TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO DE JANEIRO
ACÓRDÃO
RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600523-31.2020.6.19.0096 - Cabo Frio - RIO DE JANEIRO
RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL PAULO CESAR VIEIRA DE CARVALHO FILHO
RECORRENTE: COLIGAÇÃO ALIANÇA PARA RECONSTRUIR CABO FRIO, MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Advogado do RECORRENTE: DAVID AUGUSTO CARDOSO DE FIGUEIREDO - RJ0114194, ADOLPHO JABOUR AGUIAR - RJ0187366
RECORRIDO: JOSE BONIFACIO FERREIRA NOVELLINO
Advogados do RECORRIDO: PEDRO CORREA CANELLAS - RJ0168484, DANIELLA SALLES MENDES DE SOUZA - RJ0186161, PETER CHARLES SAMERSON - RJ0164188, VITOR MARTIM DE ALMEIDA LEITE - RJ0162891, MARIZE GOMES DO NASCIMENTO - RJ0143133
EMENTA
ELEIÇÕES 2020. RECURSOS ELEITORAIS. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÕES. Inelegibilidade. art. 1º, I, “g”, da LC 64/90. CARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO DOS RECURSOS. INDEFERIMENTO DO REGISTRO.
1. No julgamento do RE nº 848.826, em 10/08/2016, o STF firmou a tese, com repercussão geral, segundo a qual, para fins do disposto no art. 1º, I, "g", da LC 64/90, compete à Câmara Municipal julgar tanto as contas de governo quanto as contas de gestão dos prefeitos.
2. O julgamento, pelo TCE/RJ, das contas relativas a período em que o recorrido ocupava o cargo de Prefeito do Município de Cabo Frio se deu após o julgamento do RE nº 848.826, quando o órgão competente para a decisão definitiva era, portanto, a Câmara Municipal, a qual, de acordo com a certidão juntada aos autos, aprovou as contas do recorrido relativas a todos os anos em que ele foi Prefeito daquele município.
3. Nesse ponto, correta a sentença ao deixar de reconhecer a suposta inelegibilidade pela desaprovação das contas.
4. Por outro lado, a rejeição das contas relativas à gestão do Fundo Municipal de Saúde de Arraial do Cabo no exercício de 2003, pela qual o recorrido era corresponsável, atrai a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC 64/90.
5. O deficit no resultado financeiro do exercício, no expressivo valor de R$ 1.769.001,81, constitui falha de natureza grave, em face do disposto art. 1º, §1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, caracterizando a prática, em tese, dos atos dolosos de improbidade administrativa previstos no art. 10, X e XI, da Lei 8.429/92, ainda mais quando se considera que o deficit foi de grande monta e correspondeu a quase 20 vezes o valor do ativo financeiro.
6. Mesmo que o recorrido tenha exercido a gestão do Fundo Municipal de Saúde por apenas 2 meses, a sua gestão ocorreu no final do exercício, quando ainda poderia ter ocorrido alguma ação para reverter a situação, e, o que é mais importante, a sua corresponsabilidade pela irregularidade foi expressamente reconhecida pelo TCE/RJ, órgão competente para julgar as contas em tela.
8. Segundo remansoso entendimento jurisprudencial, não se exige dolo específico para a incidência da causa de inelegibilidade em questão, bastando o genérico ou eventual, que ocorre quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam os gastos públicos.
9. PROVIMENTO dos recursos para julgar procedentes as impugnações ajuizadas pelos recorrentes e, consequentemente, INDEFERIR o registro da candidatura do recorrido.
ACORDAM OS MEMBROS DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO DE JANEIRO, NOS TERMOS DA DECISÃO QUE SEGUE:
POR UNANIMIDADE, PROVERAM-SE OS RECURSOS PARA JULGAR PROCEDENTES AS IMPUGNAÇÕES E INDEFERIR O REGISTRO DE CANDIDATURA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. VOTOU O PRESIDENTE. PUBLICADO EM SESSÃO.
