TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARANÁ
ACÓRDÃO Nº 67.861
RECURSO ELEITORAL NA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL 0600717-16.2024.6.16.0115 – Cruzeiro do Iguaçu – PARANÁ
Relator Originário: DES. ELEITORAL ANDERSON RICARDO FOGAÇA
Redator Designado para Redigir o Acórdão: DES. LUIZ OSORIO MORAES PANZA
RECORRENTE: JEAN CARLOS CARDOSO
ADVOGADO: SEBASTIAO PEDRO DA SILVA JUNIOR - OAB/PR123819
ADVOGADO: GUSTAVO CEZAR BORTOT VIEIRA - OAB/PR97182
ADVOGADO: ANDRE LEONARDO MEERHOLZ - OAB/PR56113
ADVOGADO: FRANCISCO AUGUSTO ZARDO GUEDES - OAB/PR35303
ADVOGADO: ROGERIA FAGUNDES DOTTI - OAB/PR20900
ADVOGADO: PEDRO HENRIQUE GALLOTTI KENICKE - OAB/PR65870
RECORRIDO: RENI KOVALSKI
ADVOGADO: FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - OAB/PR105327-A
ADVOGADO: CAROLINA PUGLIA FREO - OAB/PR52606
ADVOGADO: ISABELA VIEIRA LEON - OAB/PR123151
ADVOGADO: LUISA SAPIECINSKI GUEDES - OAB/PR124827
ADVOGADO: MARIA VITORIA BITTAR DAHER DA COSTA FERREIRA - OAB/PR117545
ADVOGADO: GUILHERME DE SALLES GONCALVES - OAB/PR21989-A
RECORRIDA: SANDRA GHEDIN TURMINA
ADVOGADO: ISABELA VIEIRA LEON - OAB/PR123151
ADVOGADO: MARIA VITORIA BITTAR DAHER DA COSTA FERREIRA - OAB/PR117545
ADVOGADO: LUISA SAPIECINSKI GUEDES - OAB/PR124827
ADVOGADO: FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - OAB/PR105327-A
ADVOGADO: GUILHERME DE SALLES GONCALVES - OAB/PR21989-A
RECORRIDO: NEUDIR ANTONIO GIACHINI
ADVOGADO: FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - OAB/PR105327-A
ADVOGADO: CAROLINA PUGLIA FREO - OAB/PR52606
ADVOGADO: ISABELA VIEIRA LEON - OAB/PR123151
ADVOGADO: LUISA SAPIECINSKI GUEDES - OAB/PR124827
ADVOGADO: MARIA VITORIA BITTAR DAHER DA COSTA FERREIRA - OAB/PR117545
ADVOGADO: GUILHERME DE SALLES GONCALVES - OAB/PR21989-A
RECORRIDO: FELIPE TURMINA
ADVOGADO: FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - OAB/PR105327-A
ADVOGADO: CAROLINA PUGLIA FREO - OAB/PR52606
ADVOGADO: ISABELA VIEIRA LEON - OAB/PR123151
ADVOGADO: LUISA SAPIECINSKI GUEDES - OAB/PR124827
ADVOGADO: MARIA VITORIA BITTAR DAHER DA COSTA FERREIRA - OAB/PR117545
ADVOGADO: GUILHERME DE SALLES GONCALVES - OAB/PR21989-A
FISCAL DA LEI: Procurador Regional Eleitoral
ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIROS NÃO CANDIDATOS. OFERECIMENTO DE VANTAGEM ECONÔMICA E PROMESSA DE EMPREGO. NEXO ENTRE COORDENADOR DE CAMPANHA E CANDIDATOS. CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS DOS INVESTIGADOS E APLICAÇÃO DE MULTA.
I. CASO EM EXAME
1.1 Trata-se de recurso eleitoral interposto contra a sentença proferida pelo Juízo da 115ª Zona Eleitoral de Dois Vizinhos que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral por entender não configurada a captação ilícita de sufrágio.
1.2 Recurso eleitoral interposto pelo autor, pleiteando o reconhecimento da legitimidade passiva dos terceiros e a reforma da sentença para condenar os investigados às penalidades do art. 41-A da Lei n. 9.504/1997.
1.3 A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso eleitoral, para reconhecer a legitimidade passiva dos não candidatos, e condenar os investigados às sanções do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
2.1 Há duas questões a serem analisadas: i) a possibilidade de incluir no polo passivo da ação fundada no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 pessoas não candidatas; ii) e se restou comprovada, com robustez, a prática de captação ilícita de sufrágio com a ciência dos candidatos beneficiados.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3.1 A jurisprudência do TSE é pacífica ao reconhecer que somente candidatos possuem legitimidade passiva para responder por ação de captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, sendo incabível a imposição de sanções a terceiros, ainda que autores materiais da conduta. Ilegitimidade passiva mantida.
3.2 A configuração da captação ilícita de sufrágio exige prova robusta de que a vantagem foi ofertada com o específico fim de obter voto, além da ciência do candidato beneficiado.
3.3 No caso, restou comprovada de forma robusta, por meio de provas testemunhais coerentes e provas documentais, como conversas de WhatsApp e vídeos, a ocorrência de dois ilícitos: i) oferta de contratação de filho de eleitora, como menor aprendiz da prefeitura, em troca de votos; ii) pagamento de IPVA de eleitora, por meio de pix, com o fim de obter-lhe o voto.
3.4 Os ilícitos foram praticados por indivíduo que atuava como coordenador da campanha dos candidatos eleitos, o que, aliado ao contexto de cidade de pequeno porte, permite concluir que os candidatos estavam cientes da conduta.
3.5 O vínculo de confiança e a posição de destaque do coordenador de campanha, que organizava agendas, encontros e estratégias, reforçam a tese de que os beneficiários tinham ciência das condutas irregulares, especialmente por se tratar de campanha de pequena escala.
3.6 Configurada a captação ilícita de sufrágio, impõe-se a cassação dos diplomas dos investigados e multa no montante de R$ 5.320,50, em virtude da pluralidade de condutas e do valor econômico envolvido.
IV. DISPOSITIVO E TESE
4.1 Recurso CONHECIDO e PARCIALMENTE PROVIDO para julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral fundada em captação ilícita de sufrágio, impondo-se multa no montante de R$ 5.320,50 e a cassação do diploma dos investigados, determinando-se a realização de eleições suplementares.
Tese de julgamento: 1. Somente candidatos possuem legitimidade passiva para responder por ação fundada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. 2. A captação ilícita de sufrágio pode ser caracterizada quando comprovada a oferta de vantagem com dolo específico de obtenção de voto, mesmo que por intermédio de terceiro, desde que haja ciência do candidato beneficiado. 3. A posição de coordenador de campanha em contexto de município pequeno evidencia a ciência e a concordância dos candidatos quanto aos atos praticados em seu benefício.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 14, § 9º; Lei n. 9.504/1997, art. 41-A; Código Eleitoral, art. 299.
Jurisprudência relevante citada: TSE, RO nº 0601657-66, Rel. Min. André Mendonça, DJE 04.02.2025; TSE, AgR-AI nº 68233, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 23.11.2021; TRE-PR, RE nº 0600344-23.2020.6.16.0083, Rel. Des. Vitor Roberto Silva, DJ 14.05.2021.
DECISÃO
À unanimidade de votos, a Corte conheceu do recurso, e, no mérito, por maioria, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator designado para redigir o acórdão, conforme art. 80, § 2º, do RITRE/PR.
Curitiba, 30/07/2025
REDATOR DESIGNADO DES. LUIZ OSORIO MORAES PANZA
RELATÓRIO
Trata-se de recurso eleitoral interposto por Jean Carlos Cardoso contra a sentença proferida pelo Juízo da 115ª Zona Eleitoral de Dois Vizinhos que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo recorrido em face de Reni Kovalski, Sandra Ghedin Turmina, Neudir Antonio Giachini e Felipe Turmina, por entender não configurada a captação ilícita de sufrágio.
Em suas razões recursais (ID 44417730), o recorrente alegou, preliminarmente, que Neudir Giachini e Felipe Turmina possuem legitimidade passiva porque o art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 também abarca a ação de pessoas não candidatas, as quais podem ser sancionadas com multa. No mérito, sustentou, em relação ao primeiro fato, que a) embora a sentença reconheça a captação ilícita de sufrágio por meio de pagamento de IPVA de eleitora pelo coordenador da campanha, Neudir Giachini, excluiu-o do polo passivo, e absolveu os candidatos beneficiados Reni Kovalski e Sandra Turmina; b) em 15/09/2024, Neudir Giachini conversou por Whatsapp com a eleitora Silvana Aparecida Pinto de Lima com o fim de captar ilicitamente o seu voto, o que foi comprovado no depoimento prestado por Silvana em juízo; c) a quebra de sigilo bancário de Neudir comprovou que houve o pagamento de boleto de IPVA, por meio de pix, no dia 24/09/2024, no valor de R$ 466,10, e os dados de pagamento correspondem ao boleto em nome de Silvana; d) a ata notarial das conversas de Neudir com Silvana também comprovam esse fato, e havia organização da campanha de Reni e Sandra para captar ilicitamente os votos dos eleitores e confirmar posteriormente o voto; e) o Juízo fundamenta erroneamente que não houve prova para relacionar o coordenador de campanha com a participação ou a anuência dos candidatos beneficiados, entretanto Neudir foi peça-chave da campanha, sendo pessoa próxima e de confiança dos candidatos Reni e Sandra, de modo que agia, sim, sob a anuência dos recorridos, o que foi confirmado pelo informante Sandro Bortoncello, coordenador financeiro da campanha de Reni e Sandra. Em relação ao segundo fato, aduziu que f) o oferecimento de vantagens, por Neudir Giachini, em 20/09/2024, em nome dos candidatos recorridos, para a família de Geni Ianowski Campos de Oliveira, consistente na oferta de emprego para seu filho mais novo na prefeitura de Cruzeiro do Iguaçu, caso o grupo fosse eleito, é comprovado nos vídeos de ID 126893905 e ID 126893900; g) os vídeos devem ser considerados provas complementares à declaração em ata notarial juntada com a petição inicial e ao testemunho de Geni. Em relação ao terceiro fato, fundamentou que h) em 04/10/2024, às vésperas do pleito, Felipe Turmina, sobrinho da candidata à vice-prefeita Sandra Ghedin Turmina, realizou pix no valor de R$ 500,00 a Everton Felizardo de Medeiros para a compra de votos da família Tomazini de Medeiros; i) o fato foi comprovado pela quebra do sigilo bancário de Felipe Turmina, e pelo depoimento de Jacira e do próprio Everton, assim como pelas conversas de WhatsApp a partir de 14/10/2024, que demonstram que Everton de Medeiros nunca trabalhou com Felipe Turmina para que fosse pago com adiantamento; j) a conversa de WhatsApp também evidencia que Everton pede dinheiro e afirma que teria "3 votos" para Reni e Sandra; k) Felipe Turmina atuava fortemente na campanha eleitoral da tia e, por conseguinte, tinha sua anuência para agir em nome da campanha, destacando que o TSE já entendeu que o forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores da conduta e os candidatos beneficiários. Para reforçar a ilicitude dos fatos, sustentou que l) Cruzeiro do Iguaçu é uma cidade pequena, com 4.133 habitantes e rendimento médio mensal de 2,1 salários-mínimos, com apenas 24,41% da população ocupada, segundo dados do Censo 2022, de modo que o percebimento de R$ 500,00 reais, o pagamento de IPVA no valor R$ 466,00 ou a promessa de emprego representam grandes vantagens ao eleitor do município; m) não é crível que num município pequeno como Cruzeiro do Iguaçu os candidatos investigados não tenham conhecimento das condutas do seu coordenador de campanha e do sobrinho, os quais atuaram fortemente na campanha eleitoral; n) a eleição de 2024 teve 3.147 votos válidos, tendo Reni recebido 1.269 votos e o recorrente Jean, que ficou em segunda posição, 1.036 votos, com mínima margem de vitória, de sorte que a captação ilícita violou a isonomia da disputa; o) é entendimento pacífico do TSE de que a compra de um único voto é suficiente para caracterizar o ilícito eleitoral, e de que não é necessário ter pedido expresso de voto, bastando que a conduta seja voltada ao intento de obter o voto. Requereu, ao final, o reconhecimento da legitimidade passiva de Neudir Antonio Giachini e Felipe Turmina e, no mérito, a procedência dos pedidos.
Em contrarrazões (ID 44417739), os recorridos alegaram que a) a determinação judicial da supressão de mandato obtido pelo exercício do voto popular é medida drástica, que exige sempre a ponderação de valores pelo julgador e provas robustas; b) deve ser mantida a ilegitimidade passiva de Naudir e Felipe porque, nos termos da jurisprudência do TSE, embora o ato ilícito possa ser levado a efeito por terceiro não candidato, esse não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41 A da Lei n. 9.504/1997; c) não restou demonstrado nos autos a participação ou a anuência dos candidatos beneficiados nos supostos atos de compra de votos, sequer há a menção de seus nomes ou do número eleitoral durante as conversas. Pleitearam, ao final, o conhecimento e o desprovimento do recurso.
A Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44456452) manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso eleitoral, para reconhecer a legitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, e condenar todos os investigados às sanções do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
É o relatório.
VOTO
a) Da Admissibilidade do recurso
Por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
b) Da preliminar de legitimidade passiva
O Juízo de primeiro grau reconheceu em sentença a ilegitimidade passiva de Neudir Giachini e de Felipe Turmina sob o fundamento de que as sanções previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 são inaplicáveis a não candidatos.
A propósito da captação ilícita de sufrágio, o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 estabelece:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registroou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da LC 64/90.
A literalidade da norma indica que as sanções previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 aplicam-se apenas a candidatos, embora o terceiro não candidato possa responder pelo crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral.
