TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARANÁ

 

 ACÓRDÃO Nº 63.723

RECURSO ELEITORAL NA PROPAGANDA POLÍTICA 0600043-46.2024.6.16.0080 – Ibiporã – PARANÁ
Relator:  DES. ELEITORAL GUILHERME FREDERICO HERNANDES DENZ

 RECORRENTE: EMERSON MIGUEL PETRIV registrado(a) civilmente como EMERSON MIGUEL PETRIV
ADVOGADO: GUILHERME BISSI CASTANHO - OAB/PR99426-A
RECORRIDO: PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO - IBIPORA - PR - MUNICIPAL
ADVOGADO: RICARDO JOSE DE OLIVEIRA - OAB/PR69549-A
FISCAL DA LEI: Procurador Regional Eleitoral1

 

EMENTA - ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DIVULGAÇÃO DE FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. INEXISTÊNCIA. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. CRÍTICAS ÁCIDAS E CONTUNDENTES À GESTÃO MUNICIPAL. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso Eleitoral interposto por Emerson Miguel Petriv contra sentença que julgou procedente representação eleitoral por propaganda antecipada, condenando-o ao pagamento de multa por suposta divulgação de fato sabidamente inverídico em relação a José Maria Ferreira, pré-candidato à reeleição à Prefeitura de Ibiporã-PR.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. Se a publicação feita pelo recorrente em suas redes sociais configura propaganda eleitoral antecipada negativa, em razão da divulgação de fato sabidamente inverídico.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A crítica feita pelo recorrente à política de merenda escolar do Município de Ibiporã, baseada em documento público emitido pela Prefeitura, não constitui fato sabidamente inverídico.

3.2. A liberdade de expressão e o direito à crítica são garantias fundamentais no jogo democrático, especialmente durante o período eleitoral.

3.3. Inexistência de propaganda eleitoral negativa. A sentença de primeiro grau, que condenou o recorrente ao pagamento de multa, deve ser reformada, julgando-se improcedente a representação.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso conhecido e provido. A representação é julgada improcedente e a multa aplicada ao recorrente é afastada.

4.2. A liberdade de expressão e o direito à crítica, quando exercidos com base em documentos públicos e sem intuito difamatório, não configuram propaganda eleitoral negativa.

 

Dispositivos relevantes citados:

- Lei nº 9.504/1997, art. 36-A.

- Resolução TSE nº 23.610/2019, art. 9º-C.

Jurisprudência relevante:

- TSE, AgR-AREspE nº 060040043, Rel. Min. Raul Araújo Filho, 28/08/2023.

- TSE, Recurso Especial Eleitoral nº060040842, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 11/06/2024.

 

DECISÃO

À unanimidade de votos, a Corte conheceu do recurso, e, no mérito, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.

Curitiba, 20/08/2024

RELATOR(A) DES. ELEITORAL GUILHERME FREDERICO HERNANDES DENZ

 

 

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Eleitoral interposto por EMERSON MIGUEL PETRIV em face da sentença proferida pelo Juízo da 80ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a Representação Eleitoral proposta pelo PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE IBIPORÃ, para apurar a suposta prática de propaganda eleitoral antecipada, consistente em divulgações de fatos sabidamente inverídicos e difamatórios em relação a José Maria Ferreira, pré-candidato à reeleição à Prefeitura de Ibiporã-Pr. 

O pedido liminar foi indeferido (ID 43924488).

O Juízo Eleitoral de primeiro grau julgou procedente a representação, entendendo configurada a propaganda eleitoral extemporânea, razão pela qual aplicou multa de R$ 5.000,00 ao representado, ora recorrente (ID 43924506).