RELATÓRIO
Trata-se de recursos eleitorais interpostos pela COLIGAÇÃO “ALIANÇA PARA RECONSTRUIR CABO FRIO” e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença proferida pelo Juízo da 96ª Zona Eleitoral, que julgou improcedentes as impugnações ajuizadas pelos recorrentes, deferindo o registro de candidatura de JOSÉ BONIFÁCIO FERREIRA NOVELLINO ao cargo de Prefeito do Município de Cabo Frio.
Em suas razões recursais, a coligação recorrente alega que o recorrido encontra-se inelegível por força do disposto no art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/90.
Destaca que, no processo nº 261.871-4/01, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro reprovou as contas do recorrido, relativas ao exercício do cargo de Prefeito do Município de Cabo Frio, em razão de irregularidades no repasse de verbas à Companhia de Desenvolvimento de Cabo Frio – PROCAF.
Aduz, também, que, no processo TCE/RJ nº 203.636-8/08, foram apuradas irregularidades insanáveis na tomada de contas referente à gestão do Fundo Municipal de Saúde de Arraial do Cabo, relativa ao exercício de 2003, quando o recorrido ocupou o cargo de Secretário Municipal de Saúde.
Salienta que a tomada de contas foi instaurada em razão da omissão no dever de prestar as contas, o que já seria suficiente para a configuração de ato doloso de improbidade administrativa, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.
Argumenta que, apesar de ter sido retirada a penalidade de multa por conta da conduta colaborativa do recorrido, foi mantida a condenação por dano ao erário.
Por tais motivos, pugna pelo provimento do recurso para que a impugnação ajuizada seja julgada procedente, sendo indeferido, consequentemente, o registro da candidatura do recorrido.
O Ministério Público sustenta, em suas razões recursais, que o recorrido era o ordenador de despesas responsável pelas contas apuradas no processo nº 261.871-4/2001, mas não ocupava o cargo de Prefeito à época, razão pela qual o TCE/RJ seria o órgão competente para julgar as contas.
Assevera que, ainda que a decisão que desaprovou as contas do recorrido tenha apontado que a sua responsabilidade deve ser encarada a título culposo, isso não se sustenta, na medida em que a verificação do ato doloso de improbidade administrativa, a fim de configurar ou não a inelegibilidade, é de competência da Justiça Eleitoral.
Com relação ao processo nº 203.636-8/08, ressalta que a decisão mais recente proferida naquele feito confirmou a existência de irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa, o que é suficiente para atrair a incidência da causa de inelegibilidade em questão, independentemente do fato de não ter sido aplicada multa ao recorrido.
Postula, assim, a reforma da sentença, a fim de que seja julgada procedente a impugnação ajuizada, com o consequente indeferimento do registro de candidatura.
Em contrarrazões, o recorrido pugna pela manutenção da sentença, afirmando que a decisão do TCE no processo nº 261.871-4/2001 não configura a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/90, já que não houve comprovação de que as suas contas foram reprovadas pela Câmara Municipal de Cabo Frio, além de que não teria ocorrido ato doloso, uma vez que o próprio acórdão teria destacado que a irregularidade lhe foi imputada a título de culpa.
Quanto ao processo 203.636-8/2008, alega que, após a apreciação do recurso de revisão pelo TCE/RJ, teria sido afastada a sua responsabilidade pelas contas do exercício, sendo-lhe retirada a multa aplicada e reconhecida sua conduta colaborativa no esclarecimento dos fatos.
A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo provimento dos recursos.
É o relatório.
( O ADVOGADO ADOLPHO JABOUR AGUIAR USOU DA PALAVRA PARA SUSTENTAÇÃO.)
( A PROCURADORA REGIONAL ELEITORAL SILVANA BATINI CÉSAR GÓES USOU DA PALAVRA PARA SUSTENTAÇÃO.)
( O ADVOGADO VITOR MARTIM USOU DA PALAVRA USOU DA PALAVRA PARA SUSTENTAÇÃO.)
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame do mérito.