É neste sentido a reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:
ELEIÇÕES 2022. RECURSOS ORDINÁRIOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DO PODER ECONÔMICO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. JULGAMENTO CONJUNTO. RECURSOS DO CANDIDATO INVESTIGADO (AIJE e RP) E DOS DEMAIS ENVOLVIDOS (AIJE). PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS NA ORIGEM. GRAVIDADE DA CONDUTA. ANUÊNCIA EVIDENCIADA. ELEMENTOS DE PROVA UNÍSSONOS NO SENTIDO DA PRÁTICA DO ILÍCITO ELEITORAL. TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITORES. NEGATIVA DE PROVIMENTO. RECURSO DOS NÃO CANDIDATOS (RP). NÃO ADMISSÃO. ILEGITIMIDADE DO TERCEIRO NÃO CANDIDATO PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. NÃO CONHECIMENTO.
[...]
8. O TRE/AP reconheceu, de ofício, a ilegitimidade passiva dos recorrentes Eduardo Renary Silva Ferreira e Julison Pinho Pereira, para figurarem no polo passivo da representação especial, já que, na linha de entendimento desta Corte Superior "Somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 [...]" (RO n° 1334-25, Rei. Min. Luciana Lóssio, DJE 6.3.2017). Ilegitimidade recursal. Recurso não conhecido.
[...]
Recurso Ordinário Eleitoral nº060165766, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 04/02/2025.
ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS EM AGRAVO. REPRESENTAÇÃO CUMULADA COM AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ARRECADAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PROCEDÊNCIA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CASSAÇÃO DO MANDATO DE VEREADOR, MULTA E INELEGIBILIDADE. NEGADO PROVIMENTO AOS AGRAVOS INTERNOS.
[...
10. O entendimento firmado por esta Corte Superior acerca do tema, inclusive para o pleito de 2016, é de que somente o candidato tem legitimidade para responder pela captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, motivo pelo qual terceiros não candidatos não ostentam legitimidade passiva para responder por esse ilícito, não se podendo aplicar multa a eles. Precedentes. Observância ao princípio da segurança jurídica.
11. Negado provimento ao agravo interno.
[...]
Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº68233, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/11/2021.
De igual modo já decidiu esta Corte:
EMENTA. ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE. REJEIÇÃO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE EXCLUIU DA LIDE OS CANDIDATOS SUPOSTAMENTE BENEFICIADOS. HIPÓTESE DELITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NULIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. POSSIBILIDADE DE DECISÃO IMEDIATA. DECISÃO FAVORÁVEL AOS LITISCONSORTES PASSIVOS NÃO INCLUÍDOS NA LIDE. PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. NÃO CONFIGURAÇÃO.AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE DA GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ILEGITIMIDADE DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO, AUSÊNCIA, NO MAIS, DE PROVA DE PARTICIPAÇÃO, CIÊNCIA OU ANUÊNCIA DOS CANDIDATOS. PEDIDO IMPROCEDENTE. RECURSOPARCIALMENTE PROVIDO.
[...]
6. Terceiro, ainda que autor do fato, não tem legitimidade passiva para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41-A, da Lei das Eleições. Precedentes.
[...]
RECURSO ELEITORAL nº06003442320206160083, Acórdão, Relator(a) Des. Vitor Roberto Silva, Publicação: DJ - Diário de justiça, 14/05/2021.
Logo, deve ser mantida a sentença no ponto em que reconheceu a ilegitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, não candidatos no pleito de 2024.
c) Da pretensão recursal
A controvérsia nos autos cinge-se à captação ilícita de sufrágio em benefício da candidatura de Reni Kovalski e de Sandra Ghedin Turmina, eleitos prefeito e vice-prefeita de Cruzeiro do Iguaçu, praticada por Neudir Giachini, coordenador de campanha, e Felipe Turmina, sobrinho da vice-prefeita, em três oportunidades distintas.
A captação ilícita de sufrágio está prevista no artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, que estabelece:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.
Os requisitos[1] para a configuração desse ilícito eleitoral são a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei das Eleições; b) dolo específico de obter o voto do eleitor, ainda que não haja pedido explícito; c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, o conhecimento dos fatos, ou a sua anuência.
A jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral[2] exige, ainda, cumulativamente aos requisitos citados, a existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, diante da severa penalidade de cassação do registro ou diploma, destacando que a condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio requer provas incontestes, não podendo se fundar em meras presunções.
Diante dessas premissas legais e jurisprudenciais, oportuna a análise individualizada de cada fato objeto da irresignação recursal, o que faço em ordem inversa, para melhor deslinde da questão.
O terceiro fato diz respeito a pix realizado por Felipe Turmina, sobrinho da candidata à vice-prefeita Sandra Ghedin Turmina, a Everton Felizardo de Medeiros, no valor de R$ 500,00, em 04/10/2024, com o objetivo de obter o voto da família Tomazini de Medeiros.
A declaração (ID 44417524) emitida pela genitora de Everton, Jacira Tomazini, aponta que:
"Dia 04 de outubro por volta do meio dia, o senhor Felipe Turmina, sobrinho da candidata a vice prefeita SANDRA GHEDIN TURMINA e do ex prefeito DILMAR TURMNINA, filho do irmão do ex prefeito chamado DALMIR TURMINA e filho da irmã da candidata a vice, senhora SONIA GHEDIN TURMINA, ligou para meu celular mas o aparelho estava com meu filho mais novo que estava trabalhando nos aviários da família e o FELIPE TURMINA falou com ele pediu se a gente já tinha acertado com algum candidato a prefeito para votar. Ele disse que não ainda e o Felipe Turmina continuou na ligação telefônica pedindo para nós votar no candidato RENI e SANDRA que ele poderia dar uma ajuda. Pediu para toda familia votar na chapa Reni/Sandra. Ele falou em R$ 500,00 reais pra gente votar neles. Meu filho já pensando no bom valor que seria esses R$ 500 reais mandou o PIX dele pra gente receber esse valor que pra nós ajuda muito. Os jovens sabem mais essas coisas de PIX. Daí o Felipe Turmina mandou o PIX de R$ 500,00 da conta dele do Sicoob."
Em juízo, Jacira Tomazini relatou:
"Confirmo o que escrevi na ata notarial. Eles pediram para o meu filho Everton que queriam o voto meu, do meu marido e do meu piá. O Felipe Turmina que falou isso. O celular era meu, não do meu filho Everton, nós temos só um. O Felipe ligou para ele e mandou um pix para ele. Ele deu R$ 500,00 em dinheiro e fez um pix de mais R$ 500,00. Meu filho nunca trabalhou na Fazenda da família Turmina, ele é menor, ele estava lá ajudando o meu filho Anderson, que mora lá em Francisco Beltrão, ajudando em uns aviários que ficam lá. Não conheço a Fazenda Turmina, não sei se tem aviário lá. Tem uma conversa que era para ele trabalhar em uma plantadeira, mas ele não foi. Sei que o Felipe é ligado com o Reni e a Sandra, ele trabalhava na campanha com eles. Soube por outras pessoas. Eu conheço o Neudir, ele era da campanha do Reni e da Sandra. Não sei se o Felipe Turmina quem contrata os funcionários. Eu fui fazer a declaração no cartório, meu filho Cleberson que me levou. É o mesmo que aparece no vídeo (mostrado em audiência), ao lado do Jean. Não cobraram pela escritura. Não sei se meu piá pagou. O Cleberson pagou. Não sei o valor. Eu entrei com o cartorário e ele ficou lá fora. Eu contei que o Everton recebeu o pix do Felipe. Eu vi as mensagens que ele trocou com o Felipe. Eu vi as mensagens que ele falava que queria que ele fosse trabalhar na Fazenda, nas máquinas, mas ele nunca trabalhou. Eu vi nas mensagens, que o Felipe falava que se o Everton conseguisse os votos no Reni e na Sandra, ele ia arrumar o emprego e dar dinheiro. Eu vi as mensagens que ele falava de dar R$ 500,00, e depois mais R$ 500,00, para arrumar o meu voto, do meu marido e do meu filho Everton, mas o Everton não vota ainda, ele é menor, não tem título de eleitor. Meu filho Everton trabalha de diarista com o meu filho, lavando aviário em Francisco Beltrão e Itapejara do Oeste. Ele levou meu celular para lá. Sou casada com o pai do Everton. Ele ficou doente em um período antes da eleição. Eu pedi ajuda para o meu marido no posto de saúde. Não sei se o Everton mandou mensagem para o Dilmar Turmina e para o Felipe. Esse dinheiro foi para compra de voto, não adiantamento de serviço, pois ele não trabalhava com máquina. Não vi mensagens do Felipe dizendo que ia fazer esse adiantamento, para ajudar o pai do Everton, que estava doente. Eu que peguei o celular e vi as mensagens. Ele tinha levado o celular para trabalhar, quando voltou ele disse que iam dar R$ 500,00 em troca dos três votos, o meu, do meu marido e dele, mas ele não vota."
Por sua vez, Everton Felizardo de Medeiros disse que:
"No dia 4, dois dias antes das eleições, o Felipe me ligou. Eu estava no serviço. Ele perguntou se eu tinha algum acerto com algum prefeito e vereador, disse que não, então ele ofereceu a quantia de R$ 500,00 em troca dos votos dos meus pais e meu, em favor da tia dele, Sandra e do Reni. Eu não voto, tenho 17 anos e ainda não tenho título. Depois disso eu não mandei mais mensagens. Não conhecia o Felipe, nunca tinha conversado com ele. Nunca trabalhei na Fazenda da família Turmina, eu trabalho apenas com diárias, nunca trabalhei com maquinário. Ele falou isso de adiantamento de serviço depois, quando ele descobriu que tinha aberto uma ação contra ele. Eu não pedi dinheiro para ele, ele que ofereceu em troca de 3 votos. Esse dinheiro não tem nada a ver com nada de adiantamento de serviço, é coisa de política mesmo. Ele falava também que esse dinheiro era para votar em um vereador, mas ele não falou o nome. O Felipe sempre trabalhou na campanha. Ele é bem próximo da Sandra e do Reni. Não conheço o Neudir. Eu não mandei o comprovante para ninguém. Eu nunca tive contrato com eles, nunca trabalhei na fazenda deles. Não estou mentindo, estou falando apenas a verdade. Eu nunca procurei o Dilmar Turmina, nunca mandei áudio para ele. Confirmo que mandei mensagem para o Dilmar Turmina. Antes mandei mensagem para ele pedindo um pix de R$ 500,00. Dilmar Turmina é um cara que todo mundo fala que roubou muito no nosso município. Eu vi ele em um dia em um acidente, um amigo meu bateu na carreta deles. Nesse dia ele falou que quando eu precisasse, eu poderia mandar mensagem. Eu mandei mensagem para saber do acidente, e falamos sobre o meu pai que estava doente. Não tenho nada contra o Dilmar Turmina. Sei que vender voto é crime, mas nunca vendi voto, pois nem voto. Antes do dia 4 de outubro eu mandei mensagem para o Felipe. Confirmo que o recebi um telefonema do Felipe no dia 04 de outubro, por volta do meio dia, horário do meu almoço. Confirmo que o Felipe me mandou mensagem nesse mesmo dia, por volta das 11h da manhã. Respondi por mensagem e também por WhatsApp. Não mandei áudio para o Felipe. Mandei áudio para o Felipe. Não lembro do que falei nesses áudios, mas lembro que tratamos da compra do voto. Eu pedi uma ajuda para ele. Eu disse para ele que trabalhava. Eu falei para ele que daria o voto do meu pai e da minha mãe. Não lembro se pedi ajuda em razão do meu pai estar doente. O atestado que mandei era do meu pai. Essas conversas do WhatsApp foram armadas por ele, pois ele disse que não poderia tratar de compra de votos."
Há, ainda, comprovante de pix juntado à inicial (ID 44417523), demonstrando a transferência de R$ 500,00 por Felipe para Everton.
Por outro lado, a defesa não nega a transferência bancária, mas disse que o valor foi transferido como adiantamento de serviços que Everton deveria prestar para Felipe, o qual pediu ajuda para comprar medicamento para seu pai que estava doente à época.
Corroborando esta alegação, foi juntada na contestação a conversa de WhatsApp travada entre Everton e Felipe em que ambos tratam de serviço a ser prestado por Everton, e não de compra de votos (ID 44417599). Inclusive, nesta conversa, Everton encaminha fotos de seu pai aparentemente internado em algum hospital.
Nesse contexto, embora Felipe tenha enviado pix de R$ 500,00 para Everton, o simples repasse de valores não basta para configurar o ilícito eleitoral. É necessário demonstrar, de forma segura e objetiva, o nexo entre o valor e o pedido de voto.
No fato em exame, não há nenhuma outra prova, além do depoimento de Everton e de sua mãe, em que Felipe explicita, sugira ou condicione o valor ao voto nos candidatos Reni e Sandra. Ao contrário, há prova documental, conversa de WhatsApp (ID 44417599), em que se discute possível prestação de serviço, e não há qualquer menção à eleição ou ao voto.
O próprio depoimento de Everton, ainda que mencione a suposta oferta de votos, é marcado por sucessivas contradições, que enfraquecem sua credibilidade como testemunha. Ele alterna declarações conflitantes ao dizer que nunca trabalhou com Felipe, mas depois admite que tratou sobre trabalho; que não mandou áudio, mas logo depois confirma que mandou áudios tratando da compra de voto; que não conhecia Felipe, mas depois reconhece que já havia feito contato antes com pedido de ajuda financeira; que não tinha título eleitoral, mas afirma que negociou voto em troca de dinheiro.
Essas contradições indicam que não há linha narrativa coesa que sustente, de forma segura, a tese de que a transferência financeira se deu com finalidade eleitoral.
Do mesmo modo, o depoimento de Jacira, mãe de Everton, é frágil para comprovação do ilícito, pois não estava presente quando Everton supostamente recebeu ligação de Felipe oferecendo valores em troca de votos, relatando provavelmente o que ouviu de Everton.
Ainda que não haja contrato formal, a existência de conversas sobre a prestação de serviços e o contexto pessoal de necessidade (doença do pai de Everton) tornam plausível a versão defensiva de que o valor se destinava à ajuda ou ao adiantamento, e não à compra de votos.
Desse modo, em relação ao terceiro fato, não restou comprovada de forma inconteste a captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, razão pela qual deve ser mantida a sentença de improcedência quanto a este ponto específico.
