TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA

 

 


RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600371-38.2024.6.15.0036 - Brejo dos Santos - PARAÍBA

RELATOR: ROBERTO D HORN MOREIRA MONTEIRO DA FRANCA SOBRINHO

RECORRENTE: SANDRO ADRIANO SOUSA DOS SANTOS, JACINTO ROMULO GUEDES DE PAIVA

Representantes do(a) RECORRENTE: PEDRO GUSTAVO SOARES DE LIMA - PB31836, MANOLYS MARCELINO PASSERAT DE SILANS - PB11536-A
Representantes do(a) RECORRENTE: PEDRO GUSTAVO SOARES DE LIMA - PB31836, MANOLYS MARCELINO PASSERAT DE SILANS - PB11536-A

 

RECORRIDO: MARIA LUCIENE DE OLIVEIRA ALMEIDA, RAISSA SHAMIA FERREIRA DE SOUSA

Representantes do(a) RECORRIDO: CAIO DE OLIVEIRA CAVALCANTI - PB14199-A, LINCOLN MENDES LIMA - PB14309-A
Representantes do(a) RECORRIDO: CAIO DE OLIVEIRA CAVALCANTI - PB14199-A, LINCOLN MENDES LIMA - PB14309-A

 

 

EMENTA

 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS. INOVAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÕES E CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS EM ANO ELEITORAL. DEMISSÕES APÓS AS ELEIÇÕES. ALEGAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES EM PUBLICIDADE ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE BENEFÍCIOS EVENTUAIS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DAS IMPUTAÇÕES. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ILÍCITOS ELEITORAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada com o objetivo de cassação de diploma e declaração de inelegibilidade das partes recorridas em razão da alegada prática de abuso de poder político e econômico, bem como de condutas vedadas a agentes públicos durante o pleito municipal de 2024.

Sentença do juízo da 1ª instância julgou improcedentes os pedidos reconhecendo a insuficiência de provas para configuração das condutas vedadas e dos abusos alegados.

Recurso Eleitoral interposto pela parte investigante sustentando a reforma da sentença sob o argumento de que houve (i) concessão de vantagens remuneratórias indevidas, (ii) contratações temporárias em período vedado, (iii) uso de servidores públicos em campanha e (iv) distribuição irregular de benefícios sociais.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

Há quatro questões em discussão: (i) saber se a concessão de reajustes e gratificações a servidores configurou revisão geral de remuneração e abuso de poder político (art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97); (ii) saber se as contratações e demissões de servidores durante o período vedado caracterizaram conduta vedada (art. 73, V, da Lei nº 9.504/97); (iii) saber se houve cessão irregular de servidores para fins eleitorais (art. 73, III, da Lei nº 9.504/97); e (iv) saber se a distribuição de benefícios sociais em período eleitoral representou abuso de poder político e econômico (art. 73, IV e §10, da Lei nº 9.504/97).

III. RAZÕES DE DECIDIR

O recurso é tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade previstos no art. 258 do Código Eleitoral.

A preliminar de ofensa ao princípio da dialeticidade recursal não merece acolhimento, pois, embora o recurso reitere argumentos da inicial, houve enfrentamento suficiente dos fundamentos da sentença.

A preliminar de inovação da causa de pedir foi acolhida, reconhecendo-se a impossibilidade de considerar fatos novos surgidos em audiência que não constavam da inicial, nos termos da jurisprudência do TSE (AIME nº 761/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 12/09/2018).

No mérito, reafirmou-se que a caracterização de abuso de poder político e econômico exige demonstração robusta da gravidade e da potencialidade das condutas para desequilibrar o pleito, conforme o art. 22 da LC nº 64/90 e precedentes do TSE (AgR-REspe nº 79.227, RO nº 265.041, RO nº 126.984).

A concessão de gratificações e vantagens a grupo restrito de servidores não se confunde com “revisão geral de remuneração” vedada pelo art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97, mormente quando amparada em legislação municipal e vinculada a funções específicas, sem prova de desvio de finalidade eleitoral.

As contratações temporárias foram justificadas pela necessidade de funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, nos termos da exceção da alínea “d” do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, não havendo demonstração de finalidade política.

Não restou comprovado o uso de servidores públicos em campanha durante o horário de expediente, requisito essencial à configuração da conduta vedada do art. 73, III, da Lei das Eleições.

Quanto à alegação de aumento na distribuição de benefícios sociais, comprovou-se a existência de lei municipal, execução orçamentária prévia e estado de emergência reconhecido, afastando a incidência do art. 73, §10, da Lei nº 9.504/97 e do art. 22 da LC nº 64/90.

A prova dos autos não evidenciou dolo, desvio de finalidade ou repercussão eleitoral apta a comprometer a normalidade e legitimidade das eleições.

Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da soberania popular, impondo a preservação do mandato obtido legitimamente nas urnas.

IV. DISPOSITIVO E TESE

Recurso Eleitoral conhecido e desprovido, mantendo-se a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

Tese de julgamento: “A configuração de abuso de poder político e econômico e de condutas vedadas a agentes públicos exige prova robusta e inequívoca da gravidade dos fatos e de sua potencialidade para comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições. A concessão pontual de vantagens a servidores, contratações justificadas por serviços essenciais, execução regular de programas sociais e ausência de prova de uso eleitoral de servidores afastam a incidência dos arts. 73, III, V, VIII e §10 da Lei nº 9.504/97 e do art. 22 da LC nº 64/90.”

Dispositivos relevantes citados

Constituição Federal: art. 14, §9º.

Código Eleitoral: art. 258.

Lei Complementar nº 64/1990: art. 22.

Lei nº 9.504/1997: art. 73, incisos III, V, VIII, IV e §10.

Código de Processo Civil: art. 373, I.

Resolução TSE nº 23.735/2024: arts. 15, §1º e 20, II.

Jurisprudência relevante citada

TSE, AIME nº 761/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 12/09/2018.

TSE, AgR-REspe nº 79.227, Rel. Min. Henrique Neves, DJe 25/06/2015.

TSE, RO nº 265.041, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05/04/2017.

TSE, RO nº 126.984, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 28/06/2018.

TRE-MG, RE nº 0600480-30.2020.6.13.0313, Rel. Des. Bianor Arruda Bezerra Neto, DJe 06/12/2022.

TRE-MG, RE nº 0600547-83.2024.6.13.0000, Rel. Des. Flávia Birchal de Moura, DJe 19/12/2024.

TRE-CE, RE nº 0600162-45.2025.6.06.0000, Rel. Des. Francisco Érico Carvalho Silveira, DJe 02/07/2025.

TRE-PE, RE nº 0601064-95.2025.6.17.0000, Rel. Des. Washington Luís Macedo de Amorim, DJe 20/10/2025.