Assim dispõe o art. 1°, I, “g”, da Lei Complementar 64/90:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
No presente caso, a controvérsia gira em torno das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro nos processos n° 261.871-4/01 e 203.636-8/08, o primeiro dos quais se refere a irregularidades no repasse de verbas do Município de Cabo Frio à Companhia de Desenvolvimento de Cabo Frio – PROCAF, enquanto o segundo é relativo a irregularidades na gestão do Fundo Municipal de Saúde de Arraial do Cabo no exercício de 2003.
Passa-se, então, à análise das referidas decisões, separadamente, para fins de enquadramento no disposto na Lei de Inelegibilidades.
Processo nº 261.871-4/01
Consta dos autos que o recorrido, enquanto ocupava o cargo de Prefeito do Município de Cabo Frio, no período de 1993 a 1996, descumpriu a obrigação de repasses dos recursos necessários para fazer face aos tributos e encargos previdenciários da PROCAF, razão pela qual o TCE/RJ lhe aplicou multa com base no art. 63, II e III, da Lei Complementar estadual nº 63/90, em decisão que transitou em julgado no dia 03/03/2017.
Ocorre que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 848.826, em 10/08/2016, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese, com repercussão geral, segundo a qual, para fins do disposto no art. 1º, I, "g", da Lei Complementar 64/90, compete à Câmara Municipal julgar tanto as contas de governo quanto as contas de gestão dos prefeitos, como se vê:
REPERCUSSÃO GERAL - Tema 835:
Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.
No caso em exame, o julgamento das contas pelo TCE/RJ se deu após o julgamento do RE nº 848.826, quando o órgão competente para a decisão definitiva era, portanto, a Câmara Municipal de Cabo Frio, a qual, de acordo com a certidão de id. 16276809, aprovou as contas do recorrido relativas a todos os anos em que ele foi Prefeito daquele município.
Nesse ponto, correta a sentença ao deixar de reconhecer a suposta inelegibilidade pela desaprovação das contas no processo TCE/RJ nº 261871-4/01.
Processo nº 203.636-8/08
Quanto à decisão proferida pelo TCE/RJ no processo nº 203.636-8/08, o juízo a quo afastou a configuração da inelegibilidade sob os seguintes argumentos:
Sobre o Processo TCE/RJ Nº 203636-8/2008, referente a período em que o impugnado foi secretário no município de Arraial do Cabo, apesar de haver apontamento de irregularidade na prestação de contas em que José Bonifácio aparece como réu (item I do voto de 20/09/2016, id 10834859), no item II deste mesmo voto o conselheiro do TCE aplica multa apenas ao Sr. Fernando Leyendecker Rocha, deixando de fazê-lo em relação ao impugnado.
É relevante frisar que este julgamento se deu no ano de 2016, conforme se extrai da Nota de Débito mandada anexar ao ofício a ser enviado à Procuradoria da Dívida Ativa, a qual é designada de “Nota de Débito nº 0361/2016” (item III do voto de 20/09/2016).
Ora, se é assim, torna-se evidente que com o resultado do Recurso de revisão manejado pelo impugnado, o qual foi julgado em sessão plenária do TCE datada de 04/09/2012, é posterior, e retira a eficácia da “condenação” ocorrida no anterior em 16/04/2009.
Ademais, é fato que nas eleições gerais de 2018 o impugnado teve sua candidatura para concorrer a uma vaga no Senado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro deferida pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral - RJ.
Desta forma também se exclui a aplicação ao candidato José Bonifácio da inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, ‘g’, da Lei Complementar nº 64/90, uma vez que ausente o requisito da irregularidade nas contas que caracterize ato doloso de improbidade administrativa, mormente quando decisão em Recurso de Revisão anulou decisão anterior que lhe imputaria responsabilidade proferida no acórdão nº 756/2009 emanado do TCE-RJ.
Pois bem.
O recorrido, na condição de gestor do Fundo Municipal de Saúde de Arraial do Cabo, teve suas contas julgadas irregulares em 15/02/2009, sendo-lhe aplicada multa no valor de 3.000 UFIR-RJ, o que correspondia, naquela data, a R$ 5.811,60 (cinco mil, oitocentos e onze reais e sessenta centavos).