Irresignado, o representado interpôs recurso, em que alega, em síntese que: a) o Prefeito José Maria, de fato, determinou que as merendas escolares não poderiam ser consumidas pelos funcionários, de forma que a informação divulgada é verdadeira; b) quanto ao descarte das sobras da merenda, não houve manifestação, tratando-se de depoimento anônimo; c) não se pode atribuir qualquer ônus ao recorrente por repassar notícia publicada através de comunicado oficial, de interesse público e da população; e d) há necessidade de divulgação das informações sobre atos da municipalidade, não sendo permitido a censura, sendo livre a manifestação do pensamento. Ao final requer o provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação. 

Em contrarrazões, o Partido Social Democrático de Ibiporã-Pr aduziu, em síntese que: a) o recorrente pretende denegrir a imagem do pré-candidato à reeleição, José Maria, atribuindo-lhe uma ordem, que não deu, para que se joguem alimentos na lata do lixo diariamente nas escolas municipais; b) o contexto da publicação constitui agressão infundada, em razão da menção às sobras que seriam descartadas por um rapaz aos porcos, criação de galinha e outros bichos, tentando atribuir ao pré-candidato a ideia de desorganização e descontrole frente aos recursos municipais; c) o recorrente tenta disseminar que José Maria não gosta do povo de Ibiporã, por meio das suas falas; d) o recorrente está disseminando inverdades para interferir e macular psicologicamente os cidadãos, o que caracteriza propaganda eleitoral antecipada negativa e gera desigualdade entre candidatos. Requer o não provimento do recurso, para que a sentença seja mantida na íntegra (ID 43924515).

A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou parecer (ID 43929206), opinando pelo conhecimento e provimento do Recurso Eleitoral interposto, asseverando que a publicidade não se trata de propaganda eleitoral, mas de indiferente eleitoral, já que não possui conteúdo relacionado à disputa eleitoral, mas mera crítica à atual gestão municipal.

É o relatório.

 

FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os requisitos de admissibilidade, o Recurso deve ser conhecido.

Como relatado, trata-se de Recurso Eleitoral interposto por EMERSON MIGUEL PETRIV em face da sentença proferida pelo Juízo da 80ª Zona Eleitoral de Ibiporã-PR, que julgou procedente a Representação Eleitoral proposta pelo PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE IBIPORÃ-PR por propaganda eleitoral antecipada em razão da divulgação, em redes sociais, de fato sabidamente inverídico.

A sentença restou assim fundamentada:

“(...) 

Assim,  para a configuração de propaganda eleitoral antecipada negativa pressupõe-se o pedido explícito de não voto ou ato abusivo que, desqualificando pré-candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico.

No presente caso, insurge o autor na alegação de propaganda eleitoral antecipada negativa em seu desfavor, pelo representado por meio das seguintes postagens nas redes sociais: 

(...)

Veja que, restou incontroverso, além de documentalmente comprovado, que as postagens do representando em seu perfil configuram narrativa maliciosa e desinformativa com o objetivo de traçar algum vínculo entre a  gestão municipal do pré-candidato à prefeito José Maria e suposta proibição de distribuição de merendas, distorcendo as regras para a distribuição de gêneros alimentícios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Depreende-se das  postagens em questão, com base nos elementos configuradores da propaganda eleitoral extemporânea negativa, conteúdo inverídico acerca da proibição de distribuição de merendas das escolas do Município de Ibiporã/PR, constituindo propaganda eleitoral negativa de possível futuro candidato. 

Neste sentido, vejamos a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

(...)

Portanto, forçoso concluir que o conteúdo publicado apresenta fato sabidamente inverídico, com ofensa à honra e imagem da gestão do pré-candidato à reeleição ao cargo de Prefeito, devendo ser julgada procedente a representação. 

Portanto, configurada a propaganda eleitoral antecipada, de rigor a condenação do infrator ao pagamento da multa prevista no artigo 36, §3º da lei nº 9.504/97.”