O segundo fato diz respeito ao oferecimento de vantagem por Neudir Giachini, em 20/09/2024, para a família de Geni Ianowski Campos de Oliveira, consistente na oferta de contratação de seu filho mais novo como menor aprendiz da prefeitura de Cruzeiro do Iguaçu caso o grupo fosse eleito.
A declaração emitida extrajudicialmente pela eleitora Geni (ID 44417517) aponta que:
"(...) Então ele pediu como que a gente estava. Falei que o meu filho mais novo está com asma por conta de problema de gripe forte e atacou asma. Quando falei isso, chegou meu marido e o Neudir Giachini disse que eles poderiam ter ali na prefeitura um emprego para alguém da família caso o grupo deles se elegesse e caso a gente votasse pra eles, poderiam contemplar alguém da família com um emprego. Poderia ser o meu filho mais novo que tem esse problema de asma. A minha câmera de segurança tá velha e não pega todos movimentos. Quando era mais nova, ela gravava qualquer movimento e até tinha notificação de detecção de movimento mas agora ela pula mais. Agora ela grava somente com movimentos maiores, fazendo cortes mas o Neudir fala que conseguiria colocar meu filho como jovem aprendiz e depois que ele fizesse maior idade eles continuariam com ele na prefeitura e poderiam até usar ele no agendamento da saúde. Ele disse que foi ele quem pôs o outro rapaz na época dele como secretário em gestão passada e que ele poderia fazer o mesmo com meu filho e ele prometeu isso se a gente votasse no Reni e Sandra mas a gente não vai por promessa. A gente quer um município melhor. Eu achei muito errado a falta de respeito e a falta de educação de ele acusar a pessoa do JEAN sem a pessoa dever por que primeiro ele acusou o JEAN de roubo de celular e mostrou uma foto de uma pessoa que estava de costas dizendo que era o JEAN. Eu questionei dizendo que não dava de ver que era o JEAN na foto por que a pessoa estava de costas, de boné, de blusão, calça jeans, tênis. A única parte que aparecia era um pouco do pescoço e é praticamente impossível identificar a pessoa desse jeito. Quando surgiu essa história do roubo do celular e de pessoas acusando o JEAN eu fiquei sabendo e eu sabia que não era o Jean. Achei isso uma baixaria eles usarem isso para chegar nas casas e falarem essa calúnia, essa acusação contra o Jean nas casas. E o Jean faz anos que a gente conhece. Ele, a mãe, a esposa Fabiele, todos um amor de pessoas e eles não são desse tipo de caráter. Fiquei revoltada, fui, baixei os vídeos que foram gravados e mandei pro Jean e para Fabiele pelo app Messenger do Facebook. Ele falou muitas coisas inclusive que nem aparecem na câmera por que não tinha movimento suficiente para ela ligar. Ele conversou com meu marido até prometeu um trabalho para meu marido pelos votos no Reni e Sandra e o Neudir perguntou para meu marido o valor que ele recebia atualmente e achou um valor alto pra conseguir compensar esse valor com emprego na prefeitura que ele ganha hoje. Daí ele prometeu só para o filho o trabalho na prefeitura. Um trabalho que não tivesse muito esforço, que não tivesse problema por causa da asma dele. O Neudir perguntou como que meu filho estava e eu disse que o filho estava se tratando com bombinha e que qualquer esforço de subir escada rápido ou algo assim já cansa, falta ar e tem que usar bombinha e que está bem complicado isso mas ele continuou fazendo as promessas e eu achei muito errado da parte dele fazer isso. Jogar a moral do Jean abaixo, a integridade dele, por que quando ele sai dizendo que o Jean rouba celular ele mente por que eu sabia que era mentira e questionei. Não tem 100% da conversa na câmera por que só tinha movimentos as vezes que ela captou e ligou. Mas o que as câmeras gravaram passei para o Jean e a Fabiele pois não gostei nada de ouvir essas mentiras e ainda prometer serviço pro meu marido e filho em troca de votos."
Em juízo, o relato de Geni permanece coerente:
"Eu tenho duas câmeras no meu estabelecimento. Tinha um grupo no WhasApp, com pessoas de vários partidos, da cidade inteira. Lá teve uma conversa que estava tendo compra de votos e promessas, e pediram que se tivesse provas, era para denunciar. Naquele dia o Neudir chegou lá, sentou e começou a falar, perguntou se meu filho de 17 anos trabalhava. Eu falei que não, pois ele tem asma e estuda. Nesse momento ele disse que ele poderia trabalhar de menor aprendiz, e eu disse que não tinha conseguido. Ele disse que dava para colocar, e prometeu que se o grupo dele fosse eleito, daria para adequar os horários, para não prejudicar os estudos dele. Ele disse que seria o próximo secretário da saúde, que daria para contratar ele, se o Reni e a Sandra fossem eleitos. Depois que meu marido chegou, ele repetiu tudo para o meu marido. Eu achei isso muito errado. Eu não pedi nada. Eu conheço bem o Jean e a Fabiele, esposa dele. Eu peguei as imagens e mandei para ela, pois não achei certo. Mandei pelo Facebook, pelo messanger. Eu que procurei ela e mandei. Eu sei que eles são uma família de bem. A minha câmera as vezes corta. Ele citou o exemplo de um rapaz que ele conseguiu emprego de menor aprendiz, e depois continuou trabalhando, mesmo depois da maioridade. Ele disse que mesmo que se eu não gostasse deles, ele estaria lá para ajudar. Ele perguntou também para o meu marido com o que ele estava trabalhando. Ele pediu voto para o Reni e para Sandra, perguntou quanto o meu marido ganha. Conheço Felipe Turmina só de vista. Eu conheço a Fabiele há anos, mas não tinha o WhatsApp dela. Meu estabelecimento têm folhas dizendo que o ambiente é gravado. Não sei se ele sabia que estava sendo filmado. Não me lembro se no vídeo aparece o pedido de voto, em troca do emprego. Eu conheço o Neudir desde criança, mas não é meu amigo. Ele não tem o hábito de ir no bar, ele só foi para pedir voto. Ele sabe que eu apoiava um candidato a vereador que era contrário a ele. Ele era do lado do Jean. Eu passei a defender o Jean nesse grupo a partir do momento que passaram a falar muitas mentiras. Eu pedi voto para o Jean."
Os vídeos captados pela câmera de segurança do estabelecimento de Geni (ID 44417518, ID 44417519, ID 44417520 e ID 44417521), especialmente aquele juntado ao ID 44417521, demonstram claramente Neudir solicitando voto em troca da contratação do filho mais novo da eleitora Geni como menor aprendiz da prefeitura caso o grupo fosse eleito.
Embora Neudir não exija explicitamente o voto para que ocorra a contratação, o contexto do vídeo permite inferir esta conclusão, sobretudo porque a todo momento a conversa girou em torno de solicitação de apoio político para os candidatos recorridos.
Nesse ponto, importante mencionar que a defesa, em contestação, arguiu a ilegalidade da prova decorrente dos mencionados vídeos, entretanto o Juízo de primeiro grau a reputou válida (ID 44417633), não havendo qualquer insurgência posterior pelos investigados, por meio de recurso próprio.
Desse modo, o conjunto probatório, composto por vídeos e prova testemunhal coesa, demonstra de forma inconteste que Neudir propôs a contratação do filho mais novo da eleitora como menor aprendiz em troca de votos.
No que tange ao primeiro fato, a sentença, após a análise das provas, reconheceu a ilicitude da conduta praticada por Neudir, que, em 24/09/2024, realizou o pagamento de IPVA para a eleitora Silvana Aparecida Pinto de Lima, no valor de R$ 466,10, por meio de pix, com o fim de obter-lhe o voto para os candidatos Reni Kovalski e Sandra Turmina.
Entretanto, o Juízo de primeiro grau entendeu pela não aplicação de penalidade aos candidatos, diante da inexistência de provas da participação no ilícito, ou da anuência deles. Observe-se:
Verifica-se, assim, que houve demonstração da realização de conduta vedada constante no art. 41-A da Lei das Eleições pelo terceiro/não candidato NEUDIR, com o dolo específico de obter o voto da eleitora Silvana, bem como da ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição. No entanto, entendo que não está demonstrado nos autos a participação ou anuência dos candidatos beneficiados.
O recorrente fundamentou que Neudir foi peça-chave da campanha, sendo pessoa próxima e de confiança dos candidatos investigados, de modo que agia sob a anuência dos recorridos, o que foi confirmado pelo informante Sandro Bortoncello, coordenador financeiro da campanha de Reni e de Sandra.
Sobre este ponto, os recorridos reconhecem a prática do ilícito por Neudir, mas aduzem a ausência de provas que demonstrem a participação ou a anuência dos candidatos. Observe-se:
Repisa-se: o pagamento de IPVA, foi feito pelo próprio Neudir a Silvania, por quem nutre um forte laço de solidariedade, não tendo suportado a ver passando por necessidade e implorando tanto por ajuda – enquanto o oferecimento de emprego ao filho de Geni se deu pela preocupação de se inserir o jovem, que completará dezoito anos logo, ao mercado de trabalho. O pagamento realizado por Felipe foi um adiantamento de um serviço que Everton realizaria nas propriedades de Felipe, como demonstrado em tópico anterior. Em momento algum se vê a presença de Reni e de Sandra nas condutas, e sequer há a menção de seus nomes ou do número eleitoral durante as conversas. Inclusive, Silvana procurou ajuda de Dilmar, não dos Recorridos Reni ou Sandra. Sobre as alegações em torno de Neudir, o Recorrente busca construir a presunção da ciência a partir de sua participação em campanha, de forma que, em se tratando do coordenador da campanha de Reni e Sandra, detinha toda a confiança e anuência de ambos para buscar votos, representá-los perante a sociedade, agindo como o fez para obter votos para seus candidatos. (ID 44417739 – p. 11)
Incontroversa, portanto, a prática ilícita por Neudir em relação ao primeiro fato descrito na petição inicial – pagamento de IPVA em troca de voto –, sendo objeto das razões recursais apenas a existência ou não de anuência dos candidatos.
Em vista disso, estando demonstrado de forma inconteste que Neudir, ao menos em duas oportunidades, ofereceu vantagens a eleitores em troca de voto – pagamento de IPVA e promessa de contratação de filho de eleitora –, importa analisar se os candidatos Reni e Sandra possuíam conhecimento dos fatos, requisito indispensável para a configuração da captação ilícita de sufrágio prevista art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
O Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou no sentido de que, quando os atos forem protagonizados por terceiros, como é o caso em análise, a anuência com a captação ilícita de sufrágio pode se revelar a partir de elementos que denotem estreito vínculo político ou de cunho afetivo entre o candidato beneficiário e quem oferece a benesse em troca de votos. Observe-se:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJEs). FEITOS CONEXOS. JULGAMENTO CONJUNTO NO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. MULTA. PRELIMINARES. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO E NULIDADE DA PROVA ADVINDA DA BUSCA E APREENSÃO. REJEIÇÃO. MÉRITO. PROMESSA E OFERTA DE BENESSES A ELEITORES EM TROCA DE VOTOS. DIÁLOGOS NO APLICATIVO WHATSAPP. APREENSÃO DE DINHEIRO. LISTA DE ELEITORES. MATERIAL DE PROPAGANDA. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. INCIDÊNCIA. GRAVIDADE. PRESENÇA. NULIDADE DOS VOTOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO E REALIZAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES. MODALIDADE INDIRETA. PRECEDENTE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
[...]
9. A configuração da captação ilícita ocorre com a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei das Eleições; (b) dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado ou sua concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito. Precedente.
[...]
14. A concordância ou anuência aos fatos configuradores do ilícito pode se revelar a partir de elementos que denotem estreito vínculo político ou de cunho afetivo entre o candidato beneficiário e aquele que oferece diretamente a benesse em troca de votos. Precedentes.
Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060016188, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/09/2024.
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA TESTEMUNHAL. ANUÊNCIA. DESPROVIMENTO.
[...]
4. Os elementos fático-probatórios constantes do acórdão recorrido revelam que ficou comprovada a existência de estreito vínculo político entre o autor do oferecimento da vantagem, que ocupava o cargo de tesoureiro do Diretório Municipal do PSDB, partido ao qual o recorrente Orivaldo Rizzato era filiado, e os candidatos, estando, portanto, configurada a anuência dos recorrentes em relação à conduta consistente no perdão de dívida em troca de votos.
[...]
Recurso Especial Eleitoral nº72128, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/03/2019.
Nesse contexto, é relevante o fato de que Neudir Antonio Giachini não era um mero militante ou apoiador ocasional da campanha, tampouco alguém com atuação periférica. Ao contrário, exercia formalmente a função de coordenador da campanha eleitoral dos investigados, cargo que, por sua própria natureza, envolve significativa proximidade, confiança mútua e responsabilidade no desenvolvimento das atividades eleitorais.
A figura do coordenador de campanha não se confunde com a de um eleitor comum ou simpatizante. Trata-se de agente com atuação estratégica e operacional decisiva, a quem se confia a execução de diretrizes políticas e práticas eleitorais dos candidatos. As suas condutas devem ser compreendidas no contexto de uma cadeia de comando e confiança, de sorte que suas ações não ocorrem de forma totalmente dissociada do conhecimento ou, ao menos, da anuência dos candidatos beneficiados.
O depoimento prestado pelo informante Sandro Bortoncello, coordenador financeiro da campanha de Reni e de Sandra, confirma que era Neudir quem cuidava das agendas, organizava os encontros, e discutia estratégias com Reni, com Sandra, e com todo o pessoal.
Outrossim, não se pode ignorar o contexto fático em que se deu a campanha eleitoral, realizada no município de Cruzeiro do Iguaçu, cuja população, segundo dados oficiais do IBGE, é de apenas 4.133 habitantes.
Nos cenários eleitorais de pequena dimensão territorial e populacional, como o presente, a estrutura de campanha tende a ser reduzida, centralizada e marcada por intensa proximidade entre os membros da equipe e os próprios candidatos, o que torna ainda mais evidente a impossibilidade de dissociação entre os atos praticados pelo coordenador e a anuência ou o conhecimento dos candidatos a respeito de tais condutas ilícitas.