Posteriormente, em sede de Recurso de Revisão (processo TCE/RJ nº 203.607-6/11), a decisão anterior foi anulada, ante a superveniência de novas provas a demonstrar que o recorrido não foi o único responsável pela gestão do fundo no período analisado. O referido recurso foi anexado ao processo principal.
Nada obstante, em 20/09/2016, o TCE/RJ julgou novamente irregulares as contas, nos seguintes termos (id. 16274859):
Devo registrar que subscrevo as conclusões do Corpo Instrutivo e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, integrando-as ao meu Voto, à exceção da penalidade de multa sugerida ao Sr.º José Bonifácio Ferreira Novelino, haja vista que o responsável no período de 03/11 a 31/12/2003, demonstrou em fases precedentes ter buscado esclarecer os fatos a ele imputados no exame das contas por meio dos documentos TCE-RJ n.º 23.851-8/08, 20.113-3/08 e 6.778-6/11.
Ademais, foram intentadas medidas recursais por parte do Sr. José Bonifácio Ferreira Novelino por meio do Documento TCE-RJ n.º 019.814-2/09 (Recurso de Reconsideração), e Processo TCE-RJ n.º 203.607-6/11 (Recurso de Revisão). Sendo este último provido
Desta forma, mantenho o Sr. José Bonifácio Ferreira Novelino como co-responsável nas irregularidades apontadas nas presentes Contas, sem, contudo, aplicar-lhe a pena de multa como propõe o Corpo Instrutivo.
De outro turno, mantenho a penalidade de multa ao Sr. Fernando Leyentecker Rocha, reputando verdadeiros os fatos a ele imputados, em face do disposto no artigo 14 da Deliberação TCE-RJ n.º 204/96.
Pelo exposto e examinado, posiciono-me parcialmente de acordo com o Corpo Instrutivo e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas e
VOTO:
I –Pela IRREGULARIDADE da presente Tomada de Contas Especial, com fulcro no artigo 20, inciso III, alínea “a” da Lei Complementar nº 63/90, cujos responsáveis são Sr. Fernando Leyendecker Rocha (período de 01/01/2003 a 03/11/2003) e Sr. José Bonifácio Ferreira Novelino(período de 03/11/2003 a 31/12/2003), em face das seguinte irregularidades:
1 – Déficit no valor de R$ 1.769.001,81, como resultado financeiro do exercício, conforme apontado na instrução, em face do disposto art. 1º, §1º, da Lei Complementar Federal n.º 101/2000 –Lei de Responsabilidade Fiscal, a saber:
|
| VALOR (R$) |
| ATIVO FINANCEIRO | 89.170,98 |
| PASSIVO FINANCEIRO | 1.858.172,79 |
| DÉFICIT FINANCEIRO | 1.769.001,81 |
2 – As contas que compõem o Ativo Permanente não foram agrupadas corretamente, ou seja, os elementos da mesma natureza deveriam ser classificados sob o título de bens móveis, bens imóveis, bens de natureza industrial, créditos e valores, de acordo com o disposto no artigo 105 da Lei Federal n.º 4.320/64;
3 – A conta “De Natureza Hospital” não foi segregada, em desacordo com o disposto nas NBC T1.1.2 (Das características da informação contábil, do conceito e conteúdo) e T1.6 (Da Compreensibilidade), aprovadas pela Resolução CFC n.º 785/95 c/c art. 85, da Lei Federal n.º 4.320/64, informando, ainda, sua função e funcionamento;
4 – Omissão no registro da movimentação dos bens de consumo de almoxarifado no sistema patrimonial da presente prestação de contas, em descumprimento ao disposto no art. 106, inciso II c/c §2º do art. 105c/c art. 85, todos da Lei Federal n.º 4.320/64, haja vista a aquisição dos referidos bens no exercício, de acordo com o comparativo da despesa autorizada com a realizada, Anexo 11 da Lei Federal n.º 4.320/64;
5 – Ausência dos registros, na Demonstração da Dívida Flutuante, dos Depósitos de Diversas Origens, como cauções, garantias, descontos ao IPC, ao INSS, etc., consoante o que dispõe os artigos 85 e 92 da Lei Federal nº 4.320/64;
6 – Ausência dos registros dos depósitos de diversas origens no passivo financeiro, no balanço patrimonial, em desacordo com o disposto no art. 85 c/c o art. 92, ambos da Lei Federal nº 4.320/64;
7 – Ausência do Termo de verificação dos valores existentes em Tesouraria em 31 de Dezembro, autenticado por quem de direito, na forma do modelo 7. (grifamos)
Finalmente, em 17/07/2019, o TCE/RJ desproveu o recurso interposto pelo ora recorrido, assentando o seguinte:
ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO INTERPOSTO PELO SR. JOSÉ BONIFÁCIO FERREIRA NOVELLINO
(...)