 


ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em proferir a seguinte DECISÃO: REJEITADA A PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. UNÂNIME. NO MÉRITO, NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. UNÂNIME. SUSTENTAÇÕES ORAIS: DR. PEDRO GUSTAVO SOARES DE LIMA, PELA PARTE RECORRENTE; DR. LINCOLN MENDES LIMA, PELA PARTE RECORRIDA; MANIFESTAÇÃO ORAL DO DR. MARCOS ALEXANDRE WANDERLEY QUEIROGA, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

 

João Pessoa, 04/12/2025

 

Exmo(a). ROBERTO D HORN MOREIRA MONTEIRO DA FRANCA SOBRINHO
Relator(a)

 


RELATÓRIO

 

Trata-se de Recurso Eleitoral interposto por SANDRO ADRIANO SOUSA DOS SANTOS e JACINTO RÔMULO GUEDES DE PAIVA (Investigantes/Recorrentes) contra a sentença proferida pelo Juízo da 36ª Zona Eleitoral de Catolé do Rocha/PB, que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) nº 0600371-38.2024.6.15.0036, movida em desfavor de MARIA LUCIENE DE OLIVEIRA ALMEIDA e RAISSA SHAMIA FERREIRA DE SOUSA (Investigadas/Recorridas), Prefeita e Vice-Prefeita eleitas no município de Brejo dos Santos/PB.

 

A petição inicial imputou a prática de abuso de poder político e econômico, além de condutas vedadas, baseadas nas seguintes acusações principais:

 

(i) Concessão de aumento de salário em ano eleitoral (art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97);

(ii) Contratação de servidores temporários em período vedado (art. 73, V);

(iii) Demissões injustificadas e por perseguição política após as eleições;

(iv) Utilização de servidores públicos para publicidade eleitoral em horário de expediente (art. 73, III); e

(v) Aumento significativo na distribuição de benefícios eventuais (art. 73, IV e §10).

 

A defesa, na contestação, refutou as imputações sustentando a legitimidade e motivação dos atos administrativos com base em exceções legais, a natureza pontual dos aumentos salariais e o cumprimento de recomendações do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE/PB) para as rescisões contratuais.

 

Após a réplica, foi realizada a audiência de instrução. Na prova oral colhida durante a instrução, surgiram fatos novos consistentes na alegação de coação de servidores para contribuições financeiras à campanha das recorridas, o que gerou uma controvérsia processual sobre a vedação da ampliação da causa de pedir.

 

Em diligência, o Juízo a quo determinou a juntada de extratos bancários de testemunhas e do Alerta nº 00551/24 do TCE/PB, documentos sobre os quais as partes se manifestaram posteriormente.

 

O Ministério Público Eleitoral de primeiro grau, após a fase de alegações finais, opinou pela improcedência da representação sob o fundamento de insuficiência e fragilidade probatória.

 

A sentença (ID 16467474) julgou improcedente a AIJE em sua totalidade concluindo pela ausência de prova robusta do abuso de poder político e econômico, bem como da finalidade eleitoreira nas condutas questionadas, além de desconsiderar os fatos novos que ampliariam a causa de pedir.

 

Irresignados, os Investigantes interpuseram Recurso Eleitoral (ID 16467479) pugnando pela reforma da sentença e a procedência da AIJE mediante a reiteração das teses de abuso de poder político e econômico e condutas vedadas.

 

As recorridas (ID 16467482) apresentaram contrarrazões arguindo preliminar de não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade e, no mérito, requereram o desprovimento do recurso.

 

Os autos foram remetidos a este Tribunal, tendo a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 16482836) se manifestado pelo CONHECIMENTO e DESPROVIMENTO do Recurso Eleitoral.

 

É o relatório.

 

 

 

 


VOTO

 

O presente Recurso Eleitoral versa sobre a irresignação da parte recorrente contra a sentença de primeiro grau que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), no bojo da qual se almejava a cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade das partes recorridas em razão da suposta prática de abuso de poder político e econômico, bem como a ocorrência de condutas vedadas a agentes públicos durante o período eleitoral municipal de 2024.

 

Submeto o feito à apreciação desta Egrégia Corte, iniciando com a análise do juízo de admissibilidade e das preliminares suscitadas.

 

I. DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

 

O recurso interposto se mostra tempestivo, porquanto a sentença foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico (DJE) em 04 de setembro de 2025 (quinta-feira), e a interposição se deu em 08 de setembro de 2025 (segunda-feira, ID 16467479), respeitando-se o tríduo legal previsto no artigo 258 do Código Eleitoral, aplicável às Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por força da omissão na Lei Complementar nº 64/90.

 

As partes são legítimas, estão devidamente representadas e há interesse recursal, motivo pelo qual CONHEÇO do Recurso Eleitoral.

 

II. DAS PRELIMINARES

 

II.1. DA ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL

 

As recorridas, em suas contrarrazões (ID 16467483), arguiram preliminar de não conhecimento do Recurso Eleitoral por inobservância ao princípio da dialeticidade recursal alegando que os recorrentes repetiram os argumentos da petição inicial, sem atacar de forma específica e combativa os fundamentos adotados pela sentença de primeira instância.

 

Como é cediço, a dialeticidade recursal impõe ao recorrente o ônus de apresentar as razões fáticas e jurídicas pelas quais a decisão impugnada deve ser reformada ou anulada, confrontando os argumentos utilizados pelo Juízo a quo.

 

Embora se reconheça que a peça recursal dos Investigantes (ID 16467479) reitera e repisa argumentos já expostos nas fases iniciais do processo, é inegável que foram feitas referências aos pontos centrais da sentença.

 

A pretensão de reforma, ainda que desenvolvida de forma genérica, permitiu à instância ad quem a delimitação da controvérsia e a análise do mérito, sem prejuízo ao contraditório e à ampla defesa, tanto que as recorridas puderam apresentar contrarrazões detalhadas (ID 16467483).

 

Portanto, em nome da supremacia do interesse público e da busca pela verdade real, que regem o processo eleitoral, afasto o rigor formal e concluo que houve ataque suficiente aos fundamentos da decisão.

 

Assim, o Recurso Eleitoral deve ser conhecido para que o Tribunal se manifeste sobre as alegações de abuso de poder político e econômico e condutas vedadas.

 

Nesse sentido, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba já assentou que “considerando que as partes indicaram os motivos de fato e de direito que motivaram seu inconformismo com a sentença prolatada, é imperiosa a rejeição da preliminar de dialeticidade recursal” (TRE-PB, Rp nº 0601982-08.2022.6.15.0000, Rel. Des. Agamenilde Dias Arruda Vieira Dantas, julgado em 14.07.2023, DJe 18.07.2023).

 

Em suma, verifica-se que o princípio da dialeticidade recursal não foi ofendido, razão pela qual há que se refutar a preliminar arguida.

 

Frente ao exposto, rejeito a preliminar de não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade recursal.

 

II.2. DA INOVAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR (FATOS NOVOS SURGIDOS NA AUDIÊNCIA)

 

A defesa dos Investigados, em manifestação sobre a diligência (ID 16467453), e o próprio Juízo a quo na sentença (ID 16467474), ponderaram sobre a viabilidade de se considerar os fatos novos trazidos pelas testemunhas CAMILA MIQUELLY ALVES DE OLIVEIRA e JARDSON BENICIO DE FREITAS, relativos à suposta coação para contribuição no financiamento da campanha das recorridas.

 

Pois bem, o processo eleitoral, em especial a AIJE, rege-se pelo princípio da estabilização da demanda. O objeto da ação é delimitado pela petição inicial, não se admitindo, como regra, a ampliação da causa de pedir ou do pedido em momentos processuais subsequentes, sob pena de ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.