Em municípios de pequeno porte, o controle dos atos de campanha é mais direto e personalizado, sendo certa a ciência dos candidatos sobre as atividades desempenhadas por seus colaboradores mais próximos. A alegação de desconhecimento dos atos ilícitos praticados por pessoa com função de comando na campanha, especialmente em contextos eleitorais simplificados, não se sustenta diante da realidade concreta.
Assim, o conjunto probatório revela não apenas a existência de um nexo funcional e político entre o autor do ilícito e os candidatos, mas também um contexto que torna inafastável a conclusão pela ciência e concordância dos investigados com o oferecimento de vantagens aos eleitores em troca de votos.
Desse modo, configurada a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em relação ao primeiro e ao segundo fato, deve ser aplicada aos investigados a sanção de cassação do diploma e multa no valor de R$ 1.064,10 a R$ 106.410,00.
O arbitramento da multa deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em consideração a gravidade dos fatos, a repercussão das condutas no processo eleitoral, a condição econômica dos investigados e o número de infrações apuradas.
No presente caso, foram comprovados dois ilícitos distintos: a) entrega de benefício econômico no valor de R$ 466,10, representando uma vantagem material oferecida em troca de voto; b) promessa de emprego ao filho de uma eleitora, o que configura oferecimento de vantagem pessoal de caráter não monetário, mas de grande valor social e econômico.
Assim, à luz da jurisprudência consolidada do TSE, que admite o arbitramento da multa em patamar acima do mínimo legal quando presentes múltiplas condutas ou gravidade acentuada dos fatos, entendo que é cabível a fixação da multa no valor de R$ 5.320,20.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, voto pelo CONHECIMENTO e PARCIAL PROVIMENTO do recurso interposto por Jean Carlos Cardoso, para julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral fundada em captação ilícita de sufrágio, impondo a Reni Kovalski e à Sandra Ghedin Turmina multa no montante de R$ 5.320,50 e a cassação de seus diplomas, com a determinação de realização de eleições suplementares, nos termos do artigo 224, §4º, inciso II, do Código Eleitoral.
Com a publicação deste acórdão, oficie-se ao juízo da zona eleitoral responsável para que comunique, de imediato, o resultado deste julgamento à Câmara de Vereadores de São João, para que esta lhe dê cumprimento imediato, bem como para que anote no cadastro eleitoral dos investigados o ASE correspondente.
Comunique-se também à presidência deste Regional, para que dê início à redação de Resolução para as eleições suplementares.
DES. LUIZ OSÓRIO MORAES PANZA
Redator Designado
[1] Recurso Ordinário Eleitoral nº060165766, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 04/02/2025
[2] RO-El nº 060302456 – Brasília/DF, Acórdão de 27/8/2020, Rel. Min. Og Fernandes, DJE 26/10/2020 e AgR–REspe 668–63, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 24.9.2019
[3] AgR-REspEl nº 0600407-48/AL, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 26.5.2023 e RO-El nº 0601713-41/AP, redator para acórdão Min. Edson Fachin, DJe de 15.9.2021.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Pedi vista dos presentes autos para melhor exame da matéria em virtude das teses jurídicas envolvidas.
Por brevidade, adoto o Relatório apresentado pelo Relator, Desembargador Eleitoral Anderson Ricardo Fogaça.
1. Na Sessão Presencial de 14 de julho de 2025, o Relator votou por conhecer do recurso eleitoral e dar-lhe parcial provimento para julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral fundada em captação ilícita de sufrágio, impondo a Reni Kovalski e Sandra Ghedin Turmina multa no montante de R$ 5.320,50 e a cassação de seus diplomas, com a determinação de realização de eleições suplementares.
Compreendeu a Relatoria pela ilegitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, não candidatos no pleito de 2024, sob o fundamento de que a literalidade do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97 indica que as sanções nele previstas aplicam-se apenas a candidatos.
Ainda, entendeu que, estando demonstrado de forma inconteste que Neudir G., ao menos em duas oportunidades, ofereceu vantagens a eleitores em troca de voto - pagamento de IPVA e promessa de contratação de filho de eleitora -, ele exercia a função de coordenador de campanha e que isso seria suficiente para demonstrar o conhecimento ou anuência do candidato com os ilícitos praticados.
Acompanharam-no o Desembargador Eleitoral Guilherme Frederico Hernandes Denz, Desembargador Luiz Osorio Moraes Panza e a Desembargadora Federal Claudia Cristina Cristofani.
A Desembargadora Eleitoral Tatiane de Cassia Viese divergiu, votando por negar provimento ao recurso eleitoral sob o argumento de que “não se encontrou prova nos autos de que os Recorridos Reni Kovalski e Sandra Ghedin Turmina mantivessem com Neudir Giachini uma relação de confiança e cumplicidade de tamanha intensidade que permita afirmar - com segurança jurídica suficiente para a imposição das sanções previstas no art. 41-A, da Lei das Eleições”.
Pois bem.
2. A primeira questão controvertida se refere à legitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, agentes não candidatos apontados na petição inicial como responsáveis por efetuar a compra de votos em benefício dos candidatos Reni Kovalski e Sandra Ghedin Turmina.
A respeito ensina Rodrigo López Zilio:
No entanto, a exegese que melhor conforma os delineamentos jurídicos da captação ilícita de sufrágio é admitir a legitimidade passiva da representação pelo art. 41-A da LE para o candidato e, do mesmo modo, qualquer pessoa que tenha praticado ou concorrido para o ilícito. Em síntese, porque: i) é característica da norma proibitiva-sancionatória dirigir-se a todos, indistintamente; ii) o fato é objetivamente ilícito (i.e., não existe subjetividade diversa para o candidato ou não candidato; iii) se o TSE admite a possibilidade de punição pelo 41-A da LE da mera participação ou anuência do candidato, é descabido reconhecer a conduta ilícita do terceiro (como autor principal) e não puni-lo; iv) o conceito material de ilicitude é unitário, ou seja, a “compra de voto” tem desdobramento penal – art. 299 CE – e extrapenal – art. 41-A da LE (assim, reconhecendo-se a possibilidade de punição de ambos, candidato ou não, no Direito Penal – que tem caráter fragmentário e subsidiário –, deve-se admitir a necessidade de punição também na esfera extrapenal, até mesmo como forma de manter a coerência do sistema); v) no art. 41-A da LE não existe nenhum elemento que exija a caracterização de sujeito passivo qualificado para sua configuração; vi) a ausência de punição ao terceiro (não candidato), mesmo na qualidade de autor da conduta principal, implica em ofensa ao bem jurídico tutelado (vontade do eleitor), que, embora violado, não teve a proteção integral da norma punitiva;” e, vii) a existência de sanção adequada para o terceiro (não candidato), que é a aplicação de multa. Daí que é possível concluir que tanto a pessoa física – seja cabo eleitoral, correligionário, simpatizante, familiar ou mesmo terceiro sem vinculação direta com o candidato – seja responsabilizado pela infração ao art. 41-A da LE, já que ganha mais relevo a prática da conduta ilícita em si (seja de forma direta ou indireta) do que a condição pessoal do candidato.
(Direito Eleitoral – 10ª ed., ver. atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. P. 800)
Mas não é esse o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, que deve prevalecer, preservando-se a diretriz normativa disposta no artigo 926, do Código de Processo Civil, que estabelece que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, sobretudo neste período em que se avizinha o encerramento do ciclo político-eleitoral de 2024 e já se delineiam os contornos do próximo pleito.
Dentre outros:
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AIJE . CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONFIGURAÇÃO. TERCEIRO NÃO CANDIDATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA . PRECEDENTES. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL PARA AFASTAR A SANÇÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO . 1. Embora o ato ilícito possa ser levado a efeito por terceiro não candidato, esse não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997 . Precedentes. 2. A pretensão do agravante quanto à revisão do entendimento jurisprudencial e aplicação nos autos encontra óbice no postulado da segurança jurídica, uma vez que a compreensão em que se fundou a decisão objurgada foi aplicada em outros feitos atinentes ao pleito de 2016. 3 . Na espécie, a despeito de o ora agravado ter praticado a conduta descrita no art. 41–A da Lei das Eleições, não possui legitimidade para responder pelo ilícito eleitoral, visto que não era candidato no pleito em questão. 4. Agravo interno a que se nega provimento .
(TSE - REspEl: 55136 IRUPI - ES, Relator.: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 24/09/2020, Data de Publicação: 06/10/2020)
3. No que se refere ao mérito, o voto apresentado pela Divergência instigou uma reflexão mais detida acerca da possível existência de vínculo de confiança suficientemente estreito entre os candidatos e o Sr. Neudir A.G., então coordenador de campanha, a ponto de se poder concluir que os representados tinham, ou ao menos não poderiam deixar de ter, ciência das condutas ilícitas por ele praticadas.
Nesse tocante, estudei julgados do TSE sobre o tema e pude concluir que o fato objetivo de o terceiro responsável pela compra dos votos ser coordenador de campanha, ao praticar as condutas indevidas mencionadas pelo relator, é suficiente para reconhecer a ciência dos candidatos das operações ilícitas por ele praticadas. Conforme precedentes da Corte, a concordância ou anuência aos fatos configuradores da captação ilícita de sufrágio pode se revelar a partir de elementos que denotem estreito vínculo político ou de cunho afetivo entre o candidato beneficiário e quem oferece a benesse em troca de votos.
É o que ocorre com o Recurso Ordinário nº 0601713-41/AP, de relatoria do Ministro Edson Fachin, no qual a Corte Superior entendeu: diante do papel central da coordenadora de campanha na organização do esquema de compra de votos — inclusive no controle do fluxo de recursos e na estruturação das ações para o dia da eleição —, seria altamente improvável que tais condutas tenham ocorrido sem o conhecimento do candidato.
Confiram-se passagens da referida decisão:
Essa prova retrata que Josinete e Délcia, a rigor – Juracidelcia Azevedo Pereira, que foi a coordenadora de campanha do ora recorrente, tratavam com ampla liberdade sobre o atendimento das demandas do povo, desde que produzisse o desejado efeito de condicionamento do exercício do sufrágio.
Délcia, ou Juracidelcia, mantinha contato com Josy, ou Josinete, e esta, por sua vez, estava junto com Anny no bairro Macapaba, distribuindo promessas de benesses em troca de votos em favor do recorrente, inclusive fazendo anotações detalhadas sobre as “demandas do povo” que deveriam ser atendidas como sinalagma da captação ilícita de votos.
Não há dúvidas nos autos de que Délcia era a coordenadora da campanha do ora recorrente.
(...)
Portanto, trechos que aqui reproduzo em condições tais, com o devido respeito às compreensões em sentido diverso, do estudo que fiz, entendo que a conclusão possível, quiçá, a única conclusão possível, ao menos em meu modo de ver, é que o ora recorrente tinha consciência, ciência das operações autorizadas e determinadas por sua coordenadora de campanha, especialmente em razão da necessidade de constante fluxo de dinheiro para a concessão das benesses e para organizar as atividades a serem desempenhadas no dia das eleições.
Concluir que 3 pessoas distintas, uma delas com a mais alta posição hierárquica na administração da campanha eleitoral, organizaram um esquema de compra de votos que operava interna e silenciosamente dentro da campanha eleitoral do ora recorrente, com o empenho de verbas e a distribuição de benesses, colocando em risco o próprio sucesso da candidatura, parece-me, é passo demasiadamente largo para validar a probabilidade que, em meu entender, é, quando menos, de menor incidência no caso concreto.
A maior probabilidade que se extrai dos autos é de que o ora recorrente tinha conhecimento do esquema de compra de votos e com ele anuiu.
(TSE, Recurso Ordinário Eleitoral 060171341/AP, Relator designado(a) Min. Edson Fachin, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Acórdão de 12/08/2021, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 170, data 15/09/2021)
No Recurso Ordinário nº 0601706-49/AP, redator para o acórdão Ministro Alexandre de Moraes, que, embora não se refira especificamente ao coordenador de campanha, reconhece a ciência do candidato por ter alguma espécie de vínculo com os cabos eleitorais responsáveis pela compra de votos.
Lê-se no acórdão:
Na agenda constavam, ainda, menção expressa ao “Chefe Max Ney Machado Andrade” com indicação do nome do representado Max Ney Machado Andrade e seus dados pessoais (CPF, RG) e bancários (conta e agência).
(...)
Em relação à concordância ou anuência aos fatos configuradores da captação ilícita de sufrágio, conforme já decidiu este TRIBUNAL ELEITORAL, “ela pode se revelar tanto a partir de elementos que denotem estreito vínculo político ou de cunho afetivo entre o candidato beneficiário e quem oferece a benesse em troca de votos, quanto a partir de indícios”. Nesse sentido: RO 060189484, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 21/10/2022.
Não é crível cogitar que Max Ney Machado Andrade não tenha tido ciência prévia dos fatos apurados ou que a eles não tenha anuído, nítido o vínculo entre ele, José Sali de Oliveira Costa e Edivani de Almeida Oliveira, o qual pode ser atestado da análise da farta documentação colacionada, somada aos depoimentos apresentados, conforme delimitado no primeiro acórdão, posteriormente anulado por vício de quórum, que reconheceu a prática ilícita:
(...)
Como se vê, não se estava diante de cabos eleitorais atuando informalmente na candidatura do Recorrido, mas pessoas de sua extrema confiança, com vínculo pessoal e direto com o candidato, que organizaram um esquema de compra de votos que operava dentro de sua campanha eleitoral, com o empenho de verbas e a distribuição de benesses.
(...)
Como já manifestei em outra ocasião, “o próprio candidato deveria ter demonstrado, cortado esse ele porque senão, nós teríamos aqui a chamada prova diabólica. Os cabos eleitorais participaram, há comprovação em relação a isso, há comprovação da captação ilícita, há comprovação da participação da coordenadora, faltaria só uma confissão. E não é exigível a confissão do candidato. O candidato não conseguiu, aqui, inverter esse ônus da prova, de que a cadeia probatória, obviamente, chegou, no mínimo, à anuência do candidato” .Nesse sentido: RO 0601713-41, Rel. designado Min. Edson Fachin, DJe de 15/09/2021).