Não prospera a alegação de contradição, vez que a irregularidade das contas não necessariamente enseja a adoção de penalidade pecuniária, pelo fato de a LOTCERJ, artigo 63, inciso I, ter apenas facultado aos julgadores a aplicação de multa aos responsáveis por contas julgadas irregulares, sendo a dita regra despida de caráter obrigatório.
A decisão impugnada deixa assente que a irregularidade das contas decorreu da prática de atos que infringem a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (fls. 650/651), na forma do artigo 20, inciso III, “a”, da Lei Complementar nº 63/90.
Noutro diapasão, o Plenário deixou de aplicar a multa prevista no artigo 63, inciso I, da LOTCERJ, em razão do esforço empreendido pelo Sr. José Bonifácio para esclarecer os fatos cuja prática lhe foi atribuída, por meio da apresentação dos Documentos TCE-RJ nºs 23.851-8/08, 20.113-3/08 e 6.778-6/11, bem como dos recursos de reconsideração (Proc. nº 19.814-2/09) e de revisão (Proc. nº 203.607- 6/11).
Nota-se, assim, que a valoração da conduta do recorrente culminou na não incidência da penalidade pecuniária, inobstante a irregularidade das contas, estando a decisão questionada em evidente conformidade com os comandos insculpidos nos artigos 63, inciso I, e 20, inciso III, “a”, da Lei Complementar nº 63/90.
As alegações de inexistência de irregularidade que configure a hipótese prevista no artigo 23, inciso I, “a”, e imputação genérica não merecem prosperar, pois as falhas que motivaram o julgamento de irregularidade das contas consubstanciam atos que afrontam as normas regentes das finanças e contabilidade públicas, encontrando-se devidamente fundamentadas na decisão impugnada (650/651).
(...)
Assim sendo, sem prejuízo da responsabilidade do Sr. Fernando Leyentecker Rocha, o recorrente deve ser responsabilizado por todas as irregularidades citadas na decisão impugnada, em razão do dever da boa gestão fiscal e da correta escrituração contábil, necessária ao levantamento dos balanços gerais (artigo 85 da Lei nº 4.320/64).
Como se vê, o TCE/RJ reconheceu a responsabilidade do recorrido pelas irregularidades constatadas. Dessa forma, equivocou-se o magistrado sentenciante ao afirmar a inexistência de irregularidade nas contas, uma vez que, como demonstrado, o recorrido foi considerado corresponsável pelos atos que ofenderam as normas regentes das finanças e contabilidade públicas.
Quanto à não aplicação da penalidade de multa, cumpre destacar que isso não pode confundir-se com a inexistência de responsabilidade, já que, como se viu, esta foi cabalmente reconhecida.
Neste ponto, convém ressaltar, como bem destacou o Ministério Público em sua peça recursal, que a “aplicação ou não da multa não são relevantes in casu, na medida em que o que exige o dispositivo legal foi respeitado: o reconhecimento da IRREGULARIDADE”.
O segundo argumento indicado na sentença, de que o registro de candidatura do impugnado foi deferido nas eleições gerais de 2018, não merece guarida.