 

Conforme destacado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer: "Verificou-se que os Investigantes tentaram introduzir, em sede de audiência, fatos novos (como o suposto repasse de valores por servidores – R$ 200,00 por Jardson Benício, R$ 1.000,00 por Camila Miquelly) que não constavam na inicial, o que configura afronta aos princípios da estabilidade da demanda e do contraditório. A jurisprudência do TSE rechaça a ampliação posterior da causa de pedir, delimitada pela petição inicial. Tais alegações devem ser rejeitadas por intempestivas e preclusas" (ID 16482836).

 

Em reforço à tese, colhe-se da jurisprudência pátria que a causa de pedir delimita, de modo inafastável, os contornos objetivos da ação, não sendo admissível a apreciação de novos fatos não narrados na inicial.

 

Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral, ao apreciar a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 761/DF, assentou que o pedido formulado pelo autor na inicial da ação delimita o seu objeto, não se admitindo a sua ampliação posterior para incluir elementos ou fatos que deixaram de figurar na petição inaugural. 

 

A propósito, cito trechos da ementa do referido julgado, naquilo que mais importa:

 

ELEIÇÕES 2014. DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). REPRESENTAÇÃO (RP). PLEITO PRESIDENCIAL. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. IMPUTAÇÃO DE ABUSO DO PODER POLÍTICO E DO PODER ECONÔMICO. PEDIDO DE CASSAÇÃO DE DIPLOMA E DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TSE PARA JULGAR E CASSAR DIPLOMA DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INOCORRÊNCIA: (I) DE LITISPENDÊNCIA, (II) DE PERDA DE OBJETO EM VIRTUDE DO PROCESSO DE IMPEACHMENT, (III) DE VIOLAÇÃO À ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, (IV) DE CERCEAMENTO DE DEFESA OU (V) AOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA. JULGAMENTO JUDICIAL ADSTRITO AO PEDIDO E À CAUSA DE PEDIR POSTOS NA INICIAL DA AÇÃO. PRINCÍPIO JURÍDICO PROCESSUAL DA CONGRUÊNCIA, ADSTRIÇÃO OU CORRELAÇÃO. ARTS. 128 E 460 DO CÓDIGO BUZAID. ART. 492 DO CÓDIGO FUX. REGRA ÁUREA DE PRESERVAÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO À AMPLA DEFESA. PRESENÇA NÃO SATISFATÓRIA DE ACERVO PROBANTE EFETIVO E COERENTE QUANTO AOS FATOS QUE DERAM SUPORTE AO PEDIDO INICIAL. NESTE CASO, HÁ APENAS MINGUADA COMPROVAÇÃO DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA PRÁTICA DAS CONDUTAS PUNÍVEIS. LASTRO PROBATÓRIO INCONCLUSIVO QUANTO À CONCRETA OCORRÊNCIA DOS ALEGADOS ILÍCITOS. PEDIDOS FORMULADOS NA AIJE E NAS DEMAIS AÇÕES CONEXAS AJUIZADAS CONTRA A SENHORA DOUTORA DILMA VANA ROUSSEFF E O SENHOR PROFESSOR MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA JULGADOS IMPROCEDENTES.

DAS PRELIMINARES

(...)

7. AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA EM RELAÇÃO A ILÍCITOS NARRADOS POR EXECUTIVOS DA ODEBRECHT

O pedido formulado pelo autor, na inicial da ação, delimita o seu objeto, não se admitindo a sua ampliação posterior para incluir elementos ou fatos que deixaram de figurar na petição inaugural.

a) Segundo o princípio jurídico processual da congruência, adstrição ou correlação, o julgamento judicial fica adstrito ao pedido e à causa de pedir postos na inicial da ação, pela iniciativa do autor. Assim, não compete ao órgão julgador modificar, alterar, retocar, suprir ou complementar o pedido da parte promovente.

b) A formação da convicção judicial, também em sede eleitoral, elabora-se livremente, mediante a apreciação do acervo probatório trazido aos autos, mas nos limites da moldura fixada no pedido posto na inicial da ação. O Julgador eleitoral pode valer-se da prova encontrável nos chamados fatos públicos e notórios, bem como na valoração dos indícios e presunções, prestigiando as circunstâncias relevantes da causa mas não as estranhas a ela , ainda que não tenham sido indicadas ou alegadas pelas partes, tudo de modo a dar primazia à preservação do interesse público de lisura do pleito eleitoral, como enuncia o art. 23 da LC 64/90.

c) No entanto, esse art. 23 da LC 64/90, ao alargar a atividade probatória, não autoriza a prolação de juízo condenatório que não seja fundado diretamente na prova dos fatos que compuseram o suporte empírico da iniciativa sancionadora. Em outros termos, esse dispositivo legal não elimina do mundo do processo as garantias clássicas das pessoas processadas nem detona os limites da atuação judicial, como se abrisse a sua porta ao ingresso de procedimentos indiscriminados ou mesmo à inclusão de fatos que não foram apontados na peça inaugural do processo. Numa ação sancionadora isso seria fatal para o sistema de garantias processuais.

d) A ampliação dos poderes instrutórios do Juiz pelo art. 23 da LC 64/90 e pelo Código Fux deve ocorrer nos limites do que predefinido como pedido e causa de pedir pelo autor da ação, uma vez que cabe às partes descrever os elementos essenciais à instrução do feito, e não ao Juiz, que não é autor da ação. Ao declarar a constitucionalidade do referido art. 23 da LC 64/90, o Supremo Tribunal Federal assentou que a atenuação do princípio dispositivo no Direito Processual moderno não serve a tornar o Magistrado o protagonista da instrução processual. A iniciativa probatória estatal, se levada a extremos, cria, inegavelmente, fatores propícios à parcialidade, pois transforma o Juiz em assistente de um litigante em detrimento do outro. As partes continuam a ter a função precípua de propor os elementos indispensáveis à instrução do processo, mesmo porque não se extinguem as normas atinentes à isonomia e ao ônus da prova (ADI 1.082/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe 30.10.2014).

e) A atividade estatal repressora de desvios ou de ilícitos de qualquer natureza somente é exercida com legitimidade quando se desenvolve nos padrões jurídicos e judiciais processuais previamente delineados e aceitos como regedores dessa mesma atividade. Em razão disso, não são toleráveis surpresas desconcertantes, causadoras de prejuízo à ampla defesa da parte, no contexto do justo processo jurídico. Não demonstra reverência aos ditames do Direito a atividade sancionadora que se afastar do plexo das garantias que resguardam a pessoa processada contra excessos ou demasias dos agentes operadores da repressão.

f) Uma das garantias processuais mais relevantes, integrante do justo processo jurídico, é aquela que diz respeito à ciência, pela pessoa acionada, de todos os fatos e argumentos alegados contra si pela parte promovente. Por isso se diz que a petição inicial define os polos da demanda e delimita o seu objeto, em face do qual se desenvolve a resposta à lide e se instala a atividade probatória. A instrução visa ao convencimento do Julgador, quanto à materialidade e à autoria dos atos postos na imputação (inicial da ação sancionadora), sendo a sua produção o núcleo ou o centro da solução da questão. Não se pode aceitar (nem se deve aceitar) decisão judicial condenatória sem prova concludente dos fatos imputados e da sua autoria.

g) Na presente ação, serão apreciadas as provas produzidas até a estabilização da demanda, de modo que é somente o rol daqueles fatos, com a exclusão de quaisquer outros, que compõe o interesse da jurisdição eleitoral e demarca o exercício da atividade das partes relativamente às provas. Nem mais e nem menos, sob pena de o processo se converter num campo minado de súbitas armadilhas e surpresas.