(Recurso Ordinário Eleitoral 060170649/AP, Relator designado(a) Min. Alexandre de Moraes, Relator(a) Min. Raul Araujo Filho, Acórdão de 20/02/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 66, data 25/04/2024)
Também no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 0600407-48/AL, sob relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, segundo o qual o mero fato de o candidato estar presente por ocasião da prisão em flagrante do seu cabo eleitoral, por este ter comprado voto de eleitor, é suficiente para revelar o vínculo existente entre eles.
Confiram-se os fundamentos lançados no mencionado acórdão:
Na espécie, o Regional de Alagoas, em pronunciamento intangível na via recursal extraordinária, entendeu comprovados o abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágio em razão de:
(i) Paulo Roberto Beserra Leite ter sido cabo eleitoral do candidato eleito Vanildo Rufino dos Santos;
(ii) na véspera do pleito eleitoral de 2020, durante abordagem policial, Paulo Roberto Beserra Leite portar:
a) o total de R$ 3.105,00 (três mil cento e cinco reais) em espécie;
b) material de campanha eleitoral do candidato investigado; e
c) duas listas com nomes de eleitores e valores;
(iii) o auto de prisão em flagrante, em que a testemunha Elisângela da Silva admitiu a compra de votos, contrariar a declaração dada em juízo, na qual a depoente disse ter adquirido um bem móvel da esposa de Paulo Roberto Beserra Leite;
(iv) Paulo Roberto Beserra Leite contradizer-se, nos depoimentos prestados perante a autoridade policial e na contestação apresentada em juízo, quanto à existência de listas com nomes de eleitores; e
(v) Vanildo Rufino dos Santos estar presente na delegacia durante a prisão em flagrante de Paulo Roberto Beserra, a revelar o vínculo existente entre eles.
(Agravo Regimental No Recurso Especial Eleitoral 060040748/AL, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Acórdão de 16/05/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 104, data 26/05/2023)
Todos esses precedentes seguem a diretriz proposta pelo ora Relator, no sentido de que a função de coordenador de campanha é suficiente para demonstrar o conhecimento ou anuência do candidato com os ilícitos praticados.
Para além da função desempenhada, reforça a relação de proximidade com os candidatos o fato de o Sr. Neudir A. G. ter ocupado cargo de confiança na Prefeitura (Secretário de Saúde) durante a gestão do cônjuge da candidata ré Sandra Túrmina (candidata vide-prefeita) consoante demonstrado no ID. 44417499 – págs. 03/04.
Demais disso, chama a atenção o silêncio da defesa quanto a aspectos que seriam naturalmente enfrentados, caso não soubesse e tivesse a anuência dos candidatos. Em nenhum momento se sustentou que o Sr.Neudir A.G. teria extrapolado os limites de sua atuação ou agido à revelia das diretrizes da campanha. Tampouco se questionou a relação de confiança mantida com os candidatos, o que reforça, pela lógica dos fatos e pela ausência de controvérsia, a conclusão de que sua atuação se deu no âmbito de competências que lhe foram legitimamente atribuídas, evidentemente sabendo o que era feito pelo seu coordenador de campanha.
Quanto à gravidade da conduta, é firme o posicionamento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral pela sua desnecessidade para caracterizar a captação ilícita de sufrágio, bastando ficar bem demonstrada a compra de um único voto.
A esse respeito, citam-se o seguinte julgado:
ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. DEPUTADA ESTADUAL. SUPLÊNCIA. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDENAÇÃO NA ORIGEM. UTILIZAÇÃO ELEITOREIRA DE PROGRAMA FILANTRÓPICO DENOMINADO DENTISTAS SEM FRONTEIRAS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. PROMESSA DE ENTREGA DE INSUMOS ODONTOLÓGICOS EM TROCA DE VOTOS. DIÁLOGOS NO WHATSAPP. LICITUDE.
(...)
7.2. "A compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, pois o bem jurídico tutelado pelo art. 41–A da Lei nº 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir eventual desequilíbrio da disputa (precedentes, dentre eles, o REspe nº 462–65/SP, Rel. Min. Rosa Weber, acórdão de 19.3.2019). Cuida–se de circunstância que por si só basta para a procedência dos pedidos, independentemente do impacto na disputa" (AgR–REspe nº 189–61/PE, rel. designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 26.5.2020, DJe de 10.8.2020).
7.3. Na hipótese, o coordenador de campanha levou ao conhecimento da candidata pedido de materiais em troca de votos realizado por, ao menos, uma eleitora identificada – que afirmou ter "20 votos pra ela" e que poderia "repassar a lista com os nomes titulo zona e seçao de cada um pra você e posso trabalhar juntamente cm vocês em tudo q quiserem [sic]" (ID 157815001) –, tendo a recorrente anuído e concordado com a conduta.
Conclusão
8. Recursos ordinários eleitorais parcialmente providos tão somente para afastar a condenação pelo abuso do poder econômico, julgando, por conseguinte improcedente a AIJE nº 0601730–77. Mantida as sanções impostas na Rp nº 0601707–34.
(Recurso Ordinário Eleitoral 060170734/AP, Relator(a) Min. Raul Araujo Filho, Acórdão de 14/03/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 68, data 17/04/2023)
Com estes fundamentos, pedindo vênia aos entendimentos em sentido contrário, voto por acompanhar na integralidade as conclusões adotadas pelo eminente Relator, nos termos da fundamentação.
Des. SIGURD ROBERTO BENGTSSON
Presidente e Vistor
VOTO VENCIDO
Adoto o relatório apresentado pelo E. Relator:
"Trata-se de recurso eleitoral interposto por Jean Carlos Cardoso contra a sentença proferida pelo Juízo da 115ª Zona Eleitoral de Dois Vizinhos que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo recorrido em face de Reni Kovalski, Sandra Ghedin Turmina, Neudir Antonio Giachini e Felipe Turmina, por entender não configurada a captação ilícita de sufrágio.
Em suas razões recursais (ID 44417730), o recorrente alegou, preliminarmente, que Neudir Giachini e Felipe Turmina possuem legitimidade passiva porque o art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 também abarca a ação de pessoas não candidatas, as quais podem ser sancionadas com multa. No mérito, sustentou, em relação ao primeiro fato, que a) embora a sentença reconheça a captação ilícita de sufrágio por meio de pagamento de IPVA de eleitora pelo coordenador da campanha, Neudir Giachini, excluiu-o do polo passivo, e absolveu os candidatos beneficiados Reni Kovalski e Sandra Turmina; b) em 15/09/2024, Neudir Giachini conversou por Whatsapp com a eleitora Silvana Aparecida Pinto de Lima com o fim de captar ilicitamente o seu voto, o que foi comprovado no depoimento prestado por Silvana em juízo; c) a quebra de sigilo bancário de Neudir comprovou que houve o pagamento de boleto de IPVA, por meio de pix, no dia 24/09/2024, no valor de R$ 466,10, e os dados de pagamento correspondem ao boleto em nome de Silvana; d) a ata notarial das conversas de Neudir com Silvana também comprovam esse fato, e havia organização da campanha de Reni e Sandra para captar ilicitamente os votos dos eleitores e confirmar posteriormente o voto; e) o Juízo fundamenta erroneamente que não houve prova para relacionar o coordenador de campanha com a participação ou a anuência dos candidatos beneficiados, entretanto Neudir foi peça-chave da campanha, sendo pessoa próxima e de confiança dos candidatos Reni e Sandra, de modo que agia, sim, sob a anuência dos recorridos, o que foi confirmado pelo informante Sandro Bortoncello, coordenador financeiro da campanha de Reni e Sandra. Em relação ao segundo fato, aduziu que f) o oferecimento de vantagens, por Neudir Giachini, em 20/09/2024, em nome dos candidatos recorridos, para a família de Geni Ianowski Campos de Oliveira, consistente na oferta de emprego para seu filho mais novo na prefeitura de Cruzeiro do Iguaçu, caso o grupo fosse eleito, é comprovado nos vídeos de ID 126893905 e ID 126893900; g) os vídeos devem ser considerados provas complementares à declaração em ata notarial juntada com a petição inicial e ao testemunho de Geni. Em relação ao terceiro fato, fundamentou que h) em 04/10/2024, às vésperas do pleito, Felipe Turmina, sobrinho da candidata à vice-prefeita Sandra Ghedin Turmina, realizou pix no valor de R$ 500,00 a Everton Felizardo de Medeiros para a compra de votos da família Tomazini de Medeiros; i) o fato foi comprovado pela quebra do sigilo bancário de Felipe Turmina, e pelo depoimento de Jacira e do próprio Everton, assim como pelas conversas de WhatsApp a partir de 14/10/2024, que demonstram que Everton de Medeiros nunca trabalhou com Felipe Turmina para que fosse pago com adiantamento; j) a conversa de WhatsApp também evidencia que Everton pede dinheiro e afirma que teria "3 votos" para Reni e Sandra; k) Felipe Turmina atuava fortemente na campanha eleitoral da tia e, por conseguinte, tinha sua anuência para agir em nome da campanha, destacando que o TSE já entendeu que o forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores da conduta e os candidatos beneficiários. Para reforçar a ilicitude dos fatos, sustentou que l) Cruzeiro do Iguaçu é uma cidade pequena, com 4.133 habitantes e rendimento médio mensal de 2,1 salários-mínimos, com apenas 24,41% da população ocupada, segundo dados do Censo 2022, de modo que o percebimento de R$ 500,00 reais, o pagamento de IPVA no valor R$ 466,00 ou a promessa de emprego representam grandes vantagens ao eleitor do município; m) não é crível que num município pequeno como Cruzeiro do Iguaçu os candidatos investigados não tenham conhecimento das condutas do seu coordenador de campanha e do sobrinho, os quais atuaram fortemente na campanha eleitoral; n) a eleição de 2024 teve 3.147 votos válidos, tendo Reni recebido 1.269 votos e o recorrente Jean, que ficou em segunda posição, 1.036 votos, com mínima margem de vitória, de sorte que a captação ilícita violou a isonomia da disputa; o) é entendimento pacífico do TSE de que a compra de um único voto é suficiente para caracterizar o ilícito eleitoral, e de que não é necessário ter pedido expresso de voto, bastando que a conduta seja voltada ao intento de obter o voto. Requereu, ao final, o reconhecimento da legitimidade passiva de Neudir Antonio Giachini e Felipe Turmina e, no mérito, a procedência dos pedidos.
Em contrarrazões (ID 44417739), os recorridos alegaram que a) a determinação judicial da supressão de mandato obtido pelo exercício do voto popular é medida drástica, que exige sempre a ponderação de valores pelo julgador e provas robustas; b) deve ser mantida a ilegitimidade passiva de Naudir e Felipe porque, nos termos da jurisprudência do TSE, embora o ato ilícito possa ser levado a efeito por terceiro não candidato, esse não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41 A da Lei n. 9.504/1997; c) não restou demonstrado nos autos a participação ou a anuência dos candidatos beneficiados nos supostos atos de compra de votos, sequer há a menção de seus nomes ou do número eleitoral durante as conversas. Pleitearam, ao final, o conhecimento e o desprovimento do recurso.
A Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44456452) manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso eleitoral, para reconhecer a legitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, e condenar todos os investigados às sanções do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
É o relatório."
Na sessão de julgamentos do dia 30/06/2024, o E. Relator apresentou voto que concluiu pela ocorrência da captação ilícita de sufrágio, proscrita pelo art. 41-A, da Lei nº 9.504/97, em razão da primeira e da segunda conduta analisadas nos autos, concluindo por conhecer e dar provimento ao recurso eleitoral "para julgar procedente a ação de investigação judicial eleitoral fundada em captação ilícita de sufrágio, impondo a Reni Kovalski e à Sandra Ghedin Turmina multa no montante de R$ 5.320,50 e a cassação de seus diplomas, com a determinação de realização de eleições suplementares, nos termos do artigo 224, §4º, inciso II, do Código Eleitoral."
Formulei pedido de vista diante da complexidade da matéria, reforçada pela sustentação oral do patrono dos Recorridos.
Examinados os autos e o seu conjunto probatório, e com a devida venia ao E. Relator, bem como a todos que o acompanham, apresento voto parcialmente divergente.
De saída, anote-se que acompanho o E. Relator quanto à rejeição da preliminar de legitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, na esteira do posicionamento consolidado da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná e, no mérito, quanto à conclusão de que não restou provada a captação ilícita de sufrágio em relação ao terceiro fato (pix realizado por Felipe Turmina, sobrinho da candidata à vice-prefeita Sandra Ghedin Turmina, a Everton Felizardo de Medeiros, no valor de R$ 500,00, em 04/10/2024, com o objetivo de obter o voto da família Tomazini de Medeiros).
A divergência se apresenta em relação aos outros dois fatos.
A primeira conduta analisada na r. sentença, concluindo o Juízo de Origem pela inexistência de prova suficiente da anuência ou participação dos Recorridos, consiste em Neudir Giachini pagar o IPVA de Silvana Aparecida Pinto de Lima, no valor de R$ 466,10 (quatrocentos e sessenta e seis reais e dez centavos).
São uníssonos o voto apresentado pelo E. Relator e a sentença do Juízo de Origem, quanto ao reconhecimento de que houve o pagamento, transcrevendo-se o seguinte trecho da decisão recorrida (id. 44417723):
"Quanto aos fatos envolvendo a eleitora Silvana Aparecida Pinto de Lima, narra a parte autora que em 15/09/2024, Neudir Giachini conversou por Whatsapp com ela com o fim de captar ilicitamente o seu voto, o que estaria confirmado com a juntada de ata notarial.
Da leitura da referida ata notaria (id. 44417513), denota-se extração de conversa entre a eleitora Silvana, e o representado Neudir, por meio da qual ela pede uma "ajuda", pois estava com o IPVA do carro atrasado. Vejamos:
Após a troca de mensagens, o pagamento do IPVA de fato aconteceu, conforme comprovante de id. 44417514 (p.2), tendo o representado Neudir como pagador:
Tal fato ainda se comprova pelo teor do documento de id. 44417612, juntado após o afastamento do sigilo bancário do representado:
Em sua defesa, o requerido não negou o pagamento e a troca de mensagens com a eleitora. No entanto, disse que tal fato se deu em virtude da proximidade entre eles, eis que a eleitora Silvana foi vizinha de Neudir por mais de 5 (cinco) anos, sendo que ele é a pessoa que ela recorre em momentos de complicações financeiras, em diversos momento, não só durante o período eleitoral. Ainda, disse que o pedido de "ajuda" partiu dela, e que ela praticou verdadeiro assédio com Neudir, para obtenção do pagamento.