A uma porque, como bem salientou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, “é pacífico o entendimento do TSE no sentido de que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferidas a cada pleito, não havendo direito adquirido à candidatura em razão de eventual deferimento de registro em eleição anterior”. A duas porque, como consta dos autos, a decisão do TCE/RJ no processo em questão transitou em julgado apenas em 28/02/2020, portanto muito após o julgamento do registro de candidatura relativo às eleições de 2018.
Passa-se, então, a analisar a presença de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, para fins de incidência da causa de inelegibilidade em questão.
Primeiramente, observa-se que o recorrido afastou-se da gestão do Fundo Municipal de Saúde de Arraial do Cabo antes do término do prazo para envio da prestação de contas do exercício de 2003, como expressamente reconheceu o TCE/RJ (id. 1627690), não se podendo falar, assim, em descumprimento do dever de prestar contas, como afirma a coligação recorrente.
Por outro lado, dentre as sete irregularidades apontadas na decisão do TCE/RJ, destaca-se a primeira, qual seja, o deficit no resultado financeiro do exercício, no expressivo valor de R$ 1.769.001,81 (um milhão setecentos e sessenta e nove mil reais e oitenta e um centavo). Como bem assinalado na referida decisão, trata-se de falha de natureza grave, em face do disposto art. 1º, §1º, da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que assim dispõe:
Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.
§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
De acordo com a jurisprudência desta Justiça especializada, a inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal possui natureza insanável e caracteriza ato doloso de improbidade administrativa, apto a atrair a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90, como se vê:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. NOTÓRIO DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO. REITERAÇÃO DA CONDUTA APÓS OITO ALERTAS DO TCE/SP. MAJORAÇÃO. GASTOS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. ANO ELEITORAL. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACOLHIMENTO PARCIAL, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. ESCLARECIMENTOS.
(...)
13. Inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal configura vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa, não se exigindo dolo específico, bastando o genérico ou eventual, que se caracterizam quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. Precedentes.
(...)
(Recurso Especial Eleitoral nº 50563, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 31/10/2017, Página 77-78)
ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. QUESTÕES RELATIVAS ÀS CONTAS REJEITADAS DOS EXERCÍCIOS DE 2003 E 2004 SUPOSTAMENTE APTAS A AFASTAR CAUSA DE INELEGIBILIDADE. INOVAÇÕES EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. INCABÍVEIS. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO ATENDIMENTO A NÃO ATENDIMENTO A PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS E DESCUMPRIMENTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS E ATOS DOLOSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA g, DA LgI COMPLEMENTAR Nº 64/90. DESNECESSIDADE DE IMPUTAÇÃO EM SEDE DE AÇÃO PENAL OU CIVIL PÚBLICA. PRECEDENTES. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. INCIDÊNCIA IMEDIATA.PRECEDENTES. CONDENAÇÃO, PERPETRADA POR ÓRGÃO COLEGIADO DO PODER JUDICIÁRIO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA e, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. As questões atinentes às contas rejeitadas dos exercícios de 2003 e 2004 que, em tese, seriam aptas a afastar a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90 configuram inovações inviáveis de serem examinadas, sendo certo que nem sequer foram aventadas nas razões do recurso especial.
2. Não sendo indicada, especificamente e de forma adequada, a maneira pela qual o acórdão recorrido teria afrontado a norma legal ou negado vigência à lei federal, é deficiente a fundamentação do recurso especial eleitoral, em conformidade com o enunciado 284 da Súmula do Pretório Excelso.
3. O vício em procedimento licitatório e a inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal possuem natureza insanável e caracterizam atos dolosos de improbidade administrativa, aptos a atrair a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90.
4. Para a incidência dos efeitos legais relativos à causa de inelegibilidade calcada no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90, não é imprescindível que a ocorrência de ato doloso de improbidade administrativa seja decidida por meio de provimento judicial exarado no bojo de ação penal ou civil pública.
5. As disposições introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que o fato seja anterior à sua vigência. Isso porque as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, não implicando ofensa ao princípio da irretroatividade das leis.
6. A condenação do Candidato, por órgão colegiado do Poder Judiciário, por crime contra a Administração Pública é apta a atrair a incidência da causa de inelegibilidade objeto do art. 1º, inciso I, alínea e, da Lei Complementar nº 135/2010.7. Agravo regimental a que se nega provimento.