h) Os princípios constitucionais do contraditório exigem a delimitação da causa de pedir, tanto no processo civil comum como no processo eleitoral, para que as partes e também o Julgador tenham pleno conhecimento da lide e do efeito jurídico que deve ser objeto da decisão. Colhe-se da jurisprudência do colendo STJ que o Juiz não pode decidir com fundamento em fato não alegado, sob pena de comprometer o contraditório, impondo ao vencido resultado não requerido, do qual não se defendeu (REsp 1.641.446/PI, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 21.3.2017).

i) As garantias processuais interessam às partes do processo e também a toda a coletividade, pois instituem preceitos protetores dos direitos e das liberdades de todos os integrantes do grupo social, além de se tratar de elemento estruturante do conceito funcional do justo processo jurídico.

j) Assim, no Direito Eleitoral, o Juiz Eleitoral, ao exercer o seu poder-dever de iniciativa probatória na busca da verdade real, precisa observar os freios impostos pela Constituição quanto à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII) , pela legislação eleitoral quanto ao prazo decadencial das ações eleitorais (art. 97-A da Lei 9.504/97) e pelo Código de Processo Civil no que concerne ao princípio da congruência (arts. 141 e 492).

k) Estas ações são de direito estrito, que não podem ser conduzidas pelo procedimento civil comum ordinário, e exigem prova pré-constituída para a retirada de candidato investido em mandato, de forma legítima, pelo voto popular. O curtíssimo prazo para a realização de atos processuais eleitorais busca preservar a soberania popular, ou seja, o voto manifestado pelo titular da soberania e o exercício do mandato de quem ganhou a eleição, democraticamente, nas urnas.

l) Preliminar acolhida, para afastar os elementos ou fatos que deixaram de figurar nas petições iniciais e extrapolaram as causas de pedir das demandas.

(...)

(TSE. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 761, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Relator designado(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 12/09/2018)

 

Nesse sentido, é inequívoco que a atuação judicial deve restringir-se aos fatos articulados na petição inicial, não sendo possível admitir, sob qualquer pretexto, a introdução de novos elementos fáticos em sede de instrução.

 

No caso dos autos, a acusação de que a equipe de saúde e motoristas teriam sido coagidos a realizar doações financeiras para a campanha (ID 16467407) não constava no rol de imputações da petição inicial, sendo introduzida apenas em sede de audiência.

 

Para além disso, registre-se que as provas produzidas a respeito desses fatos novos mostraram-se insuficientes e contraditórias, como bem ponderou a sentença, ou seja, são incapazes de demonstrar um liame robusto e inarredável entre o saque corriqueiro de R$ 200,00 (JARDSON BENICIO DE FREITAS - ID 16467437) e o alegado financiamento da campanha, ou de sustentar a versão de doação em espécie sem rastreamento (CAMILA MIQUELLY ALVES DE OLIVEIRA).

 

Dessa forma, a sentença agiu corretamente ao desconsiderar os fatos novos introduzidos na fase instrutória para fins de lastrear a presente AIJE, seja por configurarem inovação da causa de pedir, seja pela fragilidade do conjunto probatório neles baseado.

 

Acolho a fundamentação da sentença e reconheço a impossibilidade jurídica de se processar e julgar os fatos novos relativos à coação de servidores para financiamento da campanha.

 

III. DO MÉRITO RECURSAL

 

Passada a fase preliminar, passo à análise das imputações originais reiteradas pelo Recurso Eleitoral.

 

Antes de adentrar na análise específica de cada conduta imputada, cumpre estabelecer premissas fundamentais sobre o regime probatório aplicável às Ações de Investigação Judicial Eleitoral.

 

Nesse contexto, destaco que a jurisprudência eleitoral é pacífica no sentido de que, em razão da gravidade das sanções previstas para os ilícitos eleitorais – que incluem cassação de diploma, inelegibilidade e multa –, exige-se prova robusta, inequívoca e substancial da prática do abuso de poder político e econômico.

 

Não basta a mera alegação ou a demonstração de eventuais irregularidades administrativas. É imperioso que o conjunto probatório evidencie, de forma clara e incontroversa: a materialidade da conduta ilícita; a finalidade eleitoral dos atos praticados e a potencialidade de desequilíbrio do pleito.

 

Como bem destacou o Ministério Público Eleitoral, a finalidade eleitoral não se presume nem se deduz automaticamente da coincidência temporal com o período eleitoral. Ela deve ser demonstrada através de elementos probatórios objetivos e concretos.

 

Esse exigência encontra respaldo na jurisprudência sedimentada do Tribunal Superior Eleitoral, bem como desta Corte Regional, como se verifica no seguinte precedente:

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA E ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. NÃO AFASTAMENTO DE FATO DE CARGO COMISSIONADO. USO DE SERVIDOR PÚBLICO, EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE, EM FAVOR DA CAMPANHA DOS RECORRIDOS. AUSÊNCIA DE PROVA. DISTRIBUIÇÃO DE CHEQUES A ELEITORES EM TROCA DE APOIO POLÍTICO. NÃO COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO, EM HARMONIA COM A MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL.

1. Para a configuração da prática de conduta vedada há necessidade de prova robusta e inconteste do agir dos investigados, ônus do qual se desincumbiu o recorrente.

2. O abuso de poder econômico se configura pelo uso desmedido, exorbitante, de recursos de natureza patrimonial. Tal conduta, por sua vultosidade, deve ser grave o suficiente para comprometer a normalidade e legitimidade das eleições, e ser demonstrada, no caso concreto, por prova robusta.

3. No caso, a prova existente nos autos não se presta a demonstrar de modo cabal a ocorrência dos fatos imputados aos recorridos do alegado de abuso de poder econômico e político e da suposta prática de conduta vedada, razão pela qual a manutenção da sentença é medida que se impõe.

4. Recurso desprovido, em harmonia com a manifestação ministerial.

(TRE/PB. RECURSO ELEITORAL nº060048030, Acórdão, Relator(a) Des. BIANOR ARRUDA BEZERRA NETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06/12/2022) Destacamos

 

É sob essa ótica rigorosa que deve ser analisado o conjunto probatório dos presentes autos.

 

III.1. DO SUPOSTO ABUSO DE PODER POLÍTICO PELA CONCESSÃO DE VANTAGENS E REAJUSTES REMUNERATÓRIOS EM ANO ELEITORAL (Art. 73, VIII, DA LEI nº 9.504/97)

 

A parte recorrente reitera que as recorridas violaram o art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97 sustentando que a eventual concessão de vantagens pecuniárias e reajustes pontuais a determinados servidores configuraria conduta vedada e abuso de poder político.

 

O dispositivo legal em questão possui a seguinte redação:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos. (Grifei)

 

Por oportuno, é imperioso ressaltar que a vedação legal incide sobre a “revisão geral da remuneração”, ou seja, compreendida como reajuste linear, uniforme e abrangente a todos os servidores públicos ou a parcela substancial do funcionalismo.

 

A jurisprudência eleitoral, de forma reiterada, distingue a revisão geral de remuneração — de caráter amplo e universal — das concessões pontuais ou gratificações específicas, estas de natureza administrativa e individualizada.