Entretanto, não obstante as alegações do representado, denota-se que o representado e a eleitora trataram expressamente a respeito dos votos durante as conversas a respeito do pagamento do IPVA, conforme mensagem enviada pelo representado em 16/09/2024, do id. 44417513 (p. 3):
Da leitura de mensagem acima denota-se que o representado Neudir solicita o voto "pra nós" e para o vereador Sadi, alegando que: "do vereador que vô ti manda o número dele certinho aí, e tô aqui conversando com ele, que você já teve conversando com ele também pedindo algumas coisas né, então assim, ficaria por esse IPVA que a gente tá fazendo pra você ai esse pagamento, tá bom?!".
Verifica-se, assim, que as partes não tratam de eventual empréstimo de dinheiro pelo representado, mas sim de pagamento do IPVA em troca dos votos. Inclusive, após a realização do pagamento do IPVA pelo representado, ocorrido em 24/09/2024, ele mandou mensagem para a eleitora em 01/10/24, para o fim de confirmar o voto, conforme id. 44417513 (p. 4):
Ainda quanto aos fatos, a eleitora/testemunha SILVANA APARECIDA PINTO DE LIMA foi ouvida em Juízo e confirmou ter vendido seu voto, o qual foi negociado com Neudir, vejamos:
"A respeito dos fatos, tinha uma festa no almoço na comunidade Vera Cruz, onde eu fui com meu filho. Nessa festa o Neudir passou por mim e me disse que se eu votasse no Reni e na Sandra, ele me ajudaria com o que eu precisasse. Depois eu procurei ele, mas ele não respondia mais nada. Eu estava com o documento do meu carro e precisava dele para trabalhar, então pedi para ele, pois ele tinha prometido. Pedi no WhatsApp e ele pagou o IPVA do meu carro e me deu o comprovante. Diante disso, ele pediu para votar na Sandra e no Reni, e em um vereador. O IPVA foi pago naquele momento. Ele disse que se eles ganhassem a eleição ele ia me ajudar muito mais. No comprovante de pagamento que ele me deu, constava o nome dele. Os dois votos em troca eram o meu e do meu marido. Conheci o Felipe Turmina quando era pequeno, seu eu ver atualmente, não sei quem é. Sei quem é o Dilmar Turmina. Falei com ele na mesma época que falei com o Neudir. Pedi ajuda para ele. Depois que eu falei com o Neudir eu falei com o Dilmar, que pediu para eu falar com o Neudir. Primeiro eu falei com o Neudir, depois eu pedi o número do Dilmar. Essa festa foi antes da eleição. Ele pediu voto também para o vereador Sadi. Tudo que eu conversei com o Neudir está na ata. Eu também pedi gasolina para o Sadi, ele estava dando tanque cheio de gasolina. Que eu me lembre, pedi ajuda somente para o Sadi e Neudir. Pedi ajuda também para o Vonei Volfato. Eu que procurei eles para vender o voto, mas não fui eu que procurei o Naudir. Eu morava a mais de 3 Km da casa dele. Eu já tinha conversado antes com o Naudir. Ele trabalhava no posto de saúde, já tinha falado com ele lá. Não apaguei mensagens da ata. Eu conversava com ele por áudio. Me ligaram e falaram que eu tinha que ir lá assinar. Cheguei, esperei um pouco e assinei. O celular estava comigo, fui eu que levei no cartório. Eu liguei, marquei um horário para ir lá. Mensagens antigas eu apago. Eu percebi que o que eu estava fazendo era errado, que não podia estar vendendo meu voto, então resolvi ir no cartório, mas acabei vendendo, e agora vou ter que pagar, pois eu sei que é crime, mas também é crime de quem comprou. Eles estavam dando ajuda para todo mundo, então eu resolvi pedir também, eu estava precisando. Eu não lembro para quem entreguei a ata notarial, não foi para juiz, para promotor, foi para outra pessoa, não lembro o nome. Foi a primeira vez que eu vendi voto. Nos áudios fala do Sadi também. Eu falei com o Sadi.".
De seu turno, o informante SANDRO PAULO BERTONCELLO disse apenas que em diversas reuniões, todos eram orientados a respeito da vedação na compra de votos, nada esclarecendo quanto aos fatos aqui apurados.
Verifica-se, assim, que houve demonstração da realização de conduta vedada constante no art. 41-A da Lei das Eleições pelo terceiro/não candidato NEUDIR, com o dolo específico de obter o voto da eleitora Silvana, bem como da ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição. No entanto, entendo que não está demonstrado nos autos a participação ou anuência dos candidatos beneficiados.
[...]
Entretanto, do cotejo dos autos, tem-se a ausência de qualquer demonstração efetiva que vincule os requeridos Reni e Sandra, ou seja, os candidatos, mesmo que indiretamente, ao esquema de compra de votos.
De fato, é incontroverso que o representado Neudir Antonio Giachini exercia a função de coordenador de campanha eleitoral dos requeridos, conforme ata de id. 126894916. No entanto, examinando-se autos, não verifico qualquer elemento capaz de comprovar que os candidatos Reni e Sandra consentiram, ou mesmo tinham conhecimento de tais atos, sendo que, a função que o terceiro Neudir exercia na campanha, por si só, não é suficiente para demonstrar a participação ou anuência dos candidatos beneficiados.
Conforme entendimento jurisprudencial, levando em consideração as consequências severas do reconhecimento judicial da irregularidade das práticas, exige-se que para a comprovação de captação ilícita de sufrágio um conjunto probatório robusto e inconteste.
Todavia, a parte autora não logrou êxito em demonstrar que houve consentimento ou ciência dos candidatos/requeridos com a prática ilícita, requisito essencial para configuração da captação ilícita de sufrágio. Assim, não há como presumir a anuência ou ciência deles com os fatos, pelo simples fato da função exercida por Neudir durante a campanha.
Portanto, não há que se falar em captação ilícita de sufrágio em razão dos fatos envolvendo a eleitora Silvana Aparecida Pinto de Lima."
(Os números dos ids mencionados na r. sentença de Origem foram alterados para indicar a numeração constante no PJE de 2º grau, com o intuito de facilitar a sua localização).
Colhe-se do voto do E. Relator que não há dissenso quanto à prática da conduta, apenas quanto ao reconhecimento da existência de anuência dos Recorridos com a captação ilícita de sufrágio:
"Nesse contexto, é relevante o fato de que Neudir Antonio Giachini não era um mero militante ou apoiador ocasional da campanha, tampouco alguém com atuação periférica. Ao contrário, exercia formalmente a função de coordenador da campanha eleitoral dos investigados, cargo que, por sua própria natureza, envolve significativa proximidade, confiança mútua e responsabilidade no desenvolvimento das atividades eleitorais.
A figura do coordenador de campanha não se confunde com a de um eleitor comum ou simpatizante. Trata-se de agente com atuação estratégica e operacional decisiva, a quem se confia a execução de diretrizes políticas e práticas eleitorais dos candidatos. As suas condutas devem ser compreendidas no contexto de uma cadeia de comando e confiança, de sorte que suas ações não ocorrem de forma totalmente dissociada do conhecimento ou, ao menos, da anuência dos candidatos beneficiados.
O depoimento prestado pelo informante Sandro Bortoncello, coordenador financeiro da campanha de Reni e de Sandra, confirma que era Neudir quem cuidava das agendas, organizava os encontros, e discutia estratégias com Reni, com Sandra, e com todo o pessoal.
Outrossim, não se pode ignorar o contexto fático em que se deu a campanha eleitoral, realizada no município de Cruzeiro do Iguaçu, cuja população, segundo dados oficiais do IBGE, é de apenas 4.133 habitantes.
Nos cenários eleitorais de pequena dimensão territorial e populacional, como o presente, a estrutura de campanha tende a ser reduzida, centralizada e marcada por intensa proximidade entre os membros da equipe e os próprios candidatos, o que torna ainda mais evidente a impossibilidade de dissociação entre os atos praticados pelo coordenador e a anuência ou o conhecimento dos candidatos a respeito de tais condutas ilícitas.
Em municípios de pequeno porte, o controle dos atos de campanha é mais direto e personalizado, sendo certa a ciência dos candidatos sobre as atividades desempenhadas por seus colaboradores mais próximos. A alegação de desconhecimento dos atos ilícitos praticados por pessoa com função de comando na campanha, especialmente em contextos eleitorais simplificados, não se sustenta diante da realidade concreta.
Assim, o conjunto probatório revela não apenas a existência de um nexo funcional e político entre o autor do ilícito e os candidatos, mas também um contexto que torna inafastável a conclusão pela ciência e concordância dos investigados com o oferecimento de vantagens aos eleitores em troca de votos.
Desse modo, configurada a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em relação ao primeiro e ao segundo fato, deve ser aplicada aos investigados a sanção de cassação do diploma e multa no valor de R$ 1.064,10 a R$ 106.410,00."
O reconhecimento da anuência dos Recorridos, para fins do art. 40-B, da Lei nº 9.504/97) é extraído da circunstância de ser coordenador de campanha em um Município de pequena dimensão territorial.
Contudo, essa inferência é contrária, s.m.j., à prova dos autos, especialmente quanto à quebra de sigilo bancário de Neudir Giachini (id. 44417612), na qual se observa que ele pagou, em 24/09/2024, de sua conta bancária pessoal, o IPVA de Silvana Aparecido Pinto de Lima.
Há nos extratos bancários o recebimento de R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais) por meio de transferência bancária efetuada por Cícero Solivan da Costa, pessoa que não consta como contador ou advogado na Prestação de Contas de Reni Kovalski (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/PR/2045202024/160002125719/2024/74241, acesso em 03/07/2025).
Não há informação nos autos sobre quem seja esse cidadão ou o motivo para a transferência bancária.
Assim, embora exista uma proximidade entre os valores, não é possível vincular, com o mínimo de segurança jurídica, o pagamento do IPVA de Silvana Aparecida Pinto de Lima com recursos vindos da campanha de Reni Kovalski, por meio de trânsito pela conta bancária de Neudir Giachini.
Sabe-se, isso é certo, que Neudir Giachini abordou Silvana valendo-se do pagamento para pedir votos e vincular o pagamento da obrigação tributária com o exercício do direito de voto da eleitora.
Contudo, como já dito, a prova dos autos não permite construir o vínculo financeiro dessa conduta ilícita com a anuência ou participação dos Recorridos.
De outro vértice, o tema da dimensão territorial do Município permite a inferência de que há maior proximidade entre todos, porém, não me parece especialmente determinante na relação entre coordenador de campanha e candidato.
Aceitar a presunção de que somente em pequenos municípios existe essa proximidade, ou, ainda, de que somente nestas localidades há uma confiança entre ambos os agentes de tal magnitude que lhes torna transparente todas as condutas, importa em dar uma feição objetiva a uma relação que é, por excelência, subjetiva.
A confiança existe entre pessoas, por motivos que lhes são particulares, e não depende do tamanho do município. Depende dessa relação pessoal e de seus contornos.
O que se defende é que pode haver municípios pequenos nos quais existe essa relação de confiança e proximidade e, em outros, essa relação ser inexistente, tratando-se muito mais de uma relação contratual e contida ao objetivo político.
Daí o risco de entender esse critério de forma objetiva e única, já que a natureza da confiança é pessoal e deveria ser aferida no caso concreto.
Não se encontrou prova nos autos de que os Recorridos Reni Kovalski e Sandra Ghedin Turmina mantivessem com Neudir Giachini uma relação de confiança e cumplicidade de tamanha intensidade que permita afirmar - com segurança jurídica suficiente para a imposição das sanções previstas no art. 41-A, da Lei das Eleições - que havia a anuência com a prática de condutas proibidas pela legislação eleitoral.
O fato objetivo da dimensão territorial do Município não elide, por si só, essa prova. Poderia ser adotada como um indício, porém, com a necessidade de corroboração por outros elementos de prova mais contundentes.
Em razão desses fundamentos, e com a venia devida, divirjo do E. Relator para negar provimento ao recurso eleitoral quanto ao primeiro fato, mantendo hígida a r. sentença de 1º Grau.
A segunda conduta analisada na r. sentença, concluindo o Juízo de Origem pela inexistência de captação ilícita de sufrágio pela, em tese, oferta de emprego público para o filho de Geni Ianowski Campos de Oliveira.
Eis o tratamento do tema na r. sentença (id. 44417723)
Adiante, quanto aos fatos envolvendo a eleitora Geni Ianowski Campos de Oliveira, narra a parte autora que no dia 20/09/2024, Neudir compareceu em comércio pertencente a Geni Ianowski Campos de Oliveira para oferecer vantagens em troca de votos, consistente na oferta de emprego para seu filho mais novo na Prefeitura de Cruzeiro do Iguaçu, caso o grupo dele - Reni e Sandra, ora representados -, ganhasse as eleições.