(TSE - AgR-REspe: 46613 SP, Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Julgamento: 05/02/2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 36, Data 22/02/2013, Página 139/140)
Rejeição de contas - Alínea g do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/1990 - Ato doloso de improbidade - Inobservância da lei de responsabilidade fiscal e da constituição federal. Em se tratando de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição Federal, esta última quanto à aplicação, no ensino, de valor abaixo do piso fixado, o ato surge como de improbidade, sendo ínsito o elemento subjetivo - o dolo.
(Ac. de 22.10.2013 no REspe nº 19662, rel. Min. Marco Aurélio)
Cabe salientar que a gestão deficitária pela qual o recorrido foi corresponsável é capaz de configurar, em tese, os atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, incisos X (agir negligentemente no que diz respeito à conservação do patrimônio público) e XI (liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular) da Lei 8.429/92, ainda mais quando se considera que o deficit foi de grande monta e correspondeu a quase 20 (vinte) vezes o valor do ativo financeiro.
Outrossim, mesmo que o recorrido tenha exercido a gestão do Fundo Municipal de Saúde por apenas 2 (dois) meses, a sua gestão ocorreu no final do exercício, quando ainda poderia ter ocorrido alguma ação para reverter a situação, e, o que é mais importante, a sua corresponsabilidade pela irregularidade foi expressamente reconhecida pelo TCE/RJ, órgão competente para julgar as contas em tela.
Ressalta-se ainda que, segundo remansoso entendimento jurisprudencial, como se verifica nos julgados mencionados acima, não se exige dolo específico para a incidência da causa de inelegibilidade em questão, bastando o genérico ou eventual, que ocorre quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam os gastos públicos.
Deve ser reconhecida, assim, a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1°, I, “g”, da Lei Complementar 64/90, com o consequente indeferimento do registro da candidatura do recorrido.
Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso para julgar procedentes as impugnações ajuizadas e, consequentemente, INDEFERIR o registro de candidatura.
(APÓS VOTAR O RELATOR, PROVENDO OS RECURSOS, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELOS DESEMBARGADORES ELEITORAIS RICARDO ALBERTO PEREIRA, VITOR MARCELO ARANHA AFONSO RODRIGUES, CLAUDIO LUIS BRAGA DELL'ORTO, GUILHERME COUTO DE CASTRO E PELO PRESIDENTE, PEDIU VISTA DOS AUTOS A DESEMBARGADORA ELEITORAL KÁTIA VALVERDE JUNQUEIRA. EM CONSEQUÊNCIA, FICOU SUSPENSO O JULGAMENTO. )
NOTA ORAL
VOTO-VISTA
DESEMBARGADORA ELEITORAL KÁTIA VALVERDE JUNQUEIRA: Presidente e demais Pares, havia requerido vistas neste processo que trata de recursos eleitorais interpostos pela coligação “Aliança para Reconstruir Cabo Frio” e pelo Ministério Público contra a sentença de piso da 96ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente as impugnações ajuizadas pelos recorrentes, deferindo o registro de candidatura de José Bonifácio Guerreiro Novelino ao cargo de Prefeito do Município de Cabo Frio.
A minha dúvida ao pedir vistas era se estavam presentes efetivamente todos os requisitos da alínea “g” do artigo 1º, I, da Lei Complementar 64/90. Tive a oportunidade de analisar o bem-lançado voto, e, de fato, como bem destacou o Relator, o TCE identificou um déficit de um milhão e oitocentos mil reais e a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse sentido, como o TSE tem vasta jurisprudência pacífica quanto à necessidade de violação, sendo um requisito para a caracterização da alínea g, entendo que, efetivamente, está caracterizada a hipótese legal, e, portanto, vou acompanhar o bem-lançado voto, no sentido de dar provimento aos recursos para julgar procedentes as impugnações dos recorrentes, que indeferiram o registro de candidatura do recorrido.
Rio de Janeiro, 30/11/2020
Desembargador PAULO CESAR VIEIRA DE CARVALHO FILHO