 

Nas suas razões recursais, o recorrente alega que: a) as informações divulgadas são verdadeiras, já que o candidato à reeleição e atual Prefeito, José Maria, de fato determinou que as merendas escolares não poderiam ser consumidas pelos funcionários e quanto à sobras, trata-se de reprodução de um depoimento anônimo; e b) que o recorrente não pode ser penalizado por repassar notícia que é de interesse público, sob pena de violação a sua liberdade de manifestação do pensamento.

O recurso merece provimento.

No mérito, a controvérsia cinge-se a saber se o conteúdo da publicação realizada pelo recorrente, no endereço https://www.instagram.com/p/C8NX_MeRYJr/, e do Facebook, no endereço https://fb.watch/sJx16MO2tD/,  trata-se de propaganda eleitoral antecipada negativa, em razão de divulgação de fato sabidamente inverídico, ou tão somente crítica ao atual Prefeito de Ibiporã-Pr, acobertado pela liberdade de expressão.

Na espécie, a divulgação em questão possui o seguinte conteúdo:

“Olá amigos de Ibiporã nós estamos aqui você vê ao fundo o prédio símbolo de brasólia (sic) aqui aqui ao meu lado o côncavo e o convexo a concha para cima e para baixo ao lado ali o Palácio do Planalto onde o presidente despacha e aqui o STF Supremo Tribunal Federal pois bem o que que tá acontecendo atenção Ibiporã atenção uma aberração da aberração está acontecendo nas escolas municipais... Municipal melhor dizendo de Ibiporã... atenção você merendeira da Costa Oeste… atenção você professor e professora da rede de ensino é Municipal de Ibiporã… pasmem, pasmem os senhores... chegou o comunicado e vocês sabem o que eu tô falando é verdade as Merendeiras e as professoras... é das Escola Municipal que uma ordem do prefeito Zé Maria para não não almoçarem a merenda ou seja comer a merenda que é feita pelas cozinheiras as merendeiras da costa oeste é e nem os professores. Ou seja a comida a merenda é feita com carinho com alegria pelas merendeiras é com todo todo a tabela nutricional é é supervisionada por uma nutricionista e pasmem, pasmem senhores a comida é servida para os alunos e alunas é e depois pode repetir… evidente até aí tudo bem e quando sobra que todos os dias já chegou a informação pra mim que sobra, o que que acontece, é jogado na lata do lixo… na rede de esgoto e não se pode os professores e as merendeiras e as auxiliar de merendeira enfim que produz a comida que eu já falei aqui com carinho a merenda com nutricionista com fósforo potássio é é ferro enfim com alto calor nutricional calórico nutricional e infelizmente tem essa ordem desgraçada do Prefeito Municipal Zé Maria que não pode as merendeiras e nem as professoras comer… é jogada comida na lata do lixo meu Deus do céu pasmem meus senhores é o que fazer porque isso jogar comida tem tanta gente passando fome você jogando comida boa feita na hora na lata do lixo e é um pecado vocês não não você Prefeito não deixar as merendeiras e não deixar as professoras comerem a merenda tão levando marmita de casa é inadmissível na minha cabeça na cabeça do povo não entra isso não entra onde nós vamos parar meu pai do céu e tem uma carta que foi um comunicado que foi encaminhado pelo prefeito Zé Maria dizendo... ordem expressa a comida feita pela merendeira da Costa Oeste terceirizada é somente para os alunos... a merendeira que faz a comida não pode confecciona a comida não pode almoçar e a professora também tem que levar a marmita de casa e esquentar no microondas da escola e aí eu sou louco aí o boca aberta é louco o boca aberta é doido o boca aberta fala demais o boca aberta é Forasteiro o Boca aberta… já pensou se todo forasteiro levasse o que eu levei para Ibiporã mais de 4 milhão... que os de casa aí mesmo os políticos de casa não fizeram com a própria o próprio dever de casa não cuidaram do seu quintal teve que vir um de fora para ajudar e aí mais essa ainda... ligou para mim uma professora chorando chorando falando boca aberta é inadmissível as merendeiras faz a comida as merendeiras da Costa Oeste terceirizada faz a comida com carinho com alegria com satisfação com amor no coração e elas mesmas merendeiras não podem almoçar não pode almoçar e as professoras também tem que ver a comida sendo jogada no lixo arroz feijão ovo carne batata macarrão tomate alface verdura legume... e elas mesmo não podem comer aí eu sou louco então se Deus der vida e saúde a gente chega lá porque somos pré pré pré-candidato chega lá nós vamos fazer valer vamos fazer Valer, nós vamos autorizar já no primeiro dia de mandato, se deus der vida somos pré-candidato… nós vamos fazer valer, vamos fazer valer… quem que entrou aqui meu pai do céu… nós vamos fazer valer é a lei do prefeito que de fato gosta e ama o povo nós vamos rasgar essa essa autorização essa autorização não essa essa decisão esdrúxula bizarra do prefeito e vamos autorizar a merendeira e as professoras almoçarem beijo no coração a paz de Deus.” 