 

O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, em casos recentes, reafirmou que a concessão de gratificações a grupo restrito de servidores não se equipara à revisão geral de remuneração, mormente quando decorre de funções adicionais, sem incorporação ao vencimento e sem finalidade eleitoral, in verbis:

 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTAS  VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORA EM PERÍODO VEDADO. CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÕES E HORAS EXTRAS A SERVIDORES MUNICIPAIS. ABUSO DE PODER POLÍTICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSOS NÃO PROVIDOS.

I. CASO EM EXAME

Trata-se de recursos interpostos pelo MPE e assistente simples, contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em AIJE que buscava o reconhecimento da prática de condutas vedadas, e consequente abuso de poder político, consubstanciadas na contratação de servidora pública em período vedado, bem como na concessão de gratificações e horas extras sem justificativa a servidores municipais.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

Há três questões em discussão: (i) verificar se a contratação de servidora municipal em período vedado configura conduta vedada prevista no art. 73, inciso V, da Lei nº 9.504/1997; (ii) analisar se a concessão de gratificações e pagamento de horas extras a servidores municipais configura conduta vedada prevista no art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/1997; (iii) avaliar se os fatos narrados caracterizam abuso de poder político apto a comprometer a isonomia do pleito eleitoral.

III. RAZÕES DE DECIDIR

Contratação de servidora municipal em período vedado: Os investigados colacionaram aos autos documentação que legitima a contratação temporária da professora em substituição a outra que, segundo consta dos autos, rescindiu o contrato para se candidatar no pleito que se avizinhava.

Essa Corte Regional já decidiu caso similar, concluindo, por maioria, no sentido de que foi justificada a contratação, no período vedado, na área de educação.

Não se pode interpretar as vedações contidas na Lei das Eleições em ofensa a garantias constitucionais sensíveis, mormente a promoção do acesso à educação, inscrita no art. 205 da CRFB. O sopesamento a ser realizado não pode menoscabar as normas constitucionais, sob pena de subversão da norma de parâmetro, consubstanciada na Constituição Federal. Ausência de ilícito.

Não configuração de conduta vedada pelo pagamento de horas extras: A Lei nº 9.504/1997 não proíbe o pagamento de horas extras a servidores públicos em período eleitoral. Além do que, o pagamento de horas extras não configura revisão geral da remuneração.

Não configuração de conduta vedada pelo pagamento de gratificações: A concessão de gratificações a apenas 19 servidores não pode ser equiparada à revisão geral de remuneração vedada pelo art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/1997. Os atos administrativos foram embasados na legislação municipal e tiveram natureza transitória, sem incorporação ao vencimento. Dessa forma, não há infração à legislação eleitoral.

Não comprovação de abuso de poder político: O abuso de poder político exige prova de gravidade suficiente para comprometer a normalidade do pleito. No caso, a contratação de uma única servidora e a concessão de benefícios pecuniários a um número reduzido de funcionários não demonstraram impacto sobre a igualdade de oportunidades na disputa eleitoral. A ausência de provas concretas do uso eleitoreiro da máquina pública inviabiliza a procedência do pedido.

IV. DISPOSITIVO E TESE

Recursos não providos.

Teses do julgamento: 1) A contratação de servidora para o cargo de professora em período vedado não caracteriza a conduta vedada prevista no art. 73, inciso V, da Lei nº 9.504/1997. 2) O pagamento de horas extras a servidores públicos municipais em período eleitoral não configura conduta vedada quando não se caracteriza como revisão geral da remuneração. 3) A concessão de gratificações a parcela específica de servidores, sem caráter generalizado e embasada na legislação municipal, não constitui revisão geral da remuneração vedada pelo art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/1997.  Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 14, § 9º; CPC, art. 55; Lei nº 9.504/1997, art. 73, incisos V e VIII; Resolução TSE nº 23.735/2024, arts. 15, §1º e 20, inciso 

II. Jurisprudências: Ac.-TSE, de 8/2/2024, no AgR AREspE n. 40523; REI nº 0600306-42.2024.6.13.0313,

(TRE/MG. Rel. Juíza Flávia Birchal, sessão de 10/12/2024. RECURSO ELEITORAL nº 060070180, Acórdão, Relator(a) Des. Flavia Birchal De Moura, Relator designado(a) Des. Vinicius Diniz Monteiro De Barros, Publicação: DJE - DJE, 25/03/2025) 

 

No mesmo sentido, o aludido TRE-MG também assentou que a caracterização de abuso de poder político exige prova robusta da gravidade dos fatos e de sua potencialidade para desequilibrar o pleito, não bastando presunções ou indícios frágeis. Vejamos:

 

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. RECURSO NÃO PROVIDO.

I. Caso em Exame

Recurso eleitoral interposto por coligação partidária contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação de investigação judicial eleitoral por abuso de poder político e econômico, movida em face de candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito.

II. Questão em Discussão

A questão em discussão é se as condutas apontadas pela recorrente configuram abuso de poder político e econômico capazes de afetar a legitimidade e normalidade das eleições.

III. Razões de Decidir

1. A caracterização do abuso de poder exige a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo).

2. As provas apresentadas pela recorrente são frágeis e inconclusivas, não demonstrando de forma robusta a ocorrência de condutas que configurem abuso de poder político ou econômico.

3. A concessão de gratificações a servidores públicos não caracterizou revisão geral de remuneração, tendo sido justificada por atribuições adicionais exercidas pelos beneficiários, conforme documentação apresentada.

4. Não houve comprovação de obstáculos ao acesso a documentos públicos que pudessem caracterizar abuso.

5. A rescisão de contrato de locação de imóvel pela administração pública e seu posterior uso como comitê eleitoral não configura, por si só, uso indevido de bem público ou abuso de poder.

As alegações sobre irregularidades na instalação e funcionamento do comitê eleitoral, bem como sobre o uso de veículos públicos para transporte de eleitores, não foram suficientemente comprovadas.

IV. Dispositivo e Tese

Recurso não provido. Mantida a sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação de investigação judicial eleitoral. Fica firmada a tese de que, para a caracterização do abuso de poder político e econômico, é necessária prova firme da gravidade dos fatos e de sua potencialidade para afetar a normalidade e legitimidade das eleições, não sendo suficientes meras alegações ou provas frágeis e inconclusivas.

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 14, § 9º; LC nº 64/1990, arts. 19 e 22; Lei nº 9.504/1997, art. 73.Jurisprudência relevante citada: Ac.-TSE, de 25.6.2015, no AgR-REspe nº 79227; Ac.-TSE, de 5.4.2017, no RO nº 265041; Ac.-TSE, de 28.6.2018, no RO nº 126984.

(TRE/MG. RECURSO ELEITORAL  nº 060054783, Acórdão, Relator(a) Des. Flavia Birchal De Moura, Publicação: DJE - DJE, 19/12/2024) 

 

A ratio decidendi desses precedentes converge com a presente hipótese: a amostragem de apenas 19 servidores beneficiados, entre 606 (ou seja, o equivalente a 3,14% do quadro funcional), é manifestamente insuficiente para caracterizar uma revisão geral da remuneração dos servidores públicos, visto que ausentes os elementos da generalidade e uniformidade exigidos pela Lei das Eleições e pela jurisprudência consolidada.

