linha, transcrevo trecho do bem apanhado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Enfim, não há flagrante agressão pessoal ao candidato. A propaganda, ainda que com a utilização de um discurso duro e contundente, é dirigida às ocorrências da vida do homem público, exposto à análise do eleitor por suas ações e situações passadas, o que não pode ser objeto de cerceamento, sob pena de vulneração do próprio princípio democrático. Nesse sentido é o norte doutrinário:

Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que os direitos à privacidade, ao segredo e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela protetiva. Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática.

Noutros termos, é peculiar das campanhas eleitorais o uso de jargões exagerados e metáforas sensacionalistas, visando a exposição potencializada das desvirtudes, incongruências e equívocos dos concorrentes e de gestões passadas, o que, por si, não torna irregular a propaganda eleitoral negativa ou irregular. Pertinente, por fim, destacar ainda a decisão do excelso Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.451/DF - Rel. Min. Alexandre de Moraes, sessão de 21.06.2018 –, em que se assentou a ampla liberdade de crítica política, inclusive por meio de recursos humorísticos e da expressão de opiniões incisivas em desfavor de candidatos.

 

Diante do exposto, confirmo o indeferimento do pedido de concessão de medida liminar, e julgo improcedente a demanda.

Publique-se.

Dil. Legais.

Porto Alegre, 17 de outubro de 2022.

 

Desembargador LUIZ MELLO GUIMARÃES,

Relator.