 

Sobre o tema, a fim de resguardar a isonomia e a igualdade de oportunidades entre os candidatos, a propaganda eleitoral, inclusive na internet, somente é permitida a partir de 15 de agosto do ano eleitoral, nos termos do artigo 36 da Lei das Eleições, estando expressamente prevista em seu § 3º a aplicação de multa, no importe de R$ 5.000,00 a R$ 25.000,00, nos casos de realização de propaganda eleitoral antes do referido prazo legal.

Com a edição da Lei nº 13.165/2015, denominada minirreforma política, houve a redução do período de campanha eleitoral e, deste modo, passou-se a abrandar o rigor com a realização da chamada propaganda eleitoral antecipada, permitindo-se de modo expresso a realização de determinadas condutas que, outrora, seriam consideradas ilícitas.

Ocorre que a configuração da propaganda eleitoral antecipada é substancialmente mitigada pelo artigo 36-A da Lei das Eleições, que, grosso modo, permite todo tipo de exposição ou promoção pessoal, desde que não haja pedido explícito de voto. Confira-se:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via Internet: 

I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; 

II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; 

III – a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; 

IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; 

V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; 

VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias; 

VII – campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 desta lei. 

§ 1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social. 

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver. 

§ 3º O disposto no § 2º não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.

 

É certo ainda que, embora não esteja previsto expressamente no caput do art. 36-A, o sistema jurídico veda a propaganda eleitoral negativa. Tratando-se de propaganda eleitoral negativa, sua caracterização exige "o pedido explícito de não voto ou ato que, desqualificando pré-candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico”.  (TSE Recurso Especial Eleitoral nº060040842, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 11/06/2024 - grifamos).

Neste contexto, importante consignar que a desinformação é totalmente vedada e combatida pela Justiça Eleitoral, seja no período pré-eleitoral, seja no período eleitoral propriamente dito, com o fim de evitar a divulgação de fatos inverídicos ou descontextualizados que possam causar desequilíbrio à disputa, bem como para assegurar a higidez do processo eleitoral, conforme estabelece o artigo 9º-C da Resolução nº 23.610/2019 do TSE:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

 

Assim, no conflito entre a liberdade de expressão e a divulgação de informações sabidamente falsas, a divulgação de conteúdos durante o período de propaganda eleitoral deve ser feita com responsabilidade e com o mínimo de segurança acerca da veracidade daquilo que é divulgado, sob pena de prejudicar a análise e a decisão dos eleitores sobre os candidatos em disputa. A livre manifestação do pensamento não pode ser considerada um direito absoluto. 

Quanto ao fato sabidamente inverídico, a jurisprudência do TSE tem entendimento no sentido de que “(...) é aquele que não demanda investigação, ou seja, perceptível de plano, o que não se observa no presente caso” (TSE, AgR-AREspE nº 060040043  Acórdão  CURITIBA - PR, Relator(a): Min. Raul Araújo Filho, 28/08/2023).