Os fatos narrados estão embasados na declaração emitida pela eleitora Geni, encartada ao id. 44417517. Em resumo, a declaração aponta que:
"(...) Então ele pediu como que a gente estava. Falei que o meu filho mais novo está com asma por conta de problema de gripe forte e atacou asma. Quando falei isso, chegou meu marido e o Neudir Giachini disse que eles poderiam ter ali na prefeitura um emprego para alguém da família caso o grupo deles se elegesse e caso a gente votasse pra eles, poderiam contemplar alguém da família com um emprego. Poderia ser o meu filho mais novo que tem esse problema de asma. A minha câmera de segurança tá velha e não pega todos movimentos. Quando era mais nova, ela gravava qualquer movimento e até tinha notificação de detecção de movimento mas agora ela pula mais. Agora ela grava somente com movimentos maiores, fazendo cortes mas o Neudir fala que conseguiria colocar meu filho como jovem aprendiz e depois que ele fizesse maior idade eles continuariam com ele na prefeitura e poderiam até usar ele no agendamento da saúde. Ele disse que foi ele quem pôs o outro rapaz na época dele como secretário em gestão passada e que ele poderia fazer o mesmo com meu filho e ele prometeu isso se a gente votasse no Reni e Sandra mas a gente não vai por promessa. A gente quer um município melhor. Eu achei muito errado a falta de respeito e a falta de educação de ele acusar a pessoa do JEAN sem a pessoa dever por que primeiro ele acusou o JEAN de roubo de celular e mostrou uma foto de uma pessoa que estava de costas dizendo que era o JEAN. Eu questionei dizendo que não dava de ver que era o JEAN na foto por que a pessoa estava de costas, de boné, de blusão, calça jeans, tênis. A única parte que aparecia era um pouco do pescoço e é praticamente impossível identificar a pessoa desse jeito. Quando surgiu essa história do roubo do celular e de pessoas acusando o JEAN eu fiquei sabendo e eu sabia que não era o Jean. Achei isso uma baixaria eles usarem isso para chegar nas casas e falarem essa calúnia, essa acusação contra o Jean nas casas. E o Jean faz anos que a gente conhece. Ele, a mãe, a esposa Fabiele, todos um amor de pessoas e eles não são desse tipo de caráter. Fiquei revoltada, fui, baixei os vídeos que foram gravados e mandei pro Jean e para Fabiele pelo app Messenger do Facebook. Ele falou muitas coisas inclusive que nem aparecem na câmera por que não tinha movimento suficiente para ela ligar. Ele conversou com meu marido até prometeu um trabalho para meu marido pelos votos no Reni e Sandra e o Neudir perguntou para meu marido o valor que ele recebia atualmente e achou um valor alto pra conseguir compensar esse valor com emprego na prefeitura que ele ganha hoje. Daí ele prometeu só para o filho o trabalho na prefeitura. Um trabalho que não tivesse muito esforço, que não tivesse problema por causa da asma dele. O Neudir perguntou como que meu filho estava e eu disse que o filho estava se tratando com bombinha e que qualquer esforço de subir escada rápido ou algo assim já cansa, falta ar e tem que usar bombinha e que está bem complicado isso mas ele continuou fazendo as promessas e eu achei muito errado da parte dele fazer isso. Jogar a moral do Jean abaixo, a integridade dele, por que quando ele sai dizendo que o Jean rouba celular ele mente por que eu sabia que era mentira e questionei. Não tem 100% da conversa na câmera por que só tinha movimentos as vezes que ela captou e ligou. Mas o que as câmeras gravaram passei para o Jean e a Fabiele pois não gostei nada de ouvir essas mentiras e ainda prometer serviço pro meu marido e filho em troca de votos."
Ainda, em juízo, a eleitora/testemunha GENI IANOWSKI CAMPOS DE OLIVEIRA disse que:
"Eu tenho duas câmeras no meu estabelecimento. Tinha um grupo no WhasApp, com pessoas de vários partidos, da cidade inteira. Lá teve uma conversa que estava tendo compra de votos e promessas, e pediram que se tivesse provas, era para denunciar. Naquele dia o Neudir chegou lá, sentou e começou a falar, perguntou se meu filho de 17 anos trabalhava. Eu falei que não, pois ele tem asma e estuda. Nesse momento ele disse que ele poderia trabalhar de menor aprendiz, e eu disse que não tinha conseguido. Ele disse que dava para colocar, e prometeu que se o grupo dele fosse eleito, daria para adequar os horários, para não prejudicar os estudos dele. Ele disse que seria o próximo secretário da saúde, que daria para contratar ele, se o Reni e a Sandra fossem eleitos. Depois que meu marido chegou, ele repetiu tudo para o meu marido. Eu achei isso muito errado. Eu não pedi nada. Eu conheço bem o Jean e a Fabiele, esposa dele. Eu peguei as imagens e mandei para ela, pois não achei certo. Mandei pelo Facebook, pelo messanger. Eu que procurei ela e mandei. Eu sei que eles são uma família de bem. A minha câmera as vezes corta. Ele citou o exemplo de um rapaz que ele conseguiu emprego de menor aprendiz, e depois continuou trabalhando, mesmo depois da maioridade. Ele disse que mesmo que se eu não gostasse deles, ele estaria lá para ajudar. Ele perguntou também para o meu marido com o que ele estava trabalhando. Ele pediu voto para o Reni e para Sandra, perguntou quanto o meu marido ganha. Conheço Felipe Turmina só de vista. Eu conheço a Fabiele há anos, mas não tinha o WhatsApp dela. Meu estabelecimento têm folhas dizendo que o ambiente é gravado. Não sei se ele sabia que estava sendo filmado. Não me lembro se no vídeo aparece o pedido de voto, em troca do emprego. Eu conheço o Neudir desde criança, mas não é meu amigo. Ele não tem o hábito de ir no bar, ele só foi para pedir voto. Ele sabe que eu apoiava um candidato a vereador que era contrário a ele. Ele era do lado do Jean. Eu passei a defender o Jean nesse grupo a partir do momento que passaram a falar muitas mentiras. Eu pedi voto para o Jean.".
De seu turno, o informante SANDRO PAULO BERTONCELLO disse apenas que em diversas reuniões, todos eram orientados a respeito da vedação na compra de votos, nada esclarecendo quanto aos fatos aqui apurados.
No entanto, analisando-se os vídeos encartados nos autos (id. 44417518, id. 44417519, id. 44417520 e id. 44417521), não há qualquer efetiva demonstração da captação de sufrágio, consistente no ato do candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.
Além disso, como bem apontou o Ministério Público, a eleitora/testemunha GENI confirmou em Juízo que fez campanha para o candidato Jean, ora requerente.
Neste ponto, conforme entendimento jurisprudencial "(...) 4.5. Captação ilícita de sufrágio de 4 (quatro) eleitores. A legislação impede a condenação dos investigados por prática de captação ilícita de sufrágio. De acordo com o art. 368-A do Código Eleitoral, o testemunho exclusivo do eleitor supostamente corrompido não se presta a comprovar a prática de captação ilícita de sufrágio, quando desacompanhado de outras provas, sendo esse o caso dos autos. Afastada a penalidade de multa e a condenação dos investigados por prática de captação ilícita de sufrágio." (RECURSO ELEITORAL nº060062339, Acórdão, Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 11/07/2024.) (grifei).
Neste diapasão, cinge-se a inexistência de comprovação de captação ilícita de sufrágio, eis que não há provas da realização de quaisquer das condutas enumeradas no art. 41-A da Lei das Eleições, - doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública, com dolo específico de obter o voto do eleitor.
Ainda que assim não fosse, ou seja, admitindo-se unicamente o depoimento da testemunha Geni para embasar a alegação de captação ilícita de sufrágio, em razão da promessa de emprego, seria necessário também a demonstração de que houve ciência ou conhecimento dos representados Reni e Sandra, candidatos, o que também não se verifica nos autos.
Portanto, não há que se falar em captação ilícita de sufrágio em razão dos fatos envolvendo a eleitora Geni Ianowski Campos de Oliveira.
(Os números dos ids mencionados na r. sentença de Origem foram alterados para indicar a numeração constante no PJE de 2º grau, com o intuito de facilitar a sua localização).
Colhe-se do voto do E. Relator o dissenso quanto à prática da captação ilícita de sufrágio, nos seguintes termos:
O segundo fato diz respeito ao oferecimento de vantagem por Neudir Giachini, em 20/09/2024, para a família de Geni Ianowski Campos de Oliveira, consistente na oferta de contratação de seu filho mais novo como menor aprendiz da prefeitura de Cruzeiro do Iguaçu caso o grupo fosse eleito.
A declaração emitida extrajudicialmente pela eleitora Geni (ID 44417517) aponta que:
"(...) Então ele pediu como que a gente estava. Falei que o meu filho mais novo está com asma por conta de problema de gripe forte e atacou asma. Quando falei isso, chegou meu marido e o Neudir Giachini disse que eles poderiam ter ali na prefeitura um emprego para alguém da família caso o grupo deles se elegesse e caso a gente votasse pra eles, poderiam contemplar alguém da família com um emprego. Poderia ser o meu filho mais novo que tem esse problema de asma. A minha câmera de segurança tá velha e não pega todos movimentos. Quando era mais nova, ela gravava qualquer movimento e até tinha notificação de detecção de movimento mas agora ela pula mais. Agora ela grava somente com movimentos maiores, fazendo cortes mas o Neudir fala que conseguiria colocar meu filho como jovem aprendiz e depois que ele fizesse maior idade eles continuariam com ele na prefeitura e poderiam até usar ele no agendamento da saúde. Ele disse que foi ele quem pôs o outro rapaz na época dele como secretário em gestão passada e que ele poderia fazer o mesmo com meu filho e ele prometeu isso se a gente votasse no Reni e Sandra mas a gente não vai por promessa. A gente quer um município melhor. Eu achei muito errado a falta de respeito e a falta de educação de ele acusar a pessoa do JEAN sem a pessoa dever por que primeiro ele acusou o JEAN de roubo de celular e mostrou uma foto de uma pessoa que estava de costas dizendo que era o JEAN. Eu questionei dizendo que não dava de ver que era o JEAN na foto por que a pessoa estava de costas, de boné, de blusão, calça jeans, tênis. A única parte que aparecia era um pouco do pescoço e é praticamente impossível identificar a pessoa desse jeito. Quando surgiu essa história do roubo do celular e de pessoas acusando o JEAN eu fiquei sabendo e eu sabia que não era o Jean. Achei isso uma baixaria eles usarem isso para chegar nas casas e falarem essa calúnia, essa acusação contra o Jean nas casas. E o Jean faz anos que a gente conhece. Ele, a mãe, a esposa Fabiele, todos um amor de pessoas e eles não são desse tipo de caráter. Fiquei revoltada, fui, baixei os vídeos que foram gravados e mandei pro Jean e para Fabiele pelo app Messenger do Facebook. Ele falou muitas coisas inclusive que nem aparecem na câmera por que não tinha movimento suficiente para ela ligar. Ele conversou com meu marido até prometeu um trabalho para meu marido pelos votos no Reni e Sandra e o Neudir perguntou para meu marido o valor que ele recebia atualmente e achou um valor alto pra conseguir compensar esse valor com emprego na prefeitura que ele ganha hoje. Daí ele prometeu só para o filho o trabalho na prefeitura. Um trabalho que não tivesse muito esforço, que não tivesse problema por causa da asma dele. O Neudir perguntou como que meu filho estava e eu disse que o filho estava se tratando com bombinha e que qualquer esforço de subir escada rápido ou algo assim já cansa, falta ar e tem que usar bombinha e que está bem complicado isso mas ele continuou fazendo as promessas e eu achei muito errado da parte dele fazer isso. Jogar a moral do Jean abaixo, a integridade dele, por que quando ele sai dizendo que o Jean rouba celular ele mente por que eu sabia que era mentira e questionei. Não tem 100% da conversa na câmera por que só tinha movimentos as vezes que ela captou e ligou. Mas o que as câmeras gravaram passei para o Jean e a Fabiele pois não gostei nada de ouvir essas mentiras e ainda prometer serviço pro meu marido e filho em troca de votos."
Em juízo, o relato de Geni permanece coerente:
"Eu tenho duas câmeras no meu estabelecimento. Tinha um grupo no WhasApp, com pessoas de vários partidos, da cidade inteira. Lá teve uma conversa que estava tendo compra de votos e promessas, e pediram que se tivesse provas, era para denunciar. Naquele dia o Neudir chegou lá, sentou e começou a falar, perguntou se meu filho de 17 anos trabalhava. Eu falei que não, pois ele tem asma e estuda. Nesse momento ele disse que ele poderia trabalhar de menor aprendiz, e eu disse que não tinha conseguido. Ele disse que dava para colocar, e prometeu que se o grupo dele fosse eleito, daria para adequar os horários, para não prejudicar os estudos dele. Ele disse que seria o próximo secretário da saúde, que daria para contratar ele, se o Reni e a Sandra fossem eleitos. Depois que meu marido chegou, ele repetiu tudo para o meu marido. Eu achei isso muito errado. Eu não pedi nada. Eu conheço bem o Jean e a Fabiele, esposa dele. Eu peguei as imagens e mandei para ela, pois não achei certo. Mandei pelo Facebook, pelo messanger. Eu que procurei ela e mandei. Eu sei que eles são uma família de bem. A minha câmera as vezes corta. Ele citou o exemplo de um rapaz que ele conseguiu emprego de menor aprendiz, e depois continuou trabalhando, mesmo depois da maioridade. Ele disse que mesmo que se eu não gostasse deles, ele estaria lá para ajudar. Ele perguntou também para o meu marido com o que ele estava trabalhando. Ele pediu voto para o Reni e para Sandra, perguntou quanto o meu marido ganha. Conheço Felipe Turmina só de vista. Eu conheço a Fabiele há anos, mas não tinha o WhatsApp dela. Meu estabelecimento têm folhas dizendo que o ambiente é gravado. Não sei se ele sabia que estava sendo filmado. Não me lembro se no vídeo aparece o pedido de voto, em troca do emprego. Eu conheço o Neudir desde criança, mas não é meu amigo. Ele não tem o hábito de ir no bar, ele só foi para pedir voto. Ele sabe que eu apoiava um candidato a vereador que era contrário a ele. Ele era do lado do Jean. Eu passei a defender o Jean nesse grupo a partir do momento que passaram a falar muitas mentiras. Eu pedi voto para o Jean."
Os vídeos captados pela câmera de segurança do estabelecimento de Geni (ID 44417518, ID 44417519, ID 44417520 e ID 44417521), especialmente aquele juntado ao ID 44417521, demonstram claramente Neudir solicitando voto em troca da contratação do filho mais novo da eleitora Geni como menor aprendiz da prefeitura caso o grupo fosse eleito.
Embora Neudir não exija explicitamente o voto para que ocorra a contratação, o contexto do vídeo permite inferir esta conclusão, sobretudo porque a todo momento a conversa girou em torno de solicitação de apoio político para os candidatos recorridos.
Nesse ponto, importante mencionar que a defesa, em contestação, arguiu a ilegalidade da prova decorrente dos mencionados vídeos, entretanto o Juízo de primeiro grau a reputou válida (ID 44417633), não havendo qualquer insurgência posterior pelos investigados, por meio de recurso próprio.