 

Além disso, os aumentos observados decorreram de situações individualizadas — pagamento de plantões, horas extras, quinquênios, cumprimento de decisões judiciais — possuindo natureza compensatória e transitória, não se enquadrando como revisão geral de remuneração.

 

Quanto à alegação de que diversas portarias que embasaram os reajustes não foram devidamente publicadas no Diário Oficial, impõe-se reconhecer que tal circunstância, se comprovada, configuraria irregularidade de natureza administrativa, passível de apuração pelos órgãos de controle competentes, notadamente o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba e o Ministério Público Estadual.

 

Na seara eleitoral, para que eventual vício formal na publicação de atos administrativos configure abuso de poder apto a ensejar a cassação de mandato, seria indispensável a demonstração robusta e inequívoca de que: (i) os atos foram deliberadamente criados ou simulados para fins eleitorais; (ii) houve desvio de finalidade com o propósito específico de influenciar o resultado do pleito; e (iii) a gravidade da conduta foi capaz de comprometer a normalidade e legitimidade das eleições.

 

Tais elementos não foram comprovados nos presentes autos. A eventual ausência de publicação de algumas portarias, por si só, não transmuda um possível vício administrativo em ilícito eleitoral de gravidade suficiente para cassar um mandato conferido pela vontade popular.

 

O Egrégio TRE do Ceará, ao apreciar questão semelhante à matéria aqui tratada, assim decidiu:

 

Ementa. DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL C/C REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. PREFEITO E VICE-PREFEITO REELEITOS. CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÕES E PROGRESSÕES FUNCIONAIS NO PERÍODO VEDADO. BENEFÍCIOS PREVISTOS EM LEGISLAÇÃO ANTERIOR. AUSÊNCIA DE CONDUTA VEDADA. INEXISTÊNCIA DE ABUSO DE PODER POLÍTICO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 

I. CASO EM EXAME 

1. Ação de Investigação Judicial Eleitoral c/c Representação por Conduta Vedada ajuizada por coligação em face de prefeito e vice-prefeito reeleitos, julgada improcedente pelo Juízo da 28ª Zona Eleitoral - Juazeiro do Norte/CE.

2. Alegações de concessão, em período vedado, de gratificações e progressões funcionais previstas em leis municipais anteriores, com finalidade de angariar apoio político.

3. Sentença reconheceu a licitude dos atos administrativos, ausência de conduta vedada e de abuso de poder político.

4. Recurso eleitoral interposto pela coligação, reiterando tese de desvio de finalidade e potencialidade lesiva dos atos administrativos.

5. A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

6. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve prática de conduta vedada prevista no art. 73, incisos V e VIII, da Lei nº 9.504/97; (ii) saber se houve abuso de poder político, nos termos do art. 22 da LC nº 64/90. 

III. RAZÕES DE DECIDIR

7. As gratificações e progressões funcionais concedidas estavam previstas em leis municipais de 2009, 2011 e 2019, afastando a incidência do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97.

8. Ausente a revisão geral da remuneração, não se aplica o art. 73, VIII, da mesma norma, pois os benefícios alcançaram menos de 6% do funcionalismo municipal.

9. Não se comprovou gravidade suficiente ou repercussão quantitativa relevante para configurar abuso de poder político, conforme exige o art. 22 da LC nº 64/90.

10. Depoimentos testemunhais e documentos comprobatórios indicam regularidade administrativa dos atos e ausência de envolvimento direto dos investigados.

11. Coletiva de imprensa convocada por secretários municipais não caracterizou promoção pessoal vedada por lei.

12. Não demonstrado desequilíbrio no pleito eleitoral ou influência efetiva na vontade do eleitorado. 

IV. DISPOSITIVO E TESE

13. Recurso conhecido e desprovido, mantendo-se a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral c/c representação por conduta vedada. 

Tese de julgamento: "A concessão de gratificações e progressões funcionais, ainda que no período vedado, não configura conduta vedada nem abuso de poder político quando fundada em legislação pretérita, sem comprovação de desvio de finalidade nem repercussão suficiente para comprometer a lisura do pleito." 

Dispositivos relevantes citados 

Lei Complementar nº 64/1990, art. 22

Lei nº 9.504/1997, art. 73, incisos V e VIII

Lei Complementar nº 101/2000, art. 22, parágrafo único, I

Leis Municipais nº 3.608/2009, nº 3.902/2011 e LC nº 121/2019

Jurisprudência relevante citada 

TSE, RO nº 763425, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE 17/05/2019

TSE, REspEl nº 20006, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE 22/03/2022

TRE-PA - REl: 06010088320206140059 PAU D'ARCO - PA, Relator.: Des. Carina Catia Bastos De Senna, Data de Julgamento: 23/02/2023, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 50, Data 14/03/2023

TRE-MG - REl: 0600341-11.2020.6.13 .0129 POCRANE - MG 060034111, Relator.: Luiz Carlos Rezende e Santos, Data de Julgamento: 22/03/2022, Data de Publicação: DJEMG-55, data 30/03/2022

TRE-ES - AIJE: 060200403 ITAPEMIRIM - ES, Relator.: CARLOS SIMÕES FONSECA, Data de Julgamento: 03/06/2020

(TRE/CE. RECURSO ELEITORAL nº 060016245, Acórdão, Relator(a) Des. FRANCISCO ERICO CARVALHO SILVEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 02/07/2025) Destacamos

 

É cediço que a configuração de abuso de poder político e econômico exige demonstração da gravidade das circunstâncias do ato, não bastando a mera ocorrência de condutas vedadas isoladas sem que se comprove um comprometimento significativo da normalidade e da legitimidade das eleições.

 

Dessa forma, ausentes os elementos de generalidade, majoração linear e finalidade eleitoral específica, não há que se falar em revisão geral da remuneração, nem em abuso de poder político.

 

O Juízo a quo, portanto, decidiu com acerto ao reconhecer a inexistência de conduta vedada e de abuso de poder, alinhando-se ao entendimento jurisprudencial e ao parecer ministerial, razão pela qual a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

 

Por conseguinte, conclui-se que o conjunto probatório não evidencia revisão geral de remuneração nem demonstra finalidade eleitoral específica. A ausência de gravidade e potencialidade das condutas afasta a incidência do art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97 e do art. 22 da LC nº 64/90.

 

III.2. DA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA E ABUSO DE PODER PELA CONTRATAÇÃO E EXONERAÇÃO DE PESSOAL EM PERÍODO VEDADO (ART. 73, V, DA LEI Nº 9.504/97)

 

Os recorrentes alegam que as recorridas teriam praticado a conduta vedada prevista no art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, ao realizarem contratações temporárias nos três meses anteriores ao pleito.

 

O dispositivo legal estabelece:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; (Grifamos)

 

De se ver, a norma não estabelece vedação absoluta, admitindo exceções expressas, dentre as quais se destaca, para o caso concreto, a hipótese da alínea "d": contratação necessária ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais.

 

Nesse sentido, frise-se que as recorridas justificaram as contratações demonstrando que sua ocorrência se deu para suprir o funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, notadamente na área de saúde, mas também de outras necessidades emergenciais de infraestrutura, enquadrando-se na ressalva legal.