No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal Regional Eleitoral:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO EM REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. AUSÊNCIA DE DIVULGAÇÃO DE FATOS SABIDAMENTE INVERÍDICOS OU OFENSIVOS. PRÉ–CANDIDATA QUE ESTÁ SUSCETÍVEL A CRÍTICAS RELATIVAMENTE A MANDATO ANTERIOR. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Resta consolidado junto ao TSE que "A configuração de propaganda eleitoral antecipada negativa pressupõe o pedido explícito de não voto ou ato abusivo que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060004534, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônico, Tomo 34, Data 04/03/2022).

2. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, os fatos sabidamente inverídicos a ensejar a ação repressiva da Justiça Eleitoral são aqueles verificáveis de plano.

3. Conteúdo veiculado em rede social que não caracteriza divulgação de fato sabidamente inverídico ou ofensivo à imagem da representante.

4. Recurso parcialmente conhecido e não provido.

(TREPR, RP nº 060156273  Acórdão nº 61202  CURITIBA - PR, Relator(a): Des. Melissa De Azevedo Olivas, Julgamento: 13/09/2022 Publicação: 14/09/2022 - grifamos).

 

ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. COMPARTILHAMENTO DE VÍDEO SATÍRICO EM REDE SOCIAL. REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET. MÍNIMA INTERFERÊNCIA. ARTS. 27, PARÁGRAFO ÚNICO E 31 DA RESOLUÇÃO TSE 23.610/2019. PRESTÍGIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. RECURSO PROVIDO.

1. Como corolário da liberdade de expressão constitucionalmente garantida, a propaganda eleitoral deve ser livremente exercida, garantindo–se ao eleitor o acesso à informação para formar sua convicção.

2. A remoção de conteúdos divulgados na internet deve ser analisada sob o prisma do princípio da menor intervenção e realizada de modo cirúrgico, limitando–se àqueles casos em que absolutamente imprescindível para coibir a divulgação de ofensas à honra e à imagem e de fatos sabidamente inverídicos.

3. Para aferir se a mensagem veicula desinformação, principalmente nos casos de mensagens humorísticas e satíricas, o intérprete deve considerar não apenas o texto, mas também o contexto e o meio de divulgação da informação.

4. É lícita a divulgação de vídeo satírico que veicula crítica política sem o intuito de induzir o eleitor em erro.

5. Recurso provido. Representação improcedente.

(TREPR, RP nº 060206849  Acórdão nº 61151  CURITIBA - PR, Relator(a): Des. Roberto Aurichio Junior, Julgamento: 12/09/2022 Publicação: 14/09/2022 - grifamos).

 

No caso em exame, verifica-se que o recorrente divulgou, em suas redes sociais, do Instagram e do Facebook, informações relacionadas à merenda escolar, estabelecida nas escolas municipais de Ibiporã, no sentido de que as merendeiras e professoras não poderiam se alimentar com aqueles alimentos, já que era direcionada exclusivamente aos alunos da rede municipal de ensino.

Importante esclarecer que, segundo a  jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa. Ausente o conteúdo eleitoral, as mensagens constituirão "indiferentes eleitorais", estando fora do alcance da Justiça Eleitoral.” (TSE, AgR-AI nº 060080586  Acórdão  SÃO LUÍS - MA, Relator(a): Min. Luís Roberto Barroso, Julgamento: 29/04/2021 Publicação: 10/05/2021).

Com isso, é necessário analisar se há o caráter eleitoral na divulgação em tela.