Desse modo, o conjunto probatório, composto por vídeos e prova testemunhal coesa, demonstra de forma inconteste que Neudir propôs a contratação do filho mais novo da eleitora como menor aprendiz em troca de votos."
Observa-se que o conjunto probatório referente às declarações - extrajudicial e judicial - de Geni Ianowski Campos de Oliveira adotado por ambos os julgadores é idêntico.
Assistidos os 4 vídoes que acompanham a petição inicial, percebe-se que não são contínuos e que o tema de relevo para o deslinde da questão está inteiramente contido no quarto vídeo, id. 44417521, cuja degravação é:
Neudir Giachini: (interrompido) e prometer alguma coisa, né, que que vocês tivessem interesse para alguém da família ou você contemplar alguém da família, né? Vocês têm esse menino ali, ele tem 17 anos.
Esposo de Geni Ianowski: 17.
Neudir Giachini: Quando é que ele faz 18?
Esposo de Geni Ianowski: Só o ano que vem, dia 12 de novembro do ano que vem.
Neudir Giachini: 12 de novembro.
Esposo de Geni Ianowski: Do ano que vem, né?
Neudir Giachini: Ele tá com menor aprendiz.
Geni Ianowski: Esse ano ele vai, ele não trabalha, ele não tá trabalhando em lugar nenhum tá só estudando.
Neudir Giachini: Mas ele pode ser o menor aprendiz, né?
Geni Ianowski: Pode. Só que daí assim com esse com essa com esse horário da escola aqui, sobra para ele trabalhar só três meiodia na semana [inaudível]
Neudir Giachini: Mas assim ó, o menor aprendiz, o menor aprendiz o que que acontece? Ele não, ele não vai trabalhar todos os dias, ele vai trabalhar em períodos intercalados. Ele trabalha em períodos intercalados, porque todo o trabalho de menor aprendiz. Todo o trabalho de menor aprendiz, ele não vai dentro da da própria legislação, não pode trazer problema pro estudo dele.
Esposo de Geni: Aham.
Neudir Giachini: Entendeu? Então assim, ah, quando é que você pode trabalhar? Ah, eu posso trabalhar quinta de manhã, segunda de manhã, quinta de tarde e sexta-feira de manhã, três meiodia. Então você ajusta a agenda de trabalho dele e daí ele vai ter uma assinada (sic) naqueles dias para contemplar.
Geni Ianowski: um amigo dele ali que foi para Santa Catarina porque tinha umas vaga de menor aprendiz ali os azul que ele chamam. Eh, ele foi pra Catarina um bem bem educado, bem queridinho. Eu conheço ele. Ele foi pra Catarina morar com os parentes para trabalhar lá porque ele o aqui o o as vagas de menor aprendiz nem (interrompido).
Diante desse cenário, o conjunto probatório adotado consiste na prova testemunhal de Geni Ianowski e na gravação audiovisual da conversa que ela manteve com Neudir Giachini, na presença de seu esposo.
Contudo, é de importância destacar que o vídeo começa no meio da fala de Neudir Gianchi, a partir da expressão "e prometer alguma coisa, né, que que vocês tivessem interesse para alguém da família ou você contemplar alguém da família, né? Vocês têm esse menino ali, ele tem 17 anos."
Não se sabe se antes dessa expressão foi aposta uma negação, como "Eu não posso, vocês sabem, me comprometer de prometer". Não se sabe o motivo pelo qual o corte do vídeo retirou o início da fala de Neudir, porém, como se repisa, isso impede saber se havia um contexto maior anterior que pudesse afetar a compreensão da prova.
Ainda que Geni Ianowiski tenha afirmado em juízo que sua câmera por vezes corta, os 3 primeiros vídeos duram, respectivamente, 46, 35 e 40 segundos, enquanto o quarto vídeo tem duração de 1:59 minuto, além da benesse de iniciar justo na palavra mais interessante do diálogo "prometer".
Essa percepção, em meu entender, coloca em risco a credibilidade de que os vídeos não sofreram recortes específicos para dar força à versão dos fatos defendida pelos Recorrentes.
No ponto, inclusive, os outros três vídeos revelam que Neudir Giachini é uma pessoa articulada, o que permite cultivar a dúvida sobre a existência de um prévio alerta sobre o rumo da conversa que, por motivo desconhecido, não foi exposto no vídeo.
Acrescente-se, ainda, que a conversa prossegue para explicar o que é o menor aprendiz e seus horários sem, contudo, assegurar aos interlocutores que haveria uma vaga para o seu filho como menor aprendiz.
Talvez essa promessa específica tenha ocorrido em momento não registrado no vídeo, em verdade, em nenhum vídeo há pedido de votos feito por Neudir. Há, isso sim, exercício de atos da vida política, como a narração de defeitos do adversário.
Essas constatações são importantes porque, ao se excluir do teor da prova audiovisual os elementos de pedido de voto, oferta de emprego em troca de voto, ou mesmo, a simples oferta de emprego, a única prova restante nos autos quanto à oferta de benesse em troca de votos é a palavra de Geni Ianowski.
Nesse contexto, revela-se acertada a r. sentença de 1º Grau ao invocar a aplicação ao caso concreto do art. 368-A, do Código Eleitoral: A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.
Com efeito, diante das limitações da prova audiovisual, não é possível, como assentado na Origem, o julgamento de procedência de demanda lastreada no art. 41-A, da Lei das Eleições, com prova exclusiva centrada em testemunha única.
Neste sentido, os seguintes julgados do C. Tribunal Superior Eleitoral:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. VICE-PREFEITO. CONDUTA DESCRITA NO ART. 41-A DA LEI 9.504/97. SUPOSTA PROMESSA DE CUSTEIO DE DESPESAS PARA OBTENÇÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) EM TROCA DE VOTO. ESPECIAL FIM DE AGIR. NÃO COMPROVAÇÃO. DEPOIMENTOS CONTRADITÓRIOS. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. VERBETE SUMULAR 24 DO TSE. DEPOIMENTO ISOLADO. INSUFICIÊNCIA. ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRAÇÃO. SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ARESTO RECORRIDO E OS ACÓRDÃOS PARADIGMAS. INEXISTÊNCIA. VERBETE SUMULAR 28 DO TSE.SÍNTESE DO CASO
[...]
7. A orientação deste Tribunal Superior é no sentido de que: "Em tese, é possível a hipótese de prova do ilícito eleitoral forte apenas em prova testemunhal. O que o art. 368-A do Código Eleitoral veda é a perda do mandato com prova testemunhal exclusiva e singular, ou seja, não se admite a perda de mandato com base exclusivamente no depoimento de uma única pessoa" (RO 2229-52, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 6.4.2018).
[...]
(BRASIL, TSE: Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060000112, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22/05/2023).
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. AIME. PREFEITO. VICE-PREFEITO. TRE. RECONHECIMENTO. ABUSO DE PODER. PROVA ILÍCITA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AMBIENTE PRIVADO. INEXISTÊNCIA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DESCONHECIMENTO DOS INTERLOCUTORES. PROVA TESTEMUNHAL. EXCLUSIVIDADE. SINGULARIDADE. INSUFICIÊNCIA. CONDENAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. "São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral" (AgR-AI nº 293-64/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7.10.2021, DJe de 9.11.2021).
2. Nos termos do art. 368-A do CE, "a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato".
3. Recurso provido.
(BRASIL, TSE: Recurso Especial Eleitoral nº060000143, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 02/08/2022).
Bem como desta Corte Eleitoral:
ELEIÇÕES 2024. DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ALEGAÇÕES DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DE PODER ECONÔMICO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
I. CASO EM EXAME1. Recurso Eleitoral interposto pela coligação SIGILOSO contra sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada em face de SIGILOSO e SIGILOSO, com base em acusações de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico e corrupção eleitoral. A recorrente alega que o candidato a vice-prefeito teria oferecido vantagem econômica a SIGILOSO, visando influenciar o voto de sua companheira SIGILOSO, eleitora do município.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões centrais em discussão: (i) definir se há prova nos autos de oferta de vantagem econômica pelo candidato a SIGILOSO, cuja companheira é eleitora na circunscrição; (ii) avaliar se o ato denunciado, caso provado, caracteriza captação ilícita de sufrágio e/ou abuso de poder econômico.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. As gravações telefônicas realizadas sem o consentimento de SIGILOSO configuram provas ilícitas, conforme artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, e não podem ser admitidas, segundo o Tema 979 do STF, comprometendo a validade de quaisquer provas derivadas.
4. A única evidência material provém do depoimento de SIGILOSO, cuja confiabilidade é questionável devido à inconsistência de suas declarações e à ausência de elementos adicionais que corroborem sua versão.
5. A legislação eleitoral veda a condenação baseada exclusivamente em prova testemunhal singular, conforme o artigo 368-A do Código Eleitoral, e a jurisprudência do TSE reafirma a insuficiência desse tipo de prova em casos que possam resultar na perda de mandato.
6. Não há comprovação da oferta da suposta vantagem nem que essa tenha alcançado a eleitora SIGILOSO, impossibilitando a configuração de captação ilícita de sufrágio. SIGILOSO, não sendo eleitor de Terra Boa, não é sujeito apto à configuração da captação ilícita de sufrágio.
7. O valor supostamente envolvido (R$ 50,00) é irrisório e, mesmo que tivesse sido comprovada a oferta, insuficiente para configurar abuso de poder econômico, que requer a demonstração de aporte patrimonial significativo e capaz de desequilibrar a lisura do pleito.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
1. A captação ilícita de sufrágio exige prova robusta, não sendo admitida condenação baseada exclusivamente em prova testemunhal singular.
2. Gravações telefônicas clandestinas são inadmissíveis como prova em processos eleitorais.
3. Abuso de poder econômico exige a comprovação de um aporte patrimonial vultoso, capaz de influenciar significativamente a vontade do eleitorado.
______
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XII; Código Eleitoral, art. 368-A.
Jurisprudência relevante citada:
STF, Tema 979;
TSE, AgR-AREspEl nº 060030447/CE, rel. Min. Sergio Silveira Banhos, publ. 23/08/2022;
TSE, AC nº 060001586/MA, rel. Min. Henrique Neves da Silva, publ. 26/10/2016;
TSE, AgR-AREspE nº 060010483/CE, rel. Min. Kássio Nunes Marques, publ. 25/03/2024.
(BRASIL, TRE-PR: RECURSO ELEITORAL NA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº060016304, Acórdão, Relator(a) Des. Eleitoral Jose Rodrigo Sade, Publicação: DJE - DJE, 17/12/2024).
Em razão desses fundamentos, e com a venia devida, divirjo do E. Relator para negar provimento ao recurso eleitoral também quanto ao segundo fato, mantendo hígida a r. sentença de 1º Grau.
A conclusão do voto, portanto, é de que acompanho o voto do E. Relator quanto à rejeição da preliminar de legitimidade passiva de Neudir Giachini e Felipe Turmina, bem como para negar provimento ao recurso eleitoral quanto ao terceiro fato e, de outro vértice, divirjo parcialmente para o fim de não reconhecer a prática de captação ilícita de sufrágio pelos Recorridos Reni Kovalski e Sandra Ghedin Turmina quanto ao primeiro e segundo fatos, concluindo por negar provimento ao recurso eleitoral de Jean Carlos Cardoso.
É como voto.
TATIANE DE CÁSSIA VIESE
DESA. ELEITORAL
EXTRATO DA ATA
RECURSO ELEITORAL NA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11548) Nº 0600717-16.2024.6.16.0115 - Cruzeiro do Iguaçu - PARANÁ - RELATOR ORIGINÁRIO(A): DES. ELEITORAL ANDERSON RICARDO FOGAÇA - RELATOR DESIGNADO: LUIZ OSORIO MORAES PANZA - RECORRENTE: JEAN CARLOS CARDOSO - Advogados do(a) RECORRENTE: SEBASTIAO PEDRO DA SILVA JUNIOR - PR123819, GUSTAVO CEZAR BORTOT VIEIRA - PR97182, ANDRE LEONARDO MEERHOLZ - PR56113, FRANCISCO AUGUSTO ZARDO GUEDES - PR35303, ROGERIA FAGUNDES DOTTI - PR20900, PEDRO HENRIQUE GALLOTTI KENICKE - PR65870 - RECORRIDOS: RENI KOVALSKI, NEUDIR ANTONIO GIACHINI, FELIPE TURMINA - Advogados do(s) RECORRIDOS: FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, CAROLINA PUGLIA FREO - PR52606, ISABELA VIEIRA LEON - PR123151, LUISA SAPIECINSKI GUEDES - PR124827, MARIA VITORIA BITTAR DAHER DA COSTA FERREIRA - PR117545, GUILHERME DE SALLES GONCALVES - PR21989-A - RECORRIDA: SANDRA GHEDIN TURMINA - Advogados do(a) RECORRIDA: ISABELA VIEIRA LEON - PR123151, MARIA VITORIA BITTAR DAHER DA COSTA FERREIRA - PR117545, LUISA SAPIECINSKI GUEDES - PR124827, FERNANDA BERNARDELLI MARQUES - PR105327-A, GUILHERME DE SALLES GONCALVES - PR21989-A
À unanimidade de votos, a Corte conheceu do recurso, e, no mérito, por maioria, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do relator designado para redigir o acórdão, conforme art. 80, § 2º, do RITRE/PR. Vencida a desembargadora eleitoral Tatiane de Cassia Viese, que declara voto. Declaração de voto convergente do desembargador Sigurd Roberto Bengtsson.
Presidência do excelentíssimo senhor desembargador Sigurd Roberto Bengtsson. Participaram do julgamento os eminentes julgadores: desembargadores Sigurd Roberto Bengtsson e Luiz Osorio Moraes Panza, desembargadora federal Claudia Cristina Cristofani e os desembargadores eleitorais Tatiane de Cassia Viese e Jose Rodrigo Sade. Os desembargadores eleitorais Anderson Ricardo Fogaça e Guilherme Frederico Hernandes Denz já haviam votado na sessão presencial de 30.06.25. Presente o procurador regional eleitoral, Marcelo Godoy.
SESSÃO DE 30.07.2025