 

Foram destacadas, dentre outras, as seguintes situações:

 

- Aumento significativo na demanda do laboratório de análises clínicas municipal;

- Necessidade de manutenção da lavanderia da comunidade do Sítio Baldinho, cuja reforma havia sido concluída;

- Ampliação de prédios de unidades de saúde (fato confirmado pela testemunha Jardson Benício de Freitas em audiência), demandando mais pessoal para limpeza e manutenção;

- Substituição de servidores em gozo de férias ou licença maternidade;

- Prestação de serviços de transporte para distribuição de cestas básicas doadas pela Secretaria Estadual.

 

Foi demonstrado, inclusive, que o quantitativo de contratações não foi significativamente desproporcional ao histórico do Município ou suficiente para macular a integralidade do pleito.

 

Não se pode presumir que toda contratação temporária em ano eleitoral, ainda que questionável do ponto de vista da legalidade administrativa, configure abuso de poder político ou econômico.

 

A prova oral produzida, inclusive por testemunha arrolada pela parte recorrente (JARDSON BENICIO DE FREITAS), confirmou a ampliação e reforma de instalações de saúde, o que, por si só, demonstra a existência de motivação para o aumento da demanda por pessoal.

 

Além disso, o Secretário de Administração do Município, Sr. João José de Sousa Filho, ouvido em audiência, confirmou categoricamente que as contratações foram motivadas pela necessidade do serviço público e não por razões políticas.

 

Outrossim, a defesa demonstrou que as contratações foram específicas, justificadas e vinculadas a demandas concretas dos serviços públicos, e não uma contratação em massa indiscriminada.

 

Inexiste nos autos prova robusta de que os contratados foram cooptados politicamente. A apresentação de fotografias de alguns contratados ou seus familiares em eventos políticos não comprova, por si só, a finalidade eleitoreira das contratações.

 

Reitere-se: o exercício da cidadania e a manifestação de preferência política são direitos constitucionalmente assegurados a qualquer cidadão, inclusive aos servidores públicos.

 

O que a lei veda é a contratação motivada por finalidade eleitoral, o que não se confunde com a eventual adesão política posterior ou concomitante do contratado.

 

A contratação temporária para suprir vacâncias existentes ou garantir o funcionamento de escolas, postos de saúde, unidades de vigilância ou qualquer outro serviço essencial não constitui conduta vedada, nem muito menos pode ser interpretada como abuso de poder político, se desprovida de provas de dolo, finalidade eleitoreira ou manipulação do processo eleitoral.

 

Na hipótese dos autos, não há qualquer elemento concreto ou início de prova robusta que comprove que as contratações foram utilizadas como meio de coação ou persuasão do eleitorado. O simples fato de tais atos ocorrerem em período próximo ao pleito não tem o condão de inverter o ônus da prova e presumir a ilicitude.

 

Ausente a prova robusta de que as contratações foram realizadas mediante exigência de voto ou participação na campanha, o ilícito eleitoral não se configura, devendo prevalecer a presunção de legalidade dos atos de gestão fundamentados na necessidade de continuidade dos serviços essenciais, como bem decidiu o Juízo a quo.

 

Quanto às demissões de quatro servidores após as eleições, alegadamente por retaliação política, a sentença afastou a imputação com a observação de que os atos ocorreram em período posterior ao pleito e foram solidamente motivadas pela necessidade de adequação determinada pelo alerta do TCE/PB sobre o excesso de contratos temporários.

 

A demissão de servidor ocupante de cargo comissionado ou o término antecipado de contrato temporário, se motivado por justa causa administrativa ou pela conveniência da Administração em face de recomendações de órgãos de controle, não configura a vedação do art. 73, V, que proíbe a demissão "sem justa causa".

 

A extinção dos vínculos para adequação orçamentária ou funcional, notadamente após alerta formal do Tribunal de Contas, é um ato administrativo lícito e imperativo.

 

O fato da Justiça Comum ter confirmado a regularidade de tais rescisões julgando improcedentes as ações de reintegração de servidores demitidos descaracteriza a tese da perseguição política como elemento autônomo de abuso de poder eleitoral.

 

A alegada retaliação, embora grave se comprovada, não encontrou suporte probatório inequívoco para fins de condenação no bojo de uma AIJE, sendo corretamente afastada pela decisão guerreada.

 

III.3. DA UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS PARA PUBLICIDADE ELEITORAL (ART. 73, III, DA LEI Nº 9.504/97)

 

Ademais, os recorrentes alegam que as recorridas teriam cedido servidores públicos para atuarem como "porta-vozes" da campanha durante o horário de expediente, violando o art. 73, III, da Lei nº 9.504/97:

 

Art. 73. (...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

 

Os recorrentes reiteram a acusação de que os servidores Ítalo Gabriel e Vitória Jennifer de Oliveira foram contratados para fins eleitorais, sem efetivamente desempenharem suas funções, agindo como "funcionários fantasmas" e "porta-vozes" da campanha das recorridas.

 

O elemento nuclear do tipo previsto no art. 73, III, reside na utilização dos serviços do servidor durante o horário de expediente normal. A defesa demonstrou que a servidora Vitória Jennifer de Oliveira exercia suas funções de limpeza das 6h às 7h30 da manhã, e o servidor Ítalo Gabriel estava vinculado à conservação de unidade reformada.

 

Os recorrentes não trouxeram prova robusta, como folhas de ponto, depoimentos diretos ou relatórios de frequência que demonstrassem o desvio de função ou o uso dos serviços dos referidos servidores em atos de campanha durante o período laborativo.

 

Destaque-se que a participação de agentes públicos em campanha fora do horário de expediente é um direito civil e político assegurado, não se confundindo com o ilícito eleitoral.

 

Verifica-se dos autos que não há nenhuma prova de que os referidos servidores atuaram em comitês de campanha durante o horário de expediente normal de trabalho. As fotografias apresentadas pelos recorrentes mostram os servidores em eventos políticos, mas não indicam o dia, horário ou contexto em que foram tiradas.

 

A jurisprudência eleitoral é pacífica no sentido de que o servidor público não está impedido de fazer campanha eleitoral, desde que não o faça durante o horário de expediente, em repartição pública ou utilizando-se do cargo ou função.

 

Assim, o agente público não é impedido de realizar campanha eleitoral. O que se preserva é a impessoalidade e a legalidade durante o exercício de suas funções. A participação em atos políticos fora do expediente e sem utilização da máquina pública constitui exercício legítimo da cidadania.

 

No caso concreto, inexiste prova robusta de que os servidores tenham sido cedidos ou utilizados para campanha durante o horário de expediente, requisito essencial para a configuração da conduta vedada.

 

Portanto, na ausência de elementos probatórios que preencham o requisito objetivo do tipo legal (uso do servidor durante o horário normal de expediente), não se sustenta a imputação de abuso de poder ou conduta vedada prevista no art. 73, III, da Lei nº 9.504/97.

 

III.4. DO AUMENTO SIGNIFICATIVO NA DISTRIBUIÇÃO DE BENEFÍCIOS EVENTUAIS (ART. 73, IV E §10, DA LEI Nº 9.504/97)

 

Por fim, os recorrentes alegam que teria havido uso indevido e com fins eleitoreiros na distribuição de benefícios eventuais, em violação ao art. 73, IV e §10, da Lei nº 9.504/97:

 

Art. 73. (...)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.