Da fala do recorrente, observa-se que houve referência à sua pretensa candidatura. Veja-se: 

“(…) somos pré pré pré-candidato chega lá nós vamos fazer valer vamos fazer valer, nós vamos autorizar já no primeiro dia de mandato, se deus der vida somos pré-candidato… nós vamos fazer valer, vamos fazer valer… quem que entrou aqui meu pai do céu… nós vamos fazer valer é a lei do prefeito que de fato gosta e ama o povo nós vamos rasgar essa essa autorização essa autorização não essa essa decisão esdrúxula bizarra do prefeito e vamos autorizar a merendeira e as professoras almoçarem beijo no coração a paz de Deus.” 

 

Nesse sentido, considerando-se que há referência direta à pré-candidatura, bem como à ideia de disputa, e de que este pré-candidato fará melhor do que a atual gestão, é certo o caráter político-eleitoral da publicação.

Contudo, o mesmo não se pode falar sobre o requisito acerca da divulgação de “fato sabidamente inverídico”, tendo em vista que o recorrente tece críticas ao atual Prefeito, com base em um documento que foi efetivamente enviado às escolas, com o símbolo da Prefeitura do Município de Ibiporã - Estado do Paraná, conforme se vê (ID 43924500, 43924501 e 43924502):

 

 

Vale ressaltar, ainda, que a autenticidade do referido documento, apresentado pelo recorrente, não foi objeto de impugnação por parte do recorrido, sendo a veracidade do seu conteúdo e a sua origem, como oriundo da Prefeitura de Ibiporã, fatos incontroversos.

O Ministério Público atuante no  primeiro grau de jurisdição indicou que a proibição da distribuição da merenda aos colaboradores das escolas municipais não adveio da gestão municipal, mas por meio de um informe oriundo da PNAE, que cita o Acórdão do TCU, tratando-se, portanto, de informações inverídicas trazidas pelo recorrente, com o objetivo de formar uma imagem negativa do recorrido (ID 43924505).

No mesmo sentido, decidiu o Juízo a quo, que asseverou que se trata de “narrativa maliciosa e desinformativa com o objetivo de traçar algum vínculo entre a  gestão municipal do pré-candidato à prefeito José Maria e suposta proibição de distribuição de merendas, distorcendo as regras para a distribuição de gêneros alimentícios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”.

Ocorre que, analisando-se os fatos trazidos aos autos, observa-se que as críticas desferidas pelo recorrente, na publicação em suas redes sociais, foram baseadas em um documento público, comunicado nº 588/2023, com timbre da “Prefeitura do Município de Ibiporã” que, embora contenha informações sobre Acórdão do TCU e do PNAE, é proveniente da Secretaria Municipal de Educação, cuja autoridade máxima é o Prefeito Municipal. 

Com isso, mesmo que o documento corrobore normativas e decisões de outros órgãos, o conteúdo e as determinações do documento são provenientes do órgão que o subscreve, cuja autoridade máxima, repita-se, é o Prefeito Municipal.

Desta feita, da simples leitura do documento é possível aferir a “proibição de fornecimento de alimentos para professores, funcionários de empresas terceirizadas ou servidores municipais” em todas as instituições de ensino do Município de Ibiporã. O documento explica que a medida “tem como finalidade assegurar recursos alocados para a alimentação escolar sejam utilizados exclusivamente para atender às necessidades nutricionais dos alunos, conforme estipulado na legislação”. E afirma, ainda, que “a proibição se estende a todas as pessoas que não sejam estudantes da instituição, o que inclui funcionários, visitantes e terceiros”. Ao final, traz um alerta de que “qualquer denúncia relacionada a esse assunto, será apurada pela Secretaria Municipal de Educação”.

Portanto, a ordem no sentido de que os colaboradores estão proibidos de se alimentarem da merenda escolar é clara e consta em um documento público, emitido pela Secretaria Municipal da Educação do Município de Ibiporã, não sendo produto de mera “distorsão” ou “narrativa maliciosa”.

Assim, não é possível afirmar que a fala do recorrente é fato sabidamente inverídico, e que decorreu do objetivo de “deturpar” as regras do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Isso porque não há qualquer indício de prova nos autos no sentido de que se trata de inverdade, muito menos, verificável de plano, de forma que afirmar esse fato como sabidamente inverídico, no caso, implicaria presumir a má-fé do recorrente, o que não se admite no ordenamento jurídico. 

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, manifestou-se no sentido de que (ID 43929206) “não se constata propaganda antecipada mediante (c) realização por forma vedada para a propaganda eleitoral no período permitido ou (f) divulgação de fato sabidamente inverídico. Em que pese a parte representante sustente que os comentários proferidos pelo recorrente são difamatórios, essas se limitam a expor o posicionamento crítico do recorrente em relação à gestão atual do Prefeito Municipal (...)”.

É certo, portanto, que inexiste, no caso, pedido explícito de voto, fato sabidamente inverídico ou ato que macule a honra ou a imagem do Prefeito, razão pela qual não há que se falar em propaganda eleitoral negativa. 

Nesse sentido, forçoso admitir que o recorrente teceu críticas ácidas e contundentes à política da merenda escolar e suas sobras, praticada no atual mandato do Prefeito José Maria, fazendo considerações negativas, no exercício da livre manifestação do pensamento e da liberdade de expressão, o que faz parte do jogo político-democrático.

Um dos fundamentos da liberdade de expressão – e o mais amplamente aceito – conforme ensina Aline Osório “é a realização da democracia e a autodeterminação coletiva”. Assevera a doutrinadora que “o argumento deriva da ideia básica de que, em um regime democrático, é imprescindível garantir plena liberdade para que todos os grupos e indivíduos possam expor e ter acesso a opiniões e pontos de vista sobre temas de interesse público e, assim, permitir a formação da vontade coletiva e a tomada das decisões políticas” (Direito Eleitoral E Liberdade De Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 50).

A respeito da liberdade de expressão, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral estabelece que “Conflita com o Estado Democrático de Direito o estabelecimento de severas e automáticas restrições à liberdade de expressão com supedâneo no mero início do período eleitoral, impondo–se como regra assegurar a livre circulação de ideias, o debate sadio e a veiculação de críticas, ainda que ácidas e enfáticas” (TSE , AgR-REspEl nº 060149544, Relator designado(a): Min. Raul Araujo Filho, publicação: 03/06/2024).  

Deste modo, o provimento do recurso é medida de rigor. 

 

DISPOSITIVO

 

Posto isso, voto no sentido de CONHECER e, no mérito, DAR PROVIMENTO ao recurso eleitoral interposto pelo EMERSON MIGUEL PETRIV, a fim julgar improcedente a representação e afastar a multa aplicada na origem.

 

GUILHERME FREDERICO HERNANDES DENZ 

Relator

 


 

EXTRATO DA ATA

RECURSO ELEITORAL NA REPRESENTAÇÃO (11548) Nº 0600043-46.2024.6.16.0080 - Ibiporã - PARANÁ - RELATOR:  DES. ELEITORAL GUILHERME FREDERICO HERNANDES DENZ - RECORRENTE: EMERSON MIGUEL PETRIV - Advogado do RECORRENTE: GUILHERME BISSI CASTANHO - PR99426-A - RECORRIDO: PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO - IBIPORA - PR - MUNICIPAL - Advogado do RECORRIDO: RICARDO JOSE DE OLIVEIRA - PR69549-A.

DECISÃO

À unanimidade de votos, a Corte conheceu do recurso, e, no mérito, deu-lhe provimento, nos termos do voto do relator.

Presidência da excelentíssima senhora desembargadora federal Claudia Cristina Cristofani. Participaram do julgamento os eminentes julgadores: os desembargadores eleitorais Julio Jacob Junior, Anderson Ricardo Fogaça, Guilherme Frederico Hernandes Denz e Jose Rodrigo Sade. Presente o procurador regional eleitoral, Marcelo Godoy.

  SESSÃO DE 20.08.2024