(...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

Os recorrentes questionam o aumento na concessão de benefícios eventuais alegando uso promocional com finalidade eleitoreira. O sobredito art. 73, §10, da Lei nº 9.504/97 veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, excetuando, entre outras hipóteses, os casos de estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

 

As Investigadas comprovaram a existência de Lei Municipal (nº 264/2005) e a execução orçamentária prévia dos programas, além do reconhecimento de estado de emergência no Município em razão da estiagem em 2023 e 2024.

 

O aumento do gasto com benefícios em 14,8% foi justificado pela defesa como inferior ao aumento da receita corrente líquida do Município (17,34%), o que, financeiramente, afasta seu caráter abusivo.

 

Para que a conduta fosse caracterizada como abuso de poder político ou econômico, seria indispensável a prova inequívoca do seu uso promocional com cunho eleitoreiro (art. 73, IV), ou que as exceções legais não se aplicavam.

 

Os recorrentes não apresentaram prova de que os benefícios foram distribuídos individualmente em troca de voto ou que foram instrumentalizados para beneficiar a chapa. A menção a único beneficiário que teria apoiado as recorridas (Romualdo Luiz) não é suficiente para configurar o desvio de finalidade em toda a política de distribuição de benefícios.

 

Como bem destacou a sentença recorrida:

 

"O simples fato de um único beneficiado, Sr. ROMUALDO LUIZ DA COSTA NETO, o único citado na inicial, ter supostamente apoiado a candidatura das investigadas, não leva à conclusão de que seu benefício foi concedido com fins eleitoreiros, e de que não estava enquadrado nas hipóteses legais."

 

Ressalte-se que a jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que, comprovada a existência de lei municipal, de execução orçamentária em ano anterior e a inexistência de desvio de finalidade eleitoreiro, fica afastada a caracterização de ilícito eleitoral, in verbis:

 

DIREITO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. DISTRIBUIÇÃO DE BENEFÍCIOS SOCIAIS EM PERÍODO ELEITORAL. COROA DE FLORES COM REFERÊNCIA A CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E DE GRAVIDADE DAS CONDUTAS. RECURSO DESPROVIDO.  

I. CASO EM EXAME  

1. Recurso eleitoral interposto contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pelo órgão municipal do PSD em desfavor de candidatos eleitos ao executivo municipal e secretária de assistência social de Tamandaré/PE, por suposto abuso de poder político e econômico. A inicial alegou que a distribuição de cestas básicas e kits de enxoval, realizada em 04 de outubro de 2024, às vésperas do pleito, teria finalidade eleitoreira, agravada pela apreensão de coroa de flores com inscrição de cunho pessoal, nas dependências da secretaria. A sentença afastou a prática de ilícito eleitoral por ausência de prova robusta e de gravidade suficiente para ensejar a sanção de cassação e inelegibilidade.  

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO  

2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a distribuição de benefícios sociais realizada no período próximo ao pleito configura abuso de poder político ou econômico; (ii) aferir se a apreensão de uma única coroa de flores com inscrição alusiva ao primeiro investigado caracteriza violação ao princípio da impessoalidade e promoção eleitoral indevida.  

III. RAZÕES DE DECIDIR  

3. A configuração do abuso de poder político ou econômico exige a demonstração de condutas graves, com potencial de comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme interpretação do art. 22 da LC nº 64/1990 e jurisprudência do TSE.  

4. A distribuição de cestas básicas e kits de enxoval foi realizada no âmbito de programa social previamente instituído por lei municipal e com previsão orçamentária, não havendo comprovação de desvio de finalidade ou de ampla divulgação com conotação eleitoral.  

5. Provas colacionadas indicam que a entrega não se deu de forma concentrada ou pontual, tampouco foram evidenciadas irregularidades capazes de comprometer a isonomia entre os candidatos.  

6. Uma única coroa de flores encontrada no almoxarifado da Secretaria, ainda que ostente referência pessoal ao prefeito reeleito, não foi comprovadamente custeada com recursos públicos, nem utilizada em evento público ou propaganda, inexistindo demonstração de benefício eleitoral concreto.  

7. A prova dos autos é insuficiente para caracterizar a gravidade exigida pela jurisprudência para aplicação das sanções previstas no art. 22 da LC nº 64/1990.  

IV. DISPOSITIVO E TESE  

Recurso desprovido.  

Tese de julgamento:  

1. Para a configuração do abuso de poder político ou econômico é imprescindível a demonstração de conduta grave, com aptidão para comprometer a igualdade entre os candidatos e a legitimidade do pleito.  

2. A execução de programa social instituído por lei e com previsão orçamentária não configura abuso de poder quando ausente desvio de finalidade ou utilização eleitoreira.  

3. A simples apreensão de objeto com referência pessoal a candidato, sem demonstração de uso em campanha ou vínculo com atos eleitorais, não caracteriza promoção pessoal apta a ensejar sanção.Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 1º; LC nº 64/1990, art. 22, XIV; Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 10.  

Jurisprudência relevante citada:  

TSE, AgRg no RO nº 0601659-36, Rel. Min. André Mendonça, DJE de 26.09.2024. 

TSE, AgRg no REspEl nº 0601065-60, Rel. Min. Raul Araújo, DJE de 05.06.2023. 

TSE, AIJE nº 0600814-85, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.06.2023.

Recurso Eleitoral em AIJE nº 060106495, Acórdão, Relator(a) Des. Washington Luis Macedo De Amorim, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-PE, 20/10/2025. 

 

Portanto, não restou configurada a violação ao art. 73, IV e §10, da Lei nº 9.504/97, mantendo-se, também neste ponto, a sentença recorrida.

 

IV. DA CONCLUSÃO E DO DISPOSITIVO

 

A análise do conjunto probatório revela que os recorrentes não conseguiram produzir prova robusta, segura e inconteste da prática das condutas vedadas ou do abuso de poder político e econômico pelas recorridas.

 

As condutas apontadas não se subsumem ao respectivo tipo legal (como no caso da não configuração de "revisão geral" ou da ausência de uso de servidor em horário de expediente), bem como encontram-se acobertadas por ressalvas legais e justificativas administrativas válidas, como a necessidade de manutenção de serviços essenciais e a observância de alertas de órgãos de controle.

 

É imperioso destacar que o ordenamento jurídico eleitoral brasileiro, ao estabelecer sanções graves como a cassação de mandato e a declaração de inelegibilidade, exige prova robusta e inequívoca das irregularidades, não se contentando com meras ilações ou indícios frágeis.

 

A proteção à vontade popular manifestada nas urnas impõe cautela redobrada na aplicação dessas penalidades drásticas.

 

O ônus probatório, que recai sobre os Investigantes (art. 373, I, do CPC), não foi cumprido com o rigor exigido pela gravidade das sanções almejadas (cassação de mandato e inelegibilidade), sendo imperativa a manutenção da sentença de improcedência.

 

Diante do exposto, em consonância com o Parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral (ID 16482836), voto pelo conhecimento do Recurso Eleitoral e, no mérito, nego-lhe provimento para manter os termos da sentença prolatada pelo Juízo de 1º grau.

 

É como voto.

 

Após o transito em julgado, remetam-se os autos à Zona Eleitoral de origem.

 

João Pessoa/PB, data da assinatura eletrônica.

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ROBERTO D HORN MOREIRA MONTEIRO DA FRANCA SOBRINHO